Voz e trabalho: estudo dos condicionantes das mudanças a partir do discurso de docentes11 Trabalho realizado no Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), SP, Brasil. Contou com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Voice and work: a study of determinants of changes through teachers’ discourse

Mariana P. Biserra Susana P. P. Giannini Renata Paparelli Leslie P. Ferreira Sobre os autores

Resumos

O objetivo deste estudo é analisar, a partir da manifestação de piora ou melhora de capacidade para o trabalho, os aspectos condicionantes de mudanças na relação entre trabalho e voz, segundo o discurso de docentes da rede municipal de ensino de São Paulo. Participaram as professoras que, em comparação com pesquisa anterior, apresentaram maior diferença tanto para piora (Grupo A) como para melhora (Grupo B) nos resultados do Índice de Capacidade para o Trabalho. Elas foram convidadas a discutir quais aspectos poderiam explicar a melhora ou piora desses resultados, em um contexto de grupo focal. Os relatos foram transcritos e analisados qualitativamente, segundo a recorrência dos enunciados. Constatou-se que o grupo A apresentou condição mais adoecida e maior necessidade de falar sobre as dificuldades no trabalho. O Grupo B apresentou mais força para enfrentar os problemas referentes ao trabalho, inclusive propostas criativas. A favor do Grupo B, também foram registradas melhores relações no trabalho quanto ao apoio social e autonomia.

Voz; Saúde do Trabalhador; Docentes


This study aims to analyze, by means of manifestation of worsening or improvement in work ability, the aspects conditioning changes in the relation between work and voice, according to the discourse of teachers working at the municipal education network of São Paulo, Brazil. The participants were female teachers who, when comparing with a previous research, had greater difference both in terms of worsening (Group A) and improvement (Group B) in the results of the Work Ability Index. They were invited to discuss which aspects could explain the improvement or worsening in these results, in a focus group context. The reports were transcribed and qualitatively analyzed, according to the recurrence of utterances. We found out that group A showed a worse health status and it had a greater need to talk about difficulties at work. Group B showed more strength to face problems related to work, including creative proposals. In favor of Group B, better work relationships were also registered concerning social support and autonomy.

Voice; Occupational Health; Teachers


Introdução

Um dos principais agravos à saúde do professor é o distúrbio de voz, e as publicações científicas nessa área têm apresentado um perfil consistente e crescente ao longo dos anos, quando comparado ao de outros profissionais da voz (Dragone e col., 2010DRAGONE, M. L. S. et al. Voz do professor: uma revisão de 15 anos de contribuição fonoaudiológica. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 289-296, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsbf/v15n2/23.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2013.
http://www.scielo.br/pdf/rsbf/v15n2/23.p...
). Dados de pesquisas nacionais e internacionais apontam, ainda, os problemas de voz como fator relevante de afastamentos e readaptações de professores em diferentes redes de ensino (Paschoalino, 2008PASCHOALINO, J. B. Q. O professor adoecido entre o absenteísmo e o presenteísmo. In: SEMINÁRIO DE LA RED LATINOAMERICANA DE ESTUDIOS SOBRE TRABAJO DOCENTE (REDESTRADO), NUEVAS REGULACIONES EN AMÉRICA LATINA, 7., 2008, Buenos Aires. Resumos... Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires, 2008, p. 134. Disponível em: <http://www.redeestrado.org/web/archivos/seminarios/21.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2014.
http://www.redeestrado.org/web/archivos/...
).

Esses dados justificam-se pelo fato de professores constituírem a categoria profissional em maior número, e expostos à demanda vocal excessiva, esforço vocal propiciado pela competição com os ambientes ruidosos das escolas, presença de fatores alérgenos, iluminação ou tamanho da sala inadequados, entre outros (Ferreira e col., 2007FERREIRA, L. P. et al. Distúrbio da voz relacionado ao trabalho: proposta de um instrumento para avaliação de professores. Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 127-137, 2007.).

Mais recentemente, os aspectos de organização do trabalho também foram considerados potenciais para interferir na produção vocal dos trabalhadores: jornada prolongada; sobrecarga, acúmulo de atividades ou de funções; falta de autonomia, entre outros (Servilha e Ruela, 2010SERVILHA, E. A. M.; RUELA, I. S. Riscos ocupacionais à saúde e voz dos professores: especificidades das unidades de rede municipal de ensino. Revista CEFAC, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 109-114, 2010., Bassi e col., 2011BASSI, I. et al. Características clínicas, sociodemográficas e ocupacionais de professoras com disfonia. Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 23, n. 2, p. 173-180, 2011. Disponível em: <http://www.pucsp.br/revistadisturbios/artigos/Artigo_766.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2013.
http://www.pucsp.br/revistadisturbios/ar...
).

Além dos aspectos referentes ao ambiente, à organização do trabalho ou às características biológicas dos indivíduos, há questões subjetivas, como as percepções e as construções de sentido de professores sobre sua voz, que também devem ser consideradas quando se pretende entender a complexa multifatoriedade relacionada ao distúrbio de voz (Giannini e Passos, 2006GIANNINI, S. P. P.; PASSOS, M. C. Histórias que fazem sentidos: as determinações das alterações vocais do professor. Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 245-257, 2006.).

Dessa forma, aos poucos tem se deixado de lado a visão de que os problemas de voz são apenas de responsabilidade do trabalhador. Junto a diversos setores e diferentes profissionais, tem-se realizado discussões que, inclusive, culminaram com a elaboração do documento denominado Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho (DVRT), em análise junto ao Ministério da Saúde para ser publicado como mais um protocolo a ser incluído no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) (Ferreira e Bernardi, 2011FERREIRA, L. P.; BERNARDI, A. P. A. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: resgate histórico. Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 23, n. 2, p. 233-236, 2011. Disponível em: <http://www.pucsp.br/revistadisturbios/artigos/tipo_772.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2013.
http://www.pucsp.br/revistadisturbios/ar...
).

Entende-se por DVRT qualquer alteração vocal diretamente relacionada ao uso da voz durante a atividade profissional que diminua, comprometa ou impeça a atuação e/ou a comunicação do trabalhador (CEREST, 2006CEREST - CENTRO DE REFERÊNCIA DE SAÚDE DO TRABALHADOR. Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo. Distúrbios da voz relacionados ao trabalho. Boletim Epidemiológico Paulista, São Paulo, v. 3, n. 26, p. 16-22, 2006.).

Um estudo caso-controle trouxe importante contribuição à discussão desse distúrbio, ao confirmar a associação dos aspectos de estresse no trabalho e redução da capacidade para o trabalho ao distúrbio de voz em professoras da rede municipal de São Paulo (Giannini, 2010GIANNINI, S. P. P. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho docente: um estudo caso-controle. 2010. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.).

O conceito de capacidade para o trabalho diz respeito à capacidade que o trabalhador tem para executar seu trabalho em função das exigências desse trabalho, de seu estado de saúde e de suas capacidades físicas e mentais (Tuomi e col., 2005TUOMI, K. et al. Índice de capacidade para o trabalho. São Carlos: EdUFSCar, 2005.).

Na presente pesquisa, para critério de seleção de sujeitos, partiu-se dos achados desse estudo (Gianinni, 2010GIANNINI, S. P. P. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho docente: um estudo caso-controle. 2010. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.) em que houve aplicação do instrumento denominado Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT). Procedeu-se à realização de uma nova aplicação desse instrumento exclusivamente no grupo que havia apresentado anteriormente diminuída capacidade para o trabalho. Essa nova aplicação teve como objetivo identificar grupos de melhora e piora da capacidade para o trabalho das professoras e entrevistar ambos os grupos para saber informações referentes às mudanças sobre trabalho, saúde e voz.

O objetivo desta pesquisa, portanto, é analisar, a partir de manifestação de piora ou melhora de capacidade para o trabalho, os aspectos condicionantes de mudanças na relação entre trabalho e voz, no discurso de docentes da rede municipal de São Paulo.

Método

Este estudo de tipo observacional analítico comparativo considerou para comparação os resultados da tese de Giannini (2010)GIANNINI, S. P. P. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho docente: um estudo caso-controle. 2010. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.. A pesquisa contou com duas etapas.

Etapa das coletas

Na primeira etapa, foram convidadas a participar as 85 professoras que no período de 2007 a 2009 (coleta 1) compareceram ao Hospital do Servidor Público Municipal e receberam diagnóstico de distúrbio de voz (definido como presença de alteração na qualidade de voz em avaliação perceptivoauditiva e presença de lesão, alteração irritativa, estrutural ou de coaptação de pregas vocais). Na época da pesquisa, todas preencheram os instrumentos Condição de Produção Vocal do Professor (CPV-P) e ICT, tendo apresentado índices baixos ou moderados (escore entre 7 e 36) e foram encaminhadas para o Programa de Saúde Vocal do Hospital.

Responderam a essa convocação 52 educadoras que, ao comparecerem ao Hospital, assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para participar desta pesquisa e novamente responderam os instrumentos CPV-P e ICT (coleta 2). Os dados desses instrumentos foram digitados duas vezes e validados (validate) no programa Epi Info versão 6.04. A análise descritiva do CPV-P caracterizou as professoras quanto à idade, estado civil, escolaridade, tempo de profissão, tipo de vínculo e carga horária semanal.

Após comparação entre os dois momentos da coleta do ICT, foram constituídos dois grupos de professoras: as que apresentaram menores resultados no segundo momento de aplicação do ICT, ou seja, piora na capacidade para o trabalho (Grupo A = total de 24 sujeitos); e as que apresentaram maiores resultados na segunda aplicação do ICT, fato que evidenciou melhora na capacidade para o trabalho (Grupo B = total de 28 sujeitos).

A Tabela 1 apresenta a descrição quanto à pontuação obtida pelas professoras no Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT), nos dois períodos de aplicação do instrumento.

Tabela 1
Número de sujeitos segundo coletas em ambas classificações do Índice de Capacidade para o Trabalho, em dois momentos, com diferença mínima de dois anos (n=52)

Etapa do grupo focal

Na segunda etapa, as professoras foram convidadas a participar de um Grupo Focal. As primeiras professoras de cada grupo, em relação aos piores ou melhores resultados, foram contatadas por telefone e, caso não pudessem, o convite era realizado para a próxima da lista, até completar um total de seis sujeitos em cada grupo. No dia da realização do Grupo Focal (descrito abaixo) compareceram apenas três professoras do Grupo B. Acredita-se que, como eram professoras que compunham o grupo que obteve resultados melhores de comparação entre os dois momentos, não houve demanda para participação de uma discussão sobre questões de voz, ao contrário do que aconteceu com o Grupo A, no qual compareceram cinco professoras. Todas as professoras que compareceram na segunda etapa da pesquisa assinaram novo TCLE.

Foi escolhido o procedimento de grupo focal (GF) por ser uma técnica de pesquisa qualitativa e por responder ao objetivo da pesquisa ao coletar, a partir do diálogo e do debate com e entre as professoras, informações acerca de mudanças sobre trabalho, saúde e voz.

Decidiu-se pela realização de um único encontro para cada grupo (Grupo A e Grupo B), que tiveram duração em torno de 1h30 e aconteceram nas dependências do hospital, em uma sala reservada e organizada antecipadamente.

Uma fonoaudióloga do hospital com experiência no manejo de grupos ficou responsável por conduzir a discussão e coube à pesquisadora auxiliar nos registros das sequências de fala, para ser usado como um dispositivo facilitador durante a transcrição.

Quanto aos disparadores, foram organizadas duas questões norteadoras: “Fale sobre a relação do seu trabalho e da sua voz nos últimos dois anos” e “Fale sobre a relação entre saúde em geral e voz, nos últimos dois anos”. Essas questões buscaram ampliar os conhecimentos relativos ao cotidiano e às condições de trabalho e de saúde das professoras para elucidar as mudanças positivas e negativas ao longo desse tempo.

Foram utilizados para a gravação dos relatos dois computadores portáteis, com captadores dos próprios equipamentos. O material dos encontros foi transcrito pela própria pesquisadora, na ordem literal, com o objetivo de abrir possibilidade de retornar aos dados posteriormente, para analisá-los a partir de novos insights e de novas leituras. As professoras foram identificadas pela letra S seguida de numeração de 1 a 5, para o grupo A e de 6 a 8 para o grupo B, em conformidade com os procedimentos éticos.

Para categorização considerou-se uma proposta que organiza a análise de conteúdo temática em pré-análise (fase de leitura flutuante, constituição do corpus e reformulação de hipóteses e objetivos) e exploração do material (análise do texto sistematicamente em função das categorias formadas anteriormente) (Minayo, 2007MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2007.).

Para o material transcrito, foram realizadas duas classes de categorização em eixos temáticos, segundo a recorrência dos enunciados. A primeira organizou os relatos em dois grupos – saúde e trabalho – subdivididos em subtemas, a saber:

Saúde: “Eu sinto que ela está, assim, meio rouca”; “Eu convivo com a dor”; “Mas ele não incluiu como doença do trabalho”.

Trabalho: “A gente começou a ter desentendimento”; “Eu tenho que aguentar o pancadão”; Cabe à gente decidir o que quer”.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP sob no 493/2011.

Resultados e discussão

Para a apresentação dos resultados e da discussão, foram selecionados recortes do discurso das professoras, independentemente do número de sujeitos integrantes de cada grupo. Para facilitar a compreensão do leitor, os dados são apresentados e simultaneamente discutidos com base na literatura atual.

Categorização da amostra

Dados referentes à idade, estado civil, escolaridade, tempo de profissão, tipo de vinculo e carga horária semanal são apresentados no quadro 1. Todos esses aspectos foram diferentes entre as professoras de cada grupo, porém as diferenças ocorreram de forma semelhante entre os grupos A e B.

Quadro 1
Breve histórico das professoras segundo idade, estado civil, tempo de profissão, carga horária semanal e tipo de vínculo

Eixo saúde-doença

Os relatos deste eixo referiram-se quanto aos aspectos vocais, explanação de outros sintomas e reflexões sobre doenças relacionadas ao trabalho (Quadro 2).

Quadro 2
Processo Saúde-Doença

Cabe lembrar que todas essas professoras, em pesquisa anterior (Giannini, 2010GIANNINI, S. P. P. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho docente: um estudo caso-controle. 2010. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.), tiveram distúrbio de voz diagnosticado, foram convocadas e passaram a integrar grupos terapêuticos do Programa de Voz do Hospital.

O objetivo desse tratamento em grupo é levar o paciente a identificar os aspectos relacionados ao seu cotidiano que interferem no desempenho vocal, desenvolver a capacidade de perceber como sua voz está sendo produzida e criar recursos para conseguir um resultado vocal eficiente e sem esforço. Constitui-se ainda em espaço importante de reflexão e de trocas de experiências, pois reúnem pessoas que compartilham mesmas condições de ambiente e organização de trabalho (Giannini e col., 2007GIANNINI, S. P. P.; KARMANN, D. F.; ISAÍAS, F. M. Atuação terapêutica em grupo com professores da rede municipal de São Paulo. In: ENCONTRO NACIONAL DO DEPARTAMENTO DE VOZ DA SBFA, 2., 2007, São Paulo. Anais... São Paulo: Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. Departamento de Voz, 2007. p. 48-50. Disponível em: <http://www.sbfa.org.br/portal/pdf/Anais%20II%20Encontro.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2013
http://www.sbfa.org.br/portal/pdf/Anais%...
).

Foi constatado que as oito professoras que participaram da presente pesquisa obtiveram melhora vocal ao terem participado do referido Programa. Foram relatados aspectos como melhora da qualidade vocal, desaparecimento de nódulos vocais, diminuição de episódios de rouquidão e afastamentos, bem como a possibilidade de permanecer em sala de aula quando existia a probabilidade de readaptação por voz.

Dois aspectos condicionantes podem justificar a melhora relatada pelas integrantes desta pesquisa: o fato de a intervenção ter sido feita em grupo; e o foco não ter sido apenas a voz, mas sim, as condições de sua produção considerando os aspectos do ambiente e da organização do trabalho.

Com relação ao primeiro aspecto, pesquisa recente concluiu que o trabalho em grupo, inicialmente constituído para auxiliar na redução de filas de espera e agilizar a demanda dos atendimentos, é realizado, atualmente, como uma forma potente de intervenção, pelo compartilhamento que o grupo oferece (Souza e col., 2011SOUZA, A. P. R. et al. O grupo na fonoaudiologia: origens clínicas e na saúde coletiva. Revista CEFAC, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 140-151, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rcefac/2010nahead/200-09.pdf>. Acesso em: 19 maio 2014.
http://www.scielo.br/pdf/rcefac/2010nahe...
).

Outro estudo recente que analisou a experiência em grupo de três programas de Saúde Vocal do Professor destacou o fato de o professor se sentir mais valorizado ao participar das ações e que tal procedimento parece ter contribuído para diminuir o número de licenças médicas por alterações na voz (Ferreira e col., 2010FERREIRA, L. P. et al. Voz do professor: gerenciamento de grupos. Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 22, n. 3, p. 251-258, 2010. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/dic/article/view/7318/5315>. Acesso em: 13 jan. 2013.
http://revistas.pucsp.br/index.php/dic/a...
).

Pizolato e colaboradores (2012) implementaram um programa educacional de voz em grupo para professores e concluíram que a proposta foi relevante para a melhoria da qualidade de vida no trabalho dos profissionais participantes, constituindo importantes espaços de reflexão e de mudanças das relações entre trabalho e saúde do professor (Silvério e col., 2008SILVERIO, K. C. A. et al. Ações em saúde vocal: proposta de melhoria do perfil vocal de professores. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, São Paulo, v. 20, n. 3, p. 177-182, 2008.).

Quanto ao segundo aspecto (foco do Programa para além dos aspectos vocais), pesquisa (Penteado, 2007PENTEADO, R. Z. Relações entre saúde e trabalho docente: percepções de professores sobre saúde vocal. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 18-22, 2007.) aponta a importância de revisão das ações fonoaudiológicas para ampliação dos seus objetivos, de maneira a englobar questões referentes a aspectos de organização do trabalho, de subjetividade e de qualidade de vida de professores. Da mesma forma, outros autores (Giannini e Passos, 2006GIANNINI, S. P. P.; PASSOS, M. C. Histórias que fazem sentidos: as determinações das alterações vocais do professor. Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 245-257, 2006.) acrescentam que se não houver abordagem voltada para transformações das condições e organização do trabalho, a eficácia da ação fonoaudiológica será mais limitada.

No entanto, se todas as professoras referiram melhora na época da terapia, metade delas, por ocasião desta pesquisa, relatou queixa de voz mais recente e apontou relação com quadro de depressão, efeito de ressecamento das pregas vocais por ingestão de remédio para depressão, intensa demanda vocal e presença de refluxo laringo-faríngeo, aspectos esses, segundo elas, diferentes daqueles que as trouxeram anteriormente ao serviço de Fonoaudiologia do Hospital.

O distúrbio de voz está sendo entendido aqui como um sintoma de um complexo quadro global, como resultado de múltiplas determinações que interagem entre si, configurando uma teia. Essas configurações devem ser analisadas em sua complexidade, uma vez que envolvem, no mínimo, dimensões subjetiva, orgânica e sociocultural, além de terem um caráter dinâmico. Nessa direção, entende-se, com Canguilhem (2000)CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000., que as circunstâncias externas longe de comparecerem como causas unívocas e deterministas, configuram-se mais como ocasião propícia para a instalação do agravo. Desse modo pode-se compreender porque durante um período de vulnerabilidade pessoal, os fatores de desgaste aos quais uma professora sempre esteve exposta podem, em determinado momento, interferir e levar ao aparecimento de um sintoma.

Ao serem contatadas por telefone para participar da pesquisa, algumas das professoras referiram que precisavam voltar para o tratamento de voz, mas estavam procrastinando e o contato da pesquisadora foi um incentivo para procurarem os cuidados adequados. Tal fato vai na mesma direção de outras pesquisas que constataram a dificuldade dos professores de priorizar cuidados para os seus problemas vocais (Penteado, 2007PENTEADO, R. Z. Relações entre saúde e trabalho docente: percepções de professores sobre saúde vocal. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 18-22, 2007.; Luchesi e col., 2009LUCHESI, K. F. et al. Problemas vocais no trabalho: prevenção na prática docente sob a óptica do professor. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 673-681, 2009.; Medeiros e col., 2011MEDEIROS, A. M.; ASSUNÇÃO, A. A.; BARRETO, S. M. Alterações vocais e cuidados de saúde entre professoras. Revista CEFAC, São Paulo, v. 14, n. 4, p. 697-704, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rcefac/v14n4/21-11.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2013.
http://www.scielo.br/pdf/rcefac/v14n4/21...
).

No grupo focal foram mencionados diferentes aspectos que permeiam o processo de cuidado vocal, como a pressão sofrida pela direção e por colegas para não sair da unidade, a prioridade em tratar outros problemas de saúde, além da dedicação do cuidado ao outro em detrimento da sua própria saúde.

Outro estudo (Ferreira e col., 2010DRAGONE, M. L. S. et al. Voz do professor: uma revisão de 15 anos de contribuição fonoaudiológica. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 289-296, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsbf/v15n2/23.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2013.
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) também levantou a dificuldade de adesão por parte do professor a programas de bem-estar vocal em grupo, em particular os desenvolvidos na Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP), no Serviço Social da Indústria-Regional São Paulo (SESI-SP) e no Sindicato dos Professores de São Paulo (SINPRO-SP). Além disso, a ausência do professor para ir a uma consulta médica pode exigir reorganização da escola para cobrir essas faltas, situação associada a desgaste com os colegas e diretoria. A negação é uma forma de não enfrentar essas situações (Medeiros, 2012MEDEIROS, A. M. Dimensões do distúrbio vocal em professores. 2012. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012.).

Da mesma forma, observou-se que os docentes não percebem quando os seus próprios limites se esgotam, configurando-se numa situação de sério risco sobre a sua autoestima e proteção de sua saúde (Noronha e col., 2008NORONHA, M. M. B.; ASSUNÇÃO, A. A.; OLIVEIRA, D. A. O sofrimento no trabalho docente: o caso das professoras da rede pública de Montes Claros, Minas Gerais. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 65-86, 2008.).

Ainda que existam dificuldades que atravessam o processo de cuidado vocal, é importante ressaltar que muitos relatos, de ambos os grupos, apontaram para transformações tanto relacionadas aos hábitos vocais das professoras desde a realização dos grupos vocais, quanto em relação a um melhor autocuidado. Observou-se assim a possibilidade de tornarem-se agentes da sua saúde, em especial em relação às questões da voz.

Estudo recente (Gama e col., 2012GAMA, A. C. C. et al. Adesão a orientações fonoaudiológicas após a alta do tratamento vocal em docentes: estudo prospectivo. Revista CEFAC, São Paulo, v. 14, n. 4, p. 714-720, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rcefac/v14n4/27-11.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2013.
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) mostrou adesão às orientações fonoaudiológicas de docentes após a alta do tratamento vocal e as principais medidas realizadas foram hidratação, cuidados alimentares, controle de abusos vocais e realização de aquecimento vocal e de exercícios vocais, mudanças essas também relatadas na presente pesquisa.

Segundo relato das professores, o fato de ser multiplicadora de cuidados vocais parece ter sido um aspecto condicionante para explicar a melhora da capacidade para o trabalho. As professoras do grupo B mostraram que para além da apropriação do tratamento para a superação de seus problemas vocais, foi possível compartilhar técnicas ou conhecimentos com outros colegas e utilizá-los de forma a contribuir também para uma interação mais saudável com os alunos.

Ao buscar refletir sobre o princípio da integralidade do Sistema Único de Saúde (SUS), estudo evidenciou a importância de articular as ações de educação em saúde como elemento produtor de um saber coletivo que traduz no indivíduo sua autonomia e emancipação para o cuidar de si, da família e do seu entorno (Machado e col., 2007MACHADO, M. F. A. S. et al. Integralidade, formação de saúde, educação em saúde e as propostas do SUS: uma revisão conceitual. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 335-342, 2007.).

Para além dos sintomas de voz, houve destaque nos relatos do grupo A de doenças musculoesqueléticas e de intenso sofrimento psíquico, quadros esses que também apareceram em outras pesquisas sobre as principais causas de adoecimento entre professores (Paschoalino, 2008PASCHOALINO, J. B. Q. O professor adoecido entre o absenteísmo e o presenteísmo. In: SEMINÁRIO DE LA RED LATINOAMERICANA DE ESTUDIOS SOBRE TRABAJO DOCENTE (REDESTRADO), NUEVAS REGULACIONES EN AMÉRICA LATINA, 7., 2008, Buenos Aires. Resumos... Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires, 2008, p. 134. Disponível em: <http://www.redeestrado.org/web/archivos/seminarios/21.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2014.
http://www.redeestrado.org/web/archivos/...
).

Estudo de Paparelli (2009)PAPARELLI, R. Desgaste mental do professor da rede pública de ensino: trabalho sem sentido sob a ótica da política de regularização do fluxo escolar. 2009. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Faculdade de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. descreveu que os anos 1990 foram marcados pela implementação de políticas neoliberais, que tiveram diversas repercussões no campo da educação escolar. Dentro dessa lógica, valores como autonomia, participação, democratização foram assimilados e reinterpretados por diferentes administrações públicas, substantivados em procedimentos normativos que modificaram substancialmente o trabalho escolar e implicaram em processos de precarização do trabalho docente.

Outros aspectos referentes à organização do trabalho, como estrutura rígida e inflexível por parte da equipe dirigente, marcada ainda pela escassez de possibilidade de interlocução e por intensa sobrecarga e desgaste, têm sido registrados. Tais características do trabalho docente, associadas às mudanças político-educacionais constantes (Assunção e Oliveira, 2009ASSUNÇÃO, A. A.; OLIVEIRA, D. A. Intensificação do trabalho e saúde dos professores. Educação & Sociedade, Campinas, v. 30, n. 107, p. 349-372, 2009.), favorecem o adoecimento do professor e propiciam manifestações de estresse e outras alterações psíquicas (Paparelli e col., 2007PAPARELLI, R. et al. Contribuições da saúde do trabalhador à educação infantil: o sofrimento mental de educadoras de uma creche paulistana. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 1-15, 2007.).

Eixo Trabalho

O Quadro 3 apresenta a categorização do trabalho quanto às relações na escola, ao ambiente físico da escola e às condições de trabalho e relatos que apontam para quando o professor começa a ser dono de si e a se apropriar de autocuidados.

Quadro 3
Trabalho

Ambos os grupos expuseram relatos de convivência com violência, indisciplina, inadequação do ambiente físico, falta de apoio e de parceria com as famílias dos alunos. Entretanto, a dificuldade de relacionamento e falta de apoio dos colegas e da direção da escola parece ter sido um aspecto condicionante para explicar a piora da capacidade para o trabalho, aparecendo de forma unânime e intensa nos relatos dos integrantes do grupo A.

Num contexto em que o professor não tem controle sobre a turma e os alunos parecem indispostos com o aprendizado, o trabalho do professor não se realiza, perdendo sentido e passando a gerar intenso desgaste mental (Paparelli, 2009PAPARELLI, R. Desgaste mental do professor da rede pública de ensino: trabalho sem sentido sob a ótica da política de regularização do fluxo escolar. 2009. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Faculdade de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.).

O desgaste mental ocorre principalmente quando o profissional não encontra apoio social para resistir contra pressões que burocratizam, tecnificam artificialmente e esvaziam o sentido de suas atividades (Seligmann-Silva, 2011SELIGMANN-SILVA, E. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez, 2011.).

Associado a esse contexto, as professoras do grupo A fazem referência à falta de autonomia para desenvolver o trabalho, geradora de uma condição de intensa fragilidade. Importante lembrar que o desgaste humano no trabalho, em sentido amplo, tende a ser mais grave em situações de maior vulnerabilidade humana (Seligmann-Silva, 2011SELIGMANN-SILVA, E. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez, 2011.).

As falas das professoras remetem uma crítica à ideia de docência como sacrifício, sacerdócio ou vocação, presente na própria história do magistério no Brasil conforme descrito na literatura (Paparelli, 2009PAPARELLI, R. Desgaste mental do professor da rede pública de ensino: trabalho sem sentido sob a ótica da política de regularização do fluxo escolar. 2009. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Faculdade de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.). Além disso, a distância entre o idealismo e as condições de trabalho que encontram reflete a falta de política educacional e continuidade administrativa, uma vez que a atuação do professor é dependente da organização da escola e do contexto social-político-econômico (Giannini e Passos, 2006GIANNINI, S. P. P.; PASSOS, M. C. Histórias que fazem sentidos: as determinações das alterações vocais do professor. Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 245-257, 2006.).

Nesta pesquisa, as professoras do grupo A também fizeram referência à presença de situações de ameaça e violência vivenciadas no ambiente escolar e à falta de políticas que as respaldem, fato que aumenta a sensação de vulnerabilidade.

Em pesquisa realizada com professores, os transtornos mentais foram significativamente associados à experiência com a violência e piores condições ambientais e organizacionais, pouca margem de autonomia, criatividade e tempo no preparo das aulas (Gasparini e col., 2006GASPARINI, S. M.; BARRETO, S. M.; ASSUNÇÃO, A. A. Prevalência de transtornos mentais comuns em professores da rede municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 12, p. 2679-2691, 2006.).

A violência pode ser evidente, presente em situações de ameaça ou humilhação, que se materializam em condições ambientais de trabalho que atacam a dignidade humana. Em outras vezes, porém, pode ser sutil, uma violência psicológica que se infiltra por meio da imposição dos discursos (Seligmann-Silva, 2011SELIGMANN-SILVA, E. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez, 2011.).

Nesta pesquisa, duas professoras relataram que passaram por situações de violência, mais ou menos explícitas, vividas em ambiente de trabalho e os respaldos legais para os respectivos problemas tiveram diferentes desfechos. Essa discussão teve importante lugar no Grupo A, pois a professora S2 está readaptada definitivamente por problemas psíquicos e houve comprovação do nexo causal com o trabalho, após ter sido ameaçada por um aluno enquanto estava na escola. Por outro lado a professora S5 relatou situações crônicas de violência e desgaste vivenciados durante o trabalho que a levou ao afastamento recente do trabalho por licença médica, e nesse caso relata que foi diagnosticada com depressão, sem a constatação da relação com o trabalho.

Nesse sentido, tanto o distúrbio de voz, quanto o desgaste mental apresentam dificuldade para o estabelecimento de nexo causal com o trabalho, por serem agravos com características difusas e complexas, não lineares (Ribeiro, 2001RIBEIRO, H. P. A voz como instrumento de trabalho e as repercussões sobre a saúde dos seus trabalhadores. In: SEMINÁRIO DE VOZ DA PUC-SP, 10., 2001, São Paulo. Anais... São Paulo: PUC, 2001.).

Da mesma forma, a maneira como esse sintoma é recebido na clínica tem diferentes impactos para o paciente, daí a urgência do reconhecimento do disturbio de voz como um agravo relacionado ao trabalho, que daria subsídios aos responsáveis pela determinação de processos de cuidado que envolve questões de saúde e trabalho. Afinal de contas, enquanto na avaliação pericial o distúrbio de voz permanecer classificado no grupo de doenças respiratórias, como laringite aguda e não for reconhecido como doença relacionada ao trabalho, não serão formalizadas e oficializadas ações de promoção, prevenção e de tratamento efetivo para o quadro de adoecimento vocal de docentes (Ildefonso e col., 2009ILDEFONSO, S. A. G.; BARBOSA-BRANCO, A.; ALBUQUERQUE-OLIVEIRA, P. R. Prevalência de benefícios de seguridade social temporários devido a doença respiratória no Brasil. Jornal Brasileiro de Pneumologia, Brasília, DF, v. 35, n. 1, p. 44-53, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/jbpneu/v35n1/v35n1a07.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2013.
http://www.scielo.br/pdf/jbpneu/v35n1/v3...
).

Por outro lado, as professoras que registraram melhora quanto à capacidade para o trabalho, relataram formas de enfrentamento dos problemas relacionados ao trabalho que envolveram decisões pessoais, como exoneração e mudança de cargo, além do investimento maior em lazer e no cuidado com a saúde, tomando para si a autonomia dos cuidados de si. É importante destacar que esse mesmo grupo relatou que atualmente sente que possui autonomia e existe apoio por parte dos colegas e da direção na escola. Pode-se enfatizar que é possível assumir o direito de ser dono de si ao reencontrar o sentido da (re)construção solidária da saúde e do trabalho (Seligmann-Silva, 2011SELIGMANN-SILVA, E. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez, 2011.).

É importante que o fonoaudiólogo em suas intervenções considere que o professor não deixa de ser um profissional do cuidado, pois é afetado pelas relações diárias estabelecidas em seu trabalho. Dessa maneira, a Fonoaudiologia é um ponto nesta rede de cuidados, que deve implicar-se de forma a criar ações de empoderamento nesta teia de relações na qual o professor está envolvido (Lefevre e Lefevre, 2004LEFEVRE, F.; LEFEVRE, A. M. C. Saúde, empoderamento e triangulação. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 32-38, 2004.).

O conceito de empoderamento está sendo entendido a partir das teorias crítico-social e pós-estruturalista, sendo as primeiras especialmente úteis para apontar formas de intervenção coletivas e as últimas, importantes para evidenciar processos que relacionam a subjetividade individual a questões de saúde pública (Carvalho e Gastaldo, 2008CARVALHO, S. R.; GASTALDO, D. Promoção à saúde e empoderamento: uma reflexão a partir das perspectivas crítico-social pós-estruturalista. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 13, p. 2029-2040, 2008. Suplemento 2.).

É oportuno também, dentro dessa lógica, que sejam propiciados espaços de supervisão, assim como existe na prática dos profissionais da saúde, para o professor refletir sobre sua prática profissional e para visualizar o cuidar como um processo que “possui uma dimensão essencial e complexa tanto na experiência de quem cuida quanto de quem recebe o cuidado” (Espírito Santo e col., 2000, p. 27).

Pode-se considerar finalmente que este estudo reitera a importância de se levar em conta as questões de ambiente e organização de trabalho durante o tratamento fonoaudiológico para o distúrbio de voz de professores e que o sintoma vocal possa ser entendido para além do problema orgânico, visando a integralidade do cuidado.

Conclusão

Na análise dos dois grupos (registro de piora e de melhora da capacidade para o trabalho, na comparação entre a aplicação do Índice de Capacidade para o Trabalho em dois momentos) foi possível registrar pelo relato das professoras que as que pioraram estavam em condição mais adoecida (não apenas em relação à voz) e com mais necessidade para falar sobre o trabalho, contar sobre o que fazem, sucessos e frustrações. O grupo das professoras que melhoraram apresentou mais potência para enfrentar os problemas referentes ao trabalho, inclusive com propostas criativas. A favor desse grupo também foram registradas melhores relações no trabalho quanto ao apoio social e autonomia.

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  • 1
    Trabalho realizado no Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), SP, Brasil. Contou com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2013
  • Aceito
    14 Out 2013
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br