Exposição ocupacional ao Sars-CoV-2: investigação das condições de saúde/segurança dos trabalhadores essenciais para subsidiar ações de mitigação de risco da Covid-19

Occupational exposure to SARS-CoV-2: investigation of the health/safety conditions of essential workers to support COVID-19 risk mitigation actions

Maria Juliana Moura-Corrêa Augusto Souza Campos Isabele Campos Costa Amaral Ana Luiza Michel Cavalcante Ivair Nóbrega Luques Liliane Reis Teixeira Rita de Cássia Oliveira da Costa Mattos Sobre os autores

RESUMO

Em janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou a Covid-19 como emergência de saúde pública no mundo. Diante da ausência de medidas farmacológicas, a única prevenção adotada foi o distanciamento físico. Porém, trabalhadores essenciais ficaram submetidos às políticas de gestão de saúde e segurança das empresas. O objetivo deste artigo é investigar as condições de saúde e segurança dos trabalhadores expostos ao Sars-CoV-2, por meio da aplicação de ferramentas de inovação tecnológica, para dar suporte e subsidiar ações de mitigação de risco da doença. Trata-se de estudo transversal, conduzido na plataforma REDCap, por instrumento autoaplicável de comunicação de risco de trabalhadores em atividade presencial e remota, no Brasil. Participaram 2.476 trabalhadores, dos quais, 723 foram aceitos por análise de consistência das respostas. A idade média foi de 43,5 anos, sexo feminino (53,3%), cor branca (62%), carga de 21-40 horas semanais (60%) e Covid-19 em 27,4% da amostra. A maioria (75,2%) considerou que a transmissão ocorreu no trabalho e que medidas de proteção coletiva foram insuficientes. Os achados apontam deficiências nos planos de contingência das empresas, que repercutem em insegurança e risco de exposição ao Sars-CoV-2, reduzindo a eficácia das medidas sanitárias e transformando o trabalho em lócus de disseminação do vírus.

PALAVRAS-CHAVE
Exposição ocupacional; Sars-CoV-2; Saúde ocupacional; Tecnologia da informação

ABSTRACT

In January 2020, the World Health Organization declared COVID-19 a public health emergency worldwide. Given the absence of pharmacological measures, the only prevention adopted was physical distancing. However, essential workers were subject to the health and safety management policies of companies. The aim of this article is to investigate the health and safety conditions of workers exposed to SARS-CoV-2, using the application of technological innovation tools, to support and subsidize disease risk mitigation actions. This is a cross-sectional study, conducted in the Redcap platform, by a self-administered instrument of risk communication of workers in face-to-face and remote activities, in Brazil. A total of2,476 workers took part, 723 of whom were accepted by analysis of consistency of responses. The average age was 43.5 years, female (53.3%), white (62%), working 21-40 hours a week (60%) and Covid-19 in 27.4% of the sample. Most (75.2%) considered that the transmission occurred at work and the collective protection measures were insufficient. The findings point to deficiencies in the contingency plans of the companies, which have repercussions on the insecurity and risk of exposure to SARS-CoV-2, reducing the effectiveness of sanitary measures and transforming the work into locus of dissemination of the virus.

KEYWORDS
Occupational exposure; SARS-CoV-2; Occupational health; Information technology

Introdução

Desde o surgimento do novo coronavírus (2019-nCoV)11 Lai CC, Shih TP, Ko WC, et al. Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) and coronavirus disease-2019 (COVID-19): The epidemic and the challenges. Int J Antimicrob Agents. 2020; 55(3):105-924., na cidade de Wuhan, na China, em dezembro de 2019, a infecção se disseminou mundialmente devido à velocidade de transmissão, impondo enormes desafios à ciência, à vida em comunidade, ao modo de produção e trabalho, e à pesquisa em saúde.

Em 30/01/2020, o surto de 2019-nCov foi declarado Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII)22 World Health Organization. Statement on the meeting of the International Health Regulations (2005) Emergency Committee regarding the outbreak of novel coronavirus (2019-nCoV). [acesso em 2021 jun 6]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/detail/23-01-2020-statement-on-the-meeting-of-the-international-health-regulations-(2005)-emergency-committee-regarding-the-outbreak-of-novel-coronavirus-(2019-ncov).
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e classificado como pandemia33 World Health Organization. WHO says COVID-19 is now characterized as a pandemic. [acesso em 2021 jun 6]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/news/11-3-2020-who-characterizes-covid-19-pandemic.
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pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11/03/2020. No Brasil, em 03/02/2020, foi considerado Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin)44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM nº 188, de 3 de fevereiro de 2020. Declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV). Diário Oficial da União, Brasília (DF), Brasil. [acesso em 2021 jun 6]. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-188-de-3-de-fevereiro-de-2020-241408388.
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.

Nesse período, as principais medidas adotadas foram distanciamento físico e atenção hospitalar, em detrimento do controle da circulação do vírus no território e nos conglomerados produtivos. No Brasil, Giovanella et al.55 Giovanella L, Franco CM, Almeida PF. Política Nacional de Atenção Básica: para onde vamos? Ciênc. saúde coletiva. 2020; 25(4):1475-82. concluíram que a fragilidade da atuação da Atenção Primária à Saúde (APS) no enfrentamento da pandemia foi decorrente do desmantelamento da Estratégia Saúde da Família, iniciado em 2017, com desincentivos da abordagem territorial pela nova forma de financiamento, redução na equipe dos agentes comunitários e dos médicos contratados pelo Programa Mais Médicos, flexibilização da carga horária, extinção da prioridade e dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB).

Dessa forma, trabalhadores de atividades essenciais66 Brasil. Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020. Regulamenta a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais. (2020). Diário Oficial da União. 20 Mar 2020. [acesso em 2021 jun 6]. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/republicacao-249098206.
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se mantiveram em contínua exposição nos ambientes de trabalho. Para Baker77 Baker MG, Peckham TK, Seixas NS. Estimating the burden of United States workers exposed to infection or disease: a key factor in containing risk of COVID-19 infection. PLoS One. 2020; 15(4):e0232452., pela magnitude da força de trabalho nos países, eles seriam o lócus-chave para mitigar a transmissão do Sars-CoV-2 e propor estratégias de intervenções em saúde pública, devido ao elevado risco de exposição e circulação do vírus, que os transforma em foco da disseminação para as comunidades com as quais interagem.

Iniciativas para compreender a gravidade pandêmica intensificaram a aplicação em massa de recursos da ciência da informação e tecnologia no enfrentamento da pandemia e na elaboração de políticas públicas, instalando um novo processo de trabalho, sem precedentes na história. Diversos projetos implementaram novos conhecimentos globais na saúde, por meio de Inteligência Artificial (IA)88 Nguyen TT, Nguyen QVH, Nguyen DT, et al. Artificial Intelligence in the Battle against Coronavirus (COVID-19): A Survey and Future Research Directions. Europe PMC. 2020 [acesso em 2022 dez 12]; preprint. Disponível em: https://arxiv.org/abs/2008.07343.
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, para fins de diagnóstico e tratamento, objetivando construir modelos preditivos sobre a dinâmica da transmissão de Covid-1999 León UAP, Pérez ÁG, Avila-Vales E. An SEIARD epidemic model for COVID-19 in Mexico: mathematical analysis and state-level forecast. Chaos Solitons Fractals. 2020; 140:110165., modelos matemáticos1010 Ivorra B, Ferrández MR, Vela-Pérez M, et al. Mathematical modeling of the spread of the coronavirus disease 2019 (COVID-19) taking into account the undetected infections. The case of China. Communications in nonlinear science and numerical simulation. 2020; 88:105303., mineração de texto, processamento de linguagem natural, pesquisas1111 Rao ASRS, Vazquez JA. Identification of COVID-19 can be quicker through artificial intelligence framework using a mobile phone-based survey in the populations when cities/towns are under quarantine. Infect Control Hosp. Epidemiol. 2020; 41(7):826-30. e arquitetura de redes1212 Infectious Diseases Society of Amer. COVID-19 Real-Time Learning Network. [acesso em 2022 mar 19]. Disponível em: https://www.idsociety.org/covid-19-real-time-learning-network/about/.
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.

No Brasil, foi instituída a Rede de Informações e Comunicação sobre a Exposição de Trabalhadores e Trabalhadoras ao Sars-CoV-2 (Rede Trabalhadores & Covid-19), em 30/06/20201313 Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Rede de informações sobre a exposição ao SARS-CoV-2 em trabalhadores no Brasil: informe 2. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz; 2020. 12 p., estruturada por meio de soluções digitais de informação e comunicação com o propósito de disseminar evidências científicas a partir da mineração de textos, estudos, notas técnicas e pareceres para informar grupos ocupacionais. Entre as etapas, foram realizadas revisões de diversos protocolos, manuais e diretrizes dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC)1414 Centers for Disease Control and Prevention. Interim Guidance for Businesses and Employers to Plan and Respond to Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). [acesso em 2021 jun 21]. Disponível em: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/specific-groups/guidance-business-response.html.
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e da agência dos Estados Unidos Occupational Safety and Health Administration (OSHA/EUA)1515 Occupational Safety and Health Administration. Guidance on Preparing Workplaces for COVID-19. [acesso em 2021 Jun 21]. Disponível em: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3990.pdf.
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, para subsidiar os planos de contingências.

Nesse período, a infecção por Sars-CoV-2 já havia se espalhado por sete continentes e diversos países, com taxas crescentes de casos e óbitos, com enormes disparidades entre os continentes. As infecções diárias globais foram estimadas com flutuação entre 3 milhões e 17 milhões de novas infecções por dia entre abril de 2020 e outubro de 2021, com mais de 40% da população global infectada pelo menos uma vez até 14 de novembro de 20211616 COVID-19 Cumulative Infection Collaborators. Estimating global, regional, and national daily and cumulative infections with SARS-CoV-2 through Nov 14, 2021: a statistical analysis. Lancet. 2022; 399(10344):2351-80.. E as taxas acumuladas de mortes atribuíveis à Covid-19, em 14 de novembro de 2021, foram quase três vezes maiores, com 15,1 milhões (95% UI 11,2-20,2), uma taxa de 195 mortes por 100.000 pessoas (145-262). Nesse ranking, o Brasil estava entre os países com taxas de mortalidade acima de 450 por 100.000, juntamente com México, Itália e EUA1717 COVID-19 Cumulative Infection Collaborators. Estimating excess mortality due to the COVID-19 pandemic: a systematic analysis of COVID-19-related mortality, 2020-21. Lancet. 2022; 399(10344):1513-36..

Diante da velocidade da transmissão do coronavírus, foram necessárias respostas rápidas para conter a pandemia em um cenário de ausência de vacina e medicamentos, em que a única medida sanitária era o distanciamento físico. A situação foi agravada, também, pela dimensão dessa pandemia e seus efeitos sinérgicos em diversas áreas, sendo denominada sindemia1818 Horton R. Offline: COVID-19 is not a pandemic. Lancet. 2020 [acesso em 2021 jun 6]; 396(10255):874. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32979964/.
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, termo cunhado por Singer1919 Mendenhall E, Singer M. What constitutes a syndemic?Methods, contexts, and framing from 2019. Curr Opin HIV AIDS. 2020; 4(15):213-7., na pandemia de HIV/Aids, na década de 1990. Portanto, para frear a velocidade da transmissibilidade, além das medidas sanitárias, também era importante adotar um sistema capaz de oferecer atenção à saúde adequada e oportuna2020 Aquino E, Silveira IH, Pescarini J, et al. Medidas de distanciamento social no controle da pandemia de COVID-19: potenciais impactos e desafios no Brasil. Ciênc. saúde coletiva. 2020; 25(supl1):2423-46..

Essas características e a magnitude da propagação do Sars-CoV-2 exigiram iniciativas de circulação imediata de informações sobre o vírus e medidas de mitigação de riscos nos ambientes de trabalho, para instituir ações de prevenção, com uso intensivo de IA, questão central da instituição da Rede Trabalhadores & Covid-191313 Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Rede de informações sobre a exposição ao SARS-CoV-2 em trabalhadores no Brasil: informe 2. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz; 2020. 12 p..

Muitos trabalhadores foram mantidos em trabalho remoto, mas uma parcela considerável continuou presencialmente. Esses trabalhadores, designados como essenciais, foram impedidos de praticar o distanciamento físico - única medida de mitigação da transmissão do coronavírus, aliada às práticas de higiene, instituídas no primeiro ano de pandemia.

No Brasil, diversas normas técnicas e recomendações foram elaboradas pelas instituições responsáveis pela saúde e pela segurança2121 Brasil. Ministério Público do Trabalho, Procuradoria Geral do Trabalho. Nota Técnica GT COVID-19. 2020 [acesso em 2021 jun 6]; 20:1-12. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-mpt.pdf.
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, abrangendo os trabalhadores em geral, sem as especificidades e riscos diferenciados por processo produtivo. Entretanto, o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Saúde elaboraram recomendações específicas2222 Conselho Nacional de Saúde. Recomendação nº 020, DE 07 de Abril de 2020. Recomenda a observância do Parecer Técnico nº 128/2020, que dispõe sobre as orientações ao trabalho/atuação dos trabalhadores e trabalhadoras, no âmbito dos serviços de saúde, durante a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional em decorrência Doença por Coronavírus - COVID-19. [acesso em 2021 jun 6]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/recomendacoes-2020/1103-recomendac-a-o-no-020-de-07-de-abril-de-2020.
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23 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações de proteção aos trabalhadores dos serviços de saúde no atendimento de COVID-19 e outras síndromes gripais. [acesso em 2021 jun 6]. Disponível em: https://www.saude.go.gov.br/files/banner_coronavirus/GuiaMS-Recomendacoesdeprotecaotrabalhadores-COVID-19.pdf.
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-2424 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Orientações para Prevenção e Vigilância Epidemiológica das Infecções por Sars-Cov-2 (Covid-19) Dentro dos Serviços de Saúde. (Complementar à Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA nº 04/2020). [acesso em 2021 jun 6]. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/notas-tecnicas/nota-tecnica-no-07-de-2020/view.
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direcionadas aos trabalhadores da saúde. Trabalhadores de outros ramos de atividade econômica não tiveram as mesmas orientações, sendo alvos de vigilância nos ambientes de trabalho, quando ocorreram surtos de Covid-19.

Para o segundo ano de pandemia, a inovação tecnológica e a agilidade na produção de vacina trouxeram novas perspectivas que contribuíram para minimizar os drásticos efeitos da doença, aumentando a imunidade coletiva, embora novas variantes do Sars-CoV-2 continuem a ameaçar e desafiar o cenário global. Como os trabalhadores não foram incluídos inicialmente entre os grupos de risco, os períodos subsequentes da pandemia revelaram importantes surtos em alguns ramos produtivos, especialmente entre petroleiros embarcados e os trabalhadores de frigoríficos, cujos riscos levaram à interdição de 8 empresas de alimentação no País, em maio de 2020, por parte do Ministério Público do Trabalho2525 Brasil. Ministério da Agricultura. Relatório de atividades do Serviço de Inspeção Federal. Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal. 2020 [acesso em 2021 jun 6]; 3(1):1-15. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/relatorio-mostra-andamento-dos-servicos-de-inspecao-e-fiscalizacao-de-produtos-de-origem-animal-no-pais/copy_of_3RelatoriodeatividadesSIF.pdf.
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De Negri et al.2626 De Negri F, Galliez RM, Miranda P, et al. Chances de Óbito por Covid-19 Entre os Trabalhadores Formais: Evidências do Estado do Rio de Janeiro. Nota técnica 76. [acesso em 2021 jun 6]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/201104_nt_diset_n_76.pdf.
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estimaram excesso de morte por Covid-19 em trabalhadores, indicando que estes estavam mais expostos à infecção e ao desfecho negativo da doença. Entre os trabalhadores do mercado formal, os homens possuíam 135% a mais de chances de morrer do que as mulheres. E quem trabalhava na região metropolitana se mostrou mais suscetível, com 141% a mais de probabilidade de óbito. Os trabalhadores das áreas da saúde e da segurança apresentaram, respectivamente, chances de morrer 2,46 e 2,25 vezes superiores às dos ocupados em outras atividades. Trabalhadores do comércio, da imprensa e dos serviços essenciais tiveram, respectivamente, 30%, 49% e 38% mais chances de óbito quando comparados à população geral. Outro estudo2727 Larentis AL, Silva ENC, Albuquerque HC, et al. Parecer sobre contaminações por Covid-19 a bordo de plataformas e contribuições para investigação da caracterização do nexo causal entre a doença e o trabalho no setor de petróleo e gás. [acesso em 2021 jun 6]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/43949.
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, com trabalhadores do ramo produtivo de petróleo e gás, estimou a incidência de contágio do coronavírus entre os petroleiros como sendo duas vezes maior que a registrada para a população em geral.

A abordagem das doenças infecciosas na maioria dos ambientes de trabalho é ainda incipiente no campo da saúde do trabalhador, enquanto área de risco de atenção em saúde pública e ocupacional, bem como das diretrizes do gerenciamento de riscos biológicos, exceto para os trabalhadores da saúde, para quem esse é um dos principais riscos monitorados. Entretanto, existem evidências suficientes sobre a centralidade do trabalho e da mobilização social no controle das vias de transmissão das doenças infecciosas entre trabalhadores, familiares e comunidade2828 World Health Organization. Social mobilization in public health emergencies: Preparedness, readiness and response. [acesso em 2021 jun 6]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70444/WHO_HSE_GAR_BDP_2010.1_eng.pdf.
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O presente estudo, à luz dos princípios da epidemiologia e da tecnologia da informação, tem o objetivo de investigar as condições de saúde e segurança dos trabalhadores expostos ao Sars-CoV-2, por meio da aplicação de ferramentas de inovação tecnológica, para dar suporte e subsidiar ações de mitigação de riscos da Covid-19. E, consequentemente, avaliar as medidas de proteção à saúde dos trabalhadores, para auxiliar na mitigação da transmissão do coronavírus nos planos de contingências. Para isso, buscou-se explorar atitudes, práticas e mudanças organizacionais realizadas durante a pandemia de Covid-19.

Material e métodos

Trata-se de uma pesquisa transversal, conduzida em plataforma on-line, de 01 de dezembro de 2020 a março de 2021 (fase 1), e de abril de 2021 a maio de 2022 (fase 2), direcionada a trabalhadores no Brasil.

Amostra de estudo

A população-alvo do estudo foram trabalhadores essenciais listados no Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, para registro e memória da história laboral durante a pandemia44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM nº 188, de 3 de fevereiro de 2020. Declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV). Diário Oficial da União, Brasília (DF), Brasil. [acesso em 2021 jun 6]. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-188-de-3-de-fevereiro-de-2020-241408388.
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Trabalhadores com 18 anos ou mais, em regime de período integral ou parcial, empregados formal ou informalmente, presencial ou remotamente, foram considerados elegíveis. Para os respondentes ingressarem no estudo, o critério básico para acesso foi ter equipamento eletrônico (notebook, computador, celular) e internet para preenchimento do questionário.

Seleção da população

A coleta de dados foi desenvolvida para abranger trabalhadores de diversos ramos de atividade econômica e ocupações. O acesso da população-alvo ao formulário, hospedado na plataforma Research Electronic Data Capture (REDCap), ocorreu por meio de link público da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp)/Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat), da Rede Nacional de Saúde do Trabalhador (Renast on-line), por e-mail e redes sociais.

Procedimentos autodeclarados para respondentes do questionário on-line

O preenchimento do Questionário Eletrônico em Saúde do Trabalhador (QREST) on-line iniciava com o aceite do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A participação foi voluntária, e os respondentes tiveram o direito de se retirar do estudo a qualquer momento. Dados armazenados na plataforma REDCap foram protegidos pelos perfis com senha.

Instrumento de coleta de dados - QREST on-line

O instrumento QREST foi desenvolvido e disponibilizado para plataforma web. Ele foi estruturado em eixos temáticos e é decorrente de pesquisa exploratória e leitura prévia de documentos científicos2929 Filardi F, Castro RMP, Zanini MTF. Vantagens e desvantagens do teletrabalho na administração pública: análise das experiências do Serpro e da Receita Federal. Cad EBAPE.BR. 2020; 18(1):28-46.. Também foram consultados outros questionários sobre Covid-19, saúde e segurança no trabalho3030 Survey Monkey. Modelo de pesquisa para gerentes sobre trabalho remoto durante a crise do coronavírus. [acesso em 2020 jul 27]. Disponível em: https://pt.surveymonkey.com/mp/coronavirus-working-from-home-check-in-survey-template/.
https://pt.surveymonkey.com/mp/coronavir...

31 Sindicato dos Trabalhadores em Instituições Federais de Educação Profissional e Tecnológica - Goiás. Questionário para docentes. [acesso em 2020 jul 27]. Disponível em: http://sintef.org.br/wp/2020/06/09/responda-aqui-o-questionario-docente-sobre-trabalho-remoto/.
http://sintef.org.br/wp/2020/06/09/respo...
-3232 Moreira RM, organizador. Representações sociais, saúde e qualidade de vida em tempos de Pandemia covid-19: uma análise sobre Brasil e Portugal. Petrolina: Univasf; 2022. [acesso em 2023 out 27]. Disponível em: https://portais.univasf.edu.br/gipeef/gipeef/publicacoes/e-book-ii-cirsqvasf-i-olymhealthcare-2022.pdf.
https://portais.univasf.edu.br/gipeef/gi...
. Para o eixo de ambiente e processo de trabalho, utilizaram-se os roteiros de Vigilância em Saúde do Trabalhador do Estado de São Paulo3333 São Paulo. Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo; Centro de Vigilância Sanitária. Diretrizes para inspeção sanitária nos ambientes de trabalho para investigação de surtos de Covid-19. ANEXO 1 - roteiro para inspeção sanitária nos ambientes de trabalho para investigação de surtos de Covid-19. [acesso em 2020 jul 27]. Disponível em: https://cvs.saude.sp.gov.br/up/Diretrizes_Inspe%C3%A7%C3%A3o_Ambiente_Trabalho_COVID%20(1).pdf.
https://cvs.saude.sp.gov.br/up/Diretrize...
e da Bahia3434 Bahia. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, Superintendência de Vigilância e Proteção da Saúde. Orientações técnicas para a investigação e notificação de casos de Covid-19 relacionados ao trabalho. SUS/BAHIA. [acesso em 2020 jul 27]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2020/09/OrientacoesTecnicasCasosCovid-19_atualizado.pdf.
http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/up...
e diretrizes da OMS3535 World Health Organization. Getting your workplace ready for COVID-19. [acesso em 2021 jun 6]. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/getting-workplace-ready-for-covid-19.pdf.
https://www.who.int/docs/default-source/...
. Em cada bloco de temas, foram elaboradas perguntas norteadoras estruturadas para investigar as condições de saúde e ambiente.

O QREST para trabalho presencial foi organizado em 11 divisões temáticas: 1. dados do empregador; 2. dados do trabalhador; 3. saúde; 4. avaliação de risco; 5. medidas de prevenção; 6. capacitação; 7. medidas administrativas; 8. equipamento de proteção individual; 9. transporte; 10. percepção de Risco; e 11. participação, controle social e informação. E o de trabalho remoto continha 8 questões norteadoras: 1. tipo de trabalho remoto; 2. organização do trabalho; 3. carga de trabalho; 4. regulação; 5. produção e produtividade; 6. meios de trabalho; 7. percepção de risco; e 8. saúde e relações interpessoais.

O conteúdo de cada pergunta foi elaborado levando-se em consideração o objetivo, a utilidade, a existência de ambiguidade, possível viés e a possibilidade de constrangimento por parte do respondente. Optou-se por perguntas fechadas, maioria de múltipla escolha, em alguns casos, acompanhadas de questão aberta. As respostas, em sua maioria, foram variáveis dicotômicas. Perguntas abertas foram utilizadas somente na identificação do trabalhador e do estabelecimento. Utilizou-se escala do tipo Likert, com cinco pontos por frequência sobre a percepção de risco dos trabalhadores com relação aos ambientes e contatos com colegas e clientes: [nunca]; [raramente]; [às vezes]; [frequentemente]; [sempre]. Respostas categóricas com gradiente de qualificação foram adotadas para medidas ambientais coletivas: [Sim, aceitável]; [Sim, mas insuficiente]; [Não]; [Não se aplica]; [Não sei]. Para política por local de trabalho, utilizou-se escala categórica de respostas descritiva em três pontos: [nada]; [alguma extensão]; e [boa o suficiente]. Sobre carga de trabalho, adotou-se gradação de risco: [aumentou muito]; [aumentou um pouco]; [não se alterou]; [diminui um pouco]; [diminui muito].

Em ambos os grupos de trabalhadores, nas modalidades de trabalho presencial e remota, a amostra foi não probabilística, do tipo por conveniência, devido à facilidade de acesso.

Os dados foram coletados e gerenciados usando a ferramenta REDCap, hospedadas na Ensp/Fiocruz3636 Harris PA, Taylor R, Thielke R, et al. Research electronic data capture (REDCap) - Uma metodologia orientada por metadados e processo de fluxo de trabalho para fornecer suporte informático de pesquisa translacional. J Biomed Inform. 2009; 42(2):377-81.,3737 Harris PA, Taylor R, Minor BL, et al. The REDCap consortium: Building an international community of software platform partners. J Biomed Inform. 2019; 95:103208.. REDCap é uma plataforma de software segura, baseada na web, projetada para suportar a captura de dados para estudos de pesquisa, fornecendo: 1) interface intuitiva para captura de dados validados; 2) trilhas de auditoria para rastreamento de manipulação de dados e procedimentos de exportação; 3) procedimentos de exportação automatizados para downloads contínuos de dados para pacotes estatísticos comuns; e 4) procedimentos para integração de dados e interoperabilidade com fontes externas.

Análise de dados

Definida a amostra, as respostas válidas para cada pergunta e os cruzamentos com modalidade de trabalho e diagnóstico de Covid-19 foram avaliados pelo teste Qui-Quadrado, com auxílio dos resíduos padronizados ajustados por idade; e,para o número de pessoas no domicílio, foi aplicado o teste t de Student. As análises foram realizadas no software SPSS versão 25. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Ensp/Fiocruz por meio da Plataforma Brasil, e aprovado sob parecer 4.785.660 e CAAE nº 31197820.0.00005240.

Resultados

Os resultados são oriundos da comunicação de risco instituída pela Rede Trabalhadores & Covid-19, a partir das etapas de análises de construção e qualificação do QREST, bem como da análise exploratória dos dados, de predição e os seus descritivos.

Análise para qualificação do questionário

A análise de concordância semântica e de conteúdo do QREST foi realizada por especialistas na área de saúde do trabalhador, em conjunto com trabalhadores da base sindical. A leitura completa das questões e respostas esperadas foi sistematicamente revisada por essa equipe, constituindo etapas de testagem, aplicação e detecção de impressões discordantes/consensos para solução de problemas e acordos que orientaram os procedimentos de ajustes e melhorias do instrumento. Após essa etapa de desenvolvimento, o QREST para trabalhadores com atividade presencial foi submetido à etapa de pré-teste com 10 integrantes da equipe do Projeto Rede Trabalhadores & Covid-19 e 15 dirigentes sindicais que compõem o núcleo focal do projeto no estado do Rio Grande do Sul.

Para o desenvolvimento das questões para trabalhadores em atividade remota, foram realizadas duas etapas de qualificação do QREST: 1. encontro entre 5 especialistas da Rede Trabalhadores & Covid-19 e 4 assessores do Sindicato da Justiça Federal no Rio Grande do Sul (Sintrajufe RS); 2. grupo focal com trabalhadores da base do Sintrajufe RS, por meio de 3 encontros com 50 participantes. Após essa etapa, o QREST - remoto - passou por fases de ajustes para atender trabalhadores de outros ramos.

Análise exploratória dos dados

A etapa inicial da análise de dados coletados do questionário eletrônico consistiu na verificação da representatividade das variáveis quanto à sua frequência e qualidade. Para isso, foram examinadas a consistência e integridade das respostas.

Do total de 2.476 respondentes, obtiveram-se 572 questionários qualificáveis para análise da fase 1, de um total de 2.002 registros, entre 11/2020 e 03/2021, e 151 registros qualificáveis da fase 2, de um total de 474 acessos, de 22/04/2021 a 02/05/2022. Consideraram-se como válidos apenas os que tinham TCLE aceito e aqueles questionários que continham mais informações. Eventualmente, as perguntas não respondidas e respondidas em outro formulário ou em formulários duplicados foram imputadas. Para casos com mais de dois registros, optou-se pelas respostas mais frequentes. E, naqueles registros que tinham datas distantes, optou-se pelo primeiro registro, e não foram imputadas respostas que poderiam estar no(s) outro(s) registro(s) devido à diferença de tempo. Optou-se por considerar apenas um registro por trabalhador, já que as unidades amostrais devem ser independentes.

Por fim, foram excluídos os registros que não tinham informação de duas variáveis definidas como principais: modalidade de trabalho (Remoto/Presencial) e diagnóstico de Covid-19 (Confirmação ou Negativa laboratorial/Confirmação ou Negativa clínica/Suspeita/Sem suspeita, teste ou avaliação).

Análise descritiva

Com a introdução do questionário digital, foi possível estabelecer contato com 2.561 trabalhadores que acessaram o questionário on-line. Aproximadamente, mais de mil trabalhadores responderam às questões alternadamente, dos quais, 723 obtiveram boa consistência das respostas aprovadas para fins de análises, referentes às 164 questões do questionário. As Unidades Federativas brasileiras que tiveram adesão e participação dos trabalhadores no questionário on-line foram: São Paulo (n=228; 33,2%), Rio de Janeiro (n=205; 29,8%), Rio Grande do Sul (n=128; 18,6%) e outras (n=126; 18,3%).

As características sociodemográficas e laborais são apresentadas na tabela 1. A idade não foi informada em 45 sujeitos (11 da fase 1, e 56 da fase 2), tendo, em média, 43,5 anos (DP=10). Pouco mais da metade da amostra era do sexo feminino (53,3%) e casado ou em união estável (59,3%). Aproximadamente, 62% eram da cor branca, 60% tinham carga horária semanal de 21-40h, e 72% estavam na modalidade presencial de trabalho. A escolaridade e a renda são referentes à fase 2, em que 3 em cada 4 sujeitos possuíam 3ºgrau completo; 39% tinham renda de 2 a 4 salários; e 35,6% de 4 a 10 salários. Além disso, trabalhadores com modalidade de trabalho remoto apresentaram maior carga horária semanal de trabalho, quando comparados aos trabalhadores com modalidade de trabalho presencial.

Tabela 1
Características sociodemográficas e laborais em trabalhadores expostos ao Sars-CoV-2 no trabalho. Brasil, 2021 a 2022

O diagnóstico positivo de Covid-19 foi observado em 198 sujeitos (27,4% da amostra: 26,6% laboratorial e 0,8% clínica). Dos casos confirmados, 62,4% foram diagnosticados no serviço de saúde, e a empresa orientou isolamento domiciliar por 14 dias para 71,2%, encaminhou para a unidade de saúde do SUS em 14,6% dos casos, e em 14,1% dos casos a empresa não realizou nenhuma orientação. O contato com algum caso confirmado no trabalho foi observado em 59,4% da amostra (tabela 2).

Tabela 2
Número e proporção de rastreio do diagnóstico de Covid-19 e orientações da empresa para os casos confirmados. Brasil, 2020 a 2022

Quanto aos sinais e sintomas apresentados no gráfico 1, 45,4% dos trabalhadores foram assintomáticos. Cansaço, dor de cabeça e dor no corpo foram os três sintomas mais prevalentes (41,7%, 36,4% e 31,0%, respectivamente), sendo que cansaço foi avaliado apenas na fase 2. A proporção de casos com dor de cabeça e dor no corpo foi significativamente maior entre os trabalhadores presenciais (39,8% e 33,1% contra 27,5% e 25,5% nos remotos, p=0,002 e p=0,049, respectivamente).

Gráfico 1
Distribuições dos sinais e sintomas da Covid-19 por modalidade de trabalho. Brasil, 2021-2022

A tabela 3 apresenta a percepção dos trabalhadores sobre os riscos de proximidade e contato físico no trabalho presencial, sendo que o contato físico não foi avaliado na fase 2. A ocorrência de proximidade física e contato físico com colegas, visitantes, clientes ou contratados frequentemente/sempre foi observada na grande maioria da amostra, 75,2% e 70%, respectivamente. Essas proximidades não foram percebidas em 38,6% e 42,8% dos trabalhadores, respectivamente.

Tabela 3
Percepção de risco por frequência de proximidade e contato físico em trabalhadores em atividade presencial. Brasil, 2020 a 2022

Entre as medidas de proteção coletivas que poderiam ser adotadas pela empresa, a que teve mais de 50% de adoção de forma aceitável foi a oferta de água para consumo no ambiente de trabalho, sem compartilhamento de bebedouros e copos. Já o fornecimento e a higienização de uniformes pela empresa, descontaminação e descarte de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) não foram adotados por 49,1% e 45%, respectivamente (tabela 4).

Tabela 4
Distribuição proporcional de medidas de proteção coletiva adotadas nos ambientes de trabalho por gradiente de qualificação. Brasil, 2020 a 2022

Discussão

Em 2020, pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (PNAD Covid-19) estimou a população brasileira em 211.755.692 habitantes, com uma força de trabalho de 83,7 milhões de população economicamente ativa e ocupada. Desses, entre 13 e 27% dos ocupados estavam em trabalho remoto, de 31 de maio a 6 junho de 20203838 Dingel J, Neiman B. How many jobs can be done at home? Cambridge: NBER; 2020., o que demonstra a expressiva participação dos trabalhadores em atividade presencial na circulação do vírus e da cadeia de transmissibilidade.

O perfil da população respondente apresentou como características predominantes: sexo feminino; elevado nível educacional dos trabalhadores da saúde e das instituições de ensino; e maior carga horária semanal de trabalho de trabalhadores em modalidade remota, que atenderam ao chamado de participação na pesquisa.

Com base nos dados do QREST, foi possível evidenciar a baixa realização de testagem nos trabalhadores, bem como os encaminhamentos aos serviços de saúde. E surpreende a ausência de orientações autorreferidas, num período em que a agilidade no acesso a informações foi essencial na proteção coletiva.

Diferenças da comunicação de risco entre os trabalhadores foram evidenciadas pela maior positividade do vírus naqueles que estavam em atividade presencial em relação aos que estavam em atividade remota, o que sugere que aqueles que trabalharam no domicílio seguiram produzindo doentes, sem utilizar o direito de afastar-se para tratamento de saúde.

A percepção dos trabalhadores sobre as insuficientes medidas sanitárias coletivas instituídas nos ambientes de trabalho, especialmente daqueles que permaneceram em atividade presencial, aumentou a insegurança e o potencial risco de contágio pelo Sars-CoV-2 entre os grupos de trabalho e os seus familiares. Certamente, também aumentou a carga de desgaste e sofrimento mental dos trabalhadores diante de um risco letal e grave. Assim, como alerta para insuficiência da política de gerenciamento por local de trabalho e políticas governamentais com relação aos ambientes de trabalho, com medidas de acessibilidades aos locais de trabalho, distanciamento interpessoal, fornecimento de EPI, como, por exemplo, máscaras e barreiras sanitárias, que foram determinantes para o aumento da infecção nos grupos ocupacionais. Essa percepção dos trabalhadores é confirmada pelos surtos em alguns processos produtivos e nos estudos populacionais que evidenciaram excesso de mortes em trabalhadores, demonstrando incapacidade de respostas governamentais e de gerenciamento de risco por parte das empresas que não foram efetivas para impactar positivamente na garantia de proteção à saúde e à vida dos trabalhadores durante o período de pandemia da Covid-19, no Brasil2727 Larentis AL, Silva ENC, Albuquerque HC, et al. Parecer sobre contaminações por Covid-19 a bordo de plataformas e contribuições para investigação da caracterização do nexo causal entre a doença e o trabalho no setor de petróleo e gás. [acesso em 2021 jun 6]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/43949.
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É importante ressaltar o fato de a maioria dos trabalhadores não relatar a alteração da percepção com relação à modificação no ambiente de trabalho relacionado a higienização, descontaminação e descarte de EPI, assim como para testagem para Covid-19. Dessa forma, a percepção dos trabalhadores aponta para ausência de cultura organizacional com implementação de diretrizes operacionais no enfrentamento da transmissão do coronavírus para a ampla maioria dos grupos ocupacionais, o que foi uma constante durante o primeiro ano da pandemia, até mesmo em setores produtivos como o da saúde, com larga experiência em medidas de controle de infecção, que também foi afetado pela insuficiência de medidas capazes de oferecer segurança no trabalho.

Diante dessa realidade, os conglomerados produtivos se transformaram em lócus de disseminação da Covid-19 e da ameaça de circulação contínua do vírus, fomentando novas ondas epidêmicas de variantes do coronavírus. Por outro lado, com políticas acertadas de segurança e monitoramento para os territórios produtivos, estes poderiam ser lócus de experimentação de barreira sanitária para grupos ocupacionais e comunidades.

A ausência de transparência sobre os suspeitos e os casos de Covid-19, aliada à falta de orientações sobre a infecção por Sars-CoV-2 e supervisão na aplicação das medidas de higiene individual e coletiva, levou a maior exposição nos ambientes de trabalho. Essa constatação dos trabalhadores reforça o conhecimento apreendido de diversas publicações3939 Massaroli A, Martini JG, Massaroli R. Educação Permanente para o aperfeiçoamento do Controle de Infecção Hospitalar: revisão integrativa. Saúde Transform. Soc. 2014; 5(1):7-15.,4040 United States. Occupational Safety and Health Administration. Protecting Workers: Guidance on Mitigating and Preventing the Spread of COVID-19 in the Workplace. [acesso em 2022 jun 6]. Disponível em: https://www.osha.gov/coronavirus/safework.
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que reconhecem a importância da Educação Permanente e a responsabilidade social como medidas eficazes para a prevenção de infecções nos ambientes, mediante conscientização e treinamento contínuo dos trabalhadores.

A partir dos dados deste estudo, foram elaborados planos de contingência, folders, 11 informes/boletins, 10 pareceres e notas técnicas para os sindicatos e Ministério Público do Trabalho, sendo divulgados no meio acadêmico (endereço Arca) e utilizados na mitigação de riscos à saúde dos trabalhadores sindicalizados participantes do estudo. Soma-se a isso a Carta de repúdio4141 Carta de Repúdio às Condições dos Trabalhadores da Petrobras no cenário da Pandemia da Covid-19. [acesso em 2022 abr 9]. Disponível em: http://informe.ensp.fiocruz.br/assets/anexos/8a565b1479d2ae5afe9e1cc04942f3fe.PDF.
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em apoio ao subsídio de elaboração e qualificação dos planos e protocolos de enfrentamento da Covid-19 por grupos ocupacionais.

Destaca-se aqui o plano de contingência4242 Conselho de Saúde de Porto Alegre. Plano de contingência em relação à transmissão comunitária da Ômicron, a organização da Atenção Primária em Saúde (APS) para atendimento dos sintomáticos respiratórios e o fluxo de testagem para COVID-19. Porto Alegre: CSPA; 2019. Facebook: @ Conselho de Saúde de Porto Alegre. [acesso em 2022 abr 9]. Disponível em: https://www.facebook.com/conselhodesaudeportoalegre/.
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com relação à transmissão comunitária da Ômicron, que teve como objetivo a organização da APS para atendimento dos sintomáticos respiratórios e o fluxo de testagem para Covid-19 junto à Secretaria Municipal de Porto Alegre e ao Conselho Municipal de Saúde; os pareceres4343 Larentis AL, Silva ENC, Albuquerque HC, et al. Parecer sobre contaminações por Covid-19 a bordo de plataformas e contribuições para investigação da caracterização do nexo causal entre a doença e o trabalho no setor de petróleo e gás. Rio de Janeiro: ENSP; Fiocruz; 2020. [acesso em 2022 abr 9]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/43949.
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,4444 Larentis AL, Silva ENC, Albuquerque HC, et al. Parecer sobre Proposta de Protocolo de Embarque e Testagem para COVID-19 nos Petroleiros. Rio de Janeiro: ENSP; Fiocruz; 2020. [acesso em 2022 abr 9]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/49567.
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sobre contaminações por Covid-19 a bordo de plataformas, que contribuíram para investigação do nexo causal entre a doença e o trabalho no setor de petróleo e gás, e sobre a proposta de protocolo de embarque e testagem para Covid-19 em petroleiros, respondendo a uma demanda do Ministério Público e do sindicato dos petroquímicos; e o folder4545 Fundação Oswaldo Cruz. Olá aos trabalhadores e trabalhadoras do setor frigorífico! Natureza: Folder. Populariza orientações para trabalhadores de frigoríficos. [acesso em 2022 abr 9]. Disponível em: http://informe.ensp.fiocruz.br/assets/anexos/05b0b368be75d1d6d6f4320f3ef84bd4.PDF.
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relacionado a trabalhadores e trabalhadoras do setor frigorífico, que teve o objetivo de divulgar e promover orientações no setor com o auxílio do respectivo sindicato.

Este estudo, com base em questionário eletrônico, com livre acesso dos trabalhadores, tem limitações por ser uma amostra não probabilística, com maior representatividade de trabalhadores mais organizados, com acesso à tecnologia e de estados onde há mais envolvimento dos dirigentes sindicais com as instituições de ensino e pesquisa que compõem a Rede Trabalhadores & Covid-19. Entretanto, esse método que utiliza o questionário digital apresentou vantagens relacionadas à rapidez, ao acesso ágil a diversas regiões e grupos de trabalhadores e à economia que outros métodos não proporcionam, quando os pesquisadores estão geograficamente dispersos e especialmente sem contato, como ocorreu no período da pandemia de Covid-19. Também, permitiu que o pesquisado apresente respostas mais acuradas, notadamente quando são questões que podem causar embaraço na presença de um entrevistador, pois o participante pode consultar documentos, pode ter mais tempo para responder e oferecer respostas mais precisas. Dessa forma, a utilização desse método permitiu ampliar informações sobre a Covid-19 por grupos ocupacionais, proporcionando a instrumentalização de ações preventivas, medidas de segurança e conhecimento sobre a transmissão do coronavírus nos ambientes de trabalho, mitigando os riscos nos processos produtivos, assim como auxiliando no fortalecimento da identidade coletiva de trabalhadores(as) que desempenham atividades essenciais (não relacionadas a profissionais da linha de frente no combate à Covid-19) e suas representações sindicais (promoção de canais de comunicação com trabalhadores, sindicatos e serviços de saúde).

Por fim, os resultados permitiram inferir que o método adotado com instrumento digital disponível em plataforma web apresentou resultados compensadores, especialmente pela ampla possibilidade de participação e acesso aos trabalhadores interessados, sem limite de tempo e de capacidade instalada de entrevistadores. Também, pela possibilidade de eles expressarem sua avaliação sobre a situação de saúde e o ambiente de diversos setores produtivos e grupamentos ocupacionais. Portanto, esse instrumento ofereceu informações importantes sobre a experiência de exposição ao Sars-CoV-2 e o modo como foram executadas as atividades no trabalho, avaliando os processos destrutivos e protetores à saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras, para os quais se considera o processo saúde-doença, e, assim, subsidiando a tomada de decisões no que se refere às respostas com potencial de modificar as fontes de exposição na organização do trabalho e, consequentemente, apoiar as políticas públicas e os movimentos sociais para minimizar os riscos no trabalho, durante a pandemia da Covid-19.

Todavia, o acesso e a confiabilidade dos trabalhadores em registrar seus dados pessoais e sua história ocupacional e de adoecimento no QREST são ainda limitados, devido a dificuldades no uso de tecnologias, à insegurança quanto à possibilidade de vazamento dessas informações para uso em delitos ou pelo empregador, em que possam ser identificados ou sofrer sanções e prejuízos. Essa situação se mostrou relevante quanto à necessidade de investir em estratégias de superação dessas desvantagens com relação ao seu potencial favorável de aplicação de pesquisas on-line.

Outro problema com essas análises é que os dados observados podem ter potenciais vieses, pois os registros autorreferenciados representam parte da população que se dispôs a preencher voluntariamente o instrumento, o que pode representar subconjunto de trabalhadores e de empresas de regiões onde houve maior divulgação do projeto, ações integradas com os trabalhadores ou maior condição de acesso.

Apesar disso, os dados coletados foram relevantes para orientar a comunicação da Rede Trabalhadores & Covid-19, junto aos trabalhadores no Brasil, período em que ocorreu muita desinformação e insuficiência de medidas preventivas para controle da disseminação do vírus. Na maioria dos estados, a circulação do vírus se manteve crescente, propiciando o surgimento de novas variantes e contribuindo para um longo período pandêmico, o que tornou vital a divulgação ágil de informações sobre procedimentos, notas, processos judiciais visando a orientar trabalhadores e empregadores em ações e atitudes essenciais para minimizar a exposição ocupacional do Sars-CoV-2 e, consequentemente, reduzir os casos de Covid-19 e a mortalidade em trabalhadores.

  • Suporte financeiro: Ministério Público do Trabalho (MPT) - 4ª Região. Processo Nº 25388.000221/2021-44 e Acordo/TED/Termo de Compromisso nº 0000088-58.2013.5.04.0030

Agradecimentos

Os autores agradecem a Cristiane Bündchen pelas análises estatísticas realizadas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2023
  • Aceito
    28 Ago 2023
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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