Panorama das quedas nas políticas públicas brasileiras

Renata Francielle dos Reis Fonseca Silvia Matumoto Sobre os autores

Resumo

As políticas públicas retratam as propostas de ações sobre circunstâncias que afetam a população desfavoravelmente. As quedas representam um fator importante de morbimortalidade e prejuízos ao envelhecimento. Assim, o objetivo da pesquisa foi delinear o panorama das quedas na esfera governamental por meio da análise e identificar sua relevância nas publicações oficiais. A pesquisa, qualitativa de análise documental, partiu da análise de conteúdo de 14 documentos e verificou que as quedas são abordadas de forma concisa, na maior parte dos documentos e destinada aos profissionais de saúde. Ressalta-se que as quedas são destacadas como ocorrências preveníveis e passíveis de intervenção por parte dos próprios idosos, familiares, profissionais de saúde e gestores.

Palavras-chave:
idoso; acidentes por quedas; documento governamental

Introdução

A atenção à saúde da pessoa idosa requer um modelo assistencial que tenha um desígnio não somente de intervenção às perdas associadas à senescência, mas também à melhoria da qualidade de vida e bem-estar, acesso aos cuidados para reforço e manutenção da capacidade funcional e crescimento psicossocial do indivíduo, da família e da comunidade (TOLEDO et al., 2014TOLEDO, A.A.S.F; NITRINI, R.; BOTTINO, C.M.C; CARAMELLI, P. Brazilian research on cognitive impairment and dementia from 199 to 2013. Dement. Neuropsychol, v. 8, n. 4, p. 394-398, 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1980-57642014DN84000015.
http://dx.doi.org/10.1590/S1980-57642014...
; OMS, 2015).

Definida como o “deslocamento não intencional do corpo para um nível inferior à posição inicial, sem correção em tempo hábil”, as quedas são eventos decorrentes de uma complexa interação entre fatores intrínsecos, como as deficiências fisiológicas provenientes do envelhecimento ou de doenças e agravos, e os fatores extrínsecos, relacionados aos riscos ambientais (ARAUJO NETO et al., 2017ARAÚJO NETO, A.H.; PATRÍCIO, A.C.F.A.; FERREIRA, M.A.M.; RODRIGUES, B.F.L.; SANTOS, T.D.; RODRIGUES T.D.B. et al. Falls in institutionalized older adults: risks, consequences and antecedents. Rev Bras Enferm., v.79, n.4, p.719-725, 2017. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0107
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017...
, p. 753).

As quedas nos idosos podem ocasionar incapacidade funcional, redução da autonomia e da independência, ocasionando impacto sobre as taxas de morbimortalidade, sobre a qualidade de vida e danos psicológicos e sociais a esta faixa etária. Implicam também consequências sobre as famílias, os cuidadores, as instituições e aos sistemas de saúde, representando um problema de saúde pública apesar de pesquisas e esforços preventivos (SHERRINGTON et al., 2016SHERRINGTON, C.; MICHALEFF, Z.A.; FAIRHALL, N.; PAUL, S.S.; TIEDEMANN, A.; WHITNEY, J.C.; CUMMING, R.G.; HERBERT, R.D.; CLOSE, J.C.T.; LORD, S.R. Exercise to prevent falls in older adults: An updated systematic review and meta-analysis. British Journal of Sports Medicine, out 4, 2016. http://dx.doi.org/ 10.1136/bjsports-2016-096547.
http://dx.doi.org/ 10.1136/bjsports-2016...
; STENHAGEN et al., 2014STENHAGEN, M.; EKSTRÖM, H.; NORDELL, E.; SÖLVE, E. Accidental falls, health-related quality of life and life satisfaction: A prospective study of the general elderly population. Archives of gerontology and geriatrics, v. 58, issue 1, p. 965-100, jan-fev 2014. https://doi.org/10.1016/j.archger.2013.07.006.
https://doi.org/10.1016/j.archger.2013.0...
).

Pesquisas apontam que há um crescimento exponencial nas taxas de mortalidade e de internação hospitalar em todo o Brasil. Taxas de mortalidade entre 1996 e 2012 tiveram um aumento de 200% nas capitais brasileiras e um acréscimo de 15% ao ano. Exemplificando a dimensão do problema, gastos com internações hospitalares de idosos entre os anos de 2005 e 2010, as quedas representaram um custo de mais de quatrocentos milhões de reais (ABREU et al., 2018ABREU, D.R.O.M.; NOVAES, E.S.; OLIVEIRA, R.R.; MATHIAS, T.A.F.; MARCON, S.S. Internação e mortalidade por quedas em idosos no Brasil: análise de tendência. Ciênc. saúde colet., v.23, n.4, abr. 2018. https://doi.org/10.1590/1413-81232018234.09962016
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; BARROS et al, 2015BARROS, L.F.O.; PEREIRA, M.B.; WEILLER, T.H.; ANVERSA, E.T.R. Internações hospitalares por quedas em idosos brasileiros e os custos correspondentes no âmbito do Sistema Único de Saúde. Revista Kairós Gerontologia, v. 18, n.4, p.63-80, out-dez 2015. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/kairos/article/view/26930/19124>.
https://revistas.pucsp.br/kairos/article...
)

Problemas de saúde pública como as quedas requerem políticas públicas e legislações normativas para solução. Políticas públicas são ações fruto de decisões e elaboração de mudanças sobre determinantes ou fenômenos que afligem a população. A tomada de decisão governamental é influenciada por informações, ideologias, relações internacionais, necessidades da coletividade e interesses políticos. As quedas representam um assunto importante relativo à atenção à saúde nessa faixa etária, sobre a sociedade civil e sobre os gastos públicos com a saúde no intuito do bem público (MACEDO et al., 2016MACEDO, A.S.; ALCÂNTARA, V.C.; ANDRADE, L.F.S.; FERREIRA, P.A. O papel dos atores na formulação e implementação de políticas públicas: dinâmicas, conflitos e interesses no Programa Mais Médicos. Cadernos EBAPE.BR, v.14, ed. Especial, artigo 10, Jul 2016. http://dx.doi.org/10.1590/1679-395117188
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). Dessa forma, uma análise e avaliação das políticas públicas sobre as quedas é pertinente. Estas são intrínsecas a todas as políticas públicas no sentido de averiguar o processo de formulação, a relevância dos objetivos e ajustar conforme resultados sobre os sujeitos de interesse, assim como avaliar a implementação e incrementar as ações para ampliar seu êxito (FALSARELLA, 2015FALSARELLA, A.M. O lugar da pesquisa qualitativa na avaliação de políticas e programas sociais. Avaliação, v. 20, n. 3, p. 703-715, nov. 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-40772015000300009
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).

Nesse sentido, evidências indicam que a implementação de políticas e programas para promover a saúde, a segurança e a participação dos idosos pode viabilizar o envelhecimento ativo da população e à luz do exposto, esta pesquisa procura delinear as publicações oficiais brasileiras quanto às quedas nos idosos, ao compreender que a redução da incidência das quedas envolve a identificação e a implementação de medidas preventivas com intervenções multifatoriais (BAIXINHO; DIXE, 2016BAIXINHO, C.L.; DIXE, M.A. Construction and Validation of the Scale of Practices and Behaviors of Institutionalized Elderly to Prevent Falls. Universal Journal of Public Health, v. 4, n.3, p. 139-143, 2016. http://dx.doi.org/10.13189/ujph.2016.040303.
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; RESENDE; LOPES; MANSO, 2018RESENDE, J.A.; LOPES, R.G.C.; MANSO, M.E.G. Apontamentos sobre a história das políticas públicas sobre envelhecimento. Revista Portal de Divulgação, n. 55, ano VIII, jan-fev 2018. Disponível em: < https://revistalongeviver.com.br/index.php/revistaportal/article/view/694/764>.
https://revistalongeviver.com.br/index.p...
).

Material e Método

Pesquisa de abordagem qualitativa e descritiva das publicações oficiais brasileiras de acesso público. A pesquisa qualitativa é adequada para análise das políticas públicas devido à capacidade de compreender as concepções na formulação das políticas, tal qual sua pertinência, considerando as evidências científicas atuais. A análise parte da determinação da problematização, do contexto e das intervenções que podem alcançar as resoluções (FALSARELLA, 2015FALSARELLA, A.M. O lugar da pesquisa qualitativa na avaliação de políticas e programas sociais. Avaliação, v. 20, n. 3, p. 703-715, nov. 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-40772015000300009
http://dx.doi.org/10.1590/S1414-40772015...
).

Na análise documental, a análise de conteúdo como instrumento metodológico delineou por meio de uma atividade sistemática a classificação categórica em cada documento e para entendimento que estes provêm sobre o tema. A análise de conteúdo foi dividida em três fases: pré-análise; exploração do material; tratamentos dos dados e interpretação (SILVA; FOSSÁ, 2015SILVA, A.H.; FOSSÁ, M.I.T. Análise de conteúdo: exemplo de aplicação da técnica para análise de dados qualitativos. Qualitas Revista Eletrônica, v. 17, n. 1, 2015. Disponível em: < http://revista.uepb.edu.br/index.php/qualitas/article/view/2113/1403>.
http://revista.uepb.edu.br/index.php/qua...
):

Pré-análise é a fase de organização e pelo vislumbre do quadro teórico. Iniciou-se com uma definição do corpo documental a ser analisado, leitura superficial, e a seguir, procedeu-se a ordenação de forma sistematizada para a formulação da representatividade dos documentos sobre a população alvo e pertinência sobre o objeto pesquisado nos documentos selecionados. A leitura de forma sucessiva e sistematizada permitiu uma aproximação aos assuntos abordados nos documentos e seu fichamento.

A fase de exploração do material constituiu-se das tarefas de codificação envolvendo do recorte dos textos para a escolha das unidades de registro, enumeração sendo a delimitação do contexto para compreensão das unidades, e a classificação das categorias. Nesta fase, foram destacadas as seções ou parágrafos que continham programações, metas ou descrições em conformidade com os temas selecionados e transcritos no fichamento. Os fichamentos permitiram uma leitura mais aprofundada e uma avaliação quanto as metas propostas, a inserção da política relativa aos temas e ao objetivo desta pesquisa (CAMARA, 2013CAMARA, R.H. Análise de conteúdo: da teoria à prática em pesquisas sociais aplicadas às organizações. Gerais, Rev. Interinst. Psicol., Belo Horizonte, v. 6, n. 2, p. 179-191, jul. 2013. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-82202013000200003&lng=pt&nrm=iso>.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
).

A fase de tratamento é consecutiva à interpretação dos resultados obtidos nas fases anteriores, em que são contemplados, pleiteados e agrupados. A aproximação entre o conteúdo abordado nas políticas e evidências científicas permitiram a inferência, o debate e a interpretação acerca da visualização da esfera governamental. Para sintetizar a análise, os resultados foram expostos em tabelas quando possível.

Resultado

As fontes incluíram documentos públicos abertos publicados como legislações, declarações e estatísticas oficiais, manuais de referência e relatórios de órgãos governamentais, compreendendo agências governamentais no âmbito da União Federativa e do Estado de São Paulo, onde a pesquisa foi realizada.

A busca por documentos foi realizada em: Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Ministério da Saúde, Estado de São Paulo, Palácio do Planalto, Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo. O descritor utilizado foi: “idoso”; “envelhecimento”.

Figura 1
Fluxograma da busca de documentos oficiais relativos aos idosos

Tabela 1
Documentos incluídos segundo denominação, objetivo e citação ABNT. Ribeirão Preto-SP, 2019

As publicações se mostraram com diversos perfis de apresentação e linguagem em conformidade com o grupo-alvo e categorizados segundo sua especificidade em relação a fonte emissora e informações da análise contextual do conteúdo quanto a natureza, característica de seu âmbito, população-alvo e como o tema das quedas é abordado.

Tabela 2
Relação dos documentos analisados conforme característica, natureza, público-alvo e especificidade do tema quedas. Ribeirão Preto-SP, 2019

Como disposto acima, categorizam-se as publicações segundo sua natureza:

  • Políticas - normativas que enumeram responsabilidades e funções administrativas de esfera nacional. Nesta categoria foram identificadas seis publicações (43%) de natureza política e duas (14%) consideradas mistas.

  • Jurídico-Legal - são instrumentos legais nos quais se incluem legislação e jurisprudência e se referem a normas ou decisões. Foram inclusos dois (14%) documentos.

  • Técnica - inclui discussões técnicas, específicas da área da saúde. Quatro publicações (28%) foram consideradas de natureza técnica e duas de natureza mista (14%).

Quanto à característica principal:

  • Gestão de Saúde - diretrizes norteadoras sobre as ações e compromissos institucionais e de cada esfera governamental. Foram alocados nesta categoria a metade dos documentos, sete (50%), sendo um considerado com característica mista (7%).

  • Direitos Humanos - Normas para proteção social do idoso. Foram representados por uma norma (7%) e duas mistas (14%).

  • Orientação de cuidados - exposição prática sobre o tema com linguagem simplificada. Foram apenas dois documentos (14%) para orientação aos cuidadores formais e informais e público leigo.

  • Orientação assistencial - exposição mais abrangente ou aprofundada de atenção à saúde. Alude a três normas (21%). Destinado ao uso dos profissionais de Saúde, em especial à Atenção Primária.

Quanto à especificidade do tema quedas e sua relevância nos documentos, estes foram categorizados de acordo com a exposição:

  • Ausência de referência ao tema: o termo quedas não é citado. Foram consideradas seis publicações (43%). Em algumas, delas encontram-se metas para facilitar a locomoção do idoso, mas não citam as quedas diretamente.

  • O tema é foco uma diretriz: as quedas são mencionadas em um único tópico, mas dentro de um contexto como violência, acidentes ou ações educativas. Apenas dois documentos se encontram nesta categoria (13%).

  • O tema é um marco assinalado no documento: as quedas ocupam um tópico de discussão, onde são mais exploradas as causas e intervenções. São cinco publicações (33%) aqui consideradas.

  • O objetivo do documento é a discussão do tema: os documentos são específicos na exposição e discussão sobre o tema. Um documento (7%) minucia acerca das quedas, causas, intervenções e prevenções.

Tabela 3
Descrição dos temas identificados na análise documental. Ribeirão Preto-SP, 2019

Discussão

Partindo da evolução histórica, observa-se, a princípio, que as legislações tiveram um desígnio protecionista, no qual o idoso foi considerado fragilizado com necessidade de amparo. Assim, as publicações provenientes do Poder Legislativo, como a Política Nacional do Idoso (1994) e o Estatuto do Idoso (2003) dispõem de característica de apoio social (ROSA; BARROSO; LOUVISON, 2013ROSA, T.E.C.; BARROSO, A.E.S.; LOUVISON, M.C.P. Introdução. In: ________ (Org.). Velhices: experiências e desafios nas políticas do envelhecimento ativo. São Paulo: Instituto de Saúde. Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, 2013. p. 13-26. (Temas em Saúde Coletiva).). Imbuído também desse intuito, o Plano de Ação Internacional do Envelhecimento (2003) endossa objetivos e recomendações de gestão.

Ademais expressiva, foi a publicação da Organização Mundial de Saúde em 2002, denominado Active aging: a policy framework, que originou a publicação em português Envelhecimento Ativo: uma política de saúde (2005). Foi um marco que norteou políticas públicas e legislações internacionalmente em saúde, sendo a primeira publicação em envelhecimento no Brasil pelo Ministério da Saúde. Nesta publicação, modifica-se a perspectiva da gênese e a incidência de agravos e doenças, sendo proveniente de determinantes intersetoriais e diversos como condições econômicas, ambientes físicos e sociais, gestão e acesso à assistência de saúde, segurança, dentre outros.

Outra importante concepção apresenta o idoso como protagonista e agente ativo e fundamental para manutenção da promoção de saúde, influenciado por exemplo pelo estilo de vida e nutrição balanceada, que alteram a qualidade de vida e resultam em um envelhecimento ativo. Embora as quedas estejam associadas ao ambiente físico domiciliar no documento, pode-se afirmar que seus fatores de prevenção nesse documento abrangem também fatores inerentes ao protagonismo e autonomia do idoso, como o uso adequado de medicações, realização de atividades físicas, abandono do alcoolismo, dentre outros.

Ainda acerca da evolução histórica dos mais relevantes documentos analisados, evidenciam-se as primeiras publicações do Ministério da Saúde que regulamentaram as diretivas em conformidade com os princípios do SUS e com as metas internacionais. As publicações anteriores basearam primordiais pilares legais para a gestão em saúde do idoso em 2006: Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa e o Pacto pela Saúde.

Ainda nesse ano, o Caderno de Atenção Básica: Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa (2006), foi o primeiro documento com enfoque de padronizar a assistência e conglobou as normativas da Política Nacional de Atenção Básica (2006), Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (2006), Pacto pela Saúde (2006), Política Nacional de Promoção da Saúde (2006), Política Nacional de Humanização (2003). E seguindo na linha assistencial, foram publicados a Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa (2008), o Guia Prático do Cuidador (2008) e Cuidar Melhor e evitar a violência - Manual do Cuidador da Pessoa Idosa (2008).

Os outros documentos continuam a normatizar a gestão, como a publicação Atenção à saúde da Pessoa Idosa e Envelhecimento (2010) e o Compromisso Nacional para o Envelhecimento Ativo (2013). Dois documentos foram incluídos quanto ao estado de São Paulo como representativo às legislações estaduais: Lei Estadual relativa ao Idoso (12.548/07) e Vigilância e prevenção de quedas em idosos (2010).

Aprofundando sobre o tema das quedas, publicações destinadas à gestão não especificam patologias ou agravos, devido às especificações e natureza das publicações. Então, as quedas não são mencionadas em concepção, fatores de risco ou dados epidemiológicos. Nesses documentos, como o Decreto n. 8.114/13, o Pacto pela Saúde (2006), a Lei n. 12.548/07 do Estado de São Paulo, e o Plano de ação Internacional sobre o Envelhecimento (2003), predominam metas pactuadas entre os entes federados para implantação e avaliação de programas quanto à saúde do idoso.

Nas políticas nacionais, há diferentes apresentações e concepções quanto às quedas. Na Política Nacional do Idoso (1994), sobressaem indicadores de saúde das quedas. Dados alarmantes como índices de mortalidade, internações hospitalares evidenciam a importância desse problema e gastos públicos decorrentes. As quedas são compreendidas como uma convergência entre violência e acidentes, evidenciada pelo fato de as quedas estarem inseridas no Plano de ação a Violência no documento.

Distintivamente, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (2006) não relata dados quanto às quedas. E embora não explícito, sua concepção tem um direcionamento acidental para as quedas, visto que está associada aos obstáculos no ambiente residencial do idoso, nas vias públicas e no transporte urbano.

Avulta-se o Caderno de Atenção Básica (2006), que supriu a necessidade de embasar a assistência dos profissionais na atenção primária na saúde do idoso. O documento, embora técnico, possui uma linguagem clara a todos e descreve as quedas em sua dimensão de problema de saúde pública com dados epidemiológicos, fatores associados e consequências.

As publicações Cuidar melhor e evitar a violência (2008), Guia prático do cuidador (2008) e a Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa (2017) são instrumentos e documentos para educação de cuidadores e familiares sobre aspectos cotidianos e auxiliar na assistência. De linguagem simples, eles descrevem de maneira sucinta e prática as quedas e os fatores que influenciam sua incidência, em especial a adaptação do ambiente domiciliar.

Para quantificar as quedas, o indicador de saúde utilizado é a Taxa de Internações por Fratura de Fêmur, que é descrito pelo documento Atenção à Saúde da Pessoa Idosa e Envelhecimento (2010). Essa publicação detalha os componentes da pactuação proposto no Pacto pela Saúde relativo à saúde do idoso.

O documento elaborado pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, denominado Vigilância e Prevenção de Quedas em Idosos (2010), é completo. Apresenta discussão sobre as políticas sobre a saúde da pessoa idosa, descreve detalhadamente dados sobre os indicadores de saúde para quedas, fatores de risco, ações de prevenção, dentre outros.

Em suma, quanto aos documentos de natureza técnica, sua ênfase está na assistência fornecida pela atenção primária. Seu principal foco, em geral, são os profissionais de saúde, os cuidadores formais e informais, familiares e os próprios idosos.

A percepção sobre as quedas apresentado pelas publicações é de que se trata de ocorrências acidentais, conforme conceitos descritos. Outrossim, os documentos salientam que as ações preventivas possibilitam um decréscimo na incidência das quedas, em sua maioria diante de conscientização do problema, educação em saúde, capacitação das equipes multiprofissionais e adaptação ambiental urbana e domiciliar.

No entanto, enfatiza-se que ações preventivas em quedas não devem ser limitadas ao cuidado das patologias já estabelecidas ou ao espaço físico; ao contrário, exigem um escopo holístico e integral, pois as quedas são decorrentes de uma complexa interação multifatorial. Mesmo intervenções essenciais, como adaptação residencial, exigem uma rede social, informação sobre a importância das quedas e dos fatores de risco relacionados, orientação acerca das estruturas arquitetônicas a serem alteradas e condições financeiras. Portanto, cada ação abrange também comunicação, educação e trabalho de equipe (PORTELLA; LIMA, 2018PORTELLA, M. R.; LIMA, A. P. de. Quedas em idosos: reflexões sobre as políticas públicas para o envelhecimento saudável. Arq. Cienc. Saúde UNIPAR, Umuarama, v. 22, n. 2, p. 109-115, maio/ago. 2018. http://dx.doi.org/10.25110/arqsaude.v2212.2018.6366
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).

Então, entende-se que intervenções de promoção à saúde, que incluem a prevenção de quedas, são multidimensionais, visto que o envelhecimento é fruto de uma construção de toda uma vida e a atenção integral ao idoso perpassa o suporte emocional e instrumental, inclusão e participação social, status econômico, condições ambientais, acesso a serviços de saúde em todos os níveis de atenção, desenvolvimento funcional e cognitivo (VERAS et al., 2013VERAS, R.P.; CALDAS, C.P.; CORDEIRO, H.A. Modelos de atenção à saúde do idoso: repensando o sentido da prevenção. Physis, Rio de Janeiro, v. 23, n. 4, p. 1189-1213, Dec. 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312013000400009.
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).

As políticas públicas, como apresentado, têm concordância com essas propostas para prevenção de doenças, mas observa-se que carecem de ampliação em todos os aspectos descritos e o fortalecimento para implementação, especialmente na atenção primária, resultante de um diálogo entre os idosos, as famílias, a população e os setores governamentais.

O panorama desta pesquisa das quedas sob a perspectiva das políticas públicas revelou ser um grande desafio abarcar todas as dimensões incluídas na prevenção de quedas. Consequentemente, sua efetivação por meio de políticas públicas possibilita o decréscimo da incidência de quedas, redução dos gastos públicos, a manutenção da capacidade funcional, a qualidade de vida e um envelhecimento ativo. Vale a pena tentar.

Considerações finais

As publicações oficiais aqui analisadas são consideradas como propostas de intervenções governamentais diante de conjunturas de impacto negativo sobre uma população. Esta pesquisa visa identificar a relevância das quedas nos idosos e compreender como o fenômeno é retratado nas políticas públicas destinadas a atenção do idoso.

Identificou-se que as quedas são encontradas de forma significativa nas publicações oficiais destinadas aos profissionais de saúde e cuidadores. Ressalta-se que as quedas são retratadas como um importante problema de saúde pública dentro desse segmento populacional, e destacam-se os potenciais decréscimos nas taxas de incidência e morbimortalidade diante de ações de prevenção.

A expectativa é que esta pesquisa contribua para a avaliação das políticas públicas vigentes no sentido de retratar um quadro sobre o tema, e do mesmo modo educar sobre o tema dentre os profissionais e gestores de saúde.11 R. F. M. dos R. Fonseca: concepção e elaboração do manuscrito. S. Matumoto: orientação da pesquisa.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2019
  • Aceito
    03 Mar 2020
  • Revisado
    22 Ago 2021
PHYSIS - Revista de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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