Novas arenas de debate: um convite

Elaine Teixeira Rabello

Em tempos de crise (nos mais diversos sentidos que essa palavra pode adotar), é comum que os olhares se voltem para as comunicações: quem fala o quê; de onde fala; sob que credenciais se fala; e, infelizmente com menos frequência, que argumentos se usam e que teses se defendem. De fato, é inegável a centralidade da expansão da comunicação nos dias atuais em qualquer que seja o debate colocado, marcadamente com a difusão da Internet. Qualquer pessoa que tenha acesso à rede pode dizer quase qualquer coisa e, então, o "dito" segue por caminhos quase imprevisíveis, a depender do engajamento que gere nas redes. É importante lembrar que, apesar de todo o comércio envolvido em ferramentas de busca, promoção e publicidade online, o backstage da Internet ainda é terreno desconhecido para boa parte da população - incluindo pesquisadores e cientistas.

Como o meio privilegiado de interação científica entre pares ainda é o artigo científico, de amplitude e circulação restrita, é incomum que se vejam grupos de pesquisa compartilhando resultados por outras vias ou, ainda, interagindo e dialogando com os acontecimentos via rede social, como a maior parte da população que tem acesso à Internet o faz. Com isso, algumas situações são criadas, e primeira delas é o descompasso entre o tempo da academia e da vida. Com a velocidade de disseminação de ideias e compartilhamento de informação, pesquisadores são evocados a opinar e se posicionar em um ritmo inédito no nosso meio, sem direito a peer review prévio ou pesquisas aprofundadas em referenciais compartilhados. Outra consequência é o estranhamento que causa a alguns a chamada ao posicionamento ético e político da atividade científica - agora possível através de um post público na sua página pessoal durante o fim de semana. Finalmente, o borramento das fronteiras entre as falas da arena acadêmica e outras muitas que dividem, disputam, criam e compartilham o mesmo espaço online - gerando um outro tipo de engajamento na discussão, diferente dos meios tradicionais de comunicação na ciência.

De todos os lados, o maior risco é o deslizamento do ceticismo saudável para uma posição cínica de rejeição a priori ou, ainda, da desqualificação dessas novas arenas de debate, sob pena de perder oportunidades importantes para um fazer científico ética e politicamente engajado. E há o risco inverso: que se desqualifique qualquer coisa que pareça, minimamente, "acadêmica", em uma negação do que se alcança e realiza através dela.

Não defendemos a negação dos modos clássicos de informação e compartilhamento entre pares na academia, ou ainda outras linguagens e outros discursos taxados de "não-acadêmicos-portanto-não-importantes"; mas, indubitavelmente, urge ampliar nosso olhar para o que a conjuntura já nos demanda há algum tempo: o debate acerca da relação dialética entre o pensamento individual e o social - agora estendido às práticas, instituições, modos de troca e modos de viver. Isso inclui lidar com diferentes discursos e formas de interagir. Para tanto, é necessário um esforço daqueles que se dedicam a tal tarefa - nós - em ir além de encaixar os acontecimentos em grandes correntes de pensamento, fazendo, inclusive, o movimento inverso: entender como as comunicações e interações do cotidiano constroem um pensamento social mais amplo.

Isso pode ser feito dentro de diversos referenciais das Ciências Sociais, da Comunicação, da Linguística, da Psicologia, etc. Independentemente dos campos do saber (às vezes bem delimitados, às vezes nem tanto), fica o convite aos historicamente localizados no lugar do suposto saber: ao invés de brigar pela sustentação hegemônica do modus operandi acadêmico ou, pior, negá-lo por completo ou descaracterizá-lo na ingenuidade de estarmos inovando, que possamos entender esse momento como sinalização da necessidade de ressignificar nosso papel na sociedade, enquanto pesquisadores, cientistas, acadêmicos, comunidade. Isso exige autocrítica, comprometimento ético e político. Mas, acima de tudo, exige vontade de estar e chegar junto. Como dizem nas redes sociais, "fica a dica".

Aproveitamos o ensejo para anunciar o lançamento, nesta edição da Physis, de uma nova seção na qual serão resenhadas teses e dissertações defendidas no Instituto de Medicina Social da UERJ que tragam à discussão temas de relevância no cenário atual da Saúde Coletiva.

Boa leitura a todas e todos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017
PHYSIS - Revista de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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