Modelo conceitual aplicável a estudos sobre determinantes sociais da saúde em municípios brasileiros

Francisco Carlos Carvalho de Melo Rodolfo Ferreira Ribeiro da Costa Jansen Maia Del Corso Sobre os autores

Resumo

Os modelos conceituais de determinantes sociais da saúde (DSS) disponíveis na literatura, embora úteis para compreensão dos mecanismos que afetam os resultados do sistema de saúde sobre as condições de vida das populações, apresentam limitações quanto à sua aplicação em estudos empíricos e, consequentemente, na orientação da gestão de políticas públicas de saúde. Isso ocorre porque as categorias adotadas por esses modelos não são adequadamente representadas por indicadores ou variáveis homogêneas, sujeitas a manipulações matemáticas ou estatísticas em um sistema simples de relacionamentos. Este estudo tem por objetivo contribuir para o preenchimento dessa lacuna, ao propor um modelo conceitual de DSS passível de aplicação operacional, ou seja, de ser reproduzido em modelos matemáticos ou estatísticos, a fim de subsidiar estudos e definir estratégias de saúde pública. O esforço recorre à literatura para revisar modelos conceituais consagrados, identificar um conjunto de DSS e apresentar recomendações e critérios de escolha. Na sequência, identifica fontes de dados confiáveis que disponibilizem indicadores e variáveis dispostos em séries históricas e propõe o desenho de um modelo conceitual aplicável, cuja operacionalização requer métodos e ferramentas próprios de uma abordagem sistêmica.

Palavras-chave:
Determinantes Sociais da Saúde; Modelos Conceituais de DSS; Abordagem Sistêmica

Introdução

Modelos conceituais de determinantes sociais da saúde (DSS) são desenvolvidos desde 1991 para demonstrar os mecanismos que afetam os resultados do sistema de saúde sobre as condições de vida das populações. Esses modelos apresentam possíveis conexões entre os DSS e localizam pontos estratégicos para orientar as ações de políticas. Contudo, apesar de úteis, frequentemente são inadequados para os contextos locais e as nuances dos DSS e raramente oferecem aos decisores políticos direção clara para o desenvolvimento de políticas (Exworthy, 2008EXWORTHY, M. Policy to tackle the social determinants of health: using conceptual models to understand the policy process. Health Policy and Planning, Londres, v. 23, p. 318-327, 2008.). Isso acontece porque são consideradas variáveis muito díspares, reunindo fatores biológicos, genéticos, comportamentais, políticos, culturais e sociais em um mesmo quadro conceitual, com escassas indicações de como operacionalizá-los de maneira prática.

A limitação dos modelos conceituais disponíveis na literatura dificulta sua aplicação na gestão de políticas públicas de saúde, o que foi levantado por Evans e Stoddart (1994EVANS, R. G.; STODDART, G. L. Producing health, consuming health care. In: EVANS, R. G.; BAKER, M. L.; MARMOR, T. R. (Org.). Why are some people healthy and other no? The determinants of health of populations. Hawthorne: Aldine de Gruyer, 1994. p. 27-64., 2003EVANS, R. G.; STODDART G. L. Consuming research, producing policy? American Journal of Public Health, Oxford, v. 99, n. 3, p. 371-379, 2003.), que sugerem que se evite tratar as categorias do modelo por eles proposto como se pudessem ser adequadamente representadas por alguma variável homogênea ou sujeita a manipulações matemáticas ou estatísticas como uma variável. Sua aplicação, portanto, é inapropriada à reprodução conjunta e integral em modelos matemáticos ou estatísticos. Para esses autores, superar essa limitação requer uma abordagem sistêmica, em detrimento do uso de um sistema simples e linear de relacionamentos e muito menos de um único fator causal, já que a saúde depende de tudo, o tempo todo.

Este estudo tem por objetivo contribuir para o preenchimento dessa lacuna, ao propor um modelo conceitual de DSS passível de aplicação operacional, ou seja, reproduzido em modelos matemáticos ou estatísticos, a fim de subsidiar estudos e definir estratégias de saúde pública. O esforço recorre à literatura para revisar modelos conceituais consagrados, identificar um conjunto de DSS e apresentar recomendações e critérios de escolha. Na sequência, identifica fontes de dados confiáveis que contenham indicadores e variáveis dispostos em séries históricas e propõe o desenho de um modelo conceitual aplicável, cuja operacionalização requer métodos e ferramentas próprios de uma abordagem sistêmica.

Modelos conceituais de referência

Em síntese dos modelos conceituais adotados pelos estudos sobre disparidades em saúde, Roux (2012ROUX, A. V. D. Conceptual approaches to the study of health disparities. Annual Review of Public Health, Palo Alto, v. 33, p. 41-58, 2012.) informa que suas fronteiras são fluidas e ocorrem opções intermediárias combinando elementos comuns. No entanto, destaca características distintivas fundamentais entre os diferentes enfoques conceituais e sua utilidade para estudos nesse campo, afirmando que podem ser agrupados em quatro conjuntos: (1) modelo genético; (2) modelo da causa fundamental; (3) modelo de caminhos; e (4) modelo de interação, o papel da interação gene-ambiente. Este estudo realça os modelos que apresentam maior ênfase no contexto ambiental, social, econômico, de infraestrutura, de produção de serviços de saúde e de resultado em termos de condições de saúde.

Embora os modelos disponíveis tenham sido objeto de ampla análise e discussão em diferentes trabalhos, destacam-se aqueles que influenciam a proposta apresentada neste estudo, a saber: os de Dahlgren e Whitehead (1991DAHLGREN, G.; WHITEHEAD, M. Policies and strategies to promote social equity in health. Estocolmo: Institute for Future Studies, 1991.), Evans e Stoddart (1994EVANS, R. G.; STODDART, G. L. Producing health, consuming health care. In: EVANS, R. G.; BAKER, M. L.; MARMOR, T. R. (Org.). Why are some people healthy and other no? The determinants of health of populations. Hawthorne: Aldine de Gruyer, 1994. p. 27-64.), Diderichsen, Evans e Whitehead (2001DIDERICHSEN, F.; EVANS, T.; WHITEHEAD, M. The social basis of disparities in health. In: EVANS, T.; WHITEHEAD, M. et al. (Org.). Challenging inequities in health: from ethics to action. Nova York: Oxford University Press, 2001. p. 13-23.) e Solar e Irwin (2007SOLAR, O.; IRWIN, A. A conceptual framework for action on the social determinants of health: discussion paper for the Commission on Social Determinants of Health DRAFT. Genebra: WHO, 2007. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/34ok31R >. Acesso em: 14 ago. 2015.
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), além da Matriz de Dimensões da Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde, apresentada por Viacava et al. (2012VIACAVA, F. et al. PROADESS - Avaliação de Desempenho do Sistema de Saúde Brasileiro: indicadores para monitoramento: relatório final. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2012.), cujas principais características são mencionadas a seguir.

Dahlgren e Whitehead (1991DAHLGREN, G.; WHITEHEAD, M. Policies and strategies to promote social equity in health. Estocolmo: Institute for Future Studies, 1991.) desenvolveram um modelo pioneiro, revisto em 2007, no qual destacam que a estrutura conceitual apresentada deve ser vista como um sistema interdependente para melhorar a saúde e reduzir os riscos a ela, ressaltando que, para qualquer política de saúde, estratégias podem ser criadas em qualquer um dos quatro níveis de política contidos no modelo. Dessa maneira, estratégias específicas de políticas públicas não precisam, necessariamente, incluir todos os níveis.

Para Evans e Stoddart (1994EVANS, R. G.; STODDART, G. L. Producing health, consuming health care. In: EVANS, R. G.; BAKER, M. L.; MARMOR, T. R. (Org.). Why are some people healthy and other no? The determinants of health of populations. Hawthorne: Aldine de Gruyer, 1994. p. 27-64., 2003EVANS, R. G.; STODDART G. L. Consuming research, producing policy? American Journal of Public Health, Oxford, v. 99, n. 3, p. 371-379, 2003.), as respostas individuais, do ponto de vista comportamental e biológico, aos ambientes social e físico e a carga genética influenciam a percepção de saúde e capacidade funcional e se refletem na condição de bem-estar, indicada como objetivo final da política de saúde, cuja prova conclusiva não é apenas a ausência de doenças, mas sua capacidade de trazer bem-estar à população (Viacava et al., 2012VIACAVA, F. et al. PROADESS - Avaliação de Desempenho do Sistema de Saúde Brasileiro: indicadores para monitoramento: relatório final. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2012.).

Diderichsen, Evans e Whitehead (2001DIDERICHSEN, F.; EVANS, T.; WHITEHEAD, M. The social basis of disparities in health. In: EVANS, T.; WHITEHEAD, M. et al. (Org.). Challenging inequities in health: from ethics to action. Nova York: Oxford University Press, 2001. p. 13-23.) consideram que muitos dos fatores de risco individuais se aglomeram em torno da posição social do indivíduo (ou são fortemente associados a ela), bem como das características do contexto social mais amplo, tais como o local de residência (urbana ou rural), ambiente de trabalho ou políticas sociais e econômicas. Além disso, o contexto e a posição social podem desempenhar papel importante para as “consequências sociais” de uma doença ou lesão.

O modelo de Diderichsen, Evans e Whitehead (2001DIDERICHSEN, F.; EVANS, T.; WHITEHEAD, M. The social basis of disparities in health. In: EVANS, T.; WHITEHEAD, M. et al. (Org.). Challenging inequities in health: from ethics to action. Nova York: Oxford University Press, 2001. p. 13-23.), com suporte, influencia a elaboração do modelo da Comissão sobre Determinantes Sociais de Saúde (Solar; Irwin, 2007SOLAR, O.; IRWIN, A. A conceptual framework for action on the social determinants of health: discussion paper for the Commission on Social Determinants of Health DRAFT. Genebra: WHO, 2007. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/34ok31R >. Acesso em: 14 ago. 2015.
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), cujos principais componentes são: contexto político e socioeconômico, os determinantes estruturais das desigualdades em saúde e os determinantes intermediários da saúde. Esse modelo difere de alguns outros devido à importância atribuída ao componente formado pelo contexto político e socioeconômico. Solar e Irwin (2007SOLAR, O.; IRWIN, A. A conceptual framework for action on the social determinants of health: discussion paper for the Commission on Social Determinants of Health DRAFT. Genebra: WHO, 2007. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/34ok31R >. Acesso em: 14 ago. 2015.
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) destacam que seu modelo encerra variáveis da sociedade que não podem ser medidas diretamente no nível individual e são particularmente importantes para este estudo, uma vez que reforçam a possibilidade de os DSS serem estudados no nível do conjunto social, e não no âmbito do indivíduo, como tem sido comum.

Os autores adotam os termos sugeridos por Graham (2004GRAHAM, H. Social determinants and their unequal distribution: clarifying policy understandings. The Milbank Quarterly, Oxford, v. 82, n. 1, p. 101-124, 2004.) e declaram que a expressão “determinantes estruturais” se refere especificamente aos componentes da posição socioeconômica das pessoas. Esses determinantes estruturais, combinados com as principais características do contexto socioeconômico e político, constituem os determinantes sociais das iniquidades (ou desigualdades) em saúde, operando por meio de uma série designada como fatores sociais intermediários ou DSS.

Os fatores intermediários fluem a partir da configuração da estratificação social subjacente e determinam diferenças de exposição e vulnerabilidade às condições de saúde comprometedoras. No ponto mais proximal dos modelos, processos genéticos e biológicos são enfatizados, mediando os efeitos na saúde dos determinantes sociais. As principais categorias de determinantes intermediários de saúde são: circunstâncias materiais; circunstâncias psicossociais; fatores comportamentais e/ou biológicos; e o próprio sistema de saúde como determinante social.

Viacava et al. (2012VIACAVA, F. et al. PROADESS - Avaliação de Desempenho do Sistema de Saúde Brasileiro: indicadores para monitoramento: relatório final. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2012.) elaboraram uma metodologia para avaliação do sistema brasileiro de saúde, apresentando a Matriz de Dimensões da Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde, que se apoia na proposta elaborada pelo Canadian Institute for Health Information, a qual, por sua vez, tem suporte no modelo teórico de produção de saúde de Evans e Stoddart (1994EVANS, R. G.; STODDART, G. L. Producing health, consuming health care. In: EVANS, R. G.; BAKER, M. L.; MARMOR, T. R. (Org.). Why are some people healthy and other no? The determinants of health of populations. Hawthorne: Aldine de Gruyer, 1994. p. 27-64.). O modelo canadense considera como dimensões os determinantes não médicos da saúde (sociais, biológicos e comportamentais), as condições de saúde, o desempenho do sistema de saúde e as características da comunidade e desse sistema (Raphael, 2009RAPHAEL, D. Social determinants of health: Canadian perspectives. 2. ed. Toronto: Canadian Scholars’ Press Inc., 2009. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/39QTELn >. Acesso em: 7 abr. 2015.
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; Wolfson; Alvarez, 2002WOLFSON, M.; ALVAREZ, R. Towards integrated and coherent health information systems for performance monitoring: the Canadian experience. Measuring up: improving health systems performance in OECD countries. Paris: OECD, 2002.). A matriz acrescentou a este conjunto a estrutura do sistema de saúde, que compreende seu financiamento e seus recursos humanos e materiais.

Os modelos conceituais de DSS destacados guardam semelhanças em sua estrutura, o que significa que podem ser combinados em uma forma composta (Graham, 2004GRAHAM, H. Social determinants and their unequal distribution: clarifying policy understandings. The Milbank Quarterly, Oxford, v. 82, n. 1, p. 101-124, 2004.). No entanto, Graham (2004GRAHAM, H. Social determinants and their unequal distribution: clarifying policy understandings. The Milbank Quarterly, Oxford, v. 82, n. 1, p. 101-124, 2004.), Exworthy (2008EXWORTHY, M. Policy to tackle the social determinants of health: using conceptual models to understand the policy process. Health Policy and Planning, Londres, v. 23, p. 318-327, 2008.) e O’Campo (2012O’CAMPO, P. Are we producing the right kind of actionable evidence for the social determinants of health? Journal of Urban Health: Bulletin of the New York Academy of Medicine, Nova York, v. 89, n. 6, p. 881-893, 2012.) apresentam várias advertências para enfrentar DSS por meio de políticas públicas, destacando-se quatro:

  1. Cada modelo examinado contém uma importante contribuição, embora nenhum deles dê conta sozinho de cumprir todos os requisitos. Entretanto, ao combinar elementos de vários modelos, é possível chegar a uma breve estrutura que contribua para aguçar o debate.

  2. Todos os modelos de DSS são dispositivos conceituais úteis para identificar os caminhos causais que têm impactos diferenciados sobre a saúde. No entanto, os modelos de DSS raramente oferecem aos decisores políticos direção clara para o desenvolvimento de políticas.

  3. DSS exigem ações concretas de políticas entre diferentes organizações e setores. Apesar de o estabelecimento de parcerias intergovernamentais e intersetoriais ser fundamental para a formulação implementação de estratégias para abordagem dos DSS, evidências mostram que essa prática é prejudicada por questões culturais, organizacionais e financeiras.

  4. A identificação, o acompanhamento e a análise das alterações epidemiológicas ao longo do tempo são fundamentais para informar o processo de decisão política. No entanto, dados de rotina nem sempre estão disponíveis, são de má qualidade ou são recolhidos ao longo de períodos insuficientes para auxiliar a decisão política.

É evidente que um modelo, qualquer que seja, requer uma interpretação ampla e diversificada das necessidades que implicam na saúde das populações: elaborar uma proposta exige que sejam consideradas a validade dos pressupostos teórico-conceituais dos modelos apresentados e as advertências deles decorrentes, bem como o sentido da sua aplicação prática, voltadas para o nível do conjunto social e não individual, cujas relações possam ser interpretadas por modelos matemáticos ou estatísticos.

Determinantes sociais da saúde: tipos e critérios de escolha

Cada modelo conceitual utiliza amplo conjunto de DSS para explicar e relacionar fatores que ajudam as pessoas a serem saudáveis. A identificação de quais determinantes podem ser considerados na elaboração de um modelo conceitual representa o primeiro desafio a ser superado. O desafio seguinte é a escolha propriamente dita de quais DSS serão adequadamente inseridos no modelo, processo que deve ser superado à luz da teoria e da disponibilidade efetiva de dados confiáveis, principalmente se o foco for a aplicação operacional ou empírica do modelo. Webster e Lipp (2009WEBSTER, P.; LIPP, A. The evolution of the WHO city health profiles: a content review. Health Promotion International, Londres, v. 24, p. 56-63, 2009.) e Raphael (2009RAPHAEL, D. Social determinants of health: Canadian perspectives. 2. ed. Toronto: Canadian Scholars’ Press Inc., 2009. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/39QTELn >. Acesso em: 7 abr. 2015.
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) sugerem variáveis e indicadores objetivos e subjetivos, parte deles destacada no Quadro 1, que revela de maneira sintética sua ampla variedade.

Quadro 1
Tipos de determinantes sociais da saúde

O conjunto de determinantes que podem implicar nas condições de saúde de uma população é amplo, diversificado e contém fatores diretos e indiretos. Alguns DSS podem ser facilmente quantificáveis, ao passo que outros não podem. Alguns dizem respeito a questões individuais e outros estão mais relacionados a características do conjunto da sociedade. A variedade de DSS contida no Quadro 1 indica, portanto, que a seleção deles para compor um modelo sistematizável requer atenção.

A escolha dos DSS deve obedecer a critérios coerentes, adequados ao modelo. O Quadro 2, formado a partir das contribuições de Fulop et al. (2001FULOP, N. et al. (Org.). Studying the organization and delivery of health services, research methods. Londres: Routledge Publishers, 2001.), Exworthy (2008EXWORTHY, M. Policy to tackle the social determinants of health: using conceptual models to understand the policy process. Health Policy and Planning, Londres, v. 23, p. 318-327, 2008.), Raphael (2009RAPHAEL, D. Social determinants of health: Canadian perspectives. 2. ed. Toronto: Canadian Scholars’ Press Inc., 2009. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/39QTELn >. Acesso em: 7 abr. 2015.
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) e Craig, Thomas e Monroe (2015CRAIG, W.; THOMAS, L. C.; MONROE, J. A. M. The value of the “system” in public health services and systems research. American Journal of Public Health, Oxford, v. 105, n. 2, p. 147-149, 2015.), contém uma síntese das principais recomendações de formação de um conjunto de DSS para elaboração de um modelo conceitual.

Quadro 2
Síntese das recomendações para escolha de DSS

O Quadro 2 apresenta recomendações que indicam a necessidade de definição do nível de gestão e/ou do recorte geográfico, estabelecendo a abrangência dos determinantes escolhidos. A atuação sobre determinantes sociais, por exigir ações concretas de políticas entre diferentes organizações e setores, deve estar alinhada à estratégia, que envolve diferentes estruturas governamentais, organizações e setores públicos e privados, preservando coerência com o entendimento que o público leigo tem dos fatores que influenciam a saúde e o bem-estar. Por fim, recomenda-se que os DSS escolhidos permitam a exploração e a interpretação sistêmica dos seus relacionamentos, incluindo interações do sistema de saúde com outros sistemas.

A definição da escolha por um nível de gestão e/ou recorte geográfico deve ser orientada pela natureza/tipo do estudo em questão. Para Mills (2012MILLS, A. Health policy and systems research: defining the terrain; identifying the methods. Health Policy and Planning, Londres, v. 27, p. 1-7, 2012.), a análise política e histórica tende a se concentrar nos níveis meso e macro, ao passo que epidemiologia e psicologia tendem a se concentrar nos níveis meso e micro, por exemplo. Este estudo concentra seus esforços no nível meso, pois considera o município como unidade de análise à qual está limitada a inclusão de subsistemas que interagem com o sistema de saúde. Esse nível compreende o sistema de saúde local, envolvendo estruturas econômicas e sociais mais amplas, para as quais se exigem ações concretas de políticas, claramente alinhadas com as estruturas governamentais. Ato contínuo à escolha dos DSS, o próximo desafio é a elaboração do modelo conceitual no qual esses indicadores ou variáveis estarão dispostos e relacionados.

Modelo conceitual para estudos sobre DSS

O modelo conceitual proposto, embora não tenha a pretensão de substituir os modelos já existentes, sugere uma forma objetiva de interpretação simplificada, observável e aplicável de possíveis abrangências e inter-relações de DSS. O modelo resguarda influências dos modelos apresentados na seção anterior, em especial o modelo de Solar e Irwin (2007SOLAR, O.; IRWIN, A. A conceptual framework for action on the social determinants of health: discussion paper for the Commission on Social Determinants of Health DRAFT. Genebra: WHO, 2007. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/34ok31R >. Acesso em: 14 ago. 2015.
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), e considera as recomendações para escolha de variáveis de DSS apresentadas no Quadro 2.

O conjunto de DSS proposto no modelo não representa dados de rotina no nível individual e se alinha claramente com áreas ativas das políticas governamentais no nível municipal. Esses DSS representam informações sobre população, economia, investimento público e eficiência das gestões municipais; condições ambientais; infraestrutura; condições de saúde; cobertura; e produção de serviços de saúde, fornecidas pelos indicadores de mortalidade. Essas informações estão disponíveis em bancos de dados eletrônicos oficiais, com acesso aberto ao público e dispostos em séries temporais, com razoável nível de segurança e confiabilidade. São eles:

  • Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan);

  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);

  • Ministério da Saúde/Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (MS/CNES);

  • Ministério da Saúde/Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (MS/DataSUS);

  • Ministério da Saúde/Sistema de Informação de Atenção Básica (MS/Siab);

  • Ministério da Saúde/Sistema de Informações Ambulatoriais (MS/SIA);

  • Ministério da Saúde/Sistema de Informações Hospitalares (MS/SIH);

  • Ministério da Saúde/Sistema de Informações sobre Mortalidade (MS/SIM);

  • Ministério da Saúde/Sistema de Orçamento Público em Saúde (MS/Siops);

  • Ministério do Trabalho/Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (MTb/Caged);

  • Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (Mapa da Violência);

  • Secretaria do Tesouro Nacional/Finanças do Brasil (STN/Finbra).

Esses sistemas eletrônicos possuem dados em nível nacional, estadual e municipal, nos quais foi possível identificar e escolher 41 indicadores ou variáveis, conforme consta no Quadro 3, agrupados em sete dimensões à luz da literatura. A quantidade de dados úteis pode ser ampliada a partir dos próprios sistemas eletrônicos apresentados ou via identificação de outras fontes confiáveis para, em seguida, ser reduzida e agrupada, por exemplo, com uso da análise fatorial exploratória, para facilitar sua operacionalização por outros recursos matemáticos ou estatísticos.

Quadro 3
Indicadores e variáveis de DSS disponíveis em base de dados oficiais

As bases de dados consultadas apresentam, contudo, algumas limitações, já que informações importantes, que poderiam ser consideradas pelo modelo proposto, podem estar disponíveis em séries temporais limitadas e apresentar dados ausentes ou aparentemente inconsistentes, sobretudo em casos de municípios de pequeno porte, a exemplo do que acontece no Siab.

Os elementos contidos no Quadro 3 podem ser relacionados e analisados de maneira sistêmica, que é a abordagem proposta pela OMS para estudos sobre sistemas de saúde. Para a OMS, um sistema de saúde é composto por todas as organizações, pessoas e ações cuja intenção principal é promover, restaurar ou manter a saúde, o que inclui esforços para influenciar os DSS, bem como atividades mais diretas de melhoria de saúde (Pourbohloul; Kieny, 2011POURBOHLOUL, B.; KIENY, M. P. Complex systems analysis: towards holistic approaches to health systems planning and policy. Bulletin of the World Health Organization, Genebra, v. 89, n. 4, p. 242, 2011.; WHO, 2007WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Everybody’s business: strengthening health systems to improve health outcomes - WHO’s framework for action. Genebra, 2007.). Então, o pensamento sistêmico se destina a melhorar a qualidade das percepções dos elementos que compõem o sistema ou, ainda, melhorar a percepção do todo, de suas partes e as interações dentro e entre os níveis.

Nessa forma de abordagem, uma organização e seu respectivo ambiente (contexto) são vistos como um todo complexo de partes inter-relacionadas e interdependentes, em vez de entidades separadas. Com efeito, são levadas em conta as estruturas, padrões de interação, eventos e dinâmica organizacional como componentes de estruturas maiores, ajudando a antecipar em vez de reagir a eventos, além de preparar melhor para os desafios emergentes (Atun, 2012ATUN, R. Health systems, systems thinking and innovation. Health Policy Plan, Oxford, v. 27, p. iv4-iv8, 2012.; Peters, 2014PETERS, D. H. The application of systems thinking in health: why use systems thinking? Health Research Policy and Systems, Londres, p. 12-51, 2014.). Nesse contexto, é bastante promissor o interesse em promover a abordagem sistêmica como enfoque teórico para estudos na área de saúde que, de acordo com Craig, Thomas e Monroe (2015CRAIG, W.; THOMAS, L. C.; MONROE, J. A. M. The value of the “system” in public health services and systems research. American Journal of Public Health, Oxford, v. 105, n. 2, p. 147-149, 2015.), podem incluir:

  1. o sistema governamental de saúde pública (federal, estadual, tribal e agências locais e territoriais que servem como entidade governamental para a saúde pública);

  2. o sistema de saúde pública ou de uma rede de parceiros que contribuem para a saúde pública;

  3. outros sistemas e componentes estruturais da infraestrutura da saúde pública (ou seja, sistemas de informação, mão de obra); e ciência de sistema associada a explorar e compreender laços causais, dinâmicas complexas e interações.

O foco em sistema é reconhecido como de vital importância para melhorar o desempenho dos sistemas de saúde (Mays; Scutchfield, 2015MAYS, G. P.; SCUTCHFIELD, F. D. The value of the “system” in public health services and systems research (editorials). American Journal of Public Health, Oxford, v. 105, n. 2, p. S147-S149, 2015.). Pesquisas identificaram teorias, métodos e ferramentas apropriadas a estudos sobre sistemas, a exemplo de Luke e Stamatakis (2012LUKE, D. A.; STAMATAKIS, K. A. Systems science methods in public health: dynamics, networks, and agents. Annual Review of Public Health, Palo Alto, v. 33, p. 357-376, 2012.) e Willis et al. (2012WILLIS, C. D. et al. System tools for system change. BMJ Quality & Safety, Londres, v. 21, p. 250-262, 2012.). Peters (2014PETERS, D. H. The application of systems thinking in health: why use systems thinking? Health Research Policy and Systems, Londres, p. 12-51, 2014.) apresenta uma síntese do conjunto de recursos que podem ser utilizados em pesquisas na área de sistema de saúde, dependendo das características do estudo que se pretenda realizar. O modelo conceitual proposto na Figura 1, para análise dos sistemas de saúde em municípios médios brasileiros, requer uma abordagem sistêmica, a partir de métricas adequadas.

Figura 1
Modelo conceitual para análise dos sistemas de saúde em municípios brasileiros

O modelo conceitual passa a ser descrito a seguir. Sua proposta sugere o uso de métodos e ferramentas adequados ao enfoque sistêmico, no qual o sistema de relacionamentos dos elementos abrangeria todos os indicadores ao mesmo tempo. Contudo, optou-se por reforçar a importância de cada dimensão, citando estudos anteriores que utilizam métricas convencionais.

Coluna I: formada por três dimensões (contexto econômico e sociodemográfico, ambiental, e fiscal) que dizem respeito a perfil demográfico, condições de renda e empregabilidade, indicadores ambientais associados a saneamento básico e à governança, expressa no modelo por indicadores de gestão fiscal dos municípios, que é um elemento de um sistema de saúde (Savigny; Adam, 2009SAVIGNY, D.; ADAM, T. (Org.). Aplicación del pensamiento sistémico al fortalecimiento de los sistemas de salud. Alianza para la investigación en políticas y sistemas de salud. Genebra: OMS, 2009.).

Estudos com enfoque no saneamento identificam associações negativas e estatisticamente significantes entre saneamento básico (acesso a água encanada, esgotamento sanitário e coleta domiciliar de lixo) e mortalidade infantil, a exemplo de Teixeira e Guilhermino (2006TEIXEIRA, J. C.; GUILHERMINO, R. L. Análise da associação entre saneamento e saúde nos estados brasileiros, empregando dados secundários do banco de dados indicadores e dados básicos para a saúde 2003 - IDB 2003. Engenharia Sanitária e Ambiental, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 277-282, 2006.), Sousa e Leite Filho (2008SOUSA, T. R. V.; LEITE FILHO, P. A. M. Análise por dados em painel do status de saúde no Nordeste brasileiro. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 42, n. 5, p. 796-804, 2008.), Ferrari e Bertolozzi (2012FERRARI, R. A. P.; BERTOLOZZI, M. R. Mortalidade pós-neonatal no território brasileiro: uma revisão da literatura. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 46, n. 5, p. 1207-1214, 2012.) e Rasella (2013RASELLA, D. Impacto do Programa Água para Todos (PAT): sobre a morbi-mortalidade por diarreia em crianças do estado da Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p. 40-50, 2013.).

Coluna II: formada pelas dimensões investimento social e infraestrutura urbana, cujos indicadores mostram o volume das despesas municipais em políticas públicas, como proxy da atenção que as gestões municipais lhes atribuem. O próprio financiamento dos serviços de saúde também é um elemento do sistema de saúde (Savigny; Adam, 2009SAVIGNY, D.; ADAM, T. (Org.). Aplicación del pensamiento sistémico al fortalecimiento de los sistemas de salud. Alianza para la investigación en políticas y sistemas de salud. Genebra: OMS, 2009.). Além disso, as demais funções e atividades de prestação de serviços e intervenções em áreas do desenvolvimento de políticas públicas interagem com o desenvolvimento e os resultados das políticas de saúde. Em geral, espera-se que o crescimento das despesas públicas estabeleça relações significativas e negativas em relação à mortalidade (Ará et al. 2005ARÁ, O. A. et al. Health system outcomes and determinants amenable to public health in industrialized countries: a pooled, cross-sectional time series analysis. BMC Public Health, Utrecht, v. 5, n. 8, p. 1-10, 2005.; Andrade; Teixeira; Fortunato, 2014ANDRADE, S. A.; TEIXEIRA, A.; FORTUNATO, G. Influência dos gastos públicos sociais sobre o PIB dos municípios do Estado de Minas Gerais. Revista Economia & Gestão, Belo Horizonte, v. 14, n. 35, p. 112-130, 2014.; Kim; Saada, 2013KIM, D.; SAADA, A. The social determinants of infant mortality and birth outcomes in Western developed nations: a cross-country systematic review. International Journal of Environmental Research and Public Health, Basel, v. 10, n. 6, p. 2296-2335, 2013.) ou relações entre despesas, desigualdade e mortalidade infantil, a exemplo do que consta nos estudos de Bradley et al. (2011BRADLEY, E. H. et al. Health and social services expenditures: associations with health outcomes. BMJ Quality Safety, Hoboken, v. 20, n. 10, p. 826-831, 2011.) e Ramalho et al. (2013RAMALHO, W. M. et al. As desigualdades na mortalidade infantil entre municípios no Brasil de acordo com o Índice de Desenvolvimento Familiar, 2006-2008. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, v. 33, n. 3, p. 205-212, 2013.). Acrescenta-se que a importância do investimento em controle interno tem crescido no âmbito da gestão pública brasileira, quer por exigência da legislação nacional ou pela compreensão de sua importância para o êxito na execução das políticas públicas.

Coluna III: as dimensões infraestrutura e prestação de serviços de saúde dizem respeito diretamente à capacidade instalada e ao resultado em termo de produção de serviços de saúde, conforme expresso por Savigny e Adam (2009SAVIGNY, D.; ADAM, T. (Org.). Aplicación del pensamiento sistémico al fortalecimiento de los sistemas de salud. Alianza para la investigación en políticas y sistemas de salud. Genebra: OMS, 2009.). A infraestrutura de saúde está indicada pela disponibilidade de estabelecimentos de saúde e consultórios de assistência básica e especializada, além de leitos hospitalares vinculados ou não ao Sistema Único de Saúde (SUS).

A prestação de serviços de saúde pode ser muito ampla. Porém, nem todos os indicadores podem estar disponíveis em séries temporais de fontes confiáveis. Em geral, espera-se que o crescimento da assistência pública de saúde tenha um impacto negativo sobre a mortalidade. Há muitos estudos sobre a Estratégia Saúde da Família, principal programa de assistência à saúde no Brasil, como em Cavalini e Leon (2008CAVALINI, L. T.; LEON, A. C. M. P. Morbidade e mortalidade nos municípios brasileiros: um estudo multinível da associação entre indicadores socioeconômicos e de saúde. International Journal of Epidemiology, Oxford, v. 37, n. 4, p. 775-783, 2008.) e Lansky et al. (2014LANSKY, S. et al. Pesquisa Nascer no Brasil: perfil da mortalidade neonatal e avaliação da assistência à gestante e ao recém-nascido. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 30, supl., p. S192-S207, 2014.).

O modelo considera a assistência privada à saúde. Em geral, espera-se que a elevação das despesas com saúde privada reduza os gastos em saúde pública, assim como o crescimento da cobertura por planos de saúde está associado à redução dos indicadores de mortalidade. A literatura que adota a assistência privada à saúde como objeto de estudo é ampla, a exemplo de Leite (2009LEITE, F. Taxas de mortalidade entre beneficiários de planos de saúde e a população brasileira em 2004 e 2005: o que mudou? São Paulo: IESS, 2009.), Nishijima, Cyrillo e Biasoto Junior (2010NISHIJIMA, M.; CYRILLO, D. C.; BIASOTO JUNIOR, G. Análise econômica da interação entre a infraestrutura da saúde pública e privada no Brasil. Economia e Sociedade, Campinas, v. 19, n. 3, p. 589-611, 2010.), Blanchette e Tolley (2001BLANCHETTE, C.; TOLLEY, E. Public and private sector involvement in health-care systems: a comparison of OECD countries. [S.l.], 2001. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2xaahEk >. Acesso em: 4 abr. 2020.
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), Inoue, Rodrigues e Afonso (2015INOUE, J. T.; RODRIGUES, C. G.; AFONSO, L. E. Avaliação das informações de óbitos de beneficiários de planos de saúde no Brasil de 2004 a 2009. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 18., Águas de Lindóia, 2015. Anais… Águas Claras: Abep, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2XlOuUO >. Acesso em: 16 out. 2015.
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), Mou (2013MOU, H. The political economy of the public-private mix in heath expenditure: an empirical review of thirteen OECD countries. Health Policy, Londres, v. 113, n. 3, p. 270-283, 2013.) e Leal (2014LEAL, R. M. O mercado de saúde suplementar no Brasil: regulação e resultados econômicos dos planos privados de saúde. 296 f. 2014. Tese (Doutorado em Políticas Públicas) - Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2RlfiRt >. Acesso em: 10 jul. 2016.
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).

A infraestrutura pública e privada de serviços de saúde no Brasil tem foco na assistência em nível hospitalar, na medida em que a assistência no nível básico está representada pelos programas públicos de assistência e cobertura de plano de saúde. Estudos com esse enfoque geralmente identificam associações negativas e estatisticamente significantes entre a disponibilidade de infraestrutura de saúde e mortalidade. Contudo, não é sempre assim que acontece, uma vez que se registram má distribuição geográfica dos leitos hospitalares, concentração da oferta pelo setor privado via planos e seguros de saúde e até indícios de mortalidade maior nos leitos públicos, conforme Santos (2009SANTOS, I. S. O mix público-privado no sistema de saúde brasileiro: elementos para a regulação da cobertura duplicada. 186 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3e6EeWs >. Acesso em: 1 nov. 2015.
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), Santos e Amarante (2010SANTOS, N. R.; AMARANTE, P. D. C. (Org.). Gestão pública e relação público-privado na saúde. Rio de Janeiro: Cebes, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/39O0MrX >. Acesso em: 1 nov. 2015.
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) e Machado (2014MACHADO, J. P. O arranjo público-privado no Brasil e a qualidade da assistência hospitalar em São Paulo e no Rio Grande do Sul. 2014. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2014.).

Coluna IV: a dimensão mortalidade aponta para o resultado da qualidade dos serviços de saúde e, sobretudo, para o resultado das condições de saúde da população. Ará et al. (2005ARÁ, O. A. et al. Health system outcomes and determinants amenable to public health in industrialized countries: a pooled, cross-sectional time series analysis. BMC Public Health, Utrecht, v. 5, n. 8, p. 1-10, 2005.), Leite (2009LEITE, F. Taxas de mortalidade entre beneficiários de planos de saúde e a população brasileira em 2004 e 2005: o que mudou? São Paulo: IESS, 2009.), Soares e Menezes (2010SOARES, E. S.; MENEZES, G. M. S. Fatores associados à mortalidade neonatal precoce: análise de situação no nível local. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 19, n. 1, p. 51-60, 2010.) e Allanson e Petrie (2013ALLANSON, P.; PETRIE, D. Longitudinal methods to investigate the role of health determinants in the dynamics of income-related health inequality. Journal of Health Economics, Londres, v. 32, p. 922-937, 2013.) consideram a mortalidade como indicador de resultado das condições de saúde e de vida e reflexo da situação sanitária das populações. Destaca-se que as taxas de mortalidade infantil são indicadores muito importantes, na medida em que têm peso importante na expectativa de vida ao nascer e têm sido historicamente utilizadas para avaliar as condições de saúde e de vida de populações.

Considerações finais

A literatura apresenta modelos conceituais úteis para compreensão das relações e do funcionamento dos sistemas de saúde, as possíveis conexões entre os diferentes tipos de DSS e a indicação de pontos estratégicos para orientar as ações de políticas. Contudo, esses modelos são limitados em termos de manipulação das categorias conjuntamente, como variáveis matemáticas ou estatísticas, o que restringe as possibilidades de utilização em políticas públicas de saúde.

Este estudo propõe um modelo conceitual de DSS aplicável operacionalmente, a fim de subsidiar estudos e práticas de gestão em saúde pública. O esforço recorre aos modelos conceituais disponíveis na literatura para apresentar uma proposta cujas variáveis ou indicadores de DSS possam ser sistematizados e mais bem interpretados por meio de métodos quantitativos. Os dados compreendem aspectos do contexto ambiental, social, econômico, estrutural e de prestação de serviços de saúde do setor público e privado e seus efeitos sobre as condições de saúde da população. Os indicadores ou variáveis associadas ao modelo estão disponíveis em bancos de dados oficiais, em forma de séries históricas, podendo ser utilizados em diferentes tipos de métricas.

Como resultado, obteve-se um modelo que compreende áreas ativas da política governamental, com foco no sistema de saúde pública municipal e estruturas socioeconômicas no nível dos municípios brasileiros. O modelo é operacionalizável e reflexível, permitindo adaptações de acordo com a disponibilidade de dados confiáveis. Embora a proposta não tenha a pretensão de substituir os modelos já existentes, oferece uma alternativa viável para sua aplicação, de maneira que a compreensão do seu sistema de relacionamentos pode contribuir para a formulação de estratégias para o setor de saúde pública.

A indisponibilidade de dados confiáveis e suficientes referentes a aspectos genéticos e biológicos ocasionou a exclusão desses elementos do modelo. Também não foram considerados dados qualitativos. Essas características tanto indicam limitações do modelo quanto sugerem possibilidade de exploração em novos estudos.

As características de todos os modelos conceituais de referência estudados, inclusive o proposto neste estudo, deixam clara a necessidade de utilização de teorias, métodos e ferramentas apropriadas à abordagem sistêmica. Recomenda-se, portanto, que o modelo proposto seja testado com uso de recursos de inteligência artificial, a exemplo das redes bayesianas, redes neurais ou outro recurso compatível. A reprodução integral do sistema de relacionamentos entre os DSS poderá oferecer informações contextualizadas para a definição das estratégias de gestão pública de saúde no nível municipal.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2018
  • Aceito
    03 Mar 2020
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br