Gênero: percursos e diálogos entre os estudos feministas e biomédicos nas décadas de 1950 a 1970

Marina Cortez Paula Gaudenzi Ivia Maksud Sobre os autores

Resumo

Apesar da importância do conceito de gênero para os estudos feministas, a utilização e a acepção do conceito em pesquisas biomédicas sobre a intersexualidade nos anos 1950 vêm sendo pouco problematizadas na literatura nacional feminista. Para compreender os caminhos percorridos pelo termo “gênero” e os contextos nos quais suas diversas conceptualizações são produzidas, o objetivo deste ensaio é mapear os usos do termo/conceito de gênero em produções anglófonas ligadas aos feminismos dos anos 1970 e no campo da Biomedicina, no período de 1950 a 1970. Constatamos que o termo foi primeiramente utilizado no campo biomédico nos anos de 1950 e que há importantes interlocuções entre os dois campos nas décadas de 1960 e 1970.

Palavras-chave:
gênero; feminismos; Biomedicina

Introdução11Parte das reflexões iniciais deste artigo deriva da pesquisa de mestrado de Marina Cortez, no Programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBios-UFRJ/UERJ/UFF/Fiocruz), sob orientação da prof.ª Miriam Ventura, a quem as autoras agradecem.

A partir dos anos 1970, alguns vocábulos e/ou expressões se tornaram recorrentes na literatura dos estudos feministas, empregados para se fazer referência às reiteradas diferenças associadas à feminilidade e masculinidade: “relações sociais de sexo”, “sexo social”, “masculino/feminino”, “mulheres/homens”, “diferença dos sexos” (LÖWY; ROUCH, 2003LÖWY, I. Intersexe et transsexualités: les technologies de la médecine et la séparation du sexe biologique du sexe social. In: LÖWY, I.; ROUCH, H. (Coord.). La distinction entre sexe et genre: une histoire entre biologie et culture. Paris: L’Harmattan, 2003, p. 81-104 (Cahiers du Genre, n. 34).). Atualmente, nenhum desses termos tem tido presença tão destacada quanto “relações de gênero”, ou simplesmente “gênero”. Com efeito, o “gênero” passou a ser usado em lugar desses outros termos e tornou-se pedra angular dos feminismos. Sua ubiquidade e polissemia são notáveis, constatáveis pelas disputas acerca de seus significados. O conceito de gênero de Scott (1995SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul/dez 1995., p. 86) interconecta duas proposições: o conceito como “um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos” e “uma forma primária de dar significado às relações de poder”. Tomando-se como referência a primeira proposição, o gênero implica quatro dimensões: os símbolos culturalmente disponíveis, que se referem a representações múltiplas e contraditórias; conceitos normativos, que fazem referência aos símbolos e tentam limitar suas possibilidades de significação; a transversalidade do gênero por instituições e organizações sociais, e sua consequente relevância e influência não apenas no parentesco e na esfera privada, mas também na religião, economia, política etc.; por fim, o elemento da identidade subjetiva, ou seja, a importância do gênero nos processos de constituição íntima dos sujeitos, que é igualmente perpassada pelos três elementos anteriores.

Aproximando-se da conceptualização de poder elaborada por Foucault - descentralizado e disperso através das relações sociais desiguais -, Scott (1995SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul/dez 1995.) defende que as noções ligadas ao gênero estabelecem um conjunto de referências constantemente acionadas para sustentar concreta e simbolicamente certas formas de organização da vida social. “Na medida em que essas referências estabelecem distribuições de poder (um controle ou um acesso diferencial aos recursos materiais e simbólicos), o gênero torna-se implicado na concepção e na construção do próprio poder.” (SCOTT, 1995SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul/dez 1995., p. 88).

O uso do termo “gênero” é relativamente recente. Ausente dos textos feministas ou dos estudos de mulheres até fins da década de 1960 nos países anglófonos, começou a surgir na década de 1980 também no Brasil, refletindo o que parece ser uma crescente capacidade de translação do conceito entre os diferentes países.

Pode ser uma surpresa para quem nos lê saber que o termo estava sendo usado por um psicólogo e sexologista neozelandês radicado nos Estados Unidos desde o início da década de 1950, John Money. Esse autor, para se referir a um aspecto da identidade subjetiva dos indivíduos, utilizou o conceito de “papel de gênero” (gender role) para trabalhar inicialmente com a intersexualidade humana (MONEY; HAMPSON; HAMPSON, 1955aMONEY, J.; HAMPSON, J.; HAMPSON, J. An examination of some basic concepts: the evidence of human hermaphroditism. Bulletin of Johns Hopkins Hospital, v. 97, n. 4, p. 301-319, 1955a. ; 1955b). A partir dos anos 1960, Robert Stoller, psiquiatra e psicanalista estadunidense dedicado a pesquisas sobre homossexualidade, transexualidade e intersexualidade, inspirou-se na obra de Money e tomou de empréstimo o termo “gênero”. A expressão “identidade de gênero” (gender identity) foi cunhada em seu livro Sex and Gender (STOLLER, 1984STOLLER, R. Sex and gender: the development of masculinity and femininity. Londres: Carnac Books, 1984 [e-book]. ) de forma inédita em 1968.

Seja Money ou Stoller, o fato pouco intuitivo e que queremos ressaltar é que o conceito de gênero é “originalmente” do campo biomédico, e não do campo dos feminismos ou das ciências sociais, como poderíamos supor (GERMON, 2009GERMON, G. Gender: a geneology of an idea. Nova York: Palgrave Macmillan, 2009.). Com efeito, Joan Scott afirma que

[a] apropriação feminista do termo [gênero] (emprestada da sociologia e sobretudo da equipe de John Money, que explorava a relação entre os corpos sexuados e os “papéis” sociais) foi precisamente isso - uma apropriação. O termo não é uma invenção das feministas da segunda onda: nós o recuperamos. (BUTLER; FASSIN; SCOTT, 2007BUTLER, J.; FASSIN, E.; SCOTT, J. W. Pour ne pas en finir avec le « genre » ... table ronde. Sociétés & Représentations, v. 2, n. 24, p. 285-306, 2007., p. 287 grifos nossos).

Para Donna Haraway (2004HARAWAY, D. “Gênero” para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra. Cadernos Pagu, v. 22, p. 201-246, 2004.), só é possível compreender os percursos traçados pelo conceito de gênero na produção textual feminista dos anos 1960 em diante se levarmos em conta o “paradigma da identidade de gênero”. Tal paradigma fora produzido a partir de vários componentes: tanto os trabalhos de Money e Stoller, tidos como centrais pela autora, quanto leituras da obra de Freud, os discursos da sexologia do século XIX, o desenvolvimento da endocrinologia, a psicobiologia das diferenças sexuais, as várias hipóteses sobre o dimorfismo sexual com base hormonal, neural e cromossômica.

Autoras feministas anglófonas começaram a adotar o conceito de gênero, identidade de gênero ou papel de gênero nos últimos anos da década de 1960 e, dentre essas, algumas obras faziam explícita referência a Money e/ou Stoller e suas pesquisas sobre intersexualidade, como Dworkin (1974DWORKIN, A. Woman hating: a radical look at sexuality. Nova York: Plume Penguin Books, 1974.), Greer (2008GREER, G. The female eunuch. Pymble: HarperCollins Publishers, 2008 [1970] [e-book].), Millet (2000MILLET, K. Sexual politics. Chicago: University of Illinois Press, 2000 [1969].) e Oakley (1972OAKLEY, A. Sex, gender and society. Nova York: Harper Colophon, 1972.), às quais voltaremos adiante.

A pergunta que nos inquieta e que foi motor para este ensaio é sobre as relações que se estabeleceram entre os campos biomédicos e dos feminismos, no sentido da utilização do termo “gênero”. Como um termo que preexistia na gramática - para indicar a desinência de gênero das palavras - ganhou tamanha força nos feminismos? Tomando como base essas questões, o objetivo deste artigo é mapear os usos do termo/conceito de gênero em produções ligadas aos feminismos e no campo da Biomedicina entre os anos 1950 e 1970, no intuito de refletir sobre as interlocuções entre os dois campos.

Importante notar que ainda que a formação de Money tenha sido em Psicologia e não em Medicina ou áreas afins, consideramos que sua atuação profissional e produção textual estão ancoradas no campo da Biomedicina por uma razão principal: Money buscava, através do “método científico” da Biomedicina e das ciências naturais, autoridade e legitimidade tanto aos olhos das comissões universitárias, quanto do público em geral (GERMON, 2009GERMON, G. Gender: a geneology of an idea. Nova York: Palgrave Macmillan, 2009.). Era ancorado nos pressupostos da sexologia da época - uma tentativa de criar uma ciência do sexo (LLUSIÁ; MOLINA, 1997LLUSIÁ, J. B.; MOLINA, A. F. La evolución de la sexualidad y los estados intersexuales. Madrid: Ediciones Díaz de Santos, 1997.).

O “pioneirismo” de Money na construção do conceito de gênero?

Como vimos, John Money fora o responsável pela difusão do termo “gênero” na literatura científica (LÖWY, 2003LÖWY, I. Intersexe et transsexualités: les technologies de la médecine et la séparation du sexe biologique du sexe social. In: LÖWY, I.; ROUCH, H. (Coord.). La distinction entre sexe et genre: une histoire entre biologie et culture. Paris: L’Harmattan, 2003, p. 81-104 (Cahiers du Genre, n. 34).; HARAWAY, 2004HARAWAY, D. “Gênero” para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra. Cadernos Pagu, v. 22, p. 201-246, 2004.; DORLIN, 2005DORLIN, E. Sexe, genre et intersexualite: la crise comme regime theorique. Raisons Politiques, n. 18, p. 117-137, 2 sem, 2005.; BENTO, 2006BENTO, B. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006, p. 39-43.; FASSIN, 2008FASSIN, E. L’empire du genre : L’histoire politique ambiguë d’un outil conceptuel. L’Homme, v. 3, n. 187-188, p. 375-392, 2008.), utilizando-o para dar conta da problemática da intersexualidade (GERMON, 2009GERMON, G. Gender: a geneology of an idea. Nova York: Palgrave Macmillan, 2009.).

Anteriormente chamada de hermafroditismo, a intersexualidade é uma condição que, devido a determinadas características corpóreas, provoca dúvidas sobre o sexo e o gênero do indivíduo e que costuma dar ensejo a intervenções de natureza cirúrgica, medicamentosa e/ou psicoterápica para “adequar” o corpo. Esses corpos são aqueles que têm pênis pequenos demais ou ausentes, clitóris grandes demais, presença de ovários e útero em corpos com pênis, presença de testículos em corpos com vaginas, cariótipo XY em corpos femininos, cariótipo XX em corpos masculinos etc.

Apesar de o campo biomédico ser altamente referido à biologia, a condição intersexual serviu como motor para o desenvolvimento de noções que suportassem afirmar, neste campo, o sexo para além do estritamente corpóreo. Cunhar um termo para expressar a ideia de “sexo subjetivo” respondia às necessidades oriundas das conclusões a que Money chegou durante sua tese de doutorado (1952): o fato de que o sexo biológico em seres humanos nem sempre é facilmente classificado entre feminino ou masculino e, não obstante, sujeitos com corpos “incongruentes” logravam desenvolver uma identificação “não problemática”, em termos psíquicos, com o gênero feminino ou masculino (MONEY, 1995______. Gendermaps: social constructionism, feminism, and sexosophical history. Nova York: The Continuum Publishing Company, 1995.; KARKAZIS, 2008KARKAZIS, K. Fixing sex: intersex, medical authority, and lived experience. Durham: Duke University Press, 2008.).

As “incongruências sexuais” ligadas à intersexualidade têm relação com o que John Money, Joan Hampson e John Hampson (1955aMONEY, J.; HAMPSON, J.; HAMPSON, J. An examination of some basic concepts: the evidence of human hermaphroditism. Bulletin of Johns Hopkins Hospital, v. 97, n. 4, p. 301-319, 1955a. ) chamam de “variáveis do sexo”: sexo designado e de criação, genitália externa, estruturas reprodutivas internas, sexo hormonal e características sexuais secundárias, sexo gonadal, sexo cromossômico. De acordo com os autores, pacientes que apresentassem “incongruências sexuais” poderiam ser avaliados em função de uma sétima variável sexual, o “papel de gênero e orientação feminino ou masculino, estabelecido durante o crescimento” (Ibidem, p. 302)

A partir da necessidade de se falar em um papel ou comportamento de mulher ou homem que é independente da biologia, o autor empregou o termo gênero. O “papel de gênero” é definido como

[...] todas as coisas que uma pessoa diz ou faz para revelar-se com o status de menino ou homem, menina ou mulher. Ele inclui mas não está restrito à sexualidade no sentido de erotismo. O papel de gênero é avaliado em relação aos maneirismos gerais, comportamentos e atitudes; preferência em jogos e brincadeiras e interesses recreativos; temas espontâneos de conversas, conteúdos de sonhos, divagações e fantasias; resposta a inquéritos oblíquos e testes projetivos; evidências de práticas eróticas e, finalmente, as respostas da própria pessoa quando perguntada. (MONEY; HAMPSON; HAMPSON, 1955aMONEY, J.; HAMPSON, J.; HAMPSON, J. An examination of some basic concepts: the evidence of human hermaphroditism. Bulletin of Johns Hopkins Hospital, v. 97, n. 4, p. 301-319, 1955a. , p. 302).

Os autores afirmam que a “feminilidade ou masculinidade psicológicas” não podem ser atribuídas a nenhuma das primeiras seis variáveis sexuais supracitadas, uma vez que havia casos em que pacientes intersexo com o mesmo diagnóstico tinham sido criados em gêneros distintos com “sucesso”, com poucos casos de “ambivalência de papel de gênero” (MONEY; HAMPSON; HAMPSON, 1955aMONEY, J.; HAMPSON, J.; HAMPSON, J. An examination of some basic concepts: the evidence of human hermaphroditism. Bulletin of Johns Hopkins Hospital, v. 97, n. 4, p. 301-319, 1955a. ). Uma das conclusões do artigo assinala que:

Da totalidade das evidências [encontradas nos casos estudados de] hermafroditismo, a conclusão a que se chega é que o comportamento sexual e orientação como homem ou mulher não têm uma base inata ou instintiva. No lugar de uma teoria da masculinidade ou feminilidade instintiva inata, a evidência corrobora a concepção de que, psicologicamente, a sexualidade é indiferenciada ao nascimento e torna-se diferenciada como masculina ou feminina no curso das várias experiências envolvidas no processo de crescimento. (MONEY; HAMPSON; HAMPSON, 1955aMONEY, J.; HAMPSON, J.; HAMPSON, J. An examination of some basic concepts: the evidence of human hermaphroditism. Bulletin of Johns Hopkins Hospital, v. 97, n. 4, p. 301-319, 1955a. , p. 308)

Portanto, os autores aproximam o psíquico do social ao afirmarem que a feminilidade ou masculinidade seriam características comportamentais adquiridas após o nascimento, através dos processos de socialização.

Apesar das incongruências entre as sete variáveis sexuais, o sexo designado e de criação seria o melhor elemento de prognóstico para o papel de gênero em pacientes intersexo. A designação do sexo deveria ser baseada nos seguintes critérios: morfologia da genitália externa, funcional e esteticamente; o sexo hormonal (apesar da reconhecida dificuldade de se antever com clareza esse elemento antes da puberdade); e o papel de gênero já estabelecido, no caso de crianças mais velhas (MONEY; HAMPSON; HAMPSON, 1955b______. Hermaphroditism: recommendations concerning assingment of sex, change of sex, and psychologic management. Bulletin of the Johns Hopkins Hospital, v. 97, n. 4, p. 284-300, 1955b. ).

A aparência genital externa é uma variável sexual que terá grande destaque na proposta de manejo clínico da intersexualidade de Money, visto que exerceria papel fundamental na constituição do papel de gênero dos indivíduos. Isso não quer dizer que Money considerava a genitália externa como a expressão corpórea do papel de gênero. Há, diferentemente, uma prioridade lógica do papel de gênero sobre a aparência sexual. Primeiro define-se o papel de gênero e, depois, se adequa a genitália. Mas a aparência da genitália sempre é altamente considerada para a determinação do papel de gênero, pois se entende que para um desenvolvimento psíquico adequado deve haver congruência entre os dois. Uma vez que o papel de gênero é um dado comportamental adquirido através da socialização, sendo, portanto, altamente maleável nos seus primórdios, a escolha do mesmo é influenciada pelo quantum de intervenção necessário. Há uma relação complexa entre aparência genital e papel de gênero, mas enquanto a primeira se adequa através das tecnologias médicas, o segundo se constrói pelas tecnologias sociais.

Essa é uma das razões pelas quais o autor advogava a urgência da operação de “normalização” dos genitais ambíguos em recém-nascidos (MONEY; HAMPSON; HAMPSON, 1955b______. Hermaphroditism: recommendations concerning assingment of sex, change of sex, and psychologic management. Bulletin of the Johns Hopkins Hospital, v. 97, n. 4, p. 284-300, 1955b. ; MONEY; EHRHARDT, 1996). Money e os Hampson afirmavam que o formato da genitália é, “acima de todos os outros indícios, o sinal que dará à criança em desenvolvimento a certeza sobre seu gênero.” (MONEY; HAMPSON; HAMPSON, 1955a, p. 306). É enfatizada a importância do timing da realização dos procedimentos cirúrgicos de “desambiguação” genital: haveria um “período crítico” durante o qual o papel de gênero seria definitivamente “gravado” (imprinted), por volta do 18º mês de vida (MONEY; HAMPSON; HAMPSON, 1955a). Alguns anos após a criação do conceito de “papel de gênero”, o termo “identidade de gênero” é cunhado em 1968 por Robert Stoller, professor de Psiquiatria na Escola Médica e fundador da Clínica de Identidade de Gênero na Universidade da Califórnia em Los Angeles. Em Sex and Gender (STOLLER, 1984STOLLER, R. Sex and gender: the development of masculinity and femininity. Londres: Carnac Books, 1984 [e-book]. ), o autor desenvolve uma análise interdisciplinar sobre sexualidade, aglutinando as áreas da Biologia, Teorias da Aprendizagem e Psicanálise. A obra é profundamente influenciada pela produção de Money e colaboradores, sobretudo no que tange à temática da intersexualidade.

Diferenciando-se de Money, porém, Stoller promove uma separação conceitual entre papel de gênero, identidade de gênero, sexo e comportamento sexual: o primeiro diria respeito ao papel desempenhado socialmente pelo indivíduo, enquanto o segundo referir-se-ia à “consciência” (awareness) sobre pertencer a um ou outro sexo biológico (STOLLER, 1984STOLLER, R. Sex and gender: the development of masculinity and femininity. Londres: Carnac Books, 1984 [e-book]. ). A identidade de gênero, que se desenvolve ao menos até o fim da adolescência, seria composta pelo “núcleo da identidade de gênero” (core gender identity), “totalmente estabelecido antes do completo desenvolvimento da fase fálica” (STOLLER, 1984, n.p) e produzido pela relação entre a criança e os pais, pela percepção da criança sobre sua genitália externa e “por uma força biológica cuja fonte são as variáveis biológicas do sexo” (Ibidem). Os primeiros dois elementos seriam cruciais para determinar a identidade de gênero.

O sexo teria conotação biológica - genitália, gônadas, hormônios, cromossomos -, enquanto o comportamento sexual - que inclui orientação sexual - seria majoritariamente definido por esses elementos biológicos, sobretudo pela ação hormonal. Majoritária, mas não exclusivamente:

Um problema que surge para complicar o nosso trabalho é que o comportamento de gênero, que é majoritariamente aprendido desde o nascimento, desempenha um papel essencial no comportamento sexual, que é marcadamente biológico, e às vezes é muito difícil separar aspectos de gênero e sexo de um determinado comportamento. (STOLLER, 1984STOLLER, R. Sex and gender: the development of masculinity and femininity. Londres: Carnac Books, 1984 [e-book]. , n.p).

Quatro anos após a publicação de Stoller, Money incorpora o conceito “identidade de gênero” e arquiteta a expressão “identidade/papel de gênero” para fazer referência à identidade subjetiva feminina ou masculina e suas formas de expressão pública (MONEY, EHRHARDT, 1996MONEY, J.; EHRHARDT, A. A. Man & woman, boy & girl. New Jersey: Jason Aronson, 1996 [1972].).

Papel de gênero é o que você diz ou faz, a partir do que outras pessoas compõem sua própria versão de sua identidade de gênero. Sua identidade de gênero é mais abrangente do que o seu papel de gênero: ele inclui ideação, imaginário e pensamentos não verbalizados que podem ser conhecidos unicamente por você. Os dois estão unidos na sigla G-I/R (identidade/papel de gênero), para ser usada como um substantivo no singular. G-I/R é classificável como masculino, feminino ou andrógino, e como heterossexual, homossexual ou bissexual. (MONEY; EHRHARDT, 1996MONEY, J.; EHRHARDT, A. A. Man & woman, boy & girl. New Jersey: Jason Aronson, 1996 [1972]., p. xi).

A junção dos conceitos de identidade e papel de gênero em um acrônimo busca marcar o caráter duplo - introspecção e extrospecção - da perspectiva de Money sobre o gênero, como as duas faces de uma mesma moeda (MONEY, 1985MONEY, J. The conceptual neutering of gender and the criminalization of sex. Archives of Sexual Behavior, v. 14, n. 3, p. 279-290, jun.1985.). Não fosse assim, assevera Money, o papel/identidade de gênero poderia ser lido como “uma aquisição socialmente transmitida, divorciada da biologia do sexo e do cérebro” (MONEY, 1985, p. 279). A esta altura, o autor já havia incorporado teorias que afirmavam o papel dos hormônios na constituição da identidade de gênero, através do imprinting de vieses comportamentais no cérebro, ainda no período pré-natal (KRAUS, 2011KRAUS, C. Am I my brain or my genitals? A Nature-culture controversy on the hermaphrodite debate from the mid 1960’s to the late 1990’s. Gesnerus, v. 68, n. 1, p. 80-106, 2011.; CORTEZ, 2015CORTEZ, M. Dualidade ou constelação? Intersexualidade, feminismo e biomedicina, uma análise bioética. 2015. 180 f. Dissertação (Mestrado em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva) - Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2015.).

No entanto, é necessário fazer duas ressalvas em relação ao que seria a “origem” do gênero. Uma delas refere-se à ideia de origem e a outra à questão se o conceito de gênero utilizado no campo biomédico guarda semelhanças àquele utilizado por teóricas feministas na década de 1970.

Sobre a “origem”, indicamos que Money foi responsável por disseminar o termo “gênero” na literatura biomédica - o que não significa dizer que ele o tenha cunhado ineditamente. Ainda que o próprio Money fizesse questão de afirmar seu pioneirismo no uso do termo fora do campo da gramática na língua inglesa (MONEY, 1994______. The concept of gender identity disorder in childhood and adolescence after 39 years. Journal of Sex & Marital Therapy, v. 20, n. 3, p. 163-177, 1994.; 1995), Goldie (2014GOLDIE, T. The man who invented gender: engaging the ideas of John Money. Vancouver: UBC Press, 2014 [e-book].) cita um artigo publicado em 1945 no American Journal of Psychology (BENTLEY, 1945BENTLEY, M. Sanity and hazard in childhood. The American Journal of Psychology, v. 58, n. 2, p. 212­246, abr. 1945.) em que o termo “gênero” aparece e é definido como a “observação socializada do sexo” (Ibidem, p. 228). O autor afirma que “ele [Money] parece ter se valido de um entendimento já existente na psicologia americana, ainda que ele tenha sem dúvidas recortado-o e refinado-o.” (GOLDIE, 2014GOLDIE, T. The man who invented gender: engaging the ideas of John Money. Vancouver: UBC Press, 2014 [e-book]., p. cxlviii).

Para além das questões sobre a suposta autoria do termo, condições preexistentes estavam colocadas para que o conceito de gênero ganhasse corpo: as ideias introduzidas por autoras como Simone de Beauvoir, Joan Rivière e Margaret Mead, que visavam promover um estranhamento em relação à naturalização da “condição feminina”, tiveram uma importância ímpar para que a própria ideia de “gênero” pudesse fazer sentido (OLIVEIRA, 2012OLIVEIRA, J. M. O rizoma “género”: cartografia de três genealogias. E-cadernos CES [online], v. 15, p. 33-54, 2012.). O Segundo Sexo é frequentemente citado como livro fundante do novo momento do feminismo, nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, e pode ser lido como uma espécie de “primórdio do conceito de gênero” (SAFFIOTI, 1999SAFFIOTI, H. Primórdios do conceito de gênero. Cadernos Pagu, v. 12, p. 157-163, 1999. ). Nesse sentido, nossa opção por destacar o papel de Money no emprego do termo nos anos 1950 se refere menos a uma concepção estanque de seu significado ou à suposta originalidade da ideia e mais à perspectiva de que determinadas ideias vinham circulando, criando as condições mesmas para que “gênero” pudesse ser empregado no contexto dos estudos biomédicos sobre sexualidade.

Na linha das observações de Oliveira (2012OLIVEIRA, J. M. O rizoma “género”: cartografia de três genealogias. E-cadernos CES [online], v. 15, p. 33-54, 2012.), é interessante notar que, ao ingressar na pós-graduação na Universidade de Harvard em fins dos anos 1940, Money teve aulas com Talcott Parsons e foi apresentado à sua Teoria dos Papéis Sociais, cuja influência pode ser notada na própria expressão “papel de gênero” (BENTO, 2006BENTO, B. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006, p. 39-43.). Além disso, Money (MONEY; TUCKER, 1981MONEY, J.; TUCKER, P. Os papéis sexuais. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981 [1975].) utiliza-se das etnografias de Margaret Mead para discutir os estereótipos sexuais.

Apesar de alguns pontos de discordância, Money e Stoller convergiam em pressupostos importantes: a “incongruência” entre sexo, gênero e orientação sexual era lida como anormalidade, em razão de a sexualidade humana ter a função, em última análise, de garantir a procriação e reprodução da espécie. Para Money, os estereótipos sexuais, tal como aqueles descritos por Mead, viabilizariam a divisão sexual do trabalho produtivo e reprodutivo e, logo, a procriação (MONEY; TUCKER, 1981MONEY, J.; TUCKER, P. Os papéis sexuais. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981 [1975].; CORTEZ, 2015CORTEZ, M. Dualidade ou constelação? Intersexualidade, feminismo e biomedicina, uma análise bioética. 2015. 180 f. Dissertação (Mestrado em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva) - Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2015.).

Interessadas na reflexão sobre os diálogos entre autores da área biomédica e autoras feministas do início da segunda onda do feminismo, seguiremos o trabalho analisando textos feministas em que figura o conceito de gênero e nos quais há menção aos trabalhos de Money e Stoller sobre gênero e sexualidade. Por extensão, a questão da intersexualidade também será tratada.

Os textos trabalhados datam de fins dos anos 1960 e início da década de 1970. As obras, Política Sexual, de Kate Millet (2000MILLET, K. Sexual politics. Chicago: University of Illinois Press, 2000 [1969].[1969]), A Mulher Eunuco, de Germaine Greer (2008GREER, G. The female eunuch. Pymble: HarperCollins Publishers, 2008 [1970] [e-book].[1970]), e Woman Hating, de Andrea Dworkin (1974DWORKIN, A. Woman hating: a radical look at sexuality. Nova York: Plume Penguin Books, 1974.), foram escolhidas por serem algumas das primeiras produções anglófonas de destaque da retomada do movimento feminista nos anos 1960/70 - as três são citadas por Tong (2014TONG, R. Feminist thought - a more comprehensive introduction. - 4ª ed. Charlotte: Westview Press, 2014.), ainda que Millet e Dworkin com mais destaque. Ademais, o livro de Millet foi publicado em Portugal em 1974 e o de Greer, no Brasil em 1975, o que promoveu e facilitou o acesso de leitoras/es brasileiras/os às obras. Essas foram encontradas ao longo dos últimos anos em referências presentes em outros textos.

Não é possível afirmar que se consideram feministas todas/os as/os autoras/es das ciências sociais cujo objeto são questões relacionadas às mulheres e que utilizam a perspectiva de gênero, ou ainda que todas as feministas utilizem “gênero”. No entanto, durante o período em análise neste artigo, os anos 1970, havia, em geral, um acoplamento entre as questões do feminismo, enquanto movimento social, e o trabalho intelectual realizado no campo de estudos de mulheres, posteriormente chamados de estudos de gênero. O imbricamento entre prática política e fazer científico é a marca distintiva desse campo interdisciplinar que surge com a segunda onda do feminismo (FRANCHETTO; CAVALCANTI; HEILBORN, 1980FRANCHETTO, B.; CAVALCANTI, M. L. V. C.; HEILBORN, M. L. Antropologia e Feminismo. In: ______. Perspectivas Antropológicas da Mulher 1. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980. p. 11-47.).

Tampouco afirmamos que a utilização de pesquisas biomédicas fosse uma estratégia recorrente dentre as feministas anglófonas do período em escopo, a ponto de constituir uma tendência. Nosso objetivo não é exaurir as referências bibliográficas que atendem aos critérios expostos, mas olhar para textos feministas expressivos da época que dialogam com Money e Stoller.

Gênero, sexo e intersexualidade nos estudos feministas anglófonos

Primeiramente, é importante justificarmos por que escolhemos trabalhar com os estudos feministas anglófonos. Pesquisas dedicadas às primeiras décadas do feminismo no Brasil assinalam a influência que iniciativas euro-americanas tiveram sobre o pensamento feminista brasileiro, então ainda incipiente. Exemplo disso é a publicação de Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens, por Nísia Floresta, em 1832, uma livre tradução de Woman not Inferior to Man, publicado em 1739 pela aristocrata inglesa Mary Wortley Montagu e tida como marco inaugural das lutas feministas em nosso país (CAMPOI, 2011CAMPOI, I. C. O livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” de Nísia Floresta: literatura, mulheres e o Brasil do século XIX. História, v. 30, n. 2, p. 196-213, ago-dez 2011.). Textos de Mary Wollstonecraft e Olympe de Gouges, publicados em fins do século XVIII, também figuram como referências importantes para as feministas brasileiras do século XIX e início do século XX.

Portanto, conexões transatlânticas e transcontinentais marcam o movimento feminista brasileiro desde seu período inicial. Apesar de os feminismos brasileiros serem atravessados pelos discursos produzidos nos países do Norte, em especial França, Inglaterra e Estados Unidos, desde o século XIX até os dias de hoje, o termo “gênero” é específico dos estudos anglófonos, uma vez que sua utilização suscitou mais divergências na França, em comparação aos Estados Unidos, Inglaterra ou Austrália, de forma que sua consolidação viesse a ocorrer mais tardiamente em relação a esses países (FASSIN, 2009_______. Le genre au miroir transatlantique. In: ______. Le sexe politique: genre et sexualite au miroir transatlantique. Paris: Éditions EHESS, 2009. p. 11-46.). Na França, outros termos eram tradicionalmente usados, como “relações sociais de sexo”, na Sociologia, e “sexo social”, na Antropologia (LÖWY; ROUCH, 2003LÖWY, I. Intersexe et transsexualités: les technologies de la médecine et la séparation du sexe biologique du sexe social. In: LÖWY, I.; ROUCH, H. (Coord.). La distinction entre sexe et genre: une histoire entre biologie et culture. Paris: L’Harmattan, 2003, p. 81-104 (Cahiers du Genre, n. 34).).

A partir de fins dos anos 1960, mas sobretudo nos anos 1970, o conceito de gênero transladou-se para os estudos feministas. Veremos a seguir que as autoras escolhidas se valem das pesquisas de Money e Stoller para fundamentar suas críticas ao status quo, que delegava as mulheres a posições sociais de subordinação, através da produção de discursos que naturalizavam a suposta inferioridade feminina. Ao mesmo tempo que os saberes biológicos e biomédicos são entendidos pelas autoras como aparato ideológico do sistema político de dominação masculina, são também mobilizados para questioná-lo. Em outras palavras, esses saberes são acionados de distintas formas, ora criticados, ora aproveitados na construção dos argumentos das autoras.

O objetivo de Kate Millet em Sexual Politics é desenvolver uma teoria política que dê conta das relações de poder de maneira menos convencional do que vinha sendo feito até então; para tanto, define tais relações como “contato pessoal e interação entre membros de grupos bem definidos e coerentes: raças, castas, classes e sexos.” (MILLET, 2000MILLET, K. Sexual politics. Chicago: University of Illinois Press, 2000 [1969]., p. 24) A falta de representação desses grupos nas estruturas políticas tradicionais explicaria a fixidez de sua posição e a manutenção de sua dominação. O sexo é apresentado como “uma categoria de status com implicações políticas” (Ibidem, p.24), eixo central do sistema patriarcal, entendido como uma “instituição política de controle, fundada sobre o status, o temperamento e o papel [social], um sistema de crenças socialmente condicionado que apresenta a si mesmo como natureza ou necessidade.” (Ibidem, p. xi).

Os saberes produzidos sobre a Biologia pelas religiões patriarcais, pelo senso comum e, em parte, pela ciência compõem, para Millet (2000MILLET, K. Sexual politics. Chicago: University of Illinois Press, 2000 [1969].), uma das bases de sustentação do patriarcado, que seria eminentemente arbitrário. A crítica é direcionada às ciências humanas, uma vez que as ciências físicas teriam a capacidade de produzir distinções “claras, específicas, mensuráveis e neutras” (Ibidem, p.28) sobre as diferenças entre os sexos. Em contraste, as distinções psicossociais entre mulheres e homens, no que se refere a temperamento e papéis sociais, que supostamente atestavam a inferioridade daquelas e a superioridades destes, seriam um “sistema de valores” com base cultural, e não biológica. Ou seja, as desigualdades de poder entre mulheres e homens não estariam alicerçadas em diferenças inatas, e por essa razão estariam sujeitas à transformação através da luta política. As únicas diferenças inerentes significativas seriam de natureza “bio-genital”, como já eram conhecidas à época.

Novas pesquisas importantes não apenas sugerem que as possibilidades de diferenças inatas de temperamento são mais remotas do que nunca, mas até levantam questões sobre a validade e permanência da identidade psicossexual. Ao fazer isso, fornecem evidências razoavelmente concretas do caráter esmagadoramente cultural do gênero, isto é, estrutura de personalidade em termos de categoria sexual. (MILLET, 2000MILLET, K. Sexual politics. Chicago: University of Illinois Press, 2000 [1969]., p. 29. Grifos nossos).

As “novas pesquisas” citadas por Millet são justamente aquelas de Stoller e Money. O conceito de “núcleo da identidade de gênero” é mencionado, seguido de uma citação de Stoller retirada de Sex and Gender, onde o autor diferencia “sexo”, referente aos componentes biológicos de ser mulher e homem, e “gênero”, referente aos “fenômenos psicológicos” associados à feminilidade e masculinidade; apesar de o senso comum asseverar sua inextricável conexão, sexo e gênero são domínios que podem seguir “caminhos independentes”. Millet refere-se novamente a Stoller ao afirmar que a identidade de gênero “é a identidade primária que todo ser humano possui - a primeira e também a mais permanente e abrangente.” (2000, p. 30) A autora conclui, ainda citando Stoller, que o caráter psicológico do gênero lhe imprime, portanto, uma dimensão cultural, e não biológica.

Ainda outra citação de Sex and Gender é apresentada por Millet (2000MILLET, K. Sexual politics. Chicago: University of Illinois Press, 2000 [1969].), em que o autor expõe sua concordância com Money e os Hampson sobre a genitália contribuir, mas não ser imprescindível, para o “senso de masculinidade”, como demonstram as pesquisas com pacientes intersexo desses autores. “A personalidade psicossexual é pós-natal e aprendida”, assevera Millet (2000, p. 30). A correlação estabelecida por Money e os Hampson (1955a) entre a definição do papel de gênero e a aprendizagem da língua materna, ambos resultantes de processos de imprinting, é mais uma “evidência” apresentada pela autora para corroborar sua posição quanto à arbitrariedade do gênero (MILLET, 2000MILLET, K. Sexual politics. Chicago: University of Illinois Press, 2000 [1969].).

Tomando como base o biológico, a australiana Germaine Greer (2008GREER, G. The female eunuch. Pymble: HarperCollins Publishers, 2008 [1970] [e-book].) não nega as diferenças entre os sexos, mas afirma que elas são enfatizadas e exageradas pelo “dogmatismo da ciência”, de modo a justificar a dominação masculina e garantir sua perpetuação.

É verdade que o sexo de uma pessoa é atestado em cada célula de seu corpo. O que nós não sabemos é exatamente o que essa diferença nas células significa em termos de seu funcionamento. Não podemos nem afirmar, a partir da diferença observada nas células, uma diferença significativa nos tecidos compostos por essas células. Fazer quaisquer suposições sobre superioridade ou inferioridade com base nisso é assumir o que está muito longe de ser provado. (GREER, 2008GREER, G. The female eunuch. Pymble: HarperCollins Publishers, 2008 [1970] [e-book]., p. 30).

A autora apresenta uma série de “evidências” biológicas a fim de demonstrar como os homens seriam mais frágeis em relação às mulheres, e não o contrário. O cromossomo Y teria uma influência negativa, ao diminuir o nível de feminilidade em fetos humanos, uma vez que seria um mensageiro de “fraquezas” apenas ou majoritariamente constatadas entre os homens: hipertricose, hemofilia e daltonismo são citados como condições que vêm a se manifestar em decorrência da incapacidade do cromossomo Y em suprimi-las. A maior expectativa de vida entre as mulheres é outro dado apresentado para demonstrar como são “constitucionalmente mais fortes” que os homens. Nesse mesmo sentido, uma das condições que compõem a intersexualidade, a síndrome de Jacobs (cariótipo 47,XYY), é apresentada como mais uma “vulnerabilidade” biológica masculina, já que haveria uma associação entre essa condição cromossômica e um comportamento violento entre homens (GREER, 2008GREER, G. The female eunuch. Pymble: HarperCollins Publishers, 2008 [1970] [e-book].).

Outras conformações corporais ligadas à intersexualidade são citadas para ilustrar a afirmação de que “a própria natureza nem sempre está livre de ambiguidades” (GREER, 2008GREER, G. The female eunuch. Pymble: HarperCollins Publishers, 2008 [1970] [e-book]., p. 33): casos de meninas com clitóris aumentados designadas como meninos, ou meninos com micropenia ou pênis malformados e designados como meninas. A obra de Stoller (1984STOLLER, R. Sex and gender: the development of masculinity and femininity. Londres: Carnac Books, 1984 [e-book]. ) é citada como fonte, em referência a esses casos em que a designação de sexo/gênero é feita erroneamente e os indivíduos incorporam os comportamentos daquele sexo, a despeito dos conflitos gerados pela designação “equivocada”. Greer afirma que “algumas dessas dificuldades podem ser resolvidas com cirurgias cosméticas, mas frequentemente os cirurgiões realizam tais procedimentos por motivos peculiares.” (2008, p. 33)

O hermafroditismo entre animais não humanos e vegetais aparece como fenômeno “natural” que colocaria em xeque não apenas as diferenças supostamente incomensuráveis e flagrantes entre os sexos feminino e masculino, mas a própria “polaridade” ou “dicotomia” entre os sexos na natureza (GREER, 2008GREER, G. The female eunuch. Pymble: HarperCollins Publishers, 2008 [1970] [e-book].). Esse argumento é amplificado por Dworkin (1974DWORKIN, A. Woman hating: a radical look at sexuality. Nova York: Plume Penguin Books, 1974.), ao problematizar a dicotomia sexual, em termos biológicos, de maneira mais radical que Greer ou Millet, tensionando as diferenças entre humanos.

Vale notar que, curiosamente, “gênero” é o título do capítulo no qual Greer (2008GREER, G. The female eunuch. Pymble: HarperCollins Publishers, 2008 [1970] [e-book].) apresenta as questões sobre diferenças entre os sexos, descritas acima; no entanto, o termo não é definido ou mesmo referido em qualquer outra passagem do livro, aparecendo apenas na referência da obra de Robert Stoller (1984STOLLER, R. Sex and gender: the development of masculinity and femininity. Londres: Carnac Books, 1984 [e-book]. ). Assim, é impossível compreender o que exatamente a autora está entendendo pelo termo, ou por que o utiliza uma única vez no texto.

Andrea Dworkin (1974DWORKIN, A. Woman hating: a radical look at sexuality. Nova York: Plume Penguin Books, 1974.), por seu turno, elenca uma série de elementos biológicos que imprimem características sexuais nos corpos humanos, de acordo com a biomedicina, e que não apresentariam a estabilidade e binarismo propagados pelo senso comum e por parte da ciência. São citadas as estruturas wolffiana e mülleriana - ductos internos rudimentares presentes em embriões XX ou XY e que, desenvolvendo-se, resultam nos órgãos reprodutivos internos e genitália externa femininos, masculinos ou ambíguos - cromossomos, hormônios, genitália, órgãos reprodutivos e características sexuais secundárias; nenhum desses elementos - cromossomos XX ou XY, pênis ou vaginas, escroto ou ovários, testosterona ou estrogênio etc. - seriam exclusivos de cada um dos sexos. Para a autora, a baixa prevalência da intersexualidade e de características sexuais ambíguas na população poderia também ser explicada pelo

[...] reconhecimento da existência de um processo de seleção cultural que, em pessoas, suplanta em importância a seleção natural. A seleção cultural, em contraste com a seleção natural, não necessariamente serve para melhorar a espécie ou garantir a sobrevivência. Ela se presta necessariamente a defender normas culturais e a garantir que somatótipos e características sexualmente ambíguas desviantes sejam sistematicamente eliminadas da população. (DWORKIN, 1974DWORKIN, A. Woman hating: a radical look at sexuality. Nova York: Plume Penguin Books, 1974., p. 181-82).

Dworkin cita as pesquisas sobre intersexualidade de Money para ilustrar a dificuldade de categorização binária dos processos de “determinação sexual”. A autora conclui que “[n]ós somos, claramente, uma espécie ‘multissexuada’, cuja sexualidade está colocada sobre um continuum vasto e fluido, onde os elementos ditos masculinos e femininos não são descontínuos” (DWORKIN, 1974DWORKIN, A. Woman hating: a radical look at sexuality. Nova York: Plume Penguin Books, 1974., p. 183). A autora advoga por uma total reformulação do modelo bipolar da sexualidade, em prol de uma abordagem “multissexuada”, cujo efeito pretendido seria a transformação das relações humanas e das instituições que as regulam, rompendo com as hierarquias que oprimem as mulheres.

Na obra de Dworkin (1974DWORKIN, A. Woman hating: a radical look at sexuality. Nova York: Plume Penguin Books, 1974.), o termo “gênero” aparece inúmeras vezes e ganha uma acepção distinta daquela presente em Millet (2000MILLET, K. Sexual politics. Chicago: University of Illinois Press, 2000 [1969].). Nesta, o termo aparece na seção intitulada “Biológico”, quando a autora está se referindo às pesquisas de Stoller, e é definido como “estrutura de personalidade em termos de categoria sexual”, como citado acima; até e após essa seção, a autora emprega o termo “sexo” para se referir à relação entre mulheres e homens ou aos papéis sociais atribuídos a mulheres e homens (sex roles), como uma categoria de status com implicações políticas ou como característica que confere identidade a um grupo, ao lado de raça e classe. A acepção do conceito de gênero adotada é inspirada por e circunscrita ao conceito de identidade de gênero de Stoller, e não ganha centralidade na obra.

Dworkin, em contraste, abre o primeiro capítulo de seu livro equiparando o “sexo visível” de cada pessoa a “gênero”, para em seguida afirmar que “[a] morte é nosso único remédio. Nós imaginamos o paraíso. Não há sofrimento lá, nós dizemos. Não há sexo lá, nós dizemos. Queremos dizer, não há cultura lá. Queremos dizer, não há gênero lá.” (DWORKIN, 1974DWORKIN, A. Woman hating: a radical look at sexuality. Nova York: Plume Penguin Books, 1974., p. 34). “Gênero”, portanto, é mobilizado para dar conta dos aspectos culturais que perpassam as supostas diferenças sexuais, equivocadamente categorizadas em termos duais, para Dworkin. Enquanto Millet fala de gênero em termos subjetivos - como personalidade, comportamento ou identidade de mulheres e homens, moldados pelo cultural -, Dworkin, ainda que também faça referência à identidade de gênero, não se restringe a ela, e utiliza o conceito para referir-se a papéis, representações e normas sociais relacionados ao feminino e masculino. Ainda assim, é importante ressaltar que não há muitas ocorrências do termo ao longo do livro - por volta de dez menções em 207 páginas -, o que parece transparecer uma apropriação ainda inicial e experimental do conceito.

Como vimos, a abordagem biológica do sexo é utilizada como sustentação em Millet (2000MILLET, K. Sexual politics. Chicago: University of Illinois Press, 2000 [1969].), Greer (2008GREER, G. The female eunuch. Pymble: HarperCollins Publishers, 2008 [1970] [e-book].) e Dworkin (1974DWORKIN, A. Woman hating: a radical look at sexuality. Nova York: Plume Penguin Books, 1974.) para problematizar os ditames do senso comum e de parte da produção científica sobre a inferioridade supostamente inerente aos corpos femininos. O discurso científico tradicional sobre a polaridade do sexo é criticado com o auxílio das pesquisas que vinham sendo realizadas por Stoller e Money, e os aspectos culturais da identidade de gênero são enfatizados.

Ao afirmar o gênero como produto da socialização, mantendo, ao mesmo tempo, um “pano de fundo” biológico, as pesquisas de Money e Stoller iam ao encontro do que parte das feministas dos anos 1970 estava afirmando, ou seja, o construcionismo social do gênero, preservando, entretanto, a biologia como dado irredutível.

Assim como pesquisadores sobre sexualidade durante os anos pós-Segunda Guerra, como Kinsey, Money e outros, valiam-se da suposta neutralidade e idoneidade que a biomedicina e o “método científico” conferiam a suas pesquisas, as autoras feministas citadas recorrem a essas mesmas entradas, empregando estratégias semelhantes de legitimação de suas pesquisas e seus posicionamentos políticos.

Scott (1995SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul/dez 1995.) comenta que a adoção de “gênero” como sinônimo e em substituição a “mulheres” em textos cuja temática era a história das mulheres frequentemente figurava como uma estratégia de legitimação acadêmica para os estudos feministas na década de 1980, uma vez que “gênero” tem uma conotação mais objetiva e neutra que “mulheres” (SCOTT, 1995SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul/dez 1995., p. 75) Dentre as autoras ora analisadas, enxergamos a fusão dessas duas estratégias distintas: o uso do conceito “gênero” junto ao recurso à Biologia e à Medicina, condensados nas citações de Money e Stoller e seu conceito de gênero “científico”.

Outro ponto interessante é o destaque que Money e Stoller davam ao gênero na constituição identitária dos indivíduos, posição partilhada pelas autoras citadas. Por mais que as autoras falassem em variabilidade histórica nas relações de gênero, problematizando em certa medida a concepção estanque de patriarcado como dominação universal e atemporal, a identidade generificada não é problematizada nessas produções. O gênero figura como um princípio de diferenciação universal - no sentido de contraste e separação entre o “eu” e o “outro” e oposição entre grupos (mulheres e homens).

Considerações finais

Com o intuito de analisar possibilidades de diálogo e/ou afastamento entre os usos do conceito de gênero nos estudos feministas e no campo biomédico, escolhemos três autoras anglófonas da segunda onda do feminismo para esta investigação. No entanto, é necessário ressaltar que essas não eram as únicas autoras feministas que utilizaram o conceito de gênero durante os anos 1970, e nem mesmo eram as únicas que utilizavam o conceito e faziam referência a Money e Stoller. Autoras como Oakley (1972OAKLEY, A. Sex, gender and society. Nova York: Harper Colophon, 1972.), Kessler e McKenna (1985 [1978]), por exemplo, também citam Money e Stoller em suas obras e dedicam-se principalmente às questões das classificações biomédicas e do fazer científico, adotando-as como objeto central de suas análises e problematizando a “neutralidade” do olhar dos cientistas (homens) dedicados às pesquisas sobre o “dimorfismo sexual”.

Havia, ainda, outras autoras dissertando sobre as relações sociais de sexo que optavam por outros conceitos que não o de gênero, por várias razões que aqui não temos condições de abordar. Em suma, nosso objetivo não era apresentar um panorama exaustivo da produção feminista com essas características naquele momento, mas tão somente mobilizar alguns exemplos de aparições do “gênero” enquanto termo e de suas conceptualizações possíveis nos feminismos e na biomedicina.

Como a cunhagem do conceito de gênero se deu em um contexto de pesquisas sobre a intersexualidade, uma das questões colocadas foi apontar como a problemática da classificação biomédica do sexo/gênero em termos binários foi usada na literatura feminista em escopo. Na contemporaneidade, as conformações corporais vêm sendo utilizadas discursivamente para caracterizar “corpos sexuados” e traduzidas ora em diferença, ora em semelhança entre mulheres e homens, sobretudo nos dois campos em questão; ou seja, as respostas dos estudos feministas aos procedimentos classificatórios da biomedicina são plurais, o que é de se esperar em um campo de teoria e práxis interdisciplinar e bastante heterogêneo.

Ademais, ainda que as ditas diferenças biológicas entre mulheres e homens sejam temática recorrente nos estudos feministas, essa não é a única via possível para abordar a problemática da diferença/semelhança e da “mulher” enquanto categoria analítica. Outros caminhos vêm sendo trilhados por feministas de distintas filiações teóricas, como o debate a partir da psicanálise e/ou do marxismo. Vimos que, em alguns momentos, houve maior convergência nas perspectivas sobre gênero adotadas por médicos e feministas, quando o foco era colocado na questão da identidade subjetiva tomada a partir da permanente tensão entre fatores sociais e fatores biológicos inatos. Em outros momentos, em textos publicados a partir dos anos 1980 e sobretudo 1990, esse tipo de abordagem foi encarado como “fundacionismo biológico” (NICHOLSON, 2000NICHOLSON, L. Interpretando o gênero. Revista Estudos Feministas, v.8, n.1, p. 9-42, 2000.), em que a “natureza”, lida através do paradigma bio, servia como base explicativa irredutível para as desigualdades de gênero, e foi duramente criticada.

Cientes das inúmeras outras leituras possíveis para este trabalho, optamos por refletir sobre como o termo/conceito de gênero aparece, no início dos anos 1970, como um empreendimento relativamente compartilhado entre algumas feministas e alguns médicos - não sem críticas, resistência ou divergência. Analisar o aparecimento e disseminação do termo pode tanto iluminar a complexa e intrincada trajetória de uma ideia e práxis quanto fornecer pistas muito interessantes sobre como as ideias e práticas ganham vida conectando-se a tantas outras, em um grande emaranhado que expressa, de acordo com tal ou qual interpretação que se lhe dê, o espírito de uma dada época.22M. Cortez participou da pesquisa, redação e revisão do artigo. P. Gaudenzi e I. Maksud foram responsáveis pela redação e revisão do artigo.

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Notas

  • 1
    Parte das reflexões iniciais deste artigo deriva da pesquisa de mestrado de Marina Cortez, no Programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBios-UFRJ/UERJ/UFF/Fiocruz), sob orientação da prof.ª Miriam Ventura, a quem as autoras agradecem.
  • 2
    M. Cortez participou da pesquisa, redação e revisão do artigo. P. Gaudenzi e I. Maksud foram responsáveis pela redação e revisão do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2018
  • Aceito
    13 Dez 2018
  • Revisado
    15 Jan 2019
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