Tudo pela hora da morte! História, epidemias e desigualdades11Este trabalho é desdobramento das discussões presentes na dissertação de mestrado “Entre alcunhas, altares e alcovas: a gripe espanhola na boca do Sertão Paulista. Botucatu, 1918”, articuladas com atual pesquisa de doutorado “Dos fios nas fibras, dos rastros nas fímbrias: a Gripe Espanhola no sertão paulista. Botucatu-SP, 1918-1938”. Bolsista de Doutorado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ)

Anna Cristina Rodopiano de Carvalho Ribeiro Maria Cristina da Costa Marques Sobre os autores

Resumo

Assentado na interlocução entre os campos da História e da Saúde Coletiva e provocado pela historicidade do tempo presente, este artigo propõe avanços epistêmicos na discussão sobre o término das epidemias. Para tanto, se vale de operação historiográfica em vasto corpo documental, para apontar os impactos decorrentes da Gripe Espanhola de 1918 em Botucatu, cidade do interior paulista, na perspectiva do aprofundamento das desigualdades presentes nesta localidade nas décadas subsequentes à epidemia. Conclui apontando que, para além dos efeitos imediatos provocados pelo fenômeno epidêmico, ao arrefecer na dimensão biológica, a epidemia de Gripe Espanhola seguiu seu curso, alterando condicionantes sociais e culturais, bem como incidindo sobre estruturas sócio-históricas e em nossa corporeidade, tornando-se acontecimento histórico de longa duração. Desta forma, pode-se depreender que a compreensão das forças históricas que operam nos avanços e recuos em Saúde Coletiva podem alavancar enfrentamentos concretos às iniquidades, junto à retomada de um projeto civilizatório de transformação social no país, assentado na democracia, na justiça social e na defesa radical da vida.

Palavra-chave:
Epidemias; Influenza pandêmica 1918-1919; Saúde pública/história; Desigualdades

Introdução

Laurie Garrett (1995GARRETT, L. A próxima peste: novas doenças num mundo em desequilíbrio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1995., p. 15-22; 561-586), em suas reflexões sobre as doenças, os rumos da humanidade e a falácia do progresso linear, questiona ao campo da ciência quais as lentes utilizadas para olhar os fenômenos, ao passo que propõe a compreensão de fenômenos específicos da saúde sob a ótica das transformações sociais lentas e imperceptíveis, em que o desafio persistente do mundo microbiano coloca em xeque o poder da espécie humana, nos instigando deslocamentos sobre a forma de pensar e interpretar as instituições e as realizações científicas.

Em outra obra, Garrett (2000GARRETT, L. Epilogue. In: GARRETT, L. Betrayal of Trust. The colapse of global public health. New York: Hypereon; 2000. p. 551-581), ainda interessada na relação saúde pública - ciência - tecnologia, traz à baila a dinâmica de constrangimentos e oportunidades para a criação de micro-organismos em interface com a ecologia socialmente produzida e conexa ao processo de globalização, como os rasgos nas barreiras sanitárias, políticas, econômicas e sociais presentes em um novo materialismo, utilizando as seguintes perguntas para provocar o debate no leitor: onde erramos? Por que o senso coletivo desapareceu? Convocando-nos a ressituar a Saúde Pública como campo científico e político no mundo moderno com marcos teórico-conceituais, práticas, políticas e serviços correspondentes à etapa do seu desenvolvimento histórico-social e científico, problematizando suas transformações e identificando os nós de transição em tensionamento com a dimensão social.

Para Paim e Almeida Filho (1998PAIM, J. S.; ALMEIDA FILHO, N. Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas? Revista Saúde Pública, São Paulo, v. 32, n. 4, p. 299-316, 1998., p. 310), “a análise das relações entre ciências sociais, a vida cotidiana e as ciências naturais, ao mesmo tempo em que examina a constituição dos sujeitos sociais, pode localizar [na Saúde Coletiva] uma ‘nova positividade’, tanto na militância sociopolítica, quanto na incorporação tecnológica”.

Nessa medida, a interlocução teórica entre a História e a Saúde Coletiva corrobora com o fortalecimento de análises sobre a construção do campo da Saúde e de suas estratégias científicas e políticas de legitimação, qualificando o debate sobre a produção social das doenças e seus aspectos simbólico, ético e político, reconhecendo a saúde como objeto, conceito e prática (Mota, Schraiber, 2014MOTA, A.; SCHRAIBER, L. B. Medicina sob as lentes da História: reflexões teóricometodológicas. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 1085-1094, 2014. DOI: 10.1590/1413-81232014194.16832013
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; Nunes, 1994NUNES, E. D. Saúde coletiva: história de uma ideia e de um conceito. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 5-21, 1994. DOI: 10.1590/S0104-12901994000200002
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, p. 20; Breilh, 2016BREILH, J. De la historiografia descriptiva de la medicina a la historia crítica de la salud colectiva. In: BREILH, J. Espejo, adelantado de la ciencia crítica: una “antihistoria” de sus ideas em salud. Quito: Universidad Andina Simón Bolívar; Corporación Editora Nacional, 2016. p. 17-34. v. 5.). O que, ao fim e ao cabo, possibilita apreender e articular processos em saúde nas inflexões, continuidades, valores da coletividade e zonas limítrofes onde se assentam, se desenvolvem e se institucionalizam discursos, terapêuticas e organizações na vida social (Mota, Marques, 2018MOTA, A.; MARQUES, M. C. da C. (Org.). História, saúde coletiva e medicina. São Paulo: Hucitec ; 2018.).

Tal interlocução tem se mostrado peculiarmente profícua diante da pandemia de covid-19, que tem nos lançado não só em uma emergência sanitária e humanitária, mas em uma crise política e civilizatória. Uma crise que, para Preciado (2020PRECIADO, P. B. Aprendiendo del virus. In: AGAMBEN G, et al. Sopa de Wuhan. Barcelona: ASPO, 2020. p. 163-185., p. 173), jogará no centro do debate durante e após o decurso pandêmico “quais serão as vidas que estaremos dispostos a salvar e quais serão as sacrificadas”, e que para Leme (2021LEME, J. L. C. As trevas da Terra: Arendt, o vírus e a crise. In: MOTA, A. (Org.). Sobre a pandemia: experiências, tempos e reflexões. São Paulo: Hucitec; 2021. p. 19-33., p. 25) nos obriga a “novas respostas que tenham a forma de juízos diretos, sob pena da perda da realidade se acentuar ainda mais”.

No Brasil, não obstante o compromisso de trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS) e de instituições públicas de ensino e pesquisa na comunicação, produção e acesso da população às vacinas contra a covid-19, as desigualdades sociais, a miséria e o racismo estrutural - preexistentes à pandemia e recrudescidos por ela -, aprofundam-se e alargam-se perversamente pelo território nacional.

Calcadas nas políticas de morte do governo federal22Salientamos tratar-se de Governo Federal sob Presidência de Jair Messias Bolsonaro (2019-2022). - em que parte da população é considerada descartável e matável, nas estruturas profundas do capitalismo e na reatualização da narrativa eugênica - em que “encontra-se presente uma ideia de que a pandemia está purificando a raça humana, conduzindo à morte que tem problemas de saúde” (Machin; Couto; Mota, 2021MACHIN, R.; COUTO, M. T.; MOTA, A. Corpos, corporeidades e a relação indivíduo sociedade: a covid-19 como pano de fundo da vida cotidiana brasileira. In: MOTA, A. (Org.). Sobre a pandemia: experiências, tempos & reflexões. São Paulo: Hucitec ; 2021. p. 211-230., p. 224) -, as iniquidades grassam-se exponencialmente pelo solo brasileiro junto ao coronavírus. Desembocando em dimensões interdependentes de crises múltiplas, a atual sindemia exige da Saúde Coletiva respostas amplas e não mais circunscritas à pandemia, mas que envolvam a confluência de processos históricos, políticos, econômicos, sociais, ecológicos e culturais contemporâneos: “O vírus é impulsionado por um sistema tão brutal de recomposição da relação entre humanos e natureza que tem a mesa servida para a sua reprodução” (Breilh, 2021BREILH, J. No coração da pandemia está o sistema agroalimentar do capitalismo. Entrevistador: Instituto Humanitas Unisinos. Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, 3 set. 2021. Disponível em: <Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/612588-no-coracao-da-pandemia-esta-o-sistemaagroalimentar-do-capitalismo-entrevista-com-jaime-breilh >. Acesso em: 27 Nov 2021
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).

A discrepante exposição dos grupos populacionais ao risco; as condições de saúde dos territórios desassistidos; a naturalização macabra dos morrentes, órfãos e sequelados; as fake news e a negação da ciência; o desmonte do Programa Nacional de Imunizações e a estratégia institucional da União na propagação do contágio; os ataques ao SUS e à nossa combalida democracia; bem como a ausência de um pacto social sobre o bem comum são ações sistemáticas que, entre tantos outros vilipêndios, evidenciam o genocídio em curso no país (Ventura, Reis, 2021VENTURA, D. de F. L.; REIS, R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. In: ASANO, C. L. et al. (Ed.). Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil, São Paulo: Cepedisa, 2021. p. 6-31. Disponível em: <Disponível em: https://static.poder360.com.br/2021/01/boletim-direitos-na-pandemia.pdf > Acesso em: 29 nov. 2021
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).

Pesquisadores do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), ao divulgarem o impacto territorial e social do coronavírus na cidade de São Paulo, mapeando o fluxo da pandemia de covid-19 e da campanha de vacinação no município a partir de dados do Ministério da Saúde do Brasil, apontam que a distribuição de hospitalizações e óbitos pelo vírus foi reconhecida pelo poder público como de maior concentração em bairros periféricos, todavia, tal diagnóstico não endossou estratégia espacial para deter o contágio:

a narrativa que associa a Covid-19 a determinados territórios tem apenas o efeito de naturalizar as mortes causadas pela doença, já que, mesmo com o reconhecimento da vulnerabilidade, não há adoção de políticas dirigidas especialmente para estes grupos e muito menos sua inclusão nas prioridades de vacinação. Essa naturalização da morte não é nova e tem também uma dimensão racial. (…) os territórios com maior incidência de Covid-19 são territórios onde mora a maior parte da população negra da cidade. Por outro lado, os territórios onde mais se vacinou até agora são onde se auto segrega a população branca de renda mais alta. Assim, os critérios da campanha de vacinação adotados até o momento tornam-se mais um exemplo de como opera o racismo estrutural em nossas cidades (Marino et al, 2021MARINO, A. et al. Prioridade na vacinação negligencia a geografia da Covid-19 em São Paulo. São Paulo: LabCidade, 2021. Disponível em: <Disponível em: http://www.labcidade.fau.usp.br/prioridadena-vacinacao-negligencia-a-geografia-da-covid-19-em-sao-paulo > Acesso em: 17 set. 2021.
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).

Por sua vez, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ao apresentarem correlações entre trabalho, escolaridade e agrupamento de atividades por distribuição de casos e óbitos por covid-19 no município de São Paulo, apontam que as ocupações que permaneceram em atividade são marcadas “pela predominância de pessoas com baixa escolaridade e pela proporção de trabalhadoras e trabalhadores negros acima da média municipal” (Klintowitz et al, 2021KLINTOWITZ, D. et al. Trabalho, território e covid-19 no MSP. São Paulo: Instituto Pólis, 2021. Disponível em: <Disponível em: https://polis.org.br/estudos/trabalho-territorio-e-covid-no-msp > Acesso em: 17 set. 2021.
https://polis.org.br/estudos/trabalho-te...
).

Mota e Borysow (2021MOTA, A.; BORYSOW, I. da C. Quanto valem esses corpos? Moradia, pobreza e pandemia na cidade de São Paulo. Revista NUPEM, Campo Mourão, v. 13, n. 29, p. 257-277, 2021. DOI: 10.33871/nupem.2021.13.29.257-277
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), por sua vez, ao historicizarem as condições socioeconômicas e habitacionais das camadas mais vulneráveis da cidade de São Paulo (constituídas prioritariamente por negros e pobres) durante epidemias, constataram que tanto nos surtos ocorridos no século XX, quanto na atual pandemia de covid-19 “os grupos mais vulneráveis têm reduzidos seus corpos ao menor valor no jogo social, se tornando dispensáveis por parte da população e das autoridades de saúde pública, não incluídos adequadamente nas políticas assistenciais” (Mota; Borysow, 2021MOTA, A.; BORYSOW, I. da C. Quanto valem esses corpos? Moradia, pobreza e pandemia na cidade de São Paulo. Revista NUPEM, Campo Mourão, v. 13, n. 29, p. 257-277, 2021. DOI: 10.33871/nupem.2021.13.29.257-277
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, p. 257).

Como relembra Achille Mbembe (2016MBEMBE, A. Necropolítica. Revista Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 32, p. 123-151, 2016. Disponível: < Disponível: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169 >. Acesso em: 5 jan. 2023.
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, p. 128) “Na economia do biopoder, a função do racismo é regular a distribuição de morte e tornar possível as funções assassinas do Estado”. Na pandemia em curso, a incidência do recorte racial e das iniquidades marcam a ferro e a fogo o viver, o adoecer e o morrer de corpos descarnados em vida:

Os corpos adoecidos e perdidos para a Covid-19 carregam marcas sociais indeléveis, as quais evocam histórias de exploração, humilhação e esquecimento pelos Estados e suas políticas públicas, incluindo as de saúde. No curso da epidemia, como em tantas outras na história, adoecidos e mortos são subtraídos de sua existência singular e transformados em números, que servem para estimar taxas de infecção e morte. (Machin; Couto; Mota, 2021MACHIN, R.; COUTO, M. T.; MOTA, A. Corpos, corporeidades e a relação indivíduo sociedade: a covid-19 como pano de fundo da vida cotidiana brasileira. In: MOTA, A. (Org.). Sobre a pandemia: experiências, tempos & reflexões. São Paulo: Hucitec ; 2021. p. 211-230., p. 219-220).

Nesse quadro, em que as condições de se enfermar, recuperar a saúde e morrer encontram-se dependentes da organização da sociedade e do papel que cada grupo desempenha nela (Bertolli Filho, 2003BERTOLLI FILHO, C. A gripe espanhola em São Paulo, 1918: epidemia e sociedade. São Paulo: Paz e Terra; 2003., p. 31), e os “impactos da estrutura social sobre a saúde são pensados nos processos de participação ou exclusão, associados às diferentes posições sociais e sujeitos a transformações em função do próprio processo histórico” (Barata, 2009BARATA, R. B. O que queremos dizer com desigualdades sociais em saúde? In: BARATA, R. B. Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009. p. 11-21, p. 18), remonta ao Historiador, como nos ensina Michel de Certeau (2017CERTEAU, M. de. A escrita da história. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; 2017., p. 6), atentar-se à “historicidade da história, que implica o movimento que liga uma prática interpretativa a uma prática social”.

Nessa medida, se a pandemia de covid-19 nos dá sinais de que, para além dos efeitos imediatos, quando a doença arrefecer na dimensão biológica seguirá na alteração de condicionantes sociais e culturais, que incidirão sobre as estruturas e em nossa corporeidade, o presente texto, valendo-se de operação historiográfica, aponta impactos decorrentes da gripe espanhola de 1918 em Botucatu, cidade do interior paulista, nas décadas subsequentes.

A relevância de investigação sobre a gripe espanhola assenta-se no exame da estrutura social impactada pelo adoecimento coletivo epidêmico, permitindo, sob a ótica da dialética das durações do tempo, olhar as tramas do tecido coletivo ao longo da história.

Para Charles Rosenberg (1989ROSENBERG, C. E. What is an Epidemic? AIDS in historical perspective. Daedalus, Cambridge, v. 118, n. 2, p. 01-17, 1989., p. 278-287), o adoecimento coletivo encontra-se circunscrito em um enredo de atos sucessivos - uma dramaturgia epidêmica -, compondo uma estrutura narrativa em ascendente tensão, que se repete em certos padrões de episódios passados, iniciando-se pela recusa em admitir a ameaça da peste, seguida por acordos estabelecidos para justificar a presença da doença no seio social, pelas respostas e articulações práticas e ritualísticas no enfrentamento da desordem, finalizando com retrospectiva e lições apreendidas pelo sofrimento coletivo e morte maciça de pessoas. Nessa perspectiva teórica, Rosenberg oferece chaves analíticas que podem indicar tendência à recorrência de percepções ou reações.

Todavia, compreendendo que “a especificidade importa mais do que a repetição” (Chalhoub, 2006CHALHOUB, S. Múltiplos olhares sobre doença e história no Brasil. História Ciência, Saúde, Manguinhos. v. 13, n. 2, p. 515-517, 2006. DOI: 10.1590/S0104-59702006000200017
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, p. 515), o presente trabalho busca, sob as lentes da história local, para além das recorrências, os rastros acumulados e reticulados na pluralidade dos tempos, a partir do potencial crítico das particularidades na operação historiográfica (Marson, 2020MARSON, I. A. Qual o lugar da história local? Percursos e potencialidades do tema e do problema. In: PAULILO, A. L.; HADLER, M. S. D. (Org.). História local e memória: política, cultura, identidades. Campinas: Unicamp; Centro de Memória; 2020. p. 33-82.), ou seja, da investigação histórica de um tema-problema adscrito a um espaço físico-político-social delimitado (Marson, 2020MARSON, I. A. Qual o lugar da história local? Percursos e potencialidades do tema e do problema. In: PAULILO, A. L.; HADLER, M. S. D. (Org.). História local e memória: política, cultura, identidades. Campinas: Unicamp; Centro de Memória; 2020. p. 33-82., p. 46).

Dessa forma, este artigo aborda o aprofundamento das desigualdades sociais em Botucatu após a eclosão da gripe espanhola de 1918 e propõe avanços epistêmicos na discussão sobre o término das epidemias nos campos da História e da Saúde Coletiva, acreditando que tal escrutínio - ainda que carreado por marcas regionais - poderá deslindar elementos constitutivos e sentidos particulares desta epidemia em longa duração, passíveis de serem futuramente investigados em outros contextos locais.

A gripe espanhola em Botucatu: a febre conjuntural epidêmica

Mitificada pelas alcunhas de “Capital da Boca do Sertão Paulista”, “Terra dos Bons Ares” e “Terra da Caridade” e desfrutando de destacada projeção regional nos primórdios republicanos, Botucatu, ao final do século XIX encontrava-se dialeticamente tecida e fraturada pelas disputas do mando local entre expoentes do Partido Republicano Paulista (PRP), da Maçonaria e da Igreja Católica.

Com renomado corpo clínico, Hospital de Misericórdia e associações de benemerência, Botucatu buscava, nas primeiras décadas do século XX, traçado urbano condigno com a modernidade aspirada, em negação retórica à imagem de cidade insalubre e arcaica, diante das constantes moléstias que assolavam sua população em meio à incipiente organização do poder público em lidar com a constituição de um mercado de “trabalho livre” e com as contradições e conflitos inerentes ao processo de urbanização e acumulação do capital:

As epidemias, a lepra, a sífilis, a tuberculose, estes eram perigos que afetavam sobretudo os setores miseráveis da população [de Botucatu]. A falta de equipamentos urbanos adequados e de saneamento básico, para atender a população e encaminhar soluções para problema constatado, propiciavam altos índices de moléstias infecto- contagiosas, surtos epidêmicos, elevadas taxas de mortalidade - notadamente entre crianças (…). Durante o período estudado [1890-1920], foram vários os momentos de alastramento das epidemias (…). (Antonini, 1985ANTONINI, I. G. Sanear a cidade e segregar a pobreza: estudo de práticas sociais em Botucatu -SP, 1890-1920. 1985. 199 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1985., p. 68)

Dilatar o perímetro urbano e erigir muralhas espaciais para elidir corporalidades destoantes da urbe idealizada evidenciavam a dimensão hostil e segregadora do esquadrinhamento da cidade, como também das respostas das autoridades públicas às questões sociais e sanitárias no período, como na descrição do bairro da Estação, localizado na parte baixa da cidade e mormente abatido por surtos epidêmicos:

Botucatú, infelizmente, tem a sua principal entrada no seu extremo norte, onde se acha a estação da via férrea. Quem ahi desembarca tem apenas diante dos olhos um pequeno grupo de casas na ponta do espigão sobre que se estende a cidade; e não pode por conseguinte fazer idéa da grande área ocupada por nossas extensas ruas e praças, cujos prédios, tanto públicos quanto particulares, atestam o nosso gráo de progresso. Ora, si da matriz erguesse um elevado campanário, este indicaria pelo menos que a cidade não consiste naquele insignificante grupo de casas. (…). (Um bello…, 1905UM BELLO projecto. O Botucatuense, Botucatu, 2 abr. 1905. Centro Cultural de Botucatu)

A plêiade de instituições assistenciais, médicas e sanitárias, em suas ações e discursos com a repetida presença de nomes da elite local, como filantropos em um contexto de paulistanidade, espelhava não só a ascensão de Botucatu como capital da extensa zona sertaneja paulista, mas também o lugar da saúde na idealização do prodigioso território e de ordenado corpo social. Simultaneamente escancarava um tecido social fustigado por moléstias, em rota de choque entre saber científico, intervenção sanitária e autoridade pública e que, na cultura política da dádiva e no saneamento camuflado em caridade cristã, encontrara não só peculiar exercício de poder, mas uma tecnologia social de exclusão e depuração da urbe (Ribeiro, 2020aRIBEIRO, A. C. R. de C. Entre alcunhas, altares e alcovas: a gripe espanhola na boca do Sertão Paulista. Botucatu, 1918. 2020. 168 p. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.; Ribeiro, Marques, 2021RIBEIRO, A. C. R. de C.; MARQUES, M. C. da C. Quem sai aos seus não degenera: “paulistas, avante ao Sertão!” Paulistanidade, dilemas sanitários e interesses capitalistas na criação da Delegacia de Saúde de Botucatu, 1917-1918. In: MOTA, A. (Org.). Os sertões paulistas: medicina, saúde pública e a invenção do território. São Paulo: Alameda, 2021. p. 97-124.; Mota, 2005MOTA, A. Tropeços da Medicina Bandeirante: medicina paulista entre 1892-1920. São Paulo: Edusp. 2005, p. 67), como transparece nas súplicas publicadas n’O Correio de Botucatu para construção de asilo para leprosos em área afastada da cidade:

Senhoras! Unide-vos, methodizae os vossos esforços isolados (…) Acabemos de vez com a mendicidade dos morpheticos nesta cidade, dando aos infelizes o conforto da existência, a necessária subsistência, a vida, enfim. (…) De mais a mais, quem será de tão duro coração que deixe de atender a uma supplica vossa, em favor dos morpheticos? (Velho, 1911VELHO, J. [Senhoras uma esmola]. O Correio de Botucatu , Botucatu, 2 jul. 1911. Centro Cultural de Botucatu.)

Nesse arranjo de forças, Botucatu adentrou, em 1918, ora em grande alvoroço pela inauguração da Delegacia Estadual de Saúde - braço do Serviço Sanitário paulista no interior - e do Dispensário Médico e Odontológico do Grupo Escolar Dr. Cardoso de Almeida, ora em lamúrias pelos impactos da Primeira Guerra Mundial e os prejuízos causados pela geada, lagarta rosada e febre aftosa nos negócios locais. Nesse estado de coisas, a virulenta epidemia que invadira o Brasil em setembro de 1918 e que varria a capital paulista desde os primeiros dias de outubro, sob o nome de gripe espanhola (Bertolli Filho, 2003BERTOLLI FILHO, C. A gripe espanhola em São Paulo, 1918: epidemia e sociedade. São Paulo: Paz e Terra; 2003.), tardou a ocupar as páginas de O Correio de Botucatu, ainda que seu redator, Levy de Almeida - também correspondente do jornal O Estado de S. Paulo -, tenha dado pistas sobre o perigo que espreitava a cidade:

Os moradores do bairro da Estação em abaixo assignado dirigido á Camara e ao dr. Waldomiro de Oliveira, digno delegado-chefe do serviço de hygiene, pediram providencias sobre o mau estado de conservação do tanque escoadouro dos esgotos, construído nas proximidades do matadouro. O mau cheiro que se exhala dali é insuportável. E mais, por se achar descoberto o referido escoadouro, a quantidade de pernilongos que ali se fôrma, importuna de um modo horrivel, os moradores do referido bairro. O perigo que está iminente ninguém calcula, pois no caso de se manifestar qualquer moléstia infecciosa, a sua propagação seria inevitável, urgindo que a Camara de acordo com os funcionários da hygiene, dê ao caso a solução mais prompta e eficaz.(…). (Almeida, 1918ALMEIDA, L. de. Caso sério. O Correio de Botucatu, 19 out. 1918. Centro Cultural de Botucatu.).

A gripe espanhola tornou-se oficialmente epidemia na cidade na edição de 21 de outubro de 1918 d’O Correio de Botucatu (EDITORIAL, 1918aEDITORIAL. O Correio de Botucatu, Botucatu, 21 Out. 1918a.Centro Cultural de Botucatu.), quando já reinava implacavelmente pelos bairros morbos e periféricos onde fez suas primeiras vítimas. Em cenário de caos e denúncias sobre a incúria do poder público em impedir o alastramento da moléstia, formou-se a Comissão de Socorros, articulada entre Municipalidade, Delegacia Estadual de Saúde, Bispado de Botucatu, médicos e demais membros da elite local, que deliberaram sobre a criação de hospital para gripados “reconhecidamente pobres” no prédio da Escola Normal Dr. Cardoso de Almeida (Ribeiro, 2020RIBEIRO, A. C. R. de C. Entre alcunhas, altares e alcovas: a gripe espanhola na boca do Sertão Paulista. Botucatu, 1918. 2020. 168 p. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.).

De expressivo caráter asilar, o Hospital para Gripados foi instalado, em 2 de novembro de 1918, com empréstimo de cem camas e colchões pela Diocese de Botucatu, despesas assumidas pela Câmara Municipal, corpo clínico local e auxílio das damas da Cruz Vermelha, Escoteiros e Tiro de Guerra, sob a organização da Comissão de Socorros - esta última também responsável por angariar e distribuir donativos às casas de miseráveis. No dia seguinte à abertura, o Hospital atingiu lotação máxima, sendo necessário aumentar sua capacidade. Médicos e enfermeiras - distribuídos em plantões - se deslocavam ao socorro em carros disponibilizados pela Prefeitura e pela Delegacia de Saúde, com um terceiro carro fornecido pela Municipalidade foi destinado ao transporte de doentes. (Alves, 1918ALVES, O. R. Relatório apresentado ao Exmo Snr Dr Altino Arantes, Presidente do Estado, pelo Dr. José Cardozo de Almeida, secretario da fazenda e do thesouro. São Paulo: Typ. Casa Garraux. 1918., p. 196; Ribeiro, 2020RIBEIRO, A. C. R. de C. Entre alcunhas, altares e alcovas: a gripe espanhola na boca do Sertão Paulista. Botucatu, 1918. 2020. 168 p. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.; Ribeiro; Marques; Mota, 2020bRIBEIRO, A. C. R. de C.; MARQUES, M. C. da C.; MOTA, A. A gripe espanhola pela lente da história local: arquivos, memória e mitos de origem em Botucatu, SP, Brasil, 1918. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 24, e190652, 2020. DOI: 10.1590/interface.190652.
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)

O oneroso custeio do Hospital de Gripados tornou-se necessário, de acordo com os esculápios, “para evitar a propagação do mal, e para que os doentes na sua maior parte verdadeiramente necessitados pudessem ser tratados convenientemente” - o que somado à insuficiência de dinheiro nos cofres públicos, levou a Câmara Municipal a decretar, em 11 de novembro de 1918:

(…) Fica a Prefeitura authorizada a levantar nesta Cidade, um empréstimo até a quantia de R50:000$000, para attender a liquidação de Exercícios Findos, e despesas forçadas que a Camara tem a fazer com o apparecimento da grippe hespanhola em nosso Municipio. (Câmara Municipal de Botucatu, 1918aCÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Sessão de 11 de novembro de 1918. In: CÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Livro de Actas da Câmara Municipal de Botucatu 1918-1923, Botucatu, 1918a.).

Em edição especial d‘O Correio de Botucatu, o Cel. A. J. Carvalho Barros - então Presidente do Hospital da Misericórdia -, foi apontado como o primeiro articulista da Comissão de Socorros, entretanto, tal Comissão derivara do aparelhamento orientado pelo Serviço Sanitário e publicado em boletins na imprensa, para que servisse de modelo aos municípios do interior, ainda que acabasse por incorporar, na dinâmica assistencial, as idiossincrasias locais:

[A Delegacia de Saúde de Botucatu] Conjuctamente com o mordomo do Hospital de Misericordia Botucatuense, levou-se a effeito a organisação de uma Comisão de Socorros Públicos, destinada a prestar auxilios medico-pharmaceuticos e a allimentar a parte da população que viesse a ter necessidade, a exemplo do que se observou em todos os municípios. (Alves, 1918ALVES, O. R. Relatório apresentado ao Exmo Snr Dr Altino Arantes, Presidente do Estado, pelo Dr. José Cardozo de Almeida, secretario da fazenda e do thesouro. São Paulo: Typ. Casa Garraux. 1918., p. 195)

A população, por sua vez, lidava com a sobreposição de febres ocasionadas pela proliferação da tuberculose e do tifo, juntamente à gripe espanhola, em apuros cada vez maiores com os víveres “pela hora da morte!”. O frango não cabia nos bolsos e o leite, já encarecido pela diminuição de sua produção com a febre aftosa, sofreu aumento exorbitante com a chegada da epidemia. Houve tentativa da Municipalidade de tabelar os preços, mas sem controle efetivo, o comércio de alimentos e medicamentos - que prometiam aos anêmicos e debilitados pela gripe a recuperação das forças - tornou-se altamente lucrativo (Arquidiocese de Botucatu, 1926ARQUIDIOCESE DE BOTUCATU. Livro de Óbitos: 05/09/1915 a 01/08/1926. Botucatu, 1926.; Marques, Ribeiro, Mota, 2021MARQUES, M. C. da C.; RIBEIRO, A. C. R. de C.; MOTA, A. Epidemias e História: das lições do passado ao pensamento crítico em Saúde Coletiva. In: MOTA, A. (Org.). Sobre a pandemia: experiências, tempos & reflexões . São Paulo: Hucitec , 2021. p. 231-248., p. 236-237).

Na afastada região de Porto Martins - estação ferroviária e porto fluvial à época sob os domínios de Botucatu -, o completo abandono de seus moradores e o caráter assustador da gripe espanhola foi denunciado n’O Correio de Botucatu:

tendo diariamente feito victimas, devido a absoluta falta de medicamentos, de pharmacias e de quaesquer recursos que sejam. Os doentes ali, em maior parte recém sarados de maleita, não resistem aos horrores da grippe. Diz o nosso informante que, com especialidade na Fazenda Dr Coutinho de Lima, a peste reina com gravidade, onde colonos ultimamente chegados, sem dinheiro e quase sem alimento, estão num estado desesperador. Pedem-nos que chamemos a attenção dos poderes competentes, para que volvam seu olhar benéfico para esses esses desprotegidos que morrem á míngua. (Reclamações, 1918aRECLAMAÇÕES. O Correio de Botucatu , Botucatu, 9 nov. 1918a. Centro Cultural de Botucatu.).

A condição de abandono - anuviada pelo discurso pós-gripe em relatórios oficiais, nos quais se alegara prontidão no socorro tão logo as localidades acionaram as respectivas Delegacias de Saúde (Alves, 1918ALVES, O. R. Relatório apresentado ao Exmo Snr Dr Altino Arantes, Presidente do Estado, pelo Dr. José Cardozo de Almeida, secretario da fazenda e do thesouro. São Paulo: Typ. Casa Garraux. 1918.), mesmo nos rincões do estado -, permite entrever limites estruturais, fragilidades e equívocos na implementação do projeto sanitário paulista - em especial o de sua interiorização. A dispersão populacional em enorme extensão territorial, como no caso da Delegacia de Saúde de Botucatu, associada às dificuldades de deslocamento e ao colapso do serviço sanitário na capital paulista, fez com que somente se deslocassem funcionários para as franjas do estado após o declínio da epidemia entre os paulistanos (Bertucci, 2004BERTUCCI, L. M. Influenza, a medicina enferma: ciência e práticas de cura na época da gripe espanhola em São Paulo. Campinas: Editora Unicamp; 2004.).

Na área central de Botucatu, com o anúncio do declínio epidêmico em 20 de novembro de 1918 e o encerramento das atividades do Hospital de Gripados em 13 de dezembro de 1918, a Comissão de Socorros se desfez e entregou à Prefeitura, em sessão da Câmara Municipal de Botucatu, de 20 de dezembro de 1918, a quantia de R$3:605$700, além de documentos pagos no valor de R$7:802$400, perfazendo um total de R$11:408$100, para que a municipalidade chamasse para si o restante dos pagamentos que ainda deveriam ser quitados (Câmara Municipal de Botucatu, 1918bCÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Sessão de 20 de dezembro de 1918. In: CÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Livro de Actas da Câmara Municipal de Botucatu 1918-1923 , Botucatu, 1918b.).

Nesse período, iniciou-se a fricção entre recuperar a normalidade, apagar atores e marcas inconvenientes e cristalizar a narrativa sobre o sucesso dos socorros prestados no Hospital de Gripados, anuviando a compreensão do ocorrido e diminuindo a dimensão do evento epidêmico:

Infelizmente o terrível mal que assolou o mundo inteiro, chegou até nós, zombando de todas as medidas preventivas que foram tomadas pela Prefeitura, e fazendo aqui algumas victimas, porém relativamente em numero diminuto, o que devemos incontestavelmente, ao optimo serviço de socorros que tivemos. A mortalidade não atingiu a mais que 2% sobre o numero de atacados pela moléstia, e que foi em número de 53. (Kuntz, 1919KUNTZ, N. Relatório do Prefeito Municipal de 1918 - Sessão especial de 15 de janeiro de 1919. In: CÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Livro de Actas da Câmara Municipal de Botucatu 1918-1923 , Botucatu, 1919.).

Como Hochman (2021HOCHMAN, G. Quando e como uma doença desaparece. varíola e sua erradicação no Brasil, 1966/1973. Revista brasileira de sociologia. v. 9, n. 21, p. 103-128, 2021. DOI: 10.20336/rbs.787
https://doi.org/10.20336/rbs.787...
, p. 105) nos traz, o término de uma epidemia entre tantos outros elementos a serem investigados, carrega a partilha da memória e a compreensão sobre como as sociedades “imaginam que a vida social, por elas [epidemias] interrompida, foi ou será restabelecida e pelos interesses políticos e econômicos envolvidos nesse término.” Nessa dimensão, faz-se importante ressaltar os contínuos rearranjos locais, decorrentes de uma guerra cotidiana entre a Maçonaria, a Igreja Católica e expoentes do PRP em suas distintas ideologias, representações e projetos para a oferta assistencial em Botucatu, e consequentes apagamentos ou enaltecimentos de atores sociais em relatórios e reportagens sobre o socorro aos gripados.

Cenário este presente nas desavenças entre maçons iniciados na então inativa Loja Regeneradora - como Major Kuntz e irmãos Almeida (donos d’O Correio de Botucatu) - e os frequentadores da Loja Guia do Futuro, que tensionaram o juramento de proteção mútua maçônica, disputando trincheiras tanto na benemerência, quanto no socorro epidêmico. Tal panorama clareia a conivência do Major Kuntz (alçado à Prefeito ao final do flagelo) e d‘O Correio de Botucatu (pertencente à família Almeida), no apagamento da participação da Loja Maçônica Guia do Futuro e de seus membros (destacadamente o médico Costa Leite, então Venerável da Loja) em documentos oficiais e publicações do jornal, silenciando sobre seus donativos, o funcionamento do local como posto de atendimento e as atuações de seus associados no Hospital de Gripados (Ribeiro, 2020RIBEIRO, A. C. R. de C. Entre alcunhas, altares e alcovas: a gripe espanhola na boca do Sertão Paulista. Botucatu, 1918. 2020. 168 p. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.).

No restabelecimento da dinâmica urbana botucatuense, os moradores do bairro da Estação, agora conhecido por “Vila dos Lavradores”, retomaram seus dramas e misérias cotidianas, demonstrando que os riscos à saúde que apresentavam não eram suficientes para que a insalubridade e as inúmeras mortes ocorridas no bairro graças à epidemia se tornassem uma questão para os dirigentes públicos:

Os moradores da Villa dos Lavradores queixam-se ainda da enorme quantidade de moscas e pernilongos que infestam aquelle bairro e do mau cheiro exhalado da caixa séptica que causam verdadeiros desesperos das pessoas residentes naquelle bairro. Queixam-se e pedem que reclamemos ao dr delegado de saúde e da prefeitura municipal providencias enérgicas e promptas. (Reclamações, 1918bRECLAMAÇÕES. O Correio de Botucatu , Botucatu, 14 dez. 1918b. Centro Cultural de Botucatu.).

Nessa mesma edição (EDITORIAL, 1918bEDITORIAL O Correio de Botucatu, Botucatu, 14 dez. 1918b.), foram publicadas 56 mortes oficiais pela epidemia, em uma população estimada de 30.000 habitantes, destacando-se a mortalidade entre crianças e adultos jovens. Entre os registros dos 1.016 habitantes infectados, 371 gripados foram hospitalizados, enquanto 281 receberam em domicílio medicamentos e víveres, apontando para o socorro de 64% dos enfermos pobres. Imprescindível reter que a preexistência de doenças como a tuberculose e o tifo, o grau de salubridade nos locais de trabalho e moradia e o acesso aos alimentos, foram determinantes para o êxito ou fracasso na luta pela sobrevivência à epidemia. (Meyer, Teixeira, 1920MEYER, C. L.; TEIXEIRA, J. R. A grippe epidemica no Brazil e especialmente em São Paulo: dados e informações. São Paulo: Casa Duprat, 1920., p. 321; Alves, 1918ALVES, O. R. Relatório apresentado ao Exmo Snr Dr Altino Arantes, Presidente do Estado, pelo Dr. José Cardozo de Almeida, secretario da fazenda e do thesouro. São Paulo: Typ. Casa Garraux. 1918., p. 196; Ribeiro, 2020RIBEIRO, A. C. R. de C. Entre alcunhas, altares e alcovas: a gripe espanhola na boca do Sertão Paulista. Botucatu, 1918. 2020. 168 p. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020., p. 147; Marques, Ribeiro, Mota, 2021MARQUES, M. C. da C.; RIBEIRO, A. C. R. de C.; MOTA, A. Epidemias e História: das lições do passado ao pensamento crítico em Saúde Coletiva. In: MOTA, A. (Org.). Sobre a pandemia: experiências, tempos & reflexões . São Paulo: Hucitec , 2021. p. 231-248., p. 238)

Ressalta-se também o desconhecimento das autoridades da capital sobre a extensão da epidemia na boca do sertão paulista, estampado no pedido do Diretor Escolar Justino Marcondes Rangel ao Diretor Geral de Ensino:

E. N. Primaria de Botucatu, em 9 de janeiro de 1919. Accuso o recebimento de vosso officio n.27, de 3 do corrente, e respondo: Não foi simplesmente a parte de edifício da Escola Normal onde funccionou o Grupo Escolar que serviu de hospital provisório aos enfermos de grippe, e sim todo o prédio. Nessas condições, penso que as aulas da Normal e da Complementar devem ser reabertas também depois da limpesa do prédio […]. (Rangel, 1919)

A experiência do Hospital de Gripados instalado na Escola Normal, com clara delimitação de ação para cada uma das esferas envolvidas no socorro, ainda que congregando propósitos e interesses diversos, tornou-se ponto de inflexão nas práticas filantrópicas da cidade. Sob as ordens do Delegado de Saúde Waldomiro de Oliveira e a narrativa do êxito socorrista do hospital, o poder público tornou-se mais demandado pela população quanto à responsabilização da assistência e da saúde, ao mesmo tempo em que houve notório aparelhamento coercitivo da Delegacia de Saúde, com a organização sistemática do órgão negociada com as elites locais, exigindo rígido cumprimento do Código Sanitário paulista em frequentes vistorias, expedições de multas e perseguição às práticas populares de cura e ao exercício ilegal da medicina.

Em contraposição à narrativa do sucesso hospitalar e da abnegação do corpo clínico no enfrentamento da epidemia, a busca por legitimidade médico-administrativa e poder institucional se manifestou de diferentes formas na comunidade médica. Waldomiro de Oliveira, como Delegado de Saúde, declarou n’O Correio de Botucatu, em 30 de novembro de 1918 (Oliveira, 1918OLIVEIRA, W. [Declaração]. O Correio de Botucatu, 30 nov. 1918.), que não se responsabilizaria por gastos feitos sem sua expressa autorização - o que por fim desnuda resistências comezinhas ao saber-poder cada vez mais disciplinador do campo médico -, enquanto iniciava-se uma debandada de facultativos nas semanas subsequentes ao declínio epidêmico.

Em sessões de 2 e 9 de dezembro de 1918 (LOJA GUIA DO FUTURO, 1918LOJA GUIA DO FUTURO. Sessões de 02 de dezembro e de 09 de dezembro de 1918. In: LOJA GUIA DO FUTURO. Livro de Actas Loja Guia do Futuro. Botucatu, 1918.), na Loja Maçônica Guia do Futuro, os esculápios Vianna Júnior e Octávio Simões - pertencentes ao corpo clínico do Hospital da Misericórdia - despediram-se dos demais membros da Ordem e partiram de Botucatu rumo ao nordeste do país para não mais voltarem. Octávio Simões, antes de viajar, publicou aviso pouco afável aos que utilizaram seus serviços durante a epidemia e não lhe pagaram:

(…) se por qualquer motivo, lhe não pagaram os seus honorarios medicos, que deixou as suas contas em mãos do advogado Dr Octaviano Carlos de Azevedo a quem se dirigirão para saldal-o ou por quem serão procurados para cobral-os amigavel ou judicialmente, conforme plenos poderes que lhe conferir por procuração. (Simões, 1918SIMÕES, O. [Aviso]. O Correio de Botucatu , Botucatu, 14 dez. 1918. Centro Cultural de Botucatu )

Se a insólita mensagem de Octávio Simões destoa da idealização dos médicos no sacerdócio da profissão, também revela fazer social próprio ao período epidêmico e à historicidade de seu processo, repleto de sentimentos, manifestações e discursos complexos, ambíguos e contraditórios (Bertolli Filho, 2003BERTOLLI FILHO, C. A gripe espanhola em São Paulo, 1918: epidemia e sociedade. São Paulo: Paz e Terra; 2003.).

Dr. Oswaldo Puissegur, por seu turno, despediu-se da clientela n’O Correio de Botucatu, em 1 de fevereiro de 1919, sob justificativa de ausência de recursos na cidade para desempenho de sua clínica e mudança para centros mais desenvolvidos do país (Puissegur, 1919PUISSEGUR, O. [Dr.Puissegur]. O Correio de Botucatu , Botucatu, 1 fev. 1919. Centro Cultural de Botucatu.).

Contudo, uma reclamação do afamado médico local Antonio José da Costa Leite - maçom de alto grau hierárquico, benemérito e diretor clínico do Hospital da Misericórdia Botucatuense (Ribeiro, 2020RIBEIRO, A. C. R. de C. Entre alcunhas, altares e alcovas: a gripe espanhola na boca do Sertão Paulista. Botucatu, 1918. 2020. 168 p. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.) -, publicada nos primeiros meses de 1919, permite inferir que uma promessa não cumprida (ou demorada a cumprir) pela Municipalidade contribuiu para a retirada dos facultativos da cidade:

A proposito, o nosso honrado e querido chefe [político] Dr. Costa Leite, por nós interpelado, autorizou-nos a declarar em seu nome:

1°) que há 35 annos paga impostos á Camara Municipal de Botucatú sem nenhum atraso;

2°) que, agora, está em debito dos impostos relativos ao corrente exercício, somente porque a Camara, por sua vez ainda lhe não pagou a prometida gratificação, prometida a ele e aos demais médicos, pelos serviços prestados por ocasião da ultima epidemia, estando, porém, prompto a satisfazel-a, tão de pressa ella cumpra ou retirea sua promessa;

3°) que, de sua parte, devolve a insinuação, autorizando o autor ou autores dela a indagar do comercio desta cidade, pecorrer as carteiras dos Bancos e dos advogados, rebuscar os cartorios, a vêr se encontra o seu nome em atrazo por dividas, ou envolvido em negócios excusos.

Identica declaração, quanto a esta ultima parte, fizeram todos os mais diretores do nosso partido, que conseguimos ouvir. Se por ventura algum deles estiver em debito, hypothese que não póde ser de todo desprezada, dada a multiplicidade dos impostos e taxas municipaes e a anarchia do processo de arrecadação, será de quantia ainda mais redicula do que a redicularia da grosseira insinuação que profligamos. (Insinuação…, 1919INSINUAÇÃO torpe. O Municipio, Botucatu, 2 abr. 1919. Editorial.)

O protesto de Costa Leite contra o aumento dos impostos municipais e a demora no pagamento da gratificação prometida pela Câmara Municipal aos médicos que atuaram no Hospital para Gripados, jogam por terra a narrativa do caráter missionário dos que atuaram na Comissão de Socorros e desvela o acirramento das disputas políticas entre as forças sociais na cidade.

A gratificação reclamada pelos médicos só foi aprovada pela Municipalidade aos facultativos que permaneceram em Botucatu, em sessão da Câmara de 20 de dezembro de 1919, um ano após o encerramento do Hospital, e não foi concedida ao médico Waldomiro de Oliveira, Delegado de Saúde, sob alegação de que este encontrava-se como autoridade máxima sanitária no enfrentamento à epidemia, estando assim no desempenho de sua função (Câmara Municipal de Botucatu, 1919dCÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Sessão de 20 de dezembro de 1919. In: CÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Livro de Actas da Câmara Municipal de Botucatu 1918-1923 , Botucatu, 1919d.). Outros munícipes exigiram o reconhecimento de sua solidariedade em dinheiro, como João Sartori, que atuou durante a epidemia como Choffeur e teve sua gratificação aprovada em sessão da Câmara de 20 de fevereiro de 1919, muito antes dos facultativos (Câmara Municipal de Botucatu, 1919aCÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Sessão de 20 de fevereiro de 1919. In: CÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Livro de Actas da Câmara Municipal de Botucatu 1918-1923 , Botucatu, 1919a.). As reivindicações pela gratificação perduraram por anos, se fazendo ainda presentes em ata da Câmara Municipal, em 6 de dezembro de 1926, sobre a atuação do Dr. Nestor Seabra entre os gripados (Câmara Municipal de Botucatu, 1926CÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Sessão de 06 de dezembro de 1926. In: CÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Livro de Actas da Câmara Municipal de Botucatu 1918-1923 , Botucatu, 1926.).

Na Câmara dos Vereadores, a tensão provocada pelos parcos recursos municipais diante das inúmeras dívidas que se proliferavam, mesmo passada a borrasca epidêmica, salta aos olhos em diferentes projetos de lei para driblar a falência dos cofres públicos. Na sessão do dia 20 de maio de 1919, quando foi lida a proibição da construção de túmulos em valas comuns para impedir futuras dúvidas sobre a quantidade de mortos e identificação de cadáveres na cidade, a Prefeitura foi autorizada pela vereança a realizar novo crédito na praça “até a quantia de trinta contos de reis, para solução dos encargos de exercícios findos e despesas feitas durante a epidemia de ’grippe hespanhola’”, apenas seis meses após ter contraído o primeiro empréstimo para honrar os gastos como a Comissão de Socorros aos gripados (Câmara Municipal de Botucatu, 1919bCÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Sessão de 20 de maio de 1919 In: CÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Livro de Actas da Câmara Municipal de Botucatu 1918-1923 , Botucatu, 1919b.).

Passados sessenta dias, em 21 de julho de 1919, um novo empréstimo foi contratado pela Municipalidade, desta vez no valor de um mil e quinhentos contos de réis, para ser pago em 30 anos (Câmara Municipal de Botucatu, 1919cCÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Sessão de 21 de julho de 1919. In: CÂMARA MUNICIPAL DE BOTUCATU. Livro de Actas da Câmara Municipal de Botucatu 1918-1923 , Botucatu, 1919c.). Objetivando o resgate total dos empréstimos anteriores, em decorrência da epidemia de Gripe Espanhola, de forma a liquidar as dívidas flutuantes e prover o calçamento da cidade, o pagamento da vultuosa quantia seria garantido “com as rendas provenientes dos impostos municipaes de Industrias e Profissões, Predios, Cafeeiros, Matadouro, Mercado, Taxa de Agua, Taxa de Esgotos, e com as rendas dos impostos sobre o [futuro] calçamento.” Todavia, tal pagamento não foi combinado com a população que, empobrecida em diferentes níveis, entrou em frequentes sedições contra a Municipalidade.

A necessidade premente de um asilo de mendicidade nas franjas da cidade encampado pelas hostes católicas, bem como a obrigatoriedade de cadernetas de mendicância expedidas pela polícia e publicada n’O Correio de Botucatu”(Os falsos…, 1921OS FALSOS mendigos. O Correio de Botucatu , Botucatu, 17 dez. 1921.) retratam não só o cenário de miséria, racismo, eugenia e desassistência nas ruas de Botucatu, mas a articulação do higienismo à condenação ao ócio e à vadiagem como contenção à insubordinação do indivíduo e percepção entre as elites da “classe pobre” como a “classe perigosa” tanto nos riscos à ordem social, quanto no de transmissão de doenças (Chalhoub, 1996CHALHOUB, S. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras; 1996.; Rizzini, 2011RIZZINI, I. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. 3. ed. São Paulo: Cortez; 2011.):

O Tanquinho, bairro pobre que se esconde na baixada do poente da cidade, no caminho do Capão Bonito, vinha se tornando mais ou menos conhecido como reducto de gente de ínfima classe, vagabunda e pingueira. (…)

Havia ali pelas imediações, verdadeiras senzalas, onde o algoz era o vicio. Casinhas rusticas, imundas, escuras, tristes, estavam cheias de negros desocupados e pretas meretrizes, em conversas alegres, ou em silencio de indolência, cheirando a sarro e a cachaça. De vez em vez um desses phantasmas negros, sahia pela rua, falando a sós, cambaleando, tonto de pinga. (…)

Os olhares da policia que se voltem também para os fazedores de reza, que carregando imagens de santos, percorrem os nossos bairros pedindo esmola. Ainda ha pouco, uma ‘cuja’ de nome Maria José, levando à mão um santo e uma menina, andou pelo arrabalde onde reside, no fim da rua Cesario Alvim, pedindo esmola para uma reza, um louvor a S. Gonçalo, que vae realisar no próximo dia de anno bom, em sua residência. (…) Não é, ali, somente Maria José quem pratica a religião por esse processo. Grande é o numero de fazedores de reza, naquelas redondezas. O estado maior dos religiososde tal especie, alli fez acampamento, até que seja surpreendido pela policia. (…) (Resas…, 1921RESAS, cavações, bebedeiras & cia. O Correio de Botucatu , Botucatu, 17 dez.1921. Centro Cultural de Botucatu.)

O constante aumento de impostos por anos a fio, na tentativa de aplacar as altas parcelas do empréstimo contraído, os desgastes internos no PRP, as reconfigurações políticas no pacto coronelista, a carestia, a oscilação das verbas municipais para manutenção da Delegacia Estadual de Saúde que desaguaram no descontrole de endemias como tuberculose, malária e tifo e em uma epidemia de febre amarela ao início de 1936, paralelamente à supressão das subvenções às obras assistenciais, especialmente ao Hospital de Misericórdia nas discussões orçamentárias da Municipalidade entre os anos de 1919 a 1938, revelam deslocamentos de disputas, profunda crise econômica e social e aprofundamento das iniquidades em Botucatu, diante de questões sociais e sanitárias irreconciliáveis.

A perda de influência da maçonaria sobre o corpo clínico do Hospital da Misericórdia Botucatuense e a chegada de facultativos italianos; o deslocamento da disputa das forças sociais sobre a Assistência e a Saúde para o campo da Educação com o Normalista alçado às lides de regenerador da Nação sombreando o “sacerdócio” médico; e o alinhamento da Municipalidade nos anos de 1930, com a eugenia e o fascismo em discursos e resoluções oficiais, têm se mostrado indícios a serem perseguidos por este estudo sobre a repercussão da peste no tecido social e a aceleração da temporalidade no cotidiano epidêmico, enquanto paradoxo entre o tempo estanque e a infinitude: “À dialética do espaço vivido, do espaço geométrico e do espaço habitado, corresponde uma dialética semelhante do tempo vivido, do tempo cósmico e do tempo histórico. Ao momento crítico da localização na ordem do espaço corresponde o da datação na ordem do tempo” (Ricoeur, 2007RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Unicamp; 2007., p. 163).

Considerações finais

Se, para Charles Rosenberg e Janet Golden (1992ROSENBERG, C. E.; GOLDEN, J. (Ed.). Framing disease: studies in cultural history. New Brunswick: Rutgers University Press, 1992.), uma doença “não existe até que tenhamos acordado o que ela seja, através da percepção, classificação e das respostas que damos a ela” (p. xiii), os términos epidêmicos, por sua vez, são objetos ainda pouco explorados por historiadores e cientistas sociais (Hochman, 2021HOCHMAN, G. Quando e como uma doença desaparece. varíola e sua erradicação no Brasil, 1966/1973. Revista brasileira de sociologia. v. 9, n. 21, p. 103-128, 2021. DOI: 10.20336/rbs.787
https://doi.org/10.20336/rbs.787...
), levando o presente estudo a se debruçar sobre a articulação do evento-fragmento e o entrecruzamento dos movimentos, buscando rastros e interações dos impactos que se apresentam ora como sustentáculo, ora como obstáculo no arcabouço da vida social, ao longo do processo histórico (Braudel, 1992BRAUDEL, F. História e ciências sociais: a longa duração. In: BRAUDEL, F. Escritos sobre a história. 2. ed. São Paulo: Perspectiva; 1992. p. 41-78, p. 49-50).

Orientado pela lógica histórica que permite testar hipóteses sobre estrutura e causação diante de evidências, este estudo tem interrogado e analisado dezenas de milhares de fontes documentais coligidas em acervos de Botucatu, ensejando afluência dos aspectos do “público” e do “privado”, junto ao desafio de reinscrever os vestígios consultados em seu tempo sócio-histórico, decifrando o acontecimento da palavra em seu trajeto, por meio das experiências das forças sociais operantes em Botucatu e das respostas individuais e coletivas ante dilemas provocados pela epidemia de Gripe Espanhola na malha citadina, entre os anos de 1918 e 1938.

Disto, conclui-se que para uma história social das epidemias abarcar a significação do conjunto de ideias, racionalidades, valores, representações, interpretações, respostas, estigmas, intervenções terapêuticas e práticas instituídas no cotidiano da peste e expressas e disputadas em forças simbólicas, discursivas e operativas entre tantas facetas, a escrita historiográfica precisa deter-se sobre a construção social das doenças, da produção de elementos culturais ou imaginários, da corporeidade dos enfermos, dos inexoráveis impactos da experiência epidêmica e o que tais vivências partilham em comum, mas principalmente o que carregam de específico e imprevisto nos interregnos, evidenciando singularidades nos mais diversos tempos, espaços e sociedades.

Nessa medida, acredita-se que o valor e significado de tal investigação encontra-se no exame da estrutura social impactada pelo adoecimento coletivo, sob a ótica da dialética das durações do tempo, aqui apresentada pelo aprofundamento das iniquidades e disputas sociais nos anos subsequentes à Gripe Espanhola, permitindo olhar na espessura da História os múltiplos filigranas do tecido coletivo, buscando decompor no limite do movediço a temporalidade retida e/ou decorrida: “(…) essas grandes correntes subjacentes, frequentemente silenciosas, cujo sentido só se revela quando se abarcam amplos períodos do tempo. Os acontecimentos retumbantes não são amiúde mais que instantes, que manifestações desses largos destinos e só se explicam por eles.” (Braudel, 2005BRAUDEL, F. Escritos sobre a história. 2. ed. São Paulo: Perspectiva , 2005., p. 15).

Assim, atenta “(…) do que é único e o que é aparentemente universal, entre o que contextualiza a experiência epidêmica, ao que pode ser considerado uma reação padronizada a certos estímulos tradicionais, como o é a ameaça da peste” (Silveira; Nascimento, 2018SILVEIRA, A. J. T.; NASCIMENTO, D. R. do. Epidemias do século XX: gripe espanhola e aids. In: TEIXEIRA, L. A.; PIMENTA, T. S.; HOCHMAN, G. (Org.). História da saúde no Brasil. São Paulo: Hucitec . 2018. p. 284-327., p. 293), a pesquisa tem se detido sobre os movimentos de ruptura e permanência frente ao esgarçamento do tecido social, o aprofundamento das desigualdades e a atitude dos poderes públicos, especialistas e pessoas comuns nos anos subsequentes ao caos epidêmico, diante da incapacidade de solucionar, contornar, aliviar ou mesmo garantir o acesso da população aos remédios em meio às crises sanitárias (Ferreira; Luca, 2011FERREIRA, A. C.; LUCA, T. R. Medicina e práticas médicas em São Paulo: uma introdução. In: MOTA, A.; MARINHO, M. G. S. M. C. (Org.). Práticas médicas e de saúde nos municípios paulistas: a história e suas interfaces. São Paulo: CD.G Casa de Soluções e Editora, 2011. p. 15-36., p. 33).

A compreensão das forças históricas que operam nos avanços e recuos das políticas de saúde, das narrativas de corporalidades invisibilizadas e dos enfrentamentos concretos à desigualdade, ao racismo e às diferenças regionais, nos lançam à complexificação das relações de poder e sociabilidade implicadas nas febres conjunturais nos campos da História e da Saúde Coletiva, permitindo-nos inferir que a epidemia de Gripe Espanhola não encontrou seu fim, mas incorporou-se às entranhas da sociedade, expressando-se nas dimensões sociais, culturais, políticas e econômicas, modificando estruturas de poder e conformando-se como um evento histórico de longa duração.

Nessa perspectiva, pinçar aproximações entre os impactos sociais, políticos, econômicos, culturais e territoriais em décadas subsequentes à Gripe Espanhola e o agravamento das desigualdades sociais, a morte da população pobre, negra e periférica no contexto da pandemia de covid-19 no Brasil, nas dimensões múltiplas da vivência epidêmica, nas respostas sociais e nas políticas públicas frente às emergências sanitárias no país (Mota, 2021MOTA, A. Discurso, doença e risco. Entrevistador: Atilio Butturi Junio. Revista Porto das Letras, Porto Nacional, v. 7, n. 2, p. 16-21, 2021.; Furtado, 2021FURTADO, L. A. C. Pesquisa desigualdades e vulnerabilidades na epidemia de COVID-19: monitoramento, análise e recomendações/UNIFESP. São Paulo: Fundação Tide Setubal; Unifesp, 2021.) nos convoca a historicizar as iniquidades presentes em nossa formação sócio-histórica, ao mesmo tempo em que nos permite avanços epistêmicos, ofertando portas interpretativas para a retomada de um projeto civilizatório de transformação social do Brasil, assentado na democracia, na justiça social e na defesa radical da vida.

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  • 1
    Este trabalho é desdobramento das discussões presentes na dissertação de mestrado “Entre alcunhas, altares e alcovas: a gripe espanhola na boca do Sertão Paulista. Botucatu, 1918”, articuladas com atual pesquisa de doutorado “Dos fios nas fibras, dos rastros nas fímbrias: a Gripe Espanhola no sertão paulista. Botucatu-SP, 1918-1938”. Bolsista de Doutorado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ)
  • 2
    Salientamos tratar-se de Governo Federal sob Presidência de Jair Messias Bolsonaro (2019-2022).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2022
  • Revisado
    04 Nov 2022
  • Aceito
    26 Dez 2022
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br