Análise da dinâmica de redes dos atos de concentração econômica em empresas da área da saúde no Brasil

Luana Martins Oliveira João Paulo Calembo Batista Menezes Mirian Ribeiro Márcio Augusto Gonçalves Marcio Coutinho de Souza Sobre os autores

Resumo

A promulgação da Lei nº 13.097/15 estendeu a possibilidade da participação de empresas estrangeiras na área da saúde no Brasil, até então acessível a apenas alguns setores, como o da saúde suplementar. Nesse contexto, o objetivo, no presente trabalho, foi caracterizar a dinâmica das redes de operações de atos de concentração econômica em hospitais e em planos de saúde no Brasil. Para isso, foram coletados dados nos processos disponibilizados no sítio do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), organizados a partir da estrutura societária e da origem dos investidores (estrangeira ou nacional) e analisados com a utilização de software para análise de redes. Por meio da análise dos dados, foi identificada a realização de 93 atos de concentração econômica no período de 2009 a 2017 e a participação de 12 empresas estrangeiras com origem predominante nos Estados Unidos da América. Esses atos de concentração evidenciaram a formação de uma robusta rede composta por três grupos econômicos com controle societário predominantemente estrangeiro, bem como uma latente necessidade de que sejam estabelecidas políticas para analisar os riscos e os benefícios dessa nova realidade ao mercado da saúde brasileiro. Caso contrário, colocar-se-á à sorte os potenciais reflexos no sistema de saúde brasileiro.

Palavras-chave:
Saúde; Atos de Concentração; Rede

Introdução

No sistema de saúde brasileiro, o financiamento e o provimento dos bens e serviços de saúde são realizados pelos setores público e privado, o que o caracteriza como um sistema misto (Andrade et al. 2015ANDRADE, M. V. et al. Estrutura de concorrência no setor de operadoras de planos de saúde no Brasil. Brasília, DF: Opas, 2015.).

Essa relação público-privado na prestação de serviços de saúde ao cidadão brasileiro está definida no artigo 197 da Constituição de 1988 (Brasil, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2016 [1988]. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 6 jun. 2018.
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), muito embora essa mesma Constituição defina saúde como um direito público, gratuito e universal, expandindo a complexidade do sistema. Nesse contexto, dada a participação do setor privado nos serviços de saúde, ao longo dos últimos anos essa dualidade vem tornando cada vez mais conflituosa uma relação inicialmente baseada em um “direito”, transmutado em um “produto”. Um dos principais problemas dessa complexa organização industrial com características peculiares, em comparação com outros mercados, é a forma de financiamento.

Em linhas gerais, as políticas públicas relativas ao financiamento da saúde são estabelecidas, em alguns momentos, em benefício do setor público e, em outros, em benefício do setor privado ou, até mesmo, transvestidas de benefícios recíprocos, sob a alegação de que os serviços públicos e privados são precários (Brasil, 2014BRASIL. Senado Federal. Comissão Mista da MPV 656/2014. Parecer técnico nº44, de 2014-CN. Brasília, DF, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1293518&filename=Tramitacao-PAR+44+MPV65614+%3D%3E+MPV+656/2014 >. Acesso em: 6 jun. 2018.
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). Diante de um sistema público de saúde precarizado, que não consegue disponibilizar uma assistência integral e universal de qualidade, abre-se espaço favorável para várias possibilidades de expansão do setor privado (Zocratto, 2014ZOCRATTO, K. B. F. Mercado da saúde: uma análise da oferta e demanda. Revista da AMDE, Belo Horizonte, v. 12, n. 1, p. 154-164, 2014.). Especificamente quanto à forma de financiamento do setor da saúde, dois exemplos de políticas públicas podem ser destacados. O primeiro é relativo ao mercado da saúde suplementar, e o segundo ao mercado hospitalar em geral, ambos com a participação de capital estrangeiro em comum.

Logo após a estruturação do mercado de saúde suplementar, em 1998, pela Lei no 9.656 (Brasil, 1998BRASIL. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 3 jun. 1998. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9656.htm >. Acesso em: 6 jun. 2018.
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), passados pouco mais de 10 anos da promulgação da Constituição, a Medida Provisória no 1.908-18/99 (Brasil, 1999BRASIL. Medida Provisória nº 1.908-18, de 24 de setembro de 1999. Altera a Lei no 9.656, de 3 de junho de 1998 […], e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 4 set. 1999. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/Antigas/1908-18.htm >. Acesso em: 6 jun. 2018.
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) introduziu a possibilidade de participação de empresas estrangeiras nas operadoras de planos de saúde. O artigo 199 da Constituição de 1988 (Brasil, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2016 [1988]. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 6 jun. 2018.
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) estabeleceu a necessidade de legislação específica para esse caso, o que foi, portanto, definido pela referida Medida Provisória e posteriormente solidificado na Medida Provisória no 2.177-44/01 (Brasil, 2001BRASIL. Medida Provisória nº. 2177-44, de 24 de agosto de 2001. Altera a Lei no 9.656 […] e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 24 ago. 2001. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2177-44.htm >. Acesso em: 6 jun. 2018.
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). A definição dessa política gerou uma anomalia no setor da saúde, já que, embora houvesse legislação específica via medida provisória, havia também vedação expressa quanto à participação de investidores estrangeiros na assistência à saúde, conforme estabelecia o artigo 23 da Lei no 8.080, de 1990 (Brasil, 1990BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção […] e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 19 set. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8080.htm>. Acesso em: 6 jun. 2018.).

Nesse contexto, como esclarecido pelo documento nº 002 da Procuradoria Geral Federal, de 2008, (PGF, 2008PGF - PROCURADORIA GERAL FEDERAL. Informação nº. 002/2008/PROGE/GECOS. Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://www.agu.gov.br/page/download/index/id/1550906 >. Acesso em: 18 jun. 2018.
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) seria possível haver, por exemplo, um investidor estrangeiro em uma operadora de saúde suplementar, que, por sua vez, poderia possuir um hospital em sua rede própria, mas não poderia haver hospitais que tivessem a participação direta de investimento estrangeiro. Esse contrassenso foi mantido até 2015, quando o referido artigo 23 da Lei no 8.080 foi alterado pela Lei no 13.097 (Brasil, 2015BRASIL. Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015. Reduz a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP […]; e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 19 jan. 2015. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13097.htm >. Acesso em: 18 jun. 2018.
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), permitindo a atuação irrestrita de investidores estrangeiros no mercado da saúde brasileiro.

Esse cenário de abertura do mercado a investidores estrangeiros e o crescimento do interesse no mercado da saúde em escala global impulsionaram operações de atos de concentração econômica em planos de saúde e em hospitais do país, como evidenciado por Andrade et al. (2015ANDRADE, M. V. et al. Estrutura de concorrência no setor de operadoras de planos de saúde no Brasil. Brasília, DF: Opas, 2015.) e Menezes (2019MENEZES, J. P. C. B. Fusões e aquisições, concorrência e concentração: investimento estrangeiro em saúde suplementar no Brasil. Tese (Doutorado em Administração) - Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019.). Por meio dos atos de concentração econômica, empresas privadas da área da saúde podem se organizar em rede no intuito de explorar oportunidades de mercado, reduzir custos, facilitar a alocação de recursos e expandir suas fronteiras de atuação. Em contrapartida, podem formar estruturas anticompetitivas que prejudicam o mercado. Diante disso, este trabalho fundamentou-se na seguinte questão: quais as características da dinâmica de redes dos atos de concentração econômica realizados, no período de 2009 a 2017, entre o setor de planos de saúde e o setor hospitalar no Brasil? Na importância de caracterizar a dinâmica das redes de operações de atos de concentração econômica em hospitais e planos de saúde no Brasil.

Para tanto, foram coletados dados de 2009 a 2017 nos processos disponibilizados no sítio do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), organizados a partir de estrutura societária e origem dos investidores (estrangeira ou nacional) e analisados por meio de software para análise de redes, especificamente Ucinet e NetDraw. Com base nessa análise foi possível apresentar um mapa evolutivo das operações realizadas ao longo desses anos, determinar os grupos econômicos predominantes, sua origem e as características peculiares de cada uma das transações.

Material e métodos

Trata-se de um estudo descritivo, de abordagem quantitativa, baseado em dados secundários que foram coletados no sítio do Cade, com base nos volumes de processos por ele disponibilizados. Os dados e as informações sobre os atos de concentração e as empresas envolvidas foram extraídos dos volumes dos processos que foram obtidos sistematicamente da seguinte forma: no sítio do Cade, na seção Pesquisa Processual, foram pesquisados os termos “hospital” e “saúde”, no período de 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2017, selecionando-se os seguintes itens: processos; documentos gerados e documentos externos; se o tipo de processo foi finalístico; e ato de concentração sumário (processo de decisão simplificada) e ordinário (processo de decisão com análise pormenorizada).

Os atos de concentração sumários compreendem aqueles que apresentam menor potencial ofensivo à concorrência, dada a simplicidade das operações; por sua vez, os atos ordinários são aqueles mais ofensivos à concorrência e com maior grau de complexidade da operação (Cade, 2012CADE - CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. Resolução nº 2, de 29 de maio de 2012. Disciplina a notificação dos atos de que trata o artigo 88 da Lei no 12.529, de 30 de novembro de 2011, prevê procedimento sumário de análise de atos de concentração e dá outras providências. 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.cade.gov.br/assuntos/normas-e-legislacao/resolucao/resolucao-2_2012-analise-atos-concentracao.pdf/view >. Acesso em: 30 set. 2017.
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). “Atos de concentração se justificam, do ponto de vista empresarial, pela perspectiva de exploração de sinergias econômicas e financeiras entre as empresas e pela expectativa de maiores excedentes para as requerentes após a operação” (Cade, 2016CADE - CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. Guia para análise de atos de concentração horizontal. Brasília: Departamento de Estudos Econômicos, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-para-analise-de-atos-de-concentracao-horizontal.pdf?_ga=2.6482610.1685238981.1610628269-285367626.1598541266 >. Acesso em: 14 jan. 2021.
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, p. 45).

Os dados coletados foram organizados em planilhas eletrônicas e a análise da dinâmica de redes foi realizada por meio do Software Ucinet e NetDraw.

Para a análise da Dinâmica de Redes, o banco de dados foi formado por 211 empresas e três pessoas físicas que realizaram atos de concentração econômica no Brasil, no período de 2009 a 2017, envolvendo hospitais e/ou planos de saúde. Embora não tenha sido o escopo do presente trabalho abordar aspectos relativos à Teoria das Unidades de Decisão, proposta por Hermann e Hermann (1989HERMANN, M. G.; HERMANN, C. F. Who makes foreign policy decisions and how: an empirical inquiry. International Studies Quarterly, Oxford, v. 33, n. 4, p. 361-387, 1989.), os atores foram tratados inicialmente como unidades operacionais, e posteriormente foram identificadas as unidades de decisão por meio dos nós, que por sua vez controlam as unidades operacionais no seu vínculo. Para a caracterização da rede foram calculados os indicadores densidade, distância média, grau de centralidade e grau de intermediação, descritos por Alejandro e Norman (2005), conforme se observa no Quadro 1.

Quadro 1
Indicadores para caracterização da rede

Para o cálculo dos indicadores no Ucinet e a geração dos gráficos no NetDraw, foram elaboradas matrizes relacionais binárias em planilhas eletrônicas. Exemplifica-se a construção dessas matrizes relacionais da seguinte forma: na célula A3, caso a empresa X (coluna) tivesse realizado ato de concentração econômica com uma empresa Y (linha), a célula A3 era indicada com o número 1. Caso contrário, era indicado o número zero.

Ao realizar a análise da dinâmica de redes, das 211 empresas e três pessoas físicas, foi possível definir os atores principais envolvidos das operações e suas ligações, sendo que uma rede possui dois elementos principais, os “nós” (ou atores) e o vínculo. Os nós/atores, são pessoas ou grupos de pessoas que se agrupam com um objetivo comum. O vínculo são os laços que existem entre dois ou mais nós/autores, que são representados por linhas (Ghiradini, 2015GHIRADINI, P. P. B. Regressão diferenças em diferenças: uma análise de fusões no setor hospitalar brasileiro. 2015. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Economia) - Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Ciência da Informação e Documentação, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2015.).

Nesta pesquisa, os “nós” são as empresas e os vínculos são os atos de concentração que foram realizados entre hospitais e/ou planos de saúde, de 2009 a 2017, que tiveram as operações submetidas à avaliação do Cade. Também se caracterizam como vínculo empresas que fazem parte de um mesmo grupo econômico. Dessa forma, uma linha entre dois atores (empresas) configura que elas participaram de um mesmo ato de concentração ou fazem parte do mesmo grupo econômico. Por exemplo, na Figura 1, a Bradesco Dental realizou um ato de concentração com a Odontoprev, o que estabeleceu uma ligação entre estas empresas; já a Amil e a Amico têm uma ligação, uma vez que a Amico faz parte da Amil.

Figura 1
Rede de empresas que realizaram operações, 2009

No que se refere às cores adotadas nos mapas, o preto indica as empresas “compradoras”, ou seja, que adquiriram participação/carteira em outras empresas ou realizaram a solicitação da operação junto ao Cade, se configurando como a mais interessada na realização da operação; o branco indica as empresas “vendedoras”, sendo aquelas que estavam vendendo participação, carteira ou emitindo debêntures, também denominadas empresas “objeto da operação”, pelo Cade, nos volumes dos processos; por fim, a cor preta, na Figura 11, indica aquelas empresas que, em sua origem, são estrangeiras. Dados os esclarecimentos iniciais, faz-se a apresentação dos resultados e das discussões.

Figura 2
Rede de empresas que realizaram operações, 2010

Figura 3
Rede de empresas que realizaram operações, 2011

Figura 4
Rede de empresas que realizaram operações, 2012

Figura 5
Rede de empresas que realizaram operações, 2013

Figura 6
Rede de empresas que realizaram operações, 2014

Figura 7
Rede de empresas que realizaram operações, 2015

Figura 8
Rede de empresas que realizaram operações, 2016

Figura 9
Rede de empresas que realizaram operações, 2017

Figura 10
Rede de empresas que realizaram operações - grau de centralidade, 2009 a 2017

Figura 11
Rede de empresas que realizaram operações - capital estrangeiro, 2009 a 2017

Resultados e discussões

Foram identificados 100 atos de concentração econômica em hospitais e em planos de saúde, no Brasil, no período de 2009 a 2017, dos quais foram retirados aqueles que não foram consumados pelas empresas e os que foram reprovados e não reconhecidos pelo Cade, num total de 93. Os anos em que houve maior número de operações foram 2010, 2012 e 2015. Em 2009 registrou-se o menor número de operações, apenas cinco, como se pode observar na Tabela 1.

Tabela 1
Atos de concentração econômica em hospitais e planos de saúde, por ano

Constatou-se que a maioria das operações realizadas de 2009 a 2017 foi aprovada pelo Cade sem restrições, 79 (85%) e 14 (15%) aprovadas com restrições, fator que pode ser favorável para aumentar a concentração econômica no setor da saúde. A realização de atos de concentração econômica fortalece uma empresa, uma vez que essas operações trazem vantagens, como a redução de custos, a ampliação da infraestrutura e o aumento dos lucros (Hitt; Ireland; Harrison, 2001HITT, M. A.; IRELAND, R. D.; HARRISON, J. S. Mergers & acquisitions: a guide to creating value for stakeholders. Oxford: Oxford University Press, 2001.).

Ao se verificar a origem das empresas envolvidas nas operações, a maior parte estava concentrada no estado de São Paulo, representando 49%, seguido pelo Rio de Janeiro, representando 22% e Pernambuco, representando 10%. A partir destas informações, pode-se perceber que as empresas que mais realizaram atos de concentração econômica no período estudado estavam localizadas na região sudeste (72%).

Em 2009 foram realizados cinco atos de concentração econômica, sendo quatro aprovados sem restrições pelo Cade e um aprovado com restrições. Desses, dois foram classificados como ordinários e três como sumários. Quanto ao tipo de operação, foram três aquisições de participação, uma aquisição de carteira e uma incorporação, que envolveram 11 empresas, como se observa na Figura 1.

Uma operação destacou-se em 2009, quando a Amil Assistência Médica Internacional, operadora de planos de saúde de assistência médica, hospitalar e odontológica, adquiriu participação em duas empresas, a Medial Participações e a Medial Saúde, que também atuavam como operadoras de planos de saúde de assistência médica, hospitalar e odontológica.

Ao analisar o ano de 2010, percebeu-se que a quantidade de atos de concentração mais que dobrou, quando comparada com a que ocorreu no ano de 2009, saltando de cinco para 13. Houve 10 atos aprovados sem restrições pelo Cade e três aprovados com restrições, quatro classificados como ordinários e nove como sumários, tendo todos sido aquisição de participação. Na Figura 2 é possível verificar que 29 empresas foram envolvidas.

A FMG Empreendimentos Hospitalares esteve envolvida em cinco atos de concentração econômica com 12 empresas, no ano de 2010, conforme demonstrado na Figura 2. Também no ano de 2010 identificou-se a entrada de investimentos estrangeiros no país, quando o The Carlyle Group, uma holding administradora de ativos dos Estados Unidos com atuação global, adquiriu participação na Qualicorp Participações, que atua como operadora de planos de saúde coletivos.

A Amil Assistência Médica Internacional foi a única empresa a realizar atos de concentração nos anos de 2009 e 2010, ampliando sua atuação a cinco empresas, sendo ASL Assistência à Saúde, Ceame Centro Especializado de Atendimento Médico, Excelsior Med, Medial Saúde e Medial Participações. A partir dessas aquisições, a Amil Assistência Médica Internacional expandiu sua participação nos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e São Paulo.

Ocorreram 12 atos de concentração no ano de 2011, sendo oito aprovados sem restrições pelo Cade e quatro aprovados com restrições. Todos foram classificados como sumário quanto ao tipo de operação, sendo 10 aquisições de participação e duas cessões de direitos, que envolveram 31 empresas, como apresentado na Figura 3.

Qualicorp, Qualicorp Corretora de Seguros e Qualicorp Administradora de Benefícios faziam parte do Grupo Qualicorp, que foi adquirido, em 2010, pelo grupo The Carlyle e realizaram três operações, em 2011, que envolveram sete empresas, ampliando sua atuação nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, nas atividades de planos de saúde.

Também em 2011, a Rede D’Or São Luiz, grupo de empresas que atuam na prestação de serviços hospitalares, realizou três operações que envolveram cinco empresas, uma delas a Oncotech Oncologia, que também realizou uma operação com seis empresas de atividades hospitalares, ampliando a atuação nos estados do Rio de Janeiro e Rondônia. Duas empresas que já pertenciam ao Grupo Rede D’Or São Luiz, o Hospital Norte D’Or de Cascadura e o Centro de Tratamento em Oncologia, realizaram duas operações. O Hospital Norte D’Or de Cascadura adquiriu participação na Unimed-Rio Participações e Investimentos, que integra a rede de cooperativas Unimed.

Em 2012, foram registradas 15 operações que tiveram seis delas aprovadas sem restrições pelo Cade e nove aprovadas com restrições. Quanto à classificação, quatro operações foram classificadas como ordinárias e 11 como sumárias. Quanto ao tipo, foram duas aquisições de carteira, 11 aquisições de participação, uma cessão de direito e uma emissão de debêntures que, conforme se verifica na Figura 4, envolveram 42 empresas.

Os planos de saúde e hospitais, durante o período analisado, realizaram atos de concentração com empresas de várias atividades, ampliando o portfólio de serviços e produtos, o que indica uma busca por maior verticalização.

Também em 2012, as empresas controladas, até então, por Edson de Godoy Bueno, a LAF - Empresa de Serviços Hospitalares, Carpevie - Centro de Medicina Integrada, EGB 01 Empreendimentos e Participações e ESHO - Empresa de Serviços Hospitalares, realizaram três operações.

Vale destacar que, em 2012, verificaram-se investimentos estrangeiros por meio de uma operação na qual a Oncoclínicas do Brasil Serviços Médicos realizou a emissão de debêntures para o VSAP 21 Fundo de Investimento em Participações, de origem canadense, que atua na aquisição de ações, debêntures, bônus de subscrição e outros títulos em outras companhias, de acordo com o interesse de seus acionistas, e faz parte do grupo Victoria Capital Partners.

Em 2013 ocorreram 10 operações, todas aprovadas sem restrições pelo Cade, tendo três sido classificadas como ordinárias e sete como sumárias. Quanto ao tipo de operação, foram quatro aquisições de carteira, quatro aquisições de participação e duas associações de empresas, que envolveram 20 empresas, como demonstrado na Figura 5.

Por estar envolvida em 50% das operações, a rede de cooperativas Unimed se destacou em 2013. Ela realizou quatro aquisições de carteira e uma associação de empresas. A Unimed Odonto realizou duas operações, adquiriu a carteira de planos de assistência odontológica da Unimed Vitória e da Unimed Recife. Mesmo após a operação, a Unimed Vitória e a Unimed Recife continuaram a existir no mercado de planos de saúde, exceto em planos odontológicos.

O grupo UnitedHealth, dos Estados Unidos, que atua na operação de planos de saúde e na prestação de serviços médico-hospitalares, adquiriu o controle da Amil Assistência Médica Internacional em 2012, porém, essa operação não integrou o escopo do trabalho, uma vez que não foi submetida à avaliação do Cade por não ter atingido os requisitos legais de notificação. Ainda assim, se trata de uma informação importante para o mercado da saúde no Brasil, tendo em vista que a Amil Assistência Médica Internacional era um grupo com grande atuação, com mais de 26 empresas na área da saúde e que estava diretamente ligada ao Grupo EB, que também possui várias empresas neste mercado, ambas controladas, até então, por Edson de Godoy Bueno.

Também no ano de 2013, mais uma empresa estrangeira realizou investimentos no mercado da saúde no Brasil. A Swiss Re Direct Investments Company, da Suíça, que pertencia ao grupo Swiss Re e opera em âmbito mundial como fornecedora de resseguros, seguros e de outras formas de transferência de riscos baseada em seguros, adquiriu participação na SulAmérica, que oferece diversos produtos e serviços, incluindo seguros, planos de previdência privada, gestão de ativos, planos de saúde e serviços de assistência à saúde.

No ano de 2014 houve mais reduções no número de operações, saindo de 10, em 2013, para apenas seis, em 2014. Todas as operações de 2014 foram aprovadas sem restrições pelo Cade, todas classificadas como atos sumários, sendo cinco aquisições de participação e uma incorporação, que envolveram 18 empresas, como apresentado na Figura 6.

A partir dos dados da Figura 6, verifica-se que as operações realizadas no ano de 2014 se concentraram apenas em quatro empresas: Caixa Seguros Holding, Qualicorp, Rede D’Or São Luiz e Bain Capital Brasil Participações.

A empresa Bain Capital Partners, dos Estados Unidos, empresa global de investimento privado que administra diversos investimentos de capital, incluindo private equity, venture capital, investimento público, produtos de crédito e investimentos de retomo absoluto, adquiriu participação, por intermédio da Bain Capital Brasil Participações no Brasil, na Intermédica Sistema de Saúde, na Interodonto - Sistema de Saúde Odontológica e na Notre Dame Seguradora, que faziam parte do grupo Notre Dame Intermédica, operadora de assistência privada à saúde que ofertava planos médico-hospitalares no Brasil, com foco em pacotes corporativos para pequenos, médios e grandes clientes.

Em 2015, foram realizadas 13 operações, todas aprovadas sem restrição pelo Cade, sendo uma classificada como ato ordinário e 12 como ato sumário. Quanto ao tipo de operação, foram uma aquisição de carteira e 12 aquisições de participação, que envolveram um total de 37 empresas, como apresentado na Figura 7.

No ano de 2015 verificou-se o maior número de investimentos estrangeiros no mercado da saúde no Brasil, com a realização de quatro operações, como se descreve a seguir.

A Broad Street Principal Investments, dos Estados Unidos, uma sociedade do grupo Goldman Sachs, adquiriu participação na Oncoclínicas do Brasil Serviços Médicos, do grupo Oncoclínicas.

A partir de uma operação, a AXA Corporate Solutions Brasil e América Latina Resseguros, da França, do grupo AXA, adquiriram participação na SulAmérica Companhia Nacional de Seguros, do grupo Sulasa.

A Pacific RDSL Participações, de Singapura, gerida pelo grupo GIC Ventures, adquiriu participação na Rede D’Or São Luiz.

Na quarta operação, a Carlyle Hill South America Buyout Fund, a America Hill do Sul Investimentos, a SA Partners Hill, a Brazil Hill Buyout Coinvestment e o Fundo Brasil de Internacionalização de Empresas - FIP 11, dos Estados Unidos, fundos de investimento do grupo The Carlyle, adquiriram participação na Tempo Participações, que pertencia ao grupo Tempo.

No ano de 2016 foram realizadas nove operações, todas aprovadas sem restrições pelo Cade, além de seis atos ordinários e três sumários, sete aquisições de participação e duas cessões de direito, totalizando 30 empresas, como apresentado na Figura 8.

Verificou-se uma redução nas operações em 2016, concentradas em três grupos, sendo na Rede D’Or São Luiz, no GIF V Fundo de Investimento em Participações e no grupo de empresas controladas pela Amil, que integra o Fundo de Investimentos em Participações Genoma I, Esho - Empresa de Serviços Hospitalares, Amil Assistência Médica Internacional e Hospital Alvorada Taguatinga.

Foram identificadas 10 operações no ano de 2017, todas aprovadas sem restrições pelo Cade, tendo três atos sido classificados como ordinários e sete como sumários. Quanto ao tipo de operação, foram realizadas nove aquisições de participação e uma aquisição de carteira que, como destacado na Figura 9, envolveram 32 empresas.

Em 2017 se destacaram a Rede D’Or São Luiz e a Notre Dame Intermédica Saúde, que participaram de três operações cada. A Abaporu Participações e o Fundo de Investimento em Participação Abaporu, ambos do grupo Cyrela, participaram de duas operações.

Durante o período pesquisado (2009 a 2017) foram realizados 93 atos de concentração econômica que envolveram 211 empresas e três pessoas físicas. Na Figura 10 observa-se que, durante o período pesquisado, três grupos se consolidaram no mercado de hospitais e planos de saúde no Brasil, sendo a Rede D’Or São Luiz, a Amil Assistência Médica Internacional e a Qualicorp.

Além de se verificarem operações horizontais de hospitais e planos de saúde, também foram identificadas operações verticais entre hospitais e/ou planos de saúde com empresas de outros serviços da área da saúde. Além disso, houve operações de conglomerado, aquelas realizadas com mercados não relacionados (Angeli; Maarse, 2012ANGELI, F.; MAARSE, H. Mergers and acquisitions in Western European health care: Exploring the role of financial services organizations. Health Policy. Amsterdam, v. 105, n. 2, p. 265-272, 2012.; Ross; Westerfield; Jordan, 2016ROSS, S. A.; WESTERFIELD, R.; JORDAN, B. D. Fundamentals of corporate finance. McGraw-Hill Education, 2016.).

Analisando-se a distância média entre os atores, verifica-se que, em média, um ator está a 6,23 atores de outro ator na rede. Isso significa que a distância entre qualquer ator na rede é de 6,23 atores e, quanto menor esse valor, mais próximos são os atores de uma rede. A Densidade da Rede foi de 0,011, ou seja, existem 1,1% de relações do número de relações possíveis na rede, ou, ainda, de todas as ligações possíveis na rede, existem 1,1% de ligações. Quanto maior esse resultado, mais densa é uma rede.

O grau de centralidade consiste no número de atores com os quais um ator está diretamente ligado, demonstrando a influência e o poder de um ator sobre outros (Ghiradini, 2015GHIRADINI, P. P. B. Regressão diferenças em diferenças: uma análise de fusões no setor hospitalar brasileiro. 2015. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Economia) - Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Ciência da Informação e Documentação, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2015.). As 10 empresas com maior grau de centralidade estabeleceram ligações com 36% das empresas da rede. A Rede D’Or São Luiz apresentou o maior grau de centralidade (54), ou seja, ela tem influência direta sobre 13% dos atores da rede. Na Tabela 2 estão listadas as 10 empresas que registraram maior grau de centralidade na rede que foi formada a partir dos atos de concentração de 2009 a 2017, que envolveram hospitais e planos de saúde.

Tabela 2
Grau de Centralidade

O grau de intermediação considera a importância de cada ator nas ligações que são estabelecidas na rede; é a distância entre os atores, a possibilidade que um ator tem de intermediar as comunicações entre os pares (Ghiradini, 2015GHIRADINI, P. P. B. Regressão diferenças em diferenças: uma análise de fusões no setor hospitalar brasileiro. 2015. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Economia) - Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Ciência da Informação e Documentação, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2015.). As 10 empresas com maior grau de intermediação estão listadas na Tabela 3.

Tabela 3
Grau de Intermediação entre os Autores

A Rede D’Or São Luiz apresentou maior grau de intermediação, com 22%, sendo seguida pela Unimed - Rio Participações, com 12%; o Hospital Norte D’Or de Cascadura e a Rede Unimed, com 11%. Dessa forma, essas empresas se caracterizaram como atores “ponte” entre as empresas.

A Rede D’Or São Luiz apresenta o maior grau de intermediação por estar diretamente e/ou indiretamente ligada a várias empresas da rede, uma vez que participou de atos de concentração de forma direta, com 54 empresas, e participou de forma indireta de seis operações, por meio das empresas de seu grupo. Como exemplo, em 2017 o Hospital Esperança (pertencente à Rede D’Or) adquiriu participação em três empresas do Grupo UDI, sendo UDI Cárdio, UDI Imagem e UDI Hospital.

O Hospital Norte D’Or de Cascadura ficou em segundo lugar, com 12% de intermediação, por ser o ator “ponte” entre a Rede D’Or São Luiz e a Rede Unimed. O Hospital Norte D’Or de Cascadura (pertencente à Rede D’Or) adquiriu participação na Unimed - Rio Participações, em 2011.

Analisando a participação do capital estrangeiro, com base na Figura 11, observa-se que os principais grupos da rede têm investimento estrangeiro e que praticamente toda a rede apresenta influência direta ou indireta de capital estrangeiro.

A Pacific RDSL Participações, de Singapura, gerida pelo grupo GIC Ventures, foi um dos principais atores internacionais, pois, em 2015, adquiriu participação no maior grupo da rede, a Rede D’Or São Luiz. A The Carlyle Group também se destaca, pois adquiriu outros dois grupos de destaque na rede, o Qualicorp, em 2010 e o Tempo Participações, em 2015. Embora não tenha sido analisada pelo Cade, foi possível identificar também a entrada do grupo UnitedHealth, por ter adquirido o controle da Amil Assistência Médica Internacional, em 2012.

Em linhas gerais, no que tange à participação do capital estrangeiro na área da saúde, os resultados são similares aos de Outreville (2007OUTREVILLE, J. F. Foreign direct investment in the health care sector and most-favoured locations in developing countries. The European Journal of Health Economics, New York, v. 8, n. 4, p. 305-12, 2007.) e Angeli e Maarse (2012ANGELI, F.; MAARSE, H. Mergers and acquisitions in Western European health care: Exploring the role of financial services organizations. Health Policy. Amsterdam, v. 105, n. 2, p. 265-272, 2012.), uma vez que também foi possível identificar que predominam operações transfronteiriças realizadas por empresas dos Estados Unidos, país este que também lidera, em escala mundial, o número de operações de fusões e aquisições, de acordo com Unctad (2017UNCTAD. Annex table 11. Number of cross-border M&As by region/economy of seller, 1990-2016. In: World Investment Report 2017: Investment and the Digital Economy. Geneva: United Nations Publication, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://unctad.org/search?keys=Number+of+cross-border+M%26As+by+region%2Feconomy+of+seller >. Acesso em: 15 jan. 2018.
https://unctad.org/search?keys=Number+of...
).

Com base nos dados apresentados na Figura 11, pode-se verificar a formação de uma rede com 214 atores, agrupados em três grupos principais, Rede D’Or São Luiz, Amil Assistência Médica Internacional e Qualicorp. A Rede D’Or São Luiz apresentou o maior grau de centralidade e intermediação, ou seja, foi o ator com maior influência, poder e importância na rede, exercendo influência direta em 13% dos atores da rede.

As empresas que mais se movimentaram para a realização de atos de concentração no mercado de hospitais e planos de saúde foram a Rede D’Or São Luiz, a Amil Assistência Médica Internacional e a Qualicorp, todas com participação de investidores estrangeiros.

Verificou-se que estes grupos concentraram os investimentos nas regiões mais populosas do país, com maior renda e com maior cobertura de planos de saúde. Por meio da análise de rede, percebe-se que estas empresas ampliaram e diversificaram sua atuação no mercado, o que pode aumentar sua influência e, especificamente, seu poder, este último destacado, inclusive, pelo próprio Cade (2018CADE - CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. Cadernos do Cade: Atos de concentração nos mercados de planos de saúde, hospitais e medicina diagnóstica. Brasília, DF: Departamento de Estudos Econômicos, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/publicacoes-dee/cadernos-do-cade-atos-de-concentracao-nos-mercados-de-planos-de-saude-hospitais-e-medicina-diagnostica.pdf >. Acesso em: 26 set. 2018.
http://www.cade.gov.br/acesso-a-informac...
).

Essa forte presença de investidores estrangeiros na saúde pode representar riscos e benefícios. Como benefícios, podem-se destacar as considerações de Smith (2004SMITH, R. D. Foreign direct investment and trade in health services: a review of the literature. Social Science & Medicine, Amsterdam, v. 59, n. 11, p. 2313-2323, 2004.), que apresenta o investimento estrangeiro como uma fonte livre de custo, o que pode representar recursos adicionais, desde que regulados, para a melhoria da qualidade e da eficiência dos serviços, liberando recursos públicos para outros segmentos da saúde, muito embora essa melhoria esteja condicionada a um incremento da capacidade produtiva atual.

Em termos de riscos, o referido autor salienta o fato de as grandes corporações, com melhor fluxo financeiro, criarem um deslocamento de profissionais da saúde do setor público para o setor privado, tornando-se um sistema ainda mais polarizado, que alocará mais recursos aos ricos em detrimento das classes pobres e, até mesmo, forçar a realocação de gastos públicos vultosos para equiparar desigualdades do setor público em decorrência da forte presença de capitais privados (Smith, 2004SMITH, R. D. Foreign direct investment and trade in health services: a review of the literature. Social Science & Medicine, Amsterdam, v. 59, n. 11, p. 2313-2323, 2004.).

Em concordância, Scheffer (2015SCHEFFER, M. O capital estrangeiro e a privatização do sistema de saúde brasileiro. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, p. 663-666, 2015.) salienta que o aumento de investimentos estrangeiros e a valorização do setor privado de saúde promovem uma concorrência desleal com o setor público, abrindo espaço para a formação de um sistema “segmentado, incapaz de assegurar o acesso a todos os níveis de atenção, em todas as regiões, inclusive nos vazios sanitários e para populações vulneráveis e negligenciados” (Scheffer, 2015SCHEFFER, M. O capital estrangeiro e a privatização do sistema de saúde brasileiro. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, p. 663-666, 2015., p. 664), pois é onde o setor privado não tem interesse, por oferecer menor retorno financeiro.

Nesse sentido, as considerações de Outreville (2007OUTREVILLE, J. F. Foreign direct investment in the health care sector and most-favoured locations in developing countries. The European Journal of Health Economics, New York, v. 8, n. 4, p. 305-12, 2007.) também coadunam no fato de a capacidade desse tipo de investimento fortalecer ou enfraquecer o sistema de saúde, sendo propenso a contribuir fortemente para a segmentação do mercado, concentrando-o nos segmentos de maior renda.

Isto posto, dadas as alterações na política pública da saúde, no que tange à permissibilidade de investimentos estrangeiros, tanto na saúde suplementar quanto no mercado da saúde como um todo, é urgente que sejam estabelecidas políticas para analisar esses riscos e benefícios ao país.

Considerações finais

O objetivo geral, neste trabalho, foi caracterizar a dinâmica das redes de operações de atos de concentração econômica em hospitais e planos de saúde no Brasil. Foram identificados 93 atos de concentração econômica que envolveram hospitais e/ou planos de saúde, no período entre os anos de 2009 e 2017.

Desses 93 atos de concentração, constatou-se a participação de 211 empresas e três pessoas físicas nos atos de concentração econômica. Verificou-se que nove empresas participaram de 66% das operações realizadas, sendo a Rede D’Or São Luiz, em uma análise individualizada, responsável por 22% dessas operações, e que passou a ser controlada pelo grupo estrangeiro GIC Ventures, de Singapura. Constatou-se que a maioria das operações realizadas foi aprovada pelo Cade sem restrições, fator que pode ser favorável para aumentar a concentração econômica no setor da saúde.

Quanto à dinâmica de redes, a partir da base de dados, verificou-se uma rede com três grandes grupos, em que a Rede D’Or São Luiz, a Amil Assistência Médica Internacional e a Qualicorp, que são controladas por grupos estrangeiros, apresentam o maior Grau de Centralidade, ou seja, são as empresas que têm o maior número de ligações na rede.

Neste sentido, é possível compreender os reflexos da abertura do mercado da saúde brasileiro a investidores estrangeiros, a predominância de operações de aquisições de empresas por estes grupos e a latente necessidade de que sejam estabelecidas políticas para analisar os riscos e os benefícios dessa nova realidade para o mercado da saúde brasileiro, para que eventuais reflexos no sistema de saúde sejam previamente contingenciados. Embora os desdobramentos dessas operações na saúde do brasileiro ainda não tenham sido mensurados pela comunidade científica, os apontamentos de Filippon (2015) e Hiratuka, Rocha e Sarti (2016HIRATUKA, C.; ROCHA, M. A. M.; SARTI, F. Mudanças recentes no setor privado de serviços de saúde no Brasil: internacionalização e financeirização. In: GADELHA, P.; NORONHA, J. C.; DAIN, S.; PEREIRA, T. R. (Org.). Brasil saúde amanhã: população, economia e gestão. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2016.) evidenciam a importância de discussões acerca dessa política econômica adotada e os desafios que ela representa.

Nesta pesquisa, a análise limitou-se ao mapeamento dos atos de concentração na área da saúde, especificamente planos de saúde e hospitais, dos anos de 2009 a 2017, com análise da versão pública dos processos disponibilizados na base do Cade, não tendo sido analisados os contratos celebrados entre as partes interessadas. Também como limitação, cita-se a não verificação do valor das operações, por ser uma informação confidencial, na maioria dos processos disponibilizados pelo Cade.

Na oportunidade, salienta-se que pesquisas futuras podem ser conduzidas com a proposta de verificar impactos nessa organização industrial, sua estrutura, conduta e desempenho, bem como reflexos nos preços e na qualidade dos serviços ofertados por empresas objeto de ato de concentração econômica.

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Apêndice I - Relação dos atos de concentração econômica em hospitais e/ou planos de saúde de 2009 a 2017

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    11 Jun 2020
  • Revisado
    21 Jan 2021
  • Aceito
    24 Fev 2021
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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