O Laboratório de Mudança como ferramenta para transformação colaborativa de atividades de trabalho: uma entrevista com Jaakko Virkkunen

Resumos

Em setembro de 2012, a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), em cooperação com a Universidade de Helsinque (Finlândia), promoveu um curso de capacitação sobre o método do Laboratório de Mudança (LM) ministrado pelo Professor Emérito Jaakko Virkkunen, doutor em psicologia do trabalho e professor do Centro de Pesquisa em Atividade, Desenvolvimento e Aprendizagem (CRADLE), daquela instituição. Com uma ampla experiência em intervenções formativas, ele concedeu esta entrevista à Saúde e Sociedade. Durante a entrevista, foi apresentada a trajetória e história desse Centro, que possui uma longa tradição em pesquisas baseadas na teoria da atividade histórico-cultural (CHAT), por sua vez baseada no trabalho de L. S. Vygostky e seus seguidores. Virkkunen, juntamente com pesquisadores do CRADLE, desenvolveu o LM, uma ferramenta consolidada, já aplicada em vários países e em diferentes áreas de atividade. Aspectos teóricos, princípios, a importância da demanda e experiências de aplicação desse método foram apresentados durante a entrevista. Além disso, são mencionadas diferenças com outros métodos de intervenção e de pesquisas participativas. Ao final o entrevistado apresenta sugestões para o uso do LM.

Teoria da atividade histórico-cultural; Intervenção formativa; Laboratório de mudança


Saúde e Sociedade: O senhor poderia nos dizer algo sobre a trajetória e a história do centro de pesquisa do CRADLE da Universidade de Helsinque?

Jaakko Virkkunen: Podemos dividir a história em três fases. A primeira, prévia à formação do CRADLE, começou na década de 1970. Havia na Finlândia um tipo específico de colaboração entre pesquisadores e profissionais. No começo havia apenas um pesquisador, o Prof. Yrjö Engeström, de orientação acadêmica. Os praticantes (profissionais) trabalhavam no desenvolvimento de recursos humanos na vida profissional, os quais estavam interessados na teoria da atividade histórico-cultural e em aplicar as teorias de Vygotsky e Leontiev nos seus trabalhos. Então tivemos a colaboração entre pesquisadores e profissionais sobre questões de desenvolvimento do trabalho profissional e de práticas de trabalho na vida profissional. A primeira fase de desenvolvimento do CRADLE terminou com um grupo chamado de “Grupo de Desenvolvimento de Pesquisa do Trabalho”, em 1994, quando a abordagem já foi documentada e bem estabelecida. Yrjö Engeström, que era a figura de destaque, defendeu sua dissertação em 198711 ENGESTRÖM, Y. Learning by expanding: an activity – theoretical approach to developmental research. Helsinki: Orienta-Konsultit, 1987.. Muitos projetos aplicando esta nova abordagem foram realizados22 Para uma revisão desses projetos: ENGESTRÖM, Y. Developmental work research: expanding activity theory in practice. Berlin: Lehmanns Media, 2005..

Em seguida, a Universidade de Helsinque iniciou um novo programa de centros de excelência, a partir do qual um novo centro foi criado em 1994, nomeador “Centro para Teoria da Atividade e Pesquisa de Desenvolvimento do Trabalho”. No ano seguinte, um programa de doutorado foi criado inspirado no tema da teoria da atividade e pesquisa de desenvolvimento do trabalho. O centro recebeu da Academia da Finlândia um financiamento especial para centros de excelência para que pudéssemos ampliar a pesquisa. Nessa época, havia três professores que trabalhavam no centro. Sob a liderança do Prof. Yrjö Engeström e seu grupo de pesquisa, focou no estudo de novas formas de atividades de trabalho. Havia também o Prof. Reijo Miettinen, cujo grupo focou nos processos de inovação e trabalho de pesquisa científica. Em 1995, eu fui para o centro atuando com um grupo que focou na área de gestão de mudanças e métodos de intervenção. Então, havia um grupo de pesquisa sobre saúde ocupacional e bem-estar, com estreita colaboração com o Instituto Finlandês de Saúde Ocupacional. O centro tinha um amplo programa de pesquisa, e um programa de doutorado com aproximadamente 15 novos alunos. Esses doutorandos começaram a trabalhar no centro e desenvolveram projetos de pesquisa.

Havia na mesma universidade o grupo de pesquisa do Prof. Kari Hakkarainen, que estava estudando redes da aprendizagem e aprendizagem apoiada por tecnologias da informação. Em 2008, esses dois grupos decidiram se fundir para formar um novo centro, que ganhou o nome de CRADLE, Centro de Pesquisa em Atividade, Desenvolvimento e Aprendizagem. Então, essa é a história.

Saúde e Sociedade: O senhor poderia falar sobre a teoria da atividade de Vygotsky e seus seguidores? Como suas ideias foram desenvolvidas pelo CRADLE para o estudo e realização de intervenções no trabalho?

Jaakko Virkkunen: A ideia básica da teoria de Vygotsky é que os processos e atividades psicológicas humanas são culturalmente mediados. Esse é o ponto de partida. Mas o próprio Vygotsky e seus alunos também estavam muito interessados em pesquisa de desenvolvimento. Eles não estavam interessados em olhar como as coisas estão em determinado momento, mas em analisar quais são as possibilidades de maior desenvolvimento e crescimento. O conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky traz essas ideias de pesquisa focada em possibilidades de desenvolvimento e realização dessas possibilidades no desenvolvimento humano. Mas Vygotsky e seus colaboradores mais próximos fizeram muitos trabalhos experimentais no contexto escolar e em institutos psicológicos, focando bastante em jovens, apesar de terem outro tipo de pesquisa também33 Para maiores informações: VYGOTSKY, L. S. Mind in society: the development of higher psychological process. Cambridge: Harvard University Press, 1978..

Um aluno de Vygotsky, A. N. Leontiev ampliou a visão dessa mediação cultural, concentrando-se ou explicando que a mediação cultural está sempre relacionada com a divisão do trabalho entre as pessoas. Os instrumentos que medeiam a interação dos homens com a natureza também medeiam as relações entre os homens. Atividades de trabalho são sempre realizadas através da colaboração e divisão do trabalho. Esse foi um ponto muito importante para os pesquisadores que estavam colaborando ativamente com o CRADLE ou no desenvolvimento e aplicação da abordagem de pesquisa e desenvolvimento do trabalho. A ideia principal era estudar o trabalho não como ele é, mas como ele pode ser; como algo que está constantemente se desenvolvendo e revelando possibilidades reais de desenvolvimento. A resposta para sua pergunta é que o grupo finlandês expandiu a abordagem de estudos em crianças e escola para estudos no trabalho, ampliando a aplicação das ideias básicas em diferentes atividades, especialmente nas de trabalho.

A outra nova fase ou algo na teoria é que a formulação vygotskyana original estava muito mais focada no desenvolvimento como algo vertical. De modo que a criança aprende o pensamento científico e o desenvolvimento como um processo vertical. Mas na vida profissional, a situação é um pouco diferente. Engeström desenvolveu uma teoria do desenvolvimento como um processo horizontal de colaboração entre as diferentes atividades, conceitualização e tradições44 Para mais informações: ENGESTRÖM, Y. Expansive Learning at Work: toward an activity theoretical reconceptualization. Journal of Education and Work, [s.l.], v. 14, n. 1, 2001.. Então, acho que a principal diferença é que nós trabalhamos com a ideia de Leontiev de atividades e atividades de trabalho. As intervenções são focadas mais nas atividades de trabalho que nos indivíduos.

Saúde e Sociedade: No Brasil, ciência e pesquisa, mesmo em saúde pública, são restritas ao diagnóstico de situações problemáticas. Assim, os acadêmicos têm metodologias e ferramentas para a produção de conhecimento que ajudam a compreender os problemas de saúde, problemas sociais e problemas ambientais. No entanto, parece que a transformação não é objeto da pesquisa. Como você vê essa questão?

Jaakko Virkkunen: Essa é uma situação que Vygotsky já descreveu em seus estudos. Em escolas foi medido o nível de competência das crianças, e ele disse que pode haver grandes diferenças entre os alunos que têm o mesmo nível nas avaliações. Alguns deles estão trabalhando no limite de seu conhecimento e alguns poderiam ser muito melhores ou terem diferentes possibilidades de desenvolvimento55 Para mais informações: VYGOTSKY, L. S. Mind in society: the development of higher psychological process. Cambridge: Harvard University Press, 1978.. Vygotsky queria estudar quais eram as possibilidades realistas para o desenvolvimento de cada indivíduo e não se concentrar na situação existente.

Agora, eu acho que no trabalho e nos nossos estudos a situação é tal que se você estudar apenas como as coisas estão no presente, sempre produz dados antigos. Eu ouvi um exemplo muito interessante disso referente a um estudo de ergonomia de algumas máquinas. Levou algum tempo para os pesquisadores produzirem um relatório. Quando eles voltaram para a fábrica e explicaram o que tinham encontrado houve primeiro um silêncio na sala e, em seguida, alguém disse: “Sim, de fato nós costumávamos ter esse tipo de máquina”. Eles tinham feito uma análise do presente, mas não analisaram o que estava para acontecer no futuro. Então, se você faz a pesquisa sem a perspectiva de tempo passado na história e adiante sobre as possibilidades futuras, você geralmente produz informações que não são muito relevantes ou úteis, porque as coisas vão além e você não pode usar o conhecimento antigo, de como a situação costumava ser. Esse é um aspecto.

O outro aspecto é que, na verdade, você vê conexões entre as coisas somente quando tenta mudá-las. Na ciência experimental e na engenharia é claro que você pode observar um fenômeno apenas alterando a sua situação. Portanto, a pesquisa descritiva não dá informações da dinâmica e da razão pela qual as coisas acontecem e como aconteceram.

Saúde e Sociedade: Para conhecer determinada situação social e de trabalho, é necessário transformá-la?

Jaakko Virkkunen: Sim, exatamente.

Saúde e Sociedade: Interessante.

Jaakko Virkkunen: Sim, esta é uma boa formulação.

Saúde e Sociedade: Você mencionou que a pesquisa não é relevante se não se olha para o passado e o presente. Mas que tipos de ferramentas teóricas e metodológicas a abordagem da pesquisa e desenvolvimento do trabalho e a teoria da atividade oferecem aos pesquisadores para expandir a linha do tempo?

Jaakko Virkkunen: Existem vários aspectos. O primeiro é que você tem de ter uma unidade teórica de análise. Você não pode ter uma análise histórica, se não tem uma concepção da coisa que está desenvolvendo historicamente. Assim, o primeiro instrumento é o conceito de sistema de atividade como unidade teórica de análise. A segunda ferramenta é a ideia de que a mediação cultural das atividades está mudando historicamente e você tem de olhar para as mudanças reais, assim como as mudanças nos discursos, ideias e teorias de uma determinada atividade.

Na abordagem da pesquisa e desenvolvimento do trabalho há algumas etapas metodológicas. A primeira delas é que você tem de mapear a situação para que possa diferenciar uma atividade da outra, de tal maneira que possa decidir, baseado no que é produzido nessa atividade. Em seguida, fazemos uma análise histórica do objeto, de como ele e motivo e o sistema de atividade se desenvolveram. Fazemos uma análise histórica das ideias sobre como esses tipos de atividades deveriam ser realizados. Também fazemos uma análise empírica das práticas atuais e distúrbios reais. A ideia principal é olhar a atividade como um fenômeno que está historicamente mudando, e também formado por múltiplas camadas que existem na forma de atividade local e em um nível teórico mais geral, como as teorias da atividade.

Saúde e Sociedade: As análises são testadas tentando-se transformar uma atividade local?

Jaakko Virkkunen: Sim. Há um conceito central que eu não falei ainda. Se você olhar para um sistema em desenvolvimento, então a dinâmica do desenvolvimento é baseada em contradições internas ao sistema. A tarefa do pesquisador é a de auxiliar os participantes a entenderem e a revelarem as contradições internas do sistema que produzem certos distúrbios, anomalias, acidentes, doenças e coisas assim. Quando você tem as contradições reveladas e cristalizadas, está definindo o problema que tem de ser resolvido e que leva então a inovações. Essa é uma boa base para invenções e inovações.

Saúde e Sociedade: Então, a compreensão dessas contradições é essencial para ver como a atividade será no futuro?

Jaakko Virkkunen: Não se trata de fazer uma previsão do desenvolvimento futuro. Existem vários tipos diferentes de causalidades na atividade humana. A ideia fundamental é que as pessoas estão mudando o seu trabalho. Elas estão produzindo novas soluções. A contradição é essencial para orientar as pessoas a procurarem uma determinada solução que torna o desenvolvimento possível. Em pesquisa e desenvolvimento nós temos os sintomas do problema, estamos buscando algo, mas não sabemos exatamente o que é que estamos procurando. As contradições definem muito bem o que é que estamos procurando. Se tivermos inovações, nós podemos saber quais delas são soluções e quais não são, pois sabemos quais são as suas contradições. Elas são essenciais para direcionar as tentativas de mudança.

Saúde e Sociedade: Como você vê a transformação como objeto de pesquisa? Poderia nos dizer algo sobre o laboratório de mudanças e as possibilidades que este método oferece no campo da saúde, educação, comunicação, condições de trabalho e sustentabilidade?

Jaakko Virkkunen: O laboratório de mudança é um método da abordagem de pesquisa de desenvolvimento do trabalho. Ele é baseado em uma lógica específica de invenção. Pesquisas empíricas tradicionais são baseadas em generalização estatística. Você coleta dados que sejam suficientes para fazer uma generalização estatística de como as coisas são e quais são as suas relações causais características.

Em ambos, o desafio básico é o de inventar uma nova solução para uma situação problemática. Nessa abordagem, uma nova solução começa de forma isolada e depois começa a crescer caso a mesma contradição exista em outras atividades. Assim, a transformação é vista nesse método de modo que: a) em primeiro lugar, há uma fase de análise a partir do nível superficial em direção a uma análise das contradições básicas subjacentes; b) em segundo lugar, existe uma fase de criação de uma inovação que resolve a contradição e que pode se difundir e ser enriquecida na atividade.

Transformação é outra coisa. Ela é diferente da mudança. Transformação significa que existe uma nova lógica de desenvolvimento. Não é só mudança que termina depois de ter sido feita. Transformação é mudança que cria um desenvolvimento adicional. No laboratório de mudança nós temos a intenção de criar algo que produz inovações e maior desenvolvimento em uma atividade.

Saúde e Sociedade: Você acabou de dizer que o principal objetivo do laboratório de mudança é criar uma inovação e resolver um problema. Isso se parece muito com outros métodos participativos, como pesquisa-ação. Eles são a mesma coisa? Se não, como é que o LM se diferencia de outros métodos participativos no qual também se cria inovações e se resolve problemas? Qual é a principal diferença com outros métodos de pesquisa participativas mais tradicionais?

Jaakko Virkkunen: Eu gostaria de comparar esta abordagem com a da pesquisa-ação e uma outra que é chamada de desenhos experimentais, comum na área pedagógica. Na verdade, os desenhos experimentais e as primeiras versões da pesquisa-ação são muito semelhantes. O ponto de partida é geralmente uma situação problemática empírica. Nos desenhos experimentais e na pesquisa-ação o especialista está produzindo uma hipótese de solução e algum novo instrumento ou uma nova forma de ação. Essa inovação é levada à prática para que os profissionais experimentem as novas soluções, e as altera de acordo com as experiências de uso. Essa solução pode se estabilizar ou se revelar como não sendo uma boa solução, e uma nova solução é criada e experimentada. O problema com essas abordagens na forma tradicional é que o ator é o pesquisador que cria um novo modelo, e os praticantes são pessoas experientes que tentam usar esse modelo. Na pesquisa-ação participativa a situação é um pouco diferente porque o praticante se envolve em criar a solução, mas o problema básico é o mesmo: todo o processo é baseado na formação de senso comum. Existe um problema e uma solução, mas não existe um conceito teórico de qual é o sistema de onde o problema emerge. Assim, a grande diferença entre a pesquisa de desenvolvimento do trabalho e o laboratório de mudança em comparação com outras abordagens é o conceito do sistema de atividade e o método de análise histórica desse sistema. Nós vamos além dos problemas empíricos e procuraramos as causas sistêmicas dos problemas, e isso significa que o foco está muito mais na atividade coletiva do que nas ações individuais. A pesquisa-ação geralmente leva o contexto institucional como dado e se concentra em maneiras individuais de trabalhar e de agir. Nossa abordagem transforma todo o sistema de atividade.

Saúde e Sociedade: Você poderia nos dizer quais são os princípios do laboratório de mudança?

Jaakko Virkkunen: Existem dois princípios fundamentais: o princípio da ascensão do abstrato para o concreto e o princípio da estimulação dupla. O anterior compreende, porém, na verdade vários princípios complementares.

Ascensão do abstrato para o concreto é o princípio de ganhar a compreensão e gestão do desenvolvimento de um sistema complexo, no laboratório de mudança; o sistema de atividade a partir do qual os participantes vêm. Um sistema é entendido como uma configuração de relações de interação entre os elementos complementares e, consequentemente, elementos contraditórios. Uma contradição entre os aspectos ou elementos na interação; são gerenciados por meio da mediação. Por exemplo, a atuação da interação do sujeito com o objeto de ação é mediada através de instrumentos. Como os elementos do sistema mudam, incompatibilidades e novas contradições evoluem e têm de ser geridas ou resolvidas pela remediação da interação. Ascensão do abstrato para o concreto pode significar a reconstrução da gênese de um sistema a partir de uma pequena relação inicial, uma célula germinativa, para uma totalidade complexa, através do desenvolvimento e resolução de contradições dentro das relações de interação. No laboratório de mudança ele é, no entanto, como um processo de encontrar a forma inicial de interação, que pode ser a base do desenvolvimento de uma nova forma do sistema, a sua próxima geração. Por assim dizer, pela identificação de uma contradição central predominante e encontrando uma maneira de mediá-la. Abstrato aqui não se refere a algo geral e distante da realidade material, mas sim algo separado, algo (ainda) não integrado ao sistema mais amplo, que, no entanto, representa um novo princípio que pode tornar-se geral como uma nova prática que os participantes experimentam e desenvolvem ainda mais. Esse princípio implica também o princípio de pensar em termos de relações de interação entre os elementos complementares e concentrando-se nas características que os elementos têm como parte de um sistema vivo. Ele também compreende o princípio de analisar os sistemas nas suas mudanças e desenvolvimento.

O princípio da estimulação dupla é baseado na teoria de L. S. Vygotsky de como os seres humanos gerenciam seu próprio comportamento usando artefatos externos. Ele explica como a agência dos participantes é suportada numa intervenção do laboratório de mudança. Quando uma pessoa enfrenta um problema ou um conflito de motivos, ele ou ela, normalmente procura por um artefato para estruturar a situação e ajudar a tomar uma decisão. Quando, por exemplo, alguém espera uma pessoa para uma reunião e ela não está aparecendo, este alguém está ponderando se espera ainda um pouco mais ou vai embora. Esse alguém pode então ter decidido ir embora passarão se passarem 30 minutos além do tempo acordado. Quando isso for decidido e chegar a hora, a pessoa não hesita em partir. Ele ou ela usou um artefato externo, o tempo específico no display de um relógio, como um sinal para eles próprios realizarem a ação previamente planejada de sair. No laboratório de mudança uma situação problemática na atividade dos praticantes é trazida aos seus conhecimentos através de dados espelho de suas práticas. Esses dados são coletados pelo pesquisador intervencionista por meio de cuidadosa pesquisa etnográfica junto ao cotidiano de trabalho dos participantes (trechos de entrevistas, vídeos etc.), que são apresentados nas seções do LM aos participantes. É o primeiro estímulo. O modelo de um sistema de atividade e outros modelos são disponibilizados para os praticantes como um possível segundo estímulo. Com essa ajuda os profissionais podem planejar suas ações de estruturação da situação-problema e proceder a construção da solução do problema.

Saúde e Sociedade: Você poderia nos contar sobre seu novo livro66 VIRKKUNEN, J.; NEWNHAM, D. S. The Change Laboratory – a tool for collaborative development of work and education. Rotterdam: Sense Publishers, 2013. O Livro está sendo traduzido para o português e será editado pela Fabrefactum com recursos oriundos da cooperação da Faculdade de Saúde Pública com o Ministério Público do Trabalho da 15ª Região. referente ao método do LM? Quais são as suas sugestões ou recomendações para a realização de pesquisas utilizando esse método no Brasil?

Jaakko Virkkunen: O laboratório de mudança é um método novo, desenvolvido em 1996, que foi baseado nos estudos de Yrjö Engeström sobre equipes de trabalho e as experiências com a abordagem de pesquisa de desenvolvimento do trabalho. Ele tem sido amplamente utilizado na Finlândia e em outros países. Temos muitas experiências e relatos de pesquisa baseada no uso do LM77 São citadas publicações que aplicaram o laboratório de mudança em: QUEROL, M. A. P.; JACKSON FILHO, J. M.; CASSANDRE, M. P. Change Laboratory: uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da aprendizagem organizacional. Administração: ensino e pesquisa, Rio de Janeiro, v. 12, n. 4, p. 609-640. 2011.. A ideia do livro é dar uma visão condensada da teoria básica e do método, de modo que as pessoas possam usar o método e aplicá-lo em diferentes contextos. Nós temos uma grande quantidade de artigos e textos de pesquisas em que o método tem sido usado, mas não tínhamos uma visão geral ele, ou uma apresentação no formato de livro-texto.

Nós temos um pouco de história sobre o uso do laboratório de mudança; nós aprendemos alguma coisa no processo, e minha recomendação e compreensão é que ele é na verdade uma forma de criar colaboração entre pesquisa e prática. Ele funciona melhor se houver uma instituição de pesquisa, por exemplo, universidade, em colaboração de longo prazo com organizações de trabalho. E você usa o LM em colaboração com os profissionais. Pode usá-lo de modo que você vai a uma organização, faz um laboratório de mudança, vai embora e faz outro LM em outra organização. Mas os melhores resultados são alcançados se você criar uma comunidade formada por praticantes e pesquisadores – e você o usa para ajudar os praticantes a transformarem suas práticas e, ao mesmo tempo, para coletar informações que são importantes no desenvolvimento de teoria e conhecimento sobre o fenômeno.

Saúde e Sociedade: Você poderia dar alguns exemplos de aplicações do método do LM no campo da saúde, comunicação e educação?

Jaakko Virkkunen: Na verdade, ele tem sido usado bastante extensivamente no campo da saúde. O Prof. Yrjö Engeström e seu grupo de pesquisa têm realizado o laboratório de mudança em hospitais, no atendimento domiciliar e em outros contextos de cuidados em saúde. Eu acho que, talvez, a parte mais interessante desse trabalho é uma série de laboratórios de mudança e laboratórios de transposição de fronteiras (Boundary-Crossing)88 Tradução livre pelos autores: “laboratório de transposição de fronteiras”. em cuidados primários de saúde e cuidados especializados. Engeström e seu grupo realizaram um LM em um hospital infantil99 Mais detalhes em: ENGESTRÖM, Y. Activity theory as a framework for analyzing and redesigning work. Ergonomics, [s.l.], v. 43, n. 7, p. 960-974, 2000. em que descobriram que os problemas que deveriam ser resolvidos apenas em um determinado lugar na rede de cuidados de saúde estavam relacionados com as relações e colaborações entre instituições.

O maior projeto nessa área tem sido o laboratório focado no cuidado dos doentes crônicos com vários diagnósticos, e que estão sob os cuidados primários e de diferentes instituições especializadas ao mesmo tempo. Os dados coletados sobre os pacientes mostraram que as diferentes instituições médicas e especialistas não sabiam o suficiente sobre o que os outros faziam e havia uma falta de coordenação entre as pessoas que estavam cuidando do tratamento médico do paciente. Então, eles criaram nesse laboratório uma nova forma de colaboração, que eles chamaram knotworking1010Knotworking se refere a uma nova forma de organização do trabalho na qual a agência é distribuída entre muitos indivíduos, em que nenhum deles e nenhuma organização têm controle sob a atividade (ver ENGESTRÖM, Y., ENGESTRÖM, R., VÄHÄAHO, T. When the center does not hold: the importance of knotworking. In: Activity theory and social practice: cultural-historical approaches. Oxford: A Arthus University Press,1999.. Essa forma de colaboração significa que quando o médico de cuidados primários ou médico no cuidado especializado reconhece que aquele paciente é crônico, e vai permanecer no sistema por um longo tempo, ele ou ela reúne na prática real ou virtualmente, através de emails, as pessoas envolvidas no cuidado, e eles têm uma negociação do plano geral do cuidado do paciente. Desse modo, decidem como dividir a responsabilidade e o trabalho fazendo um “acordo de cuidado”, o qual é um acordo entre as partes envolvidas, o paciente e às vezes os membros da família. Esse método foi aprovado oficialmente como o método de coordenação de cuidados de saúde na área de Helsinque.

Então eles realizaram outro laboratório de mudança para a implementação desse novo sistema e para identificar os problemas e as dificuldades em sua utilização. Eu não sei a situação atual, mas basicamente knotworking acabou por ser um conceito muito relevante para a coordenação das mudanças rápidas que vêm ocorrendo no mundo do trabalho.

Saúde e Sociedade: Vamos supor que eu tenha ouvido falar sobre o laboratório de mudanças e me interessei em aplicá-lo. O que você sugere? O que eu deveria fazer? Quais são os passos para aplicar um LM?

Jaakko Virkkunen: É um método intensivo com relação à teoria, de modo que você tem de estudar a teoria com cuidado. Dessa forma, você tem de ter algum contato com algumas pessoas que já o tenham usado, porque ele ainda é relativamente novo, e grande parte do conhecimento é tácito na comunidade que o tem usado.

Saúde e Sociedade: A demanda é uma questão importante para nós. É necessário que a empresa ou organização tenha uma forte demanda, um problema e reconheça que o problema existe?

Jaakko Virkkunen: Sim, exatamente. O laboratório de mudança é paradoxalmente mais fácil de usar quando o interessado está em uma crise e realmente quer... Precisa urgentemente de uma solução e sua aplicação não deve ser tentada baseada apenas em uma ideia do pesquisador: “Eu quero experimentar com isso porque é a colaboração com pessoas reais”. Você não pode impor um experimento a eles. A negociação sobre a necessidade e o reconhecimento da necessidade são aspectos essenciais, como você disse. Mas outro aspecto é o interesse e a vontade de desenvolvimento colaborativo do demandante. Se há uma hierarquia muito forte ou uma maneira muito fechada de pensar, então será difícil iniciar um laboratório de mudança. Mas se eles veem que estão em uma situação problemática e querem ter uma melhor compreensão do que é realmente o problema, então é um bom ponto de partida para usar o método.

Saúde e Sociedade: Deve haver algum tipo de demanda e vontade de mudar, e então estudar a teoria e entrar em contato com alguém que tenha experiência. É necessário ter participado de um curso como esse que nós fizemos? É normal ter um curso de 40 horas1111 Referindo-se ao Curso de capacitação para o método Laboratório de Mudança realizado pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, em setembro de 2012.? Isso é suficiente?

Jaakko Virkkunen: É o suficiente para... É como em uma escola para aprender a dirigir um carro. Você tem o treinamento para ser capaz de tentar fazê-lo. Mas você aprende fazendo. É muito difícil aprender a usar o conceito, se você não tiver o seu próprio projeto. Nós costumamos ter um sistema no qual as pessoas têm, primeiro, um curso do laboratório de mudança; e, então, a pessoa que está conduzindo o curso e tem experiência com o método, ajuda os alunos a realizarem a sua primeira intervenção com o LM. Mas as coisas são diferentes. Muitos de nossos alunos de doutorado têm realizado um laboratório de mudança do zero. Isso é possível por que eles têm trabalhado intensamente em nosso instituto, portanto, podem discutir os problemas e ter algum suporte.

Saúde e Sociedade: Apoio e supervisão do processo?

Jaakko Virkkunen: É importante que você tenha uma pessoa para dar alguma supervisão.

Saúde e Sociedade: O LM é usado para a produção de qualquer tipo de mudança ou é uma ferramenta para a produção de um tipo específico de mudança?

Jaakko Virkkunen: Eu diria que não é um laboratório de mudança. Esse é apenas um nome. Há uma série de métodos de intervenção de mudança que visam uma mudança específica e terminam com essa mudança específica. Por exemplo, você implementa um novo sistema de computador e é isto, está encerrado.

O LM é o que chamamos de método de intervenção formativa que se concentra na abertura de uma nova perspectiva e um maior desenvolvimento. Desse modo, ele não está se concentrando em mudanças pré-estabelecidas ou definidas, mas na criação de capacidade de desenvolvimento e de mudança em uma organização ou entre um grupo de pessoas que estão trabalhando juntas.

Saúde e Sociedade: Então não é necessariamente uma ferramenta para a implementação de uma mudança que está predeterminada, mas está abrindo uma porta para novas possibilidades, para novas perspectivas?

Jaakko Virkkunen: Sim, e uma das grandes contribuições do método é que as pessoas que estão no laboratório de mudança criam uma perspectiva para o desenvolvimento de sua atividade e também uma motivação para o desenvolvimento. Após um LM não temos apenas um grupo de indivíduos com muitas ideias do desenvolvimento futuro de uma atividade, mas pessoas que trabalham de forma colaborativa para resolver uma contradição e desenvolver a atividade em uma determinada direção.

Agradecimentos

Agradecemos ao Ministério Público do Trabalho da 15ª Região pelo apoio que viabilizou a realização do Curso de Capacitação no Laboratório de Mudança, realizado em setembro de 2012, ministrado por Jaakko Virkkunen, possibilitando a oportunidade para a realização desta entrevista.

  • 1
    ENGESTRÖM, Y. Learning by expanding: an activity – theoretical approach to developmental research. Helsinki: Orienta-Konsultit, 1987.
  • 2
    Para uma revisão desses projetos: ENGESTRÖM, Y. Developmental work research: expanding activity theory in practice. Berlin: Lehmanns Media, 2005.
  • 3
    Para maiores informações: VYGOTSKY, L. S. Mind in society: the development of higher psychological process. Cambridge: Harvard University Press, 1978.
  • 4
    Para mais informações: ENGESTRÖM, Y. Expansive Learning at Work: toward an activity theoretical reconceptualization. Journal of Education and Work, [s.l.], v. 14, n. 1, 2001.
  • 5
    Para mais informações: VYGOTSKY, L. S. Mind in society: the development of higher psychological process. Cambridge: Harvard University Press, 1978.
  • 6
    VIRKKUNEN, J.; NEWNHAM, D. S. The Change Laboratory – a tool for collaborative development of work and education. Rotterdam: Sense Publishers, 2013. O Livro está sendo traduzido para o português e será editado pela Fabrefactum com recursos oriundos da cooperação da Faculdade de Saúde Pública com o Ministério Público do Trabalho da 15ª Região.
  • 7
    São citadas publicações que aplicaram o laboratório de mudança em: QUEROL, M. A. P.; JACKSON FILHO, J. M.; CASSANDRE, M. P. Change Laboratory: uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da aprendizagem organizacional. Administração: ensino e pesquisa, Rio de Janeiro, v. 12, n. 4, p. 609-640. 2011.
  • 8
    Tradução livre pelos autores: “laboratório de transposição de fronteiras”.
  • 9
    Mais detalhes em: ENGESTRÖM, Y. Activity theory as a framework for analyzing and redesigning work. Ergonomics, [s.l.], v. 43, n. 7, p. 960-974, 2000.
  • 10
    Knotworking se refere a uma nova forma de organização do trabalho na qual a agência é distribuída entre muitos indivíduos, em que nenhum deles e nenhuma organização têm controle sob a atividade (ver ENGESTRÖM, Y., ENGESTRÖM, R., VÄHÄAHO, T. When the center does not hold: the importance of knotworking. In: Activity theory and social practice: cultural-historical approaches. Oxford: A Arthus University Press,1999.
  • 11
    Referindo-se ao Curso de capacitação para o método Laboratório de Mudança realizado pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, em setembro de 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br