Subjetividades de homens rurais com problemas cardiovasculares: cuidado, ameaças e afirmações da masculinidade

Subjectivities of rural men with cardiovascular problems: care, threats, and masculinity affirmations

Andréia Burille Tatiana Engel Gerhardt Marta Julia Marques Lopes Guilherme Coelho Dantas Sobre os autores

Resumo

O artigo discute subjetividades cotidianas que podem fragilizar ou (re)afirmar a masculinidade e, por conseguinte, afastar os homens rurais do cuidado para com a saúde. Com abordagem qualitativa, a pesquisa foi aplicada em uma comunidade rural de município localizado no sul do Rio Grande do Sul com a participação de doze homens que vivenciaram adoecimento cardiovascular crônico. Os achados ilustram diferentes ações eleitas pelos entrevistados como ameaçadoras à masculinidade e que, portanto, devem ser evitadas ou negadas, redirecionando-se para um movimento de afirmação dos estereótipos de gênero. Evidenciou-se nas análises que determinadas prescrições associadas à masculinidade - como a crença na invulnerabilidade, o papel de provedor e a associação do cuidado com a feminilidade - podem acarretar prejuízos à saúde física, mental e social dos homens, em especial no envelhecimento, quando as fronteiras entre o que se deseja e o que se consegue atender se acentuam. Com o olhar para o rural, o estudo fornece aportes para pensar ações no campo da promoção da saúde masculina em sua pluralidade de contextos de vida, trazendo para a discussão o cenário de vida camponês e suas especificidades produtivas, que conformam e moldam situações de saúde.

Palavras-chave:
Homens; Masculinidade; Saúde da População Rural; Doença Crônica

Abstract

The article discusses daily subjectivities that may undermine or (re)affirm masculinity and thus alienate rural men from taking care of their health. Through a qualitative approach, the research was conducted within a rural community in a municipality in the south of Rio Grande do Sul (Brazil) and involved twelve male participants who experienced chronic heart disease. The findings illustrate different actions which were elected by the respondents as threats to their masculinity and that, therefore, should be avoided or denied, leading to an affirmation of gender stereotypes. The analyses made clear that certain prescriptions associated with masculinity, such as the belief in invulnerability, the role of the provider and the link between self care and femininity, may cause physical, mental, and social harm to men, especially during old age, when the boundaries between goals and possibilities become further apart. Focusing on the rural aspect, the study provides ideas for the development of actions towards men’s health promotion, taking into consideration their life context plurality and bringing the farmer’s life sphere and all its productive particularities, which shape health scenarios, to the discussion.

Keywords:
Men; Masculinity; Rural Population Health; Chronic Disease

Introdução

Perfis de adoecimento e de morte masculinos não constituem novidade no campo da saúde coletiva, já que têm sido elencados na literatura como tendência crônica. Sustentados por fatores epidemiológicos que marcam uma acentuada morbimortalidade precoce, desde a década de 1990 estudos vêm questionando o tradicional lugar de recuperação para o trabalho (do corpo útil) reservado aos homens, no contexto dos serviços de saúde (Laurenti; Mello Jorge; Gotlieb, 2005LAURENTI, R.; MELLO JORGE, M. H. P.; GOTLIEB, S. Perfil epidemiológico da morbimortalidade masculina. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 35-46, 2005.; Pinheiro et al., 2002PINHEIRO, R. S. et al. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 4, p. 687-707, 2002.), apontando para uma invisibilidade que suscita negligência da saúde masculina tanto pelos profissionais - ao induzirem ações com foco prioritário em mulheres, crianças e idosos - quanto pelos próprios homens, que não se sentem pertencentes a esses espaços (Couto et al., 2010COUTO, M. T. et al. O homem na atenção primária à saúde: discutindo (in)visibilidade a partir da perspectiva de gênero. Interface: Comunicação Saúde Educação, Botucatu, v. 14, n. 33, p. 257-270, 2010.; Figueiredo; Schraiber, 2011FIGUEIREDO, W. S.; SCHRAIBER, L. B. Concepções de gênero de homens usuários e profissionais de saúde de serviços de atenção primária e os possíveis impactos na saúde da população masculina. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, p. 935-944, 2011. Suplemento 1.; Gomes et al., 2011GOMES, R. et al. Os homens não vêm! Ausência e/ou invisibilidade masculina na atenção primária. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, p. 983-92, 2011. Suplemento 1.).

Outros trabalhos, ao se dedicarem à subjetividade masculina e sua relação com a saúde e o adoecimento, enfatizam que determinadas práticas associadas à masculinidade baseadas em valores machistas expõem os homens a uma vida, em diversos sentidos, vulnerável (Gomes et al., 2008GOMES, R. et al. As arranhaduras da masculinidade: uma discussão sobre o toque retal como medida de prevenção do câncer prostático. Ciência e Saúde Coletiva, v. 13, n. 6, p. 1975-84, 2008.; Medrado et al., 2009MEDRADO, B. et al. Princípios, diretrizes e recomendações para uma atenção integral aos homens na saúde. Recife: Instituto Papai, 2009.). Homens apresentam maior envolvimento com violências e acidentes e, diferentemente das mulheres, acionam os serviços de atendimento, em grande parte, somente quando estão com a saúde fragilizada, não conseguindo mais por si só restabelecê-la (Couto; Gomes, 2012COUTO, M. T.; GOMES, R. Homens, saúde e políticas públicas: a equidade de gênero em questão. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 10, p. 2569-2578, 2012.; Gomes; Nascimento; Araújo, 2007GOMES, R.; NASCIMENTO, E. F.; ARAÚJO, F. C. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 565-574, 2007.; Gomes et al., 2011GOMES, R. et al. Os homens não vêm! Ausência e/ou invisibilidade masculina na atenção primária. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, p. 983-92, 2011. Suplemento 1.). Ademais, mesmo em condições emergenciais, sentem-se vulneráveis aos olhares externos (Bezerra; Lages, 2011BEZERRA, P. A.; LAGES, I. Atitudes e crenças que inibem ações de cuidado dos homens no interior do SUS: o caso de unidades de saúde da família no Recife. In: PINHEIRO, R.; MARTINS, P. H. Usuários, redes sociais, mediações e integralidade em saúde. Rio de Janeiro: Lappis UERJ, 2011. p. 271-282.; Burille; Gerhardt, 2014BURILLE, A.; GERHARDT, T. E. Doenças crônicas, problemas crônicos: encontros e desencontros com os serviços de saúde em itinerários terapêuticos de homens rurais. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 2, p. 664-676, 2014.), o que, por sua vez, repercute na busca pontual e, em algumas situações, muito tardia.

Pelas lentes de gênero que atribuem qualidades e distinções construídas social e culturalmente para homens e mulheres pautadas pelo sexo (Scott, 1995SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, 1995.), a masculinidade pode ser definida como simbolismo da identidade masculina balizada por relações de poder hierárquicas dos homens sobre as mulheres e entre homens, que conformam modos de hegemonia, de cumplicidade ou de marginalização. Nessa linha, o modelo heterossexual consiste na referência que se relaciona com outros modelos - considerados pela normatividade como alternativos ou submissos -, os quais abarcam, em sociedades ocidentais, homossexuais (masculinidade gay) e heterossexuais que ocupam posições de menor prestígio na estrutura social e econômica (Connell, 1995aCONNELL, R. Masculinities. Berkeley: University of California Press, 1995a., 1995bCONNELL, R. Políticas da masculinidade. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 185-206, 1995b.; Connell; Messerschmidt, 2013CONNELL, R.; MESSERSCHMIDT, J. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013.).

À vista disso, pelo exercício permanente de autoafirmação e de busca por apreciação e reconhecimento pelos pares (e mais amplamente pela sociedade), o modelo normativo de masculinidade marcado sobretudo pela crença na invulnerabilidade dificilmente é alcançado em sua totalidade pelos homens, o que implica um esforço desgastante e perigoso (Connell, 1995aCONNELL, R. Masculinities. Berkeley: University of California Press, 1995a.). Atender os predispõe às violências, aos acidentes e aos adoecimentos, na medida em que o modelo valoriza condutas viris e de negação de cuidado. Por outro lado, não o alcançar pode desencadear entre os homens que almejam esse status a depreciação e o sentimento de inferioridade e de não pertencimento ao universo masculino (Gomes et al., 2008GOMES, R. et al. As arranhaduras da masculinidade: uma discussão sobre o toque retal como medida de prevenção do câncer prostático. Ciência e Saúde Coletiva, v. 13, n. 6, p. 1975-84, 2008.), o que por sua vez pode afetar negativamente a saúde - em especial nas esferas psíquica e social.

Nesse movimento, assinala-se a existência de uma trama relacional que, muitas vezes, silencia “os custos de se estar no topo”. No pressuposto de Messner (1993MESSNER, M. “Changing Men” and feminist politics in the United States. Theory and Society, Ann Arbor, v. 22, n. 5, p. 723-737, 1993., p. 730), “os homens continuam a se beneficiar da opressão das mulheres […] mas também são afetados por esse sistema de poder”, que denega arranjos de masculinidade que se distanciam do modelo normativo. Se o cuidado é atrelado às representações de feminilidade, ser homem pode ser assumido, nessa perspectiva, como não ter que cuidar de ninguém - inclusive nem de si mesmo (Ribeiro; Gomes; Moreira, 2017RIBEIRO, C.; GOMES, R.; MOREIRA, M. Encontros e desencontros entre a saúde do homem, a promoção da paternidade participativa e a saúde sexual e reprodutiva na atenção básica. Physis, Rio de Janeiro, v. 27, n. 1, p. 41-60, 2017.) -, o que endossa a necessidade de discussão acerca dos estereótipos de gênero, para então vislumbrar possibilidades para além da culpabilização ou da vitimização dos homens (Medrado; Lyra; Azevedo, 2011MEDRADO, B.; LYRA, J.; AZEVEDO, M. Eu não sou só próstata, eu sou um homem! Por uma política pública de saúde transformadora da ordem de gênero. In: GOMES, R. Saúde do homem em debate. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011. p. 39-74.) e que de fato estimulem a responsabilização destes para com a saúde.

A emergência dessa discussão e a necessidade de articulação de ações em prol da intervenção nos modos prematuros de adoecer e de morrer masculinos motivaram, em 2008, o lançamento pelo Ministério da Saúde da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (Brasil, 2008BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília, DF, 2008. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2GZQrL9 >. Acesso em: 9 jan. 2016.
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), a qual visa promover a saúde dessa parte da população a partir da organização e da oferta de atendimento humanizado e resolutivo que considere os diversos cenários socioculturais e político-econômicos em que os homens possam estar inseridos. Nesse panorama, Burille (2017BURILLE, A. Quando a masculinidade encontra o envelhecimento: experienciações de reconhecimento e cuidado no cotidiano de idosos rurais. 2017. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.) destaca a necessidade de pensar a saúde do homem para além dos dados epidemiológicos, mas como condição permeada pelas matrizes socioculturais. De acordo com Ribeiro, Gomes e Moreira (2017RIBEIRO, C.; GOMES, R.; MOREIRA, M. Encontros e desencontros entre a saúde do homem, a promoção da paternidade participativa e a saúde sexual e reprodutiva na atenção básica. Physis, Rio de Janeiro, v. 27, n. 1, p. 41-60, 2017.), promover essa reflexão - em especial entre gestores e profissionais de saúde - se revela fundamental para o êxito da política.

Logo, há que se olhar não apenas para homens brancos e urbanos, mas para homens negros, pardos, pobres, em privação de liberdade, que residem em contextos rurais, indígenas, quilombolas e nas ruas, que em suas singularidades podem apresentar distintas necessidades e formas de lidar com elementos institucionais e socioculturais no acesso aos serviços de saúde. Assim, com o intuito de mobilizar esforços para a superação dos possíveis entraves no cuidado em saúde e alinhando-se a outros estudos que enfatizam as lacunas na atenção em saúde no meio rural (Alcântara; Lopes, 2012ALCÂNTARA, L. R.; LOPES, M. J. M. Estrutura de serviços e acesso a consumos em saúde por idosos em um contexto rural do Sul do Brasil. Redes, Santa Cruz do Sul, v. 17, n. 1, p. 94-114, 2012.; Burille; Gerhardt, 2014BURILLE, A.; GERHARDT, T. E. Doenças crônicas, problemas crônicos: encontros e desencontros com os serviços de saúde em itinerários terapêuticos de homens rurais. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 2, p. 664-676, 2014.; Gerhardt; Lopes, 2015GERHARDT, T. E.; LOPES, M. J. M. Pensar o rural e a saúde: elementos teóricos e metodológicos. In: GERHARDT, T. E.; LOPES, M. J. M. O rural e a saúde: compartilhando teoria e método. Porto Alegre: UFRGS, 2015. p. 15-28.), este artigo busca discutir as subjetividades cotidianas que podem fragilizar - ou afirmar - a masculinidade e, por conseguinte, afastar os homens rurais com problemas cardiovasculares dos cuidados com a saúde.

Em tempo, cabe justificar que a escolha pela abordagem de homens com problemas cardiovasculares foi intencional, na medida em que constituem, segundo relata a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2013WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global action plan for the prevention and control of noncommunicable diseases 2013-2020. Geneva, 2013. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/1drpr7i >. Acesso em: 23 dez. 2017.
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), a principal causa de morte no mundo, totalizando, em 2012, 31% de todas as mortes ocorridas em âmbito global. Nesse contexto, Mansur e Favarato (2016MANSUR, A.; FAVARATO, D. Tendências da taxa de mortalidade por doenças cardiovasculares no Brasil, 1980-2012. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Rio de Janeiro, v. 107, n. 1, p. 20-25, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2L55pSf >. Acesso em: 23 dez. 2017.
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) asseveram que embora tenha ocorrido redução significativa e constante da mortalidade por problemas cardiovasculares no período entre 1980 e 2012, o Brasil acompanha a tendência mundial, apurando-os como primeira causa de morte - sobretudo, nas regiões Sul e Sudeste - e arrematam que o fato de os homens apresentarem taxa de mortalidade mais elevada em comparação com as mulheres talvez seja fruto do acesso tardio aos serviços de saúde.

Materiais e métodos

As informações que delinearam este artigo integram uma dissertação cujo propósito se concentrou em unir enfermagem e saúde coletiva, com vistas a compreender as relações estabelecidas entre o “ser homem” e saúde, alinhavando-as com a situação de adoecimento e o espaço rural como contexto de vida não demarcado apenas geograficamente, nem pensado nos limites da atividade produtiva, mas como aglutinador de identidades socioculturais. Com isso, alicerçada na abordagem qualitativa, descritiva e exploratória com inspirações etnográficas, a pesquisa teve como cenário uma pequena comunidade rural localizada no município de Canguçu, pertencente à metade sul do estado do Rio Grande do Sul.

Para tanto, o estudo contou, em suas diferentes etapas, com a colaboração de doze homens que vivenciavam adoecimento cardiovascular crônico, localizados a partir de um banco de dados construído por pesquisas anteriores, com informações acerca dos moradores - entre elas, a autorreferência de problemas de saúde.

Justifica-se que, nesse universo, a magnitude dos problemas cardiovasculares, não reportando apenas uma realidade local, conforme já descrito, fez que estes fossem eleitos como critério de inclusão do estudo, podendo ser (ou não) acompanhados de outra condição crônica. Assim, a geração de informações abrangeu três etapas, nos meses de janeiro, fevereiro, junho e julho de 2011. Num primeiro momento, visitaram-se vinte homens - maiores de dezoito anos e residentes na comunidade que autorreferiram problemas cardiovasculares - como possíveis participantes do estudo. Destes, oito foram excluídos - dois por não conseguirem se comunicar em função de sequelas de acidente vascular cerebral, três por não terem sido localizados em casa nas etapas de campo, um que havia falecido, um que não residia mais na comunidade e um que não referiu condição crônica no momento da visita.

Com os doze remanescentes, entre janeiro e fevereiro foram realizadas duas entrevistas, com intervalo entre um e quinze dias, nas quais os entrevistados contaram seus itinerários terapêuticos e falaram sobre as redes sociais e as concepções de saúde e de doença. Em junho, com enfoque nos períodos de silenciamento do adoecimento crônico, mais uma entrevista foi aplicada com os doze participantes, e os itinerários terapêuticos construídos na primeira etapa foram evidenciados em desenhos e validados. Nessa etapa, tencionou-se explorar o apoio social e as práticas de cuidado adotadas no período em que a convivência com a condição era passiva, sem grandes percalços cotidianos. As trinta e seis entrevistas, três com cada participante, realizadas nas etapas de janeiro, fevereiro e junho, ocorreram no domicílio dos entrevistados e tiveram variabilidade de duração, transcorrendo de vinte minutos até duas horas, a partir do que era mobilizado pelas experiências.

Em julho, para o encerramento da pesquisa, promoveu-se um grupo focal na Associação Comunitária da comunidade. Embora os doze estivessem convidados, oito participaram; dois justificaram a ausência pela vergonha em falar em público e dois por estarem envolvidos com as atividades da lavoura. A discussão perdurou por duas horas, e para disparar os relatos propôs-se que os entrevistados discorressem sobre as formas como homens e mulheres cuidam da saúde e reagem quando se percebem adoecidos. Como a própria metodologia especifica, a discussão foi instigada e mediada, estimulando-se que todos os participantes expusessem seus pontos de vista e suas experiências. As três etapas contaram com a composição de diários de campo, em que as apreensões e reflexões da pesquisadora foram registradas e depois articuladas às informações geradas pelas entrevistas (individuais e coletiva), a partir do processo de triangulação de informações (Minayo, 2014MINAYO, M. C. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2014.).

As falas foram transcritas e examinadas pelo processo analítico de conteúdo temático preconizado por Minayo (2014MINAYO, M. C. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2014.), em que três passos foram seguidos: primeiramente, executou-se a ordenação das informações, o que compreende a leitura exaustiva e a organização dos relatos e dos diários de campo; após, efetuou-se a classificação das informações por temas a partir dos objetivos da pesquisa; e em seguida deu-se a análise final com as reflexões sobre o material empírico e a contextualização dos achados com outros estudos. A Resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 1996BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 out. 1996.), que trata dos aspectos éticos de pesquisas envolvendo seres humanos, na época em vigência, foi seguida, e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul com o Parecer nº 2008077.

Resultados e discussão

As informações que inspiraram a discussão acerca das subjetividades cotidianas que podem fragilizar ou afirmar a masculinidade e, por conseguinte, afastar os homens do cuidado para com a saúde inicialmente foram geradas pelo resgate dos itinerários terapêuticos conceituados por Gerhardt et al. (2009GERHARDT, T. E. et al. Determinantes sociais e práticas avaliativas de integralidade em saúde: pensando a situação de adoecimento crônico em um contexto rural. In: PINHEIRO, R.; MARTINS, P. H. Avaliação em saúde na perspectiva do usuário: abordagem multicêntrica. Rio de Janeiro: Cepesc , 2009. p. 287-298., p. 291) como “as diferentes práticas em saúde e caminhos percorridos em busca de cuidado, nos quais se desenham múltiplas trajetórias (assistenciais ou não, incluindo diferentes sistemas de cuidado)”. Nesse ensejo, exploraram-se os caminhos percorridos pelos entrevistados nos momentos em que o convívio com a doença era interpelado por manifestações dolorosas, incapacitantes e ameaçadoras ao viver, delineadas sob a ótica de agudizações, e os traçados em momentos em que a convivência era passiva e sem grandes percalços nos modos de andar a vida - os chamados períodos de silenciamento.

No decorrer do trabalho de campo, entre entrevistas e diálogos informais, observaram-se, para além das dificuldades geográficas e funcionais de acesso aos serviços de saúde sabidamente crônicas no espaço rural (Burille; Gerhardt, 2014BURILLE, A.; GERHARDT, T. E. Doenças crônicas, problemas crônicos: encontros e desencontros com os serviços de saúde em itinerários terapêuticos de homens rurais. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 2, p. 664-676, 2014., 2016BURILLE, A.; GERHARDT, T. Entre ressacas e marolas: um olhar para os itinerários terapêuticos e redes sociais de homens em situação de adoecimento crônico. In: GERHARDT, T. E. et al. (Org.). Itinerários terapêuticos: integralidade no cuidado, avaliação e formação em saúde. Rio de Janeiro: Cepesc, 2016. v. 1, p. 375-390.), referências às construções sociais da masculinidade - em especial aos estereótipos que na situação vivida inibiram ou retardaram a busca pelo cuidado, pela representação de fragilidade e pela associação com a feminilidade. Nem sempre colocadas explicitamente, subjetividades acerca do que é ser e do que se espera de um homem foram desveladas e deram corpo ao que se denomina como barreiras socioculturais no acesso da população masculina aos serviços de saúde (Brasil, 2008BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília, DF, 2008. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2GZQrL9 >. Acesso em: 9 jan. 2016.
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; Gomes; Nascimento; Araújo, 2007GOMES, R.; NASCIMENTO, E. F.; ARAÚJO, F. C. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 565-574, 2007.) e, mais amplamente, na aproximação com as práticas de cuidado.

Nesse movimento de apreensão das entrelinhas - marcado por falas abafadas, por ações justificadas pelo bem-estar da família e pela necessidade de seguir trabalhando para garantir a reprodução material, pela referência do adoecimento como fracasso e motivo de vergonha e pelos relatos de culpa pela não revelação dos acontecimentos de antemão -, ao longo do resgate dos itinerários terapêuticos expressou-se a necessidade de construir uma ponte para acessar subjetividades, de modo que a discussão, ao assumir um formato articulado e sensível, não produzisse culpa nem sensação de vitimização nos entrevistados diante da situação vivenciada, conforme a recomendação de Medrado, Lyra e Azevedo (2011MEDRADO, B.; LYRA, J.; AZEVEDO, M. Eu não sou só próstata, eu sou um homem! Por uma política pública de saúde transformadora da ordem de gênero. In: GOMES, R. Saúde do homem em debate. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011. p. 39-74.).

Para fundamentar essa ponte para a discussão no grupo focal, uma releitura dos diários de campo foi efetuada. Entre as linhas escritas, alimentadas por visitas em diferentes tempos, o trabalho como elemento do cotidiano - seja por meio de encontro, de fotos ou de refeições compartilhadas - foi ressaltado pelos entrevistados como principal ponto de conversa no encontro com outros homens. Diversos estudos que se ocupam do cenário rural reiteram a forte relação entre agricultores e trabalho, a partir das percepções de saúde, de prestígio e de respeitabilidade, as quais parecem assumir entre os homens um lugar especial na representação da masculinidade (Budó; Gonzales; Beck, 2003BUDÓ, M. L. D.; GONZALES, R. M. B.; BECK, C. L. C. Saúde e trabalho: uma correlação de conceitos na perspectiva de uma população rural e de Christophe Dejours. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 43-52, 2003.; Gerhardt et al., 2009GERHARDT, T. E. et al. Determinantes sociais e práticas avaliativas de integralidade em saúde: pensando a situação de adoecimento crônico em um contexto rural. In: PINHEIRO, R.; MARTINS, P. H. Avaliação em saúde na perspectiva do usuário: abordagem multicêntrica. Rio de Janeiro: Cepesc , 2009. p. 287-298., 2011GERHARDT, T. E. et al. Atores, redes sociais e mediação na saúde: laços e nós em um cotidiano rural. In: PINHEIRO, R.; MARTINS, P. H. Usuários, redes sociais, mediações e integralidade em saúde. Rio de Janeiro: Lappis UERJ , 2011. p. 253-270.; Riquinho; Gerhardt, 2010RIQUINHO, D. L.; GERHARDT, T. E. Doença e incapacidade: dimensões subjetivas e identidade social do trabalhador rural. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 320-332, 2010.).

A partir dessa aproximação, elementos para a discussão sobre gênero, masculinidade e saúde foram assinalados. Para disparar a discussão no grupo focal, os entrevistados foram convidados a discorrer sobre o que homens e mulheres gostam de conversar quando em comunidade. As diferenças, já registradas em diários de campo, se reafirmaram no grupo e desenharam o contexto para a segunda questão disparadora - como homens e mulheres cuidam da saúde e como reagem quando se percebem adoecidos. Da discussão originaram-se três categorias de subjetividades masculinas, quais sejam: eu, na doença, não gosto de pensar e nem de conversar; depender do outro, mesmo que seja um profissional, é vergonhoso, é constrangedor e quando se é velho, já não é a mesma coisa. As três categorias serão apresentadas e discutidas.

Eu, na doença, não gosto de pensar e nem de conversar

Discussões acerca do trabalho e das habilidades masculinas em gerir os negócios da propriedade deram corpo ao debate e aproximaram os entrevistados no grupo, posto que embora se conhecessem na vida em comunidade, esses encontros nem sempre eram possíveis, em virtude dos círculos de amizade e de compadrio formados. Quando questionados sobre as formas como homens e mulheres cuidam da saúde e reagem quando se percebem adoecidos, ocorreu entre os entrevistados um silêncio, o qual somente foi interrompido pela fala de Rodolfo, 45 anos, agricultor, ao afirmar que em roda de conversa de homem não tem essas coisas. Nas interações a seguir, explicitaram-se falas sobre a saúde pensada a partir da doença, cujos pensar e falar deveriam ser evitados pelos homens.

Eu na doença não gosto de conversar e nem de pensar. […] tratar eu penso, pensar em tratar ela, mas no caso não pensar nela, porque a própria pessoa puxa a doença. Se tu impressionar que está te doendo esse dente, daqui a pouco ele está te doendo, embora não devesse estar doendo, então, pensou e vai me doer esse dente. (Danilo, 59 anos, aposentado)

Não é bom pensar. (Luís, 52 anos, agricultor)

sabe que o negócio da saúde não é bom, também não se pode pensar muito nela, não. Se começa a se preocupar muito, assim, se torna muito pior […] eu sou assim, eu não posso gravar muito na cabeça não, se eu fosse botar tudo na ideia o que eu tenho, eu ia estar bem mais fraco, bem mais fraco mesmo… (Nelson, 62 anos, agricultor e aposentado)

De acordo com as ponderações dos entrevistados, nos encontros da comunidade mostra-se comum perguntar se está tudo bem, mas no sentido de promover uma primeira aproximação, num hábito em ocasiões sociais, não se remetendo de fato à saúde. Não se espera que a partir disso se desenvolva um diálogo sobre a situação de saúde vivenciada, até porque não se deseja entrar em detalhes. Quando um homem adoece na comunidade, visitas são realizadas, todavia não se dirigem, à primeira vista, em função disso: fala-se do trabalho, das coisas da comunidade, e somente se a pessoa comentar pode-se falar sobre o adoecimento, sobretudo nas formas de ajuda material que podem ser mobilizadas. Gerhardt et al. (2011GERHARDT, T. E. et al. Atores, redes sociais e mediação na saúde: laços e nós em um cotidiano rural. In: PINHEIRO, R.; MARTINS, P. H. Usuários, redes sociais, mediações e integralidade em saúde. Rio de Janeiro: Lappis UERJ , 2011. p. 253-270.), ao abordar os bens postos em circulação nas redes sociais, apontam que as mulheres mobilizam mais ajudas imateriais e pessoais, enquanto os homens tendem a priorizar ajudas materiais e institucionais.

As falas também sinalizaram a íntima relação entre cuidado e adoecimento, o que pode indicar pistas para a menor adesão, por parte dos homens, às ações de promoção da saúde. Logo, se não estão doentes, qual seria o motivo de buscar os serviços de saúde ou de adotar uma série de precauções e de cuidados? Se adoecidos, buscar cuidado é reconhecer a fraqueza diante da doença e diante da sociedade. Ainda nessa discussão, a crença na invulnerabilidade ao adoecimento surgiu por parte de três participantes que reconheceram apresentar sinais de que algo não estava bem, mas os negligenciaram até o momento em que não puderam mais trabalhar. Além disso, existe uma associação entre idas aos serviços de saúde e morte, como se a proximidade com esses espaços remetesse muito mais ao eixo de tratamento da doença e de suas sequelas do que a um lugar de cuidado para com a vida e a saúde (Gomes et al., 2011GOMES, R. et al. Os homens não vêm! Ausência e/ou invisibilidade masculina na atenção primária. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, p. 983-92, 2011. Suplemento 1.).

Budó, Gonzales e Beck (2003BUDÓ, M. L. D.; GONZALES, R. M. B.; BECK, C. L. C. Saúde e trabalho: uma correlação de conceitos na perspectiva de uma população rural e de Christophe Dejours. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 43-52, 2003.) inferem que, para as pessoas que residem no meio rural, pequenas indisposições, algum mal-estar ou mesmo dores que não impossibilitam o trabalho não são tidas como doenças - muito menos como sinais importantes à sua percepção -, o que, com as interações do grupo focal, pode indicar que nesse contexto ocorre o encontro perigoso entre a menor sensibilidade de captação de sinais e de sintomas do corpo decorrente do próprio processo de trabalho e a crença, por parte de alguns homens, de que são invulneráveis ao adoecimento, provavelmente resultando na agudização da doença interpelada por manifestações intensas que comprometam a qualidade de vida, mesmo após a estabilização.

Ainda sobre trabalho e saúde, as perdas na agricultura em virtude das intempéries foram ressaltadas pelos entrevistados como potencializadoras do adoecimento, o que, com outras explanações, expõe o potencial do trabalho e pode afastar os homens dos serviços de saúde e das práticas de cuidado ao enaltecer a necessidade de prover, ao mesmo tempo que o não atendimento dessa expectativa pode adoecer. Todavia, o trabalho também pode aproximar, mesmo que de forma pontual e emergencial, os homens do cuidado em saúde. Burille e Gerhardt (2014BURILLE, A.; GERHARDT, T. E. Doenças crônicas, problemas crônicos: encontros e desencontros com os serviços de saúde em itinerários terapêuticos de homens rurais. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 2, p. 664-676, 2014.) indicam que as dificuldades no trabalho, a recomendação e, por horas, a imposição da família e os alertas de amigos, conhecidos e da mídia sobre sintomas semelhantes a doença séria - tomada no sentido comum como passível de incapacitar - englobam os disparadores masculinos da busca pelos serviços de saúde. No transcorrer do grupo focal, o machismo e as repercussões negativas que isso pode ocasionar à saúde foram abordados no relato de Benedito, 62 anos, aposentado:

Mas homem também, ele guarda as coisas. Não adianta dizer que não guarda, porque eu guardei! Fui acumulando, e então, na última hora, até falei para Andréia lá em casa, depois um dia eu estava podando, me senti tonto, me deu umas tonteiras e eu comecei a escutar as conversas dos outros. Uns falavam dos problemas de coração, dói assim, doí ali, e eu só escutando. Mas eu estava trabalhando sempre, me sentia às vezes meio ruim, mas trabalhava sempre, até que um dia me obriguei a dizer para a mulher: “Eu estou ruim, acho que é problema de coração pelo sintoma que eu tenho, digo pelo que eu tenho ouvido os outros falarem, eu estou com problema de coração”. E aí ela até riu de mim: “Poh! Mas tu não te queixaste de nada!”. Mas eu achava que não fosse problema, mas, agora, eu estou achando que é, eu acho que o homem esconde.

Segundo Figueiredo (2008FIGUEIREDO, W. S. Masculinidades e cuidado: diversidade e necessidades de saúde dos homens na atenção primária. 2008. Tese (Doutorado em Ciências, Medicina Preventiva) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008., p. 163), “as construções de gênero definem as diferentes formas de cuidar em saúde e na perspectiva das masculinidades, são vivenciadas de maneira bastante problemática”. A tendência de negar emoções e de esconder a vulnerabilidade pelo temor de parecer feminino, o estoicismo diante da dor e a predisposição aos riscos contemplam elementos de papéis masculinos descritos por David e Brannon (1976DAVID, D. S.; BRANNON, R. The forty-nine percent majority: the male sex role. Reading: Addison-Wesley, 1976.) que ainda ressoam na atualidade, pelo menos em número expressivo de homens heterossexuais, afastando-os de práticas que estimulem a promoção da saúde (Dantas, 2012DANTAS, G. C. Saúde do homem. In: GUSSO, G.; LOPES, J. M. C. Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 2012. p. 673-679.). Ao desenvolver estudo com homens rurais, Burille (2017BURILLE, A. Quando a masculinidade encontra o envelhecimento: experienciações de reconhecimento e cuidado no cotidiano de idosos rurais. 2017. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.) identificou que o status de masculinidade estava intimamente relacionado ao provimento das necessidades materiais da família, à preservação da honra e da independência, à invulnerabilidade ao adoecimento e, finalmente, à heterossexualidade.

Depender do outro, mesmo que seja um profissional, é vergonhoso, é constrangedor

No segundo eixo de discussão atinente às subjetividades cotidianas que podem fragilizar ou afirmar a masculinidade, situaram-se as percepções do cuidado e as intervenções dos profissionais de saúde. Nas interações, a necessidade de depender de uma pessoa (mesmo que seja da família) foi verbalizada como algo negativo, independentemente do grau de apoio requerido pela situação vivenciada. Nessa perspectiva, qualquer indicação de incapacidade põe em cheque o papel assumido na família e, portanto, sua revelação deve ser adiada ao máximo. O exemplo de Danilo, 59 anos, aposentado, ilustra: dias antes de enfartar, mesmo sentindo dormência nos braços e contando com a presença de dois netos em casa, carregou um forno de fumo, sem comentar com ninguém sobre o mal-estar.

Schraiber e Figueiredo (2011SCHRAIBER, L.; FIGUEIREDO, W. Integralidade em saúde e os homens na perspectiva relacional de gênero. In: GOMES, R. (Org.). Saúde do homem em destaque. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz , 2011. p. 11-18.) apontam para o controle do corpo masculino que visa à ininterrupção da reprodução social, o que motiva a negação masculina quanto à necessidade de cuidado e deixa de qualificar, muitas vezes, situações concernentes aos modos de vida ou aos adoecimentos. Há, nesse ínterim, esforços para manter-se produtivo, independentemente das consequências geradas - ou que poderão surgir. Convém destacar que, no meio rural, ações de negação podem ser acentuadas principalmente pelo processo de trabalho - afinal, se não há plantação, não há renda. No entanto, cabe a reflexão de que as resistências masculinas podem também representar uma afirmação pessoal e social de que se é forte, a partir da superação dos próprios limites. Outra declaração que converge para o medo de depender do outro foi a de João, 56 anos, agricultor:

A única coisa que eu não quero é a angústia de ficar esperando numa cadeira, ficar debaixo de um escombro, de ficar aleijado e não poder caminhar, de não poder participar. Isso eu tenho medo, mas de morrer, não […] como eu te disse agora, o pior é ficar em cima de uma cadeira, depender do outro.

Num plano geral de masculinidade, adoecer, apresentar incapacidade para o trabalho e depender de outras pessoas põem por terra a invulnerabilidade, até então cultuada. Direcionando-se para o rural, tais condições se intensificam ainda mais negativamente, em virtude de os homens que ali residem não vislumbrarem outras possibilidades de trabalho - exceto as que demandam força e resistência corporal. Desse modo, as ameaças à reprodução material da família e a experienciação da menor liberdade que se materializa pela maior permanência no espaço doméstico somam-se e passam a alimentar um cenário temido, ao que se atribui uma morte, sem de fato estar morto. Importa também lembrar que no rural há uma separação implícita dos espaços de permanência, cabendo aos homens circular fora do espaço doméstico, cuja gerência se delega às mulheres.

No envelhecer, os homens rurais experimentam maior proximidade com o espaço doméstico e menor capacidade de reprodução material, tendo em vista que já não dispõem da mesma vitalidade e força para o trabalho. Mesmo que a aposentadoria desempenhe importante papel na ação construtora de cidadania e de acesso aos bens materiais (Ruiz; Gerhardt, 2012RUIZ, E.; GERHARDT, T. Políticas públicas no meio rural: visibilidade e participação social como perspectivas de cidadania solidária e saúde. Physis, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 1191-1209, 2012.; Tonezer, 2009TONEZER, C. Idosos rurais de Santana da Boa Vista - Rio Grande do Sul: efeitos da cobertura previdenciária. 2009. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Rural) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.), para eles, embora necessária, não é tão apreciada, pois seu dinheiro não é fruto do trabalho - componente relevante da identidade masculina. Para Burille (2017BURILLE, A. Quando a masculinidade encontra o envelhecimento: experienciações de reconhecimento e cuidado no cotidiano de idosos rurais. 2017. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.), essas condições, somadas ao apagamento dos papéis sociais masculinos e atreladas, sobretudo, ao adoecimento crônico e à necessidade de cuidado ao longo do tempo, tornam a vivência desse ciclo vital bastante problemática.

No rural, o trabalho é compreendido como fonte de renovação, apesar de as atividades serem cansativas e exigirem sacrifícios. Estudos têm apontado que o afastamento do trabalho por doença traz repercussões negativas aos homens, como quadros depressivos e isolamento social (Barsaglini, 2006BARSAGLINI, R. Pensar, vivenciar e lidar com o diabetes. 2006. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006.; Nardi, 1998NARDI, H. O ethos masculino e o adoecimento relacionado ao trabalho. In: DUARTE, L.; LEAL, O. (Org.). Doença, sofrimento, perturbação: perspectivas etnográficas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1998. p. 95-104.), uma vez que, mais do que prover, o trabalho impulsiona para o reconhecimento (Figueiredo; Schraiber, 2011FIGUEIREDO, W. S.; SCHRAIBER, L. B. Concepções de gênero de homens usuários e profissionais de saúde de serviços de atenção primária e os possíveis impactos na saúde da população masculina. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, p. 935-944, 2011. Suplemento 1.) e promove não somente a reprodução econômica, mas também a reprodução social da família, e consequentemente o status de comunidade (Ruiz; Gerhardt, 2012RUIZ, E.; GERHARDT, T. Políticas públicas no meio rural: visibilidade e participação social como perspectivas de cidadania solidária e saúde. Physis, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 1191-1209, 2012.).

Outro ponto em que pesaram as subjetividades masculinas foram os sentimentos de timidez e de vergonha em expor o corpo (Burille; Gerhardt, 2014BURILLE, A.; GERHARDT, T. E. Doenças crônicas, problemas crônicos: encontros e desencontros com os serviços de saúde em itinerários terapêuticos de homens rurais. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 2, p. 664-676, 2014.; Gomes et al., 2008GOMES, R. et al. As arranhaduras da masculinidade: uma discussão sobre o toque retal como medida de prevenção do câncer prostático. Ciência e Saúde Coletiva, v. 13, n. 6, p. 1975-84, 2008.). Despir-se e deixar-se ser manipulado, mesmo por um profissional da saúde habituado a isso, foi explanado de maneira problemática pelos entrevistados, sobretudo na referência ao exame de toque retal. Burille (2017BURILLE, A. Quando a masculinidade encontra o envelhecimento: experienciações de reconhecimento e cuidado no cotidiano de idosos rurais. 2017. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.) aduz que as mulheres, pela maior exposição às forças da medicalização, se revelam menos reticentes, embora também possam sentir-se desconfortáveis. Além de constrangimento, os entrevistados confessaram desconforto em ter uma parte íntima tocada - em especial pela relação com a homossexualidade (Gomes et al., 2008GOMES, R. et al. As arranhaduras da masculinidade: uma discussão sobre o toque retal como medida de prevenção do câncer prostático. Ciência e Saúde Coletiva, v. 13, n. 6, p. 1975-84, 2008.).

Ué, tem que fazer, uma coisa que ninguém gosta, mas se tem que fazer, tem que fazer […] sabe que tem que ir, mas esse dia custa a chegar, eu preciso fazer, eu tenho que fazer [exame de toque retal], mas enquanto puder adiar [risos] (Rodolfo, 45 anos, agricultor e diarista)

Também, não, e não vai te prejudicar em nada, é vergonhoso, é constrangedor, mas não vai me fazer menos homem, eu tive que fazer [exame de toque retal], era preciso. (João, 56 anos, agricultor)

Outro ponto que chamou atenção envolveu o posicionamento de alguns profissionais, que no intuito de descontrair acabam afirmando o exame de toque retal como algo vergonhoso e ameaçador - como declarou um dos entrevistados, ao mencionar um comentário de um enfermeiro no corredor da unidade básica de saúde. Estudos confirmam que a sensibilização dos profissionais de saúde às especificidades masculinas pela desconstrução do ideário de público de difícil acesso ou manejo pode contribuir para a aproximação dos homens aos serviços (Figueiredo; Schraiber, 2011FIGUEIREDO, W. S.; SCHRAIBER, L. B. Concepções de gênero de homens usuários e profissionais de saúde de serviços de atenção primária e os possíveis impactos na saúde da população masculina. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, p. 935-944, 2011. Suplemento 1.; Medrado et al., 2009MEDRADO, B. et al. Princípios, diretrizes e recomendações para uma atenção integral aos homens na saúde. Recife: Instituto Papai, 2009.). Além disso, parece interessante ponderar com os profissionais de saúde que, embora não sejam isentos da trama de gênero, não devem, nos encontros com os usuários, reproduzir estereótipos, sob o risco de potencializar sentimentos de resistência aos serviços de saúde.

Também se destaca que, embora não fosse abordado em nenhum direcionamento fomentador do grupo focal, o exame de toque retal repercutiu entre as interações, muito em decorrência das veiculações sobre o tema na mídia. Diversas propagandas em torno da saúde do homem, veiculadas pela campanha Novembro Azul, vêm sendo divulgadas pelo Ministério da Saúde desde o ano de 2008. Embora as abordagens das campanhas se dediquem sumariamente à realização periódica do exame de toque retal, essa visão não dá conta da saúde, afinal, trata-se apenas de um aspecto. Entretanto, reconhece-se que pode configurar um ponto de entrada aos serviços, ainda que no encontro profissional-usuário seja primordial o estabelecimento de um vínculo pelo qual o cuidado possa ser ampliado.

Schumacher, Puttini e Nojimoto (2013SCHUMACHER, A.; PUTTINI, R. F.; NOJIMOTO, T. Vulnerabilidade, reconhecimento e saúde da pessoa idosa: autonomia intersubjetiva e justiça social. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 37, n. 97, p. 281-293, 2013.), Ruiz e Gerhardt (2015RUIZ, E.; GERHARDT, T. Dádivas do aparecer e a (re)ação ao estigma: marcas de uma identidade coletiva, modo de viver e adoecer em um lugar-rural. In: VERDUM, R.; BECK, F. L.; LOPES, M.; GERHARDT, T. (Org). Processos sociais rurais: múltiplos olhares sobre o desenvolvimento. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2015. p. 127-147. (Série Estudos Rurais).) e Burille (2017BURILLE, A. Quando a masculinidade encontra o envelhecimento: experienciações de reconhecimento e cuidado no cotidiano de idosos rurais. 2017. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.) assinalam o reconhecimento como elemento central na relação entre profissionais e usuários no estabelecimento do cuidado em saúde, o que parece ser precípuo no interlace com a masculinidade. Na percepção de Burille (2017BURILLE, A. Quando a masculinidade encontra o envelhecimento: experienciações de reconhecimento e cuidado no cotidiano de idosos rurais. 2017. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.), podem existir assimetrias entre o que é bom e o que precisa ser seguido. Nesse sentido, recomenda a reflexão sobre abordagens e posturas profissionais e a necessidade de contextualização para além do nome, da idade e da condição clínica apresentada, em que se pese o espaço de vida, as condições materiais, as crenças, as racionalidades como elementos que não podem ser exilados da clínica em sua proposta ampliada.

Quando se é velho, já não é a mesma coisa

O terceiro eixo de subjetividades se assenta nas discussões sobre o envelhecimento e as expectativas sociais atribuídas à masculinidade. Embora boa parte dos entrevistados contabilizasse mais de sessenta anos de idade, no ideário desta pesquisa isso não era vislumbrado como ameaça até o momento em que um dos entrevistados, ao mostrar uma foto de quando era jovem, lamentou não ser mais um homem de verdade. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que geração e masculinidade e suas transversalidades constituem elementos necessários às análises, descontruindo o ideário que homens são pouco sensíveis às mudanças desencadeadas pelo envelhecimento. De acordo com Moraes (2011MORAES, A. O corpo no tempo: velhos e envelhecimento. In: DEL PRIORE, M.; AMANTINO, M. História do corpo no Brasil. São Paulo: Unesp, 2011. p. 427-452.), diferenças de classe, de gênero e de etnia, assim como as desigualdades sociais entre idosos, sintetizam aspectos que não podem ser postergados, visto que o envelhecer representa um processo marcado por passagens, por rituais e por expectativas sociais que distribuem vantagens e desvantagens talvez diferentes, mas não menos significativas para os homens.

Na visão de Ribeiro (2010RIBEIRO, O. Saúde, masculinidade e envelhecimento: reflexões sociais numa perspectiva de gênero. In: STREY, M.; NOGUEIRA, C.; AZAMBUJA, M. Gênero e saúde: diálogos ibero-brasileiros. Porto Alegre: Edipucrs, 2010. p. 303-324.), homens idosos deparam com desafios inigualáveis a outros períodos vividos, sejam decorrentes da centralidade do corpo medicalizado, da convivência com doenças crônicas, da situação de dependência ou da fragilidade de vínculos sociais, antes fortalecidos pelo labor.

Debert (1998DEBERT, G. Envelhecimento e representação da velhice. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, v. 8, n. 44, p. 60-68, 1998.) averiguou que os homens consideram o envelhecimento como uma época na qual predominam perdas, marcada pela reclusão ao espaço doméstico e pelo isolamento social. No grupo, as falas acerca do envelhecimento situaram-se sobre as impossibilidades trazidas pela idade, sobretudo de maneira problemática no que diz respeito à liberdade e às mudanças corporais. Em se tratando da liberdade, isso se relaciona, na juventude masculina, ao ir e vir, sem preocupações e sem necessidade de frequentar os serviços de saúde ou de depender de cuidados ou de remédios. No tocante às mudanças corporais, pontua-se que, apesar de sintetizar uma realidade objetiva, o corpo adequado ou bonito depende sempre da perspectiva de quem o carrega, de quem o olha e do que se vê.

Goldenberg (2010GOLDENBERG, M. O corpo como capital: gênero, casamento e envelhecimento na cultura brasileira. Redige, [s.l.], v. 1, n. 1, p. 192-200, 2010.) alerta que, na cultura brasileira, em que o corpo assume o status de capital, envelhecer pode ser considerado como uma grande perda, não apenas às mulheres, mas aos homens, que também se sentem ameaçados pelo processo. Somam-se, nesse ciclo de vida, o confronto com o não trabalho (desemprego, incapacidade e aposentadoria), as dificuldades afetivas e sexuais (solidão, separação, viuvez, impotência) e a perda da participação e do convívio familiar e social, que também contribuem negativamente para as práticas de cuidado. Outrossim, já não é a mesma coisa de quando a gente tinha saúde e era mais novo, vem tudo junto, a saúde e quando era mais novo, porque quando era mais novo, a memória da gente era outra (Danilo, 59 anos, aposentado).

Os relatos dos entrevistados demonstraram uma visão do envelhecimento como algo distante, portanto sem preparo, ao longo dos anos, para essa vivência, ao contrário do que se percebeu entre as esposas, que em diálogos informais consideravam-se felizes com a aposentadoria e com a possibilidade de se dedicar às atividades prazerosas, como artesanato e clubes de mães, antes impossíveis pela rotina de trabalho na lavoura e na casa. Debert (1998DEBERT, G. Envelhecimento e representação da velhice. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, v. 8, n. 44, p. 60-68, 1998.), ao entrevistar idosos em diferentes condições socioeconômicas, observou que as mulheres associavam o envelhecimento a um momento de liberdade e de autonomia em relação a outras fases da vida. A ideia de estar em um lugar que é da mulher (Rodolfo, 45 anos, agricultor) ou de estar preso como um pássaro na gaiola (Danilo, 59 anos, aposentado) evidencia o desconforto sentido pelos entrevistados, que mencionaram maior permanência no espaço doméstico, o que, para alguns, se soma por ações que geram denegação, por exemplo, de ter sua palavra contrariada por ser um velho (Carlos, 80 anos, aposentado).

Ao entrevistar colonos alemães, Heck (2004HECK, R. M. Percepção social de categorias de risco de suicídio em colonos alemães do noroeste do Rio Grande do Sul. Texto e Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 13, n. 4, p. 559-567, 2004.) desvendou que os homens idosos, diferentemente das mulheres, apresentavam dificuldades em organizar dinâmicas de vida na velhice, refletindo-se em adoecimentos mais frequentes. Entre as possíveis explicações para as distintas formas de vivenciar o envelhecimento entre homens e mulheres constam a reprodução material e a plasticidade em adaptar papéis sociais. As mulheres, ao longo da vida, alimentam as relações de trocas e de visitas entre amigas, vizinhas e outros familiares; já os homens constroem parte significativa de sua sociabilidade atrelada ao trabalho - logo, na ausência deste, têm dificuldade para estabelecer relacionamentos em outras esferas.

Em consonância com a discussão, Meneghel et al. (2012MENEGHEL, S. N. et al. Suicídio de idosos sob a perspectiva de gênero. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 8, p. 1983-1992, 2012.) alegam que as diferenças de gênero permanecem ao longo da vida - inclusive na velhice - e que o potencial polivalente das construções sociais sobrepostas aos homens, além de dificultar a busca pelo cuidado, pode atuar negativamente no vivenciar o envelhecimento. Pinto, Assis e Pires (2012PINTO, L. W.; ASSIS, S. G.; PIRES, T. O. Mortalidade por suicídio em pessoas com 60 anos ou mais nos municípios brasileiros no período de 1996 a 2007. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 8, p. 1963-1972, 2012.) salientam que entre as várias vulnerabilidades masculinas encontra-se a negação do cuidado travestida pelo ideário de invulnerabilidade. Ao se incorporar à velhice masculina, a negação do cuidado pode funcionar como uma espécie de blindagem da masculinidade, já ameaçada pela saída do trabalho e pelo acometimento por doenças crônicas.

Considerações finais

Os resultados deste estudo verificaram o potencial de influência das subjetividades masculinas a partir da demarcação de fragilidade ou de afirmação da masculinidade na interação com o cuidado em saúde. Para além de uma discussão abstrata, o estudo apontou ações cotidianas balizadas no modelo normativo de masculinidade, que acentuam condições de adoecimento no cenário de vida rural por sua conformação geográfica, funcional e de reprodução social. O reconhecimento das subjetividades e dos entraves no acesso e na acessibilidade aos serviços de saúde permitiu compreender as razões pelas quais os entrevistados procuraram o cuidado profissional em situações de doença agudizada.

Nas interações nos espaços formais de saúde, o exercício da masculinidade não pode ser tomado apenas como presente, mas como central. Nesse sentido, o desafio de promover a saúde do homem requer um olhar acurado e sensível, que fortaleça discussões e que desnaturalize ações não só entre os homens usuários, mas entre os profissionais de saúde e os gestores. Entende-se que não se trata de uma tarefa simples, nem de poucos, tampouco de curto prazo, mas de um compromisso que precisa ser assumido por toda a sociedade, para que o cuidado seja tomado em sua polifonia, considerando-se as singularidades que modelos culturais dominantes constituem como problema.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2016
  • Revisado
    23 Dez 2017
  • Aceito
    23 Fev 2018
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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