Vulnerabilidades e imigração boliviana na cidade de São Paulo, Brasil: entre políticas públicas de saúde, mortes e resistências coletivas

Érico Ibiapina Rubens Adorno Sobre os autores

Resumo

A inserção da população de imigrantes bolivianos em circuitos de subcontratação da indústria do vestuário e suas condições de vida e trabalho, tornaram-se aspectos determinantes de sua visibilidade na cidade de São Paulo. Considerando a polissemia da noção de vulnerabilidade, o objetivo central do texto é analisar aspectos das “vulnerabilidades” da imigração boliviana, as quais são visivelmente inscritas em contextos político-institucionais, epidemiológicos e relacionais/processuais. O método de análise baseia-se na sistematização de dados de múltiplas fontes e apresenta relações entre a incorporação de imigrantes nas políticas locais de saúde pública, dados de mortalidade e relatos etnográficos sobre trajetórias, presença no espaço da cidade e processos identitários, em especial, a partir da ação de mulheres bolivianas e sua organização em redes e coletivos. Identificam-se aspectos que reforçam e definem padrões de vulnerabilidade, associados a determinados atributos desta população. Por outro lado, registram-se estratégias de sobrevivência enquanto mecanismos de resistência coletiva e ressignificação de suas formas de vida na cidade.

Palavras-chave:
Imigração; Políticas Locais de Saúde; Trabalho; Ressignificação Identitária

Introdução

A imigração boliviana está presente na cidade de São Paulo desde a década de 1950 e se intensifica entre as décadas de 1980 e 1990, inserindo-se fundamentalmente em mercados de subcontratação da indústria do vestuário nesse período (Silva, 2006SILVA, S. A. da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados, São Paulo, v. 20, n. 57, p. 157-170, 2006. DOI: 10.1590/S0103-40142006000200012
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). Apesar da sua marcante presença na cidade, essa população somente adquire espaço em agendas públicas de saúde nas últimas décadas, mediante o reconhecimento de suas vulnerabilidades (Freitas, 2018FREITAS, P. T. de. A entrada dos novos imigrantes na política local de São Paulo: domínio de agência e disputa partidária. In: LAVALLE, A. G. et al. (Org.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2018. p. 119-163.; Goldberg; Silveira, 2013GOLDBERG, A.; SILVEIRA, C. Desigualdad social, condiciones de acceso a la salud pública y procesos de atención en inmigrantes bolivianos de Buenos Aires y São Paulo: una indagación comparativa. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 283-297, 2013. DOI: 10.1590/S0104-12902013000200003
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), uma vez que as questões relacionadas ao trabalho precário, insalubre e ilegalizado nas oficinas de costuras tornam-se aspectos determinantes da leitura de suas condições de vida e visibilidade na metrópole.

Este artigo integra um estudo de inserção etnográfica sobre a imigração boliviana na cidade de São Paulo (2018-2019) e inicia-se com a descrição de práticas de acolhimento em uma organização não governamental (ONG) tradicionalmente voltada à assistência a imigrantes e refugiados na cidade. A população boliviana imigrante constitui-se um dos principais públicos da organização citada e, dentre o que se organizava enquanto “vulnerabilidade”, identificou-se demandas de Atenção à Saúde, bem como dificuldades de tornar visíveis e ritualizadas as mortes dos imigrantes, mediante a sustentação de sistemas de crenças e a realização de cerimônias de luto, assim como o traslado dos corpos mortos para sua terra de origem na Bolívia. No período em campo, procurou-se perseguir circuitos de tramas das “vulnerabilidades” dos imigrantes bolivianos, que inicia com o seu reconhecimento em contextos institucionais, a partir de diferentes marcadores e recortes sobre esta população. Em seguida, a pesquisa de campo desdobrou-se para circuitos não institucionais ao acompanhar coletivo de mulheres bolivianas que se articulam em torno do suporte a situações precárias de moradia, violência doméstica/sexual e o reconhecimento de suas mortes.

Neste texto, pretende-se, a partir da descrição do processo de inserção da imigração boliviana nas agendas locais de saúde, de sua mortalidade e ações de participação e resistência coletiva, analisar aspectos de suas “vulnerabilidades”, que são visivelmente inscritas em contextos políticos institucionais, epidemiológicos e relacionais/processuais.

Com intenções de apontar elementos compreensivos dos contextos estruturais e das dinâmicas dos imigrantes bolivianos na cidade de São Paulo, define-se a caracterização de suas “vulnerabilidades” enquanto termo polissêmico que vem sendo largamente utilizado no campo da saúde, da assistência social, da política, entre outros. Essa noção, para além de sua polissemia, será considerada nesta pesquisa tanto como uma noção classificatória de populações quanto em sua aplicação relacional/processual, a partir da qual vem se expressando em movimentos sociais de contestação e de protagonismo em torno, por exemplo, das políticas do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro (Adorno, 2012ADORNO, R. de C. F. Theorizing about the other: vulnerable groups and strategies for social inclusion in public health policies: a brief account of Brazilian case. International Journal of Migration, Health and Social Care, Bingley, v. 8, n. 1, p. 4-11, 2012. DOI: 10.1108/17479891211231365
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). Essa noção, portanto, é aqui desenvolvida desde um marcador político institucional (a inserção em agendas de saúde mediante sistema classificatório de populações); um marcador epidemiológico (expresso em dados de mortalidade desta população de imigrantes); e mediante ordem relacional/processual, por meio da incorporação de representantes de grupo de imigrantes bolivianas nas ações de formação de coletivos e mecanismos de resistência às situações limites de sobrevivência.

Neste sentido, aponta-se que estas “vulnerabilidades”, tal como são caracterizadas a partir de elementos político institucionais (Freitas, 2018FREITAS, P. T. de. A entrada dos novos imigrantes na política local de São Paulo: domínio de agência e disputa partidária. In: LAVALLE, A. G. et al. (Org.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2018. p. 119-163.; Goldberg; Silveira, 2013GOLDBERG, A.; SILVEIRA, C. Desigualdad social, condiciones de acceso a la salud pública y procesos de atención en inmigrantes bolivianos de Buenos Aires y São Paulo: una indagación comparativa. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 283-297, 2013. DOI: 10.1590/S0104-12902013000200003
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), passam a produzir contornos e visibilidades a um campo discursivo em torno da “subalternidade”, do trabalho caracterizado como escravizado, da doença e da criminalidade, sendo determinados por meio de recortes étnico raciais (descendentes dos povos originários), de nacionalidade (latino-americanos), de classe/trabalho (pobres inseridos em mercados subalternos) e geográfico (moradores de oficinas “clandestinas”).

Ressalta-se que a composição social da imigração boliviana é heterogênea (paceños, aymara, quéchua, entre outros), aproximando-se mais a um mosaico interétnico, que envolve diversos sistemas de crença, caracterizando suas formas de existência coletiva. Nesta medida, é importante enfatizar que, para além de quais sejam suas “vulnerabilidades” no plano institucional das políticas locais de saúde, essa imigração traz em seu conjunto sistemas de crenças, religiosidade, eventos em espaços de visibilidade e sociabilidade como a ocupação de locais da cidade com feiras, festejos, grupos de dança, mobilizando negociações sociais para inserções em espaços da cidade e ressignificação de processos identitários (Silva, 2006SILVA, S. A. da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados, São Paulo, v. 20, n. 57, p. 157-170, 2006. DOI: 10.1590/S0103-40142006000200012
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, 2012).

Enquanto fio condutor do recorte temático e metodológico da pesquisa, considerou-se a caracterização de uma comunidade que sofre intensa discriminação racial e social (Silva, 2006SILVA, S. A. da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados, São Paulo, v. 20, n. 57, p. 157-170, 2006. DOI: 10.1590/S0103-40142006000200012
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) em contextos de reiterada desigualdade de acesso à saúde (Aguiar; Neves; Lira, 2015AGUIAR, B. S. de; NEVES, H.; LIRA, M. M. T. Alguns aspectos da saúde de imigrantes e refugiados recentes no município de São Paulo. Boletim CEInfo Análise, São Paulo, v. 10, n 13, 2015.; Goldberg; Silveira, 2013GOLDBERG, A.; SILVEIRA, C. Desigualdad social, condiciones de acceso a la salud pública y procesos de atención en inmigrantes bolivianos de Buenos Aires y São Paulo: una indagación comparativa. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 283-297, 2013. DOI: 10.1590/S0104-12902013000200003
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; Silveira et al. 2013SILVEIRA, C. et al. Living conditions and access to health services by Bolivian immigrants in the city of São Paulo, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 10, p. 2017-2027, 2013. DOI: 10.1111/j.1749-6632.1992.tb33484.x
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), destacando-se a interseccionalidade entre desigualdades de gênero e racial.

Portanto, das precárias condições de vida, moradia e trabalho, discriminação étnica/racial e de origem, são destacadas em relação às suas mortes, que em grande parte ocorrem por causas evitáveis, ações que vem procurando responder às desigualdades de acesso à saúde e apoio social a partir do acompanhamento de mudanças políticas e operativas no campo da atenção à saúde e de mobilizações coletivas em torno dessas demandas. No seu limite, essas ações engendram-se em mobilizações de resistência política e sobrevivência em períodos marcados pela extrema precariedade, por exemplo, durante período de emergência sanitária global de covid-19, no qual as desigualdades sociais foram potencializadas (Medeiros; Hattori, 2020MEDEIROS, F. S.; HATTORI, M. L. Dispositivos estatais e construção social dos mortos. Revista M., Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 188-199, 2020. DOI: 10.9789/2525-3050.2020.v5i10.188-199
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).

Com base em procedimentos etnográficos (Adorno et al., 2018ADORNO, R. de C. F. et al. Dinâmicas periféricas na cidade de São Paulo: mortes, consumos, moralidades e mercados. Platô: drogas e políticas, São Paulo, v. 2, v. 2, p. 55-78, 2018.; Biehl, 2011BIEHL, J. Antropologia no campo da saúde global. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 17, n. 35, p. 257-296, 2011. DOI: 10.1590/S0104-71832011000100009
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; Epele, 2010EPELE, M. Sujetar por la herida: una etnografía sobre drogas, pobreza y salud. Buenos Aires: Paidós, 2010.), a pesquisa fundamenta-se na produção e sistematização de dados de múltiplas fontes (quali e quantitativas). A produção etnográfica se baseou em entrevistas à distância e presenciais com atores institucionais e lideranças de coletivo de imigrantes bolivianas, além de relatos de campo sobre visitas a bairros em que, tradicionalmente, houve inserção de imigrantes bolivianos na cidade.. No tocante à inclusão nas políticas de saúde, foram entrevistados profissionais da assistência em saúde, tendo como pauta as principais demandas desta população. Em seguida, foram solicitados dados quantitativos sobre a mortalidade da população boliviana na cidade de São Paulo ao Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade (PRO-AIM) do município, que selecionou os dados a partir das declarações de óbito (DO). No que se refere ao coletivo de mulheres bolivianas, foram realizadas entrevistas e relatos de campo, focalizando mecanismos de resistência coletiva enquanto resposta às situações-limite de sobrevivência.

Migração internacional e a cidade de São Paulo: vulnerabilidade e problemáticas no campo da saúde

A noção de migração internacional, como vem sendo designada nas últimas décadas, não é dada a priori. É antes uma construção política, social e discursiva. Partindo dessa premissa, a noção se enraíza em uma história de lutas sociais que tem como um dos eixos de rotação formas de regulação destes grupos populacionais mediante relações normativas entre Estado, políticas migratórias e processos de reestruturação produtiva em escalas globais-locais (Feldman-Bianco, 2009FELDMAN-BIANCO, B. Reinventando a localidade: globalização heterogênea, escala da cidade e a incorporação desigual de migrantes transnacionais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 15, n. 31, p. 19-50, 2009. DOI: 10.1590/S0104-71832009000100002
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).

De forma a não naturalizar uma questão social, considera-se a migração internacional como efeito das formas de regulação dos fluxos migratórios inseridos em processos de reestruturação produtiva em escalas transnacionais (Shiller; Basch; Blanc-Szanton, 1992SCHILLER, N. G.; BASCH, L.; BLANC-SZANTON, C. Transnationalism: a new analytic framework for understanding migration. Annals of the New York Academy of Sciences, New York, v. 645, n. 1, p. 1-24, 1992.). Parte desta problemática insere-se no processo de construção das grandes cidades, nas relações globais-locais e permanentes tensões entre política migratória local e incorporação de novos imigrantes. Nessa perspectiva, o fenômeno das migrações em escala global-local atravessa os paradoxos subjacentes aos projetos neoliberais em curso, que se apoiam na organização flexível do trabalho, em políticas imigratórias cada vez mais restritivas de segurança nacional e na decorrente criminalização de imigrantes (Feldman-Bianco, 2009FELDMAN-BIANCO, B. Reinventando a localidade: globalização heterogênea, escala da cidade e a incorporação desigual de migrantes transnacionais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 15, n. 31, p. 19-50, 2009. DOI: 10.1590/S0104-71832009000100002
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).

Neste contexto, considerando os novos fluxos migratórios, em especial as migrações europeias, latino-americanas, africanas e asiáticas, entre os séculos XX e XXI para a cidade de São Paulo, focaliza-se a imigração boliviana como parte do perfil das migrações contemporâneas, sendo enquadrada como objeto de governo populacional, que interdepende de diferentes instituições, normativas locais e práticas políticas que regulam fluxos, possibilidades de inserção e de permanência na cidade.

A cidade de São Paulo, mais especificamente, ainda no século XIX, incorpora famílias de imigrantes europeus, em parte, inseridas na indústria e no comércio, alimentando um mercado de mão de obra barata. Com políticas de incentivo à imigração, São Paulo constituía-se como alvo de práticas de controle das epidemias aliada à proteção da economia (Marques; Afonso; Silveira, 2014MARQUES, M. C. da C.; AFONSO, F. de C.; SILVEIRA, C. A atenção à saúde do imigrante no contexto histórico da saúde pública em São Paulo. In: MOTA, A.; MARINHO, M. G. S. M. C. (org.). Saúde e história de migrantes e imigrantes: direitos, instituições e circularidades. São Paulo: USP, Faculdade de Medicina, 2014. p. 73-90.). No final do século XIX e início do XX, juntamente com a recepção da imigração europeia em substituição à força de trabalho escravizada, engendrava-se o processo de consolidação do ideal de um Estado moderno, no qual a saúde pública atuou em apoio ao projeto de desenvolvimento do Estado, tendo como frente “o enfrentamento positivo do controle de epidemias e problemas sanitários, como também em ações autoritárias e coercitivas junto ao corpo social” (Marques; Afonso; Silveira, 2014, p. 83MARQUES, M. C. da C.; AFONSO, F. de C.; SILVEIRA, C. A atenção à saúde do imigrante no contexto histórico da saúde pública em São Paulo. In: MOTA, A.; MARINHO, M. G. S. M. C. (org.). Saúde e história de migrantes e imigrantes: direitos, instituições e circularidades. São Paulo: USP, Faculdade de Medicina, 2014. p. 73-90.).

As parcas condições sanitárias e urbanas às quais imigrantes eram submetidos, sejam no âmbito rural ou urbano, potencializavam as desiguais formas de inserção no trabalho e, por exemplo, ocasionavam uma elevada incidência de agravos à saúde expressa em quadros de mortalidade (Bassanezi, 2014BASSANEZI, M. S. C. B. Imigração e mortalidade na terra da garoa. São Paulo, final do século XIX e primeiras décadas do século XX. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 19., 2014, São Paulo. Anais… São Paulo: ABEP, 2014. p. 1-18.). Mediante o processo de reestruturação produtiva ao longo das últimas décadas, a cidade de São Paulo se tornou destino de grandes fluxos migratórios latino-americanos (Patarra; Baeninger, 2006PATARRA, N. L.; BAENINGER, R. Mobilidade espacial da população no Mercosul: metrópoles e fronteiras. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 21, n. 60, p. 83-102, 2006. DOI: 10.1590/S0102-69092006000100005
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), gerando, inexoravelmente, novas urgências em termos de gestão pública local.

Este processo de reestruturação industrial que causa impacto sobre os novos fluxos migratórios envolve toda uma cadeia de produção global. Feldman-Bianco (2009FELDMAN-BIANCO, B. Reinventando a localidade: globalização heterogênea, escala da cidade e a incorporação desigual de migrantes transnacionais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 15, n. 31, p. 19-50, 2009. DOI: 10.1590/S0104-71832009000100002
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), por exemplo, ao pesquisar inter-relações globais-locais em ciclos de imigração para o trabalho na indústria têxtil e do vestuário, coloca em análise processos de incorporação de imigrantes em nível de política local, globalização e paisagem urbana. A autora identifica um paradoxo fundamental em que há, por um lado, uma estrutura cada vez mais flexível do trabalho e internacionalização crescente do capital financeiro e, por outro, a criminalização da imigração e políticas migratórias restritivas. Ou seja, a imigração no final do século XIX e início do XX pressupunha uma linha divisória entre uma classe trabalhadora e uma classe detentora das propriedades da terra, ou das atividades comerciais e fabris, no contexto tradicional de “classes”. Já a imigração contemporânea estabelece grupos que, se olhados interseccionalmente, vivenciam, além das precariedades, a discriminação étnica, racial, de gênero, entre outras.

Devido a condições desiguais de inserção na cidade e reiterada associação com a subalternidade dos imigrantes bolivianos que, em parte, se estabelece de forma indocumentada, inserindo-se em mercados de subcontratação da indústria do vestuário, é marcada não somente pela segregação social, histórica e linguística (Silva, 2012SILVA, S. A. da. Bolivianos em São Paulo: dinâmica cultural e processos identitários. In: BAENINGER, R. (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População-Nepo/Unicamp, 2012. p. 19-34.), mas também pela desigualdade de acesso à saúde pública (Goldberg; Silveira, 2013GOLDBERG, A.; SILVEIRA, C. Desigualdad social, condiciones de acceso a la salud pública y procesos de atención en inmigrantes bolivianos de Buenos Aires y São Paulo: una indagación comparativa. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 283-297, 2013. DOI: 10.1590/S0104-12902013000200003
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). Nesta medida, os bolivianos na cidade de São Paulo podem ser vistos a partir da interseccionalidade (Collins; Bilge, 2020COLLINS, P. H.; BILGE, S. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2020.) enquanto conceito interpretativo, cujas questões articuladas vão desde raça/etnia, classe, gênero, capacidade e nacionalidade, como “atributos” do lugar social em que se expõem em circuitos de tramas das suas “vulnerabilidades”.

Um dos pressupostos da política que estrutura o atual sistema público de saúde brasileiro é a integralidade da assistência (Brasil, 1990BRASIL. Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 set. 1990. Seção 1, p. 18055.), que, entre os sentidos atribuídos ao termo, funciona como estratégia para a diminuição de desigualdades populacionais (Paim; Silva, 2010PAIM, J. P.; SILVA, L. M. V. da. Universalidade, integralidade, equidade e SUS. BIS, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 109-114, 2010. DOI: 10.52753/bis.2010.v12.33772
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). Em tese, este processo é mediado pelo reconhecimento de “grupos vulneráveis” por meio de características ligadas a raça/etnia, gênero, perfil epidemiológico e aos chamados aspectos comportamentais. Assim, a população negra, os grupos que compõem a sigla LGBTQIA+, as populações originárias e os migrantes transnacionais latino-americanos fazem, hoje, parte da lente das políticas de saúde a partir desse recorte institucional/normativo que as define como população em situação de “vulnerabilidade”. A inscrição “população vulnerável” no caso brasileiro, por exemplo, tem servido a movimentos de aglutinação e de agência no sentido de organizar demandas e resistência a essa situação (Adorno, 2012ADORNO, R. de C. F. Theorizing about the other: vulnerable groups and strategies for social inclusion in public health policies: a brief account of Brazilian case. International Journal of Migration, Health and Social Care, Bingley, v. 8, n. 1, p. 4-11, 2012. DOI: 10.1108/17479891211231365
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).

A questão é que a vulnerabilidade, como foi destacada anteriormente, é uma noção polissêmica e, como tal, ao ser interpretada e codificada em termos das populações, identifica “grupos” que passam a ser caracterizados e classificados por seus atributos e, assim, “neutralizados” ou separados em “desigualdades sociais” (Adorno, 2012ADORNO, R. de C. F. Theorizing about the other: vulnerable groups and strategies for social inclusion in public health policies: a brief account of Brazilian case. International Journal of Migration, Health and Social Care, Bingley, v. 8, n. 1, p. 4-11, 2012. DOI: 10.1108/17479891211231365
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). Considerando isso, entende-se que é a partir do reconhecimento de determinadas características inerentes aos grupos que se passa a estabelecer o que deve ou não ser um problema de saúde, tornando-se inteligíveis em sistemas classificações do corpo, da sexualidade, dos padrões de consumo, da pobreza ou mesmo das condições de acesso à saúde.

A imigração boliviana nas agendas locais de saúde: a “vulnerabilidade” como elemento de governo

Na década de 1990, grande parte dos imigrantes bolivianos se inseriu, na história da cidade de São Paulo, em bairros de tradição operária como o Bom Retiro, Brás e Pari, que se constituem, atualmente, como grandes áreas de circulação e comercialização de produtos da indústria do vestuário. Parte deste comércio global-local é sustentado por pequenas oficinas de costura, onde a organização da vida doméstica incorpora-se na dinâmica laboral com rotinas intensas de trabalho, pouco remuneradas e aliadas à alta rotatividade de trabalhadores. No tocante à vida doméstica, observa-se a alimentação muito empobrecida, o confinamento em locais sem circulação de ar, o privado sem privacidade (às vezes não há separação de cômodos) e a violência doméstica. O doméstico se entrecruza com o regime de trabalho e remuneração - com jornadas que, às vezes, ultrapassam 15 horas diárias, em que a remuneração é feita com base na produção por peças (cerca de 0,25 a 0,30 centavos), e que apresentam aspectos de confinamento e de exploração.

Entre oficinas de costura “clandestinas”, onde condições de vida e laborais se entrecruzam em complexas dinâmicas sociais e econômicas para sustentação do projeto migratório (Silva, 2006SILVA, S. A. da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados, São Paulo, v. 20, n. 57, p. 157-170, 2006. DOI: 10.1590/S0103-40142006000200012
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), intensas discussões no âmbito do governo local foram geradas em torno da imigração boliviana que habita e trabalha nestes locais. Por um lado, porque se constitui como um dos locais alvos de denúncias de trabalho análogo à escravidão; por outro, no campo da saúde pública, porque se tornou um dos focos da vigilância epidemiológica devido ao alarmante número de casos de tuberculose (Gaeta, 2005GAETA, R. Projeto Somos Hermanos. In: Serviço Pastoral dos Migrantes (Org.). Travessias na de$ordem global: Fórum Social das Migrações. São Paulo: Paulinas, 2005. p. 337-348.).

Sua visibilidade nos espaços urbanos e imprensa local assim como os efeitos gerados pela reestruturação do trabalho começaram a ser percebidos pelo poder executivo local a partir de denúncias e ações de fiscalização do trabalho, mediante o que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) denominou como trabalho em “condição análoga ao de escravizado”. Em paralelo às ações de fiscalização do trabalho, o processo de inserção da imigração boliviana como objeto de governo local é fundamentalmente marcado por ações em saúde pública por meio do reconhecimento de suas “vulnerabilidades” e dos territórios das oficinas de costura na capital (Freitas, 2018FREITAS, P. T. de. A entrada dos novos imigrantes na política local de São Paulo: domínio de agência e disputa partidária. In: LAVALLE, A. G. et al. (Org.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2018. p. 119-163.), que, enquanto locais de confinamento laboral, são lidos pelo meio técnico sanitário como locais precários, que possuem aglomerações de pessoas e pouca ventilação de ar.

Diante da heterogeneidade de grupos populacionais em bairros centrais da capital, a partir da década de 1990, instituições como o Centro de Saúde Escola Barra Funda (CSEBF), na zona central da cidade de São Paulo, que contava com autonomia gerencial, passou a reconhecer, além de outras problemáticas como a dos moradores de rua, necessidades específicas da imigração latino-americana indocumentada, as quais não se adequavam às rotinas programadas tradicionais (Carneiro Jr.; Silveira, 2003CARNEIRO JR., N.; SILVEIRA, C. Organização das práticas de atenção primária em saúde no contexto dos processos de exclusão/inclusão social. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, n. 6, p. 1827-1835, 2003. DOI: 10.1590/S0102-311X2003000600026
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). A presença dos serviços de atenção à saúde com foco em segmentos populacionais excluídos, por exemplo, a assistência à imigração latino-americana, ocorria mediante tecnologias de atenção primária à saúde como visitas domiciliares e planejamento terapêutico. Em entrevista com o médico sanitarista atuante no Centro desde a década de 1980, surgem aspectos da incorporação desta imigração e as ações de saúde:

O CSEBF é uma unidade voltada para o departamento dentro de um projeto maior que era um projeto de cunho médico extramuro, trabalhar em equipe de base comunitária. […] junto com um grupo do Centro de Saúde e pessoas do departamento, a gente começou a pensar o centro da cidade de São Paulo […] como população de rua e também bolivianos, ou seja, [d]essa percepção sobre os usuários do Centro de Saúde e [d]a discussão sobre o centro de São Paulo, emergiram necessidades de melhor entender e começar ações de saúde mais específicas. Até 2000, se fazia uma prática de visita domiciliar pelo acesso da saúde pública, era um pessoal da enfermagem que, a partir de um caso, ia em busca […] as visitas domiciliares elas ocorriam a partir do evento, que era acionada a vigilância epidemiológica da unidade, então, iam nas casas fazer busca ativa para aquele caso e também começamos a fazer algumas capacitações, sobretudo em 2001, onde a prefeita era a Marta, onde tem início a municipalização, então a gente opta por manter práticas da atenção primária como o PSF [Programa Saúde da Família] e aí passamos a montar equipes. (Médico sanitarista, 2020)

A partir de 2001, a imigração boliviana insere-se nas agendas de saúde pública do município de São Paulo, processo que se deu no lastro do movimento de municipalização do sistema público de saúde, tributário da descentralização da administração pública no Estado (Keinert; Rosa; Meneguzzo, 2006KEINERT, T. M. M.; ROSA, T. E. da C.; MENEGUZZO, M. Inovação e cooperação intergovernamental: microrregionalização, consórcios, parcerias e terceirização no setor saúde. São Paulo: Annablume, 2006.), e que possibilitou a reestruturação da saúde pública de modo a incorporar os princípios e as diretrizes do SUS (1990) na organização da assistência a partir de 2001, momento em que, segundo Keinert, Rosa e Meneguzzo (2006KEINERT, T. M. M.; ROSA, T. E. da C.; MENEGUZZO, M. Inovação e cooperação intergovernamental: microrregionalização, consórcios, parcerias e terceirização no setor saúde. São Paulo: Annablume, 2006., p. 100), “o município de São Paulo se habilita segundo as normas do SUS, para a gestão plena da atenção básica”.

Neste sentido, para a distribuição de serviços públicos de saúde no processo de municipalização, levou-se em consideração a abrangência e implantação de serviços da atenção básica para áreas com maior desigualdade em saúde, educação e renda (Coelho;Szabzon; Dias, 2014COELHO, V. S. P.; SZABZON, F.; DIAS, M. F. Política municipal e acesso a serviços de saúde: São Paulo 2001-2012, quando as periferias ganharam mais que o centro. Novos Estudos - CEBRAEP, São Paulo, n. 100, p. 139-161, 2014. DOI: 10.1590/S0101-33002014000300008
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). Por outro lado, destaca-se que o processo de municipalização, envolto em negociações políticas/partidárias e formas institucionalizadas de participação social, se estabelece mediante gestão descentralizada de subprefeituras com a implantação do Programa Saúde da Família (PSF) e a implementação estratégica de convênios com organizações privadas sem fins lucrativos.

As políticas locais de saúde, principalmente após o avanço da municipalização da atenção básica nos anos 2000, valendo-se do reconhecimento das “vulnerabilidades” dos grupos excluídos para viabilizar a descentralização dos serviços de saúde, firmaram uma ação intersetorial específica entre a Secretaria de Assistência Social com a Secretaria de Saúde para o estudo do mapeamento das áreas com maior exclusão social para a implantação do PSF (Freitas, 2018FREITAS, P. T. de. A entrada dos novos imigrantes na política local de São Paulo: domínio de agência e disputa partidária. In: LAVALLE, A. G. et al. (Org.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2018. p. 119-163.).

Com a incorporação dos princípios do SUS e a reestruturação política administrativa, geram-se condições para o reconhecimento de “populações vulneráveis” sob o pano de fundo do cenário das desigualdades sociais intramunicipais, ocorrendo a expansão significativa de unidades e Equipes de Saúde da Família (ESF) nas áreas com piores indicadores socioeconômicos (Coelho; Szabzon; Dias, 2014COELHO, V. S. P.; SZABZON, F.; DIAS, M. F. Política municipal e acesso a serviços de saúde: São Paulo 2001-2012, quando as periferias ganharam mais que o centro. Novos Estudos - CEBRAEP, São Paulo, n. 100, p. 139-161, 2014. DOI: 10.1590/S0101-33002014000300008
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).

Como consequência da criação das subprefeituras em regiões com elevada desigualdade socioeconômica, estabeleceram-se coordenadorias integradas com vistas a garantir o princípio político de integralidade da assistência. Estes marcadores administrativos, assim como operacionais, para a implantação do PSF, tem como foco a ampla capilaridade na adscrição de clientela, mapeamento do território e visitas domiciliares enquanto tecnologias de cuidado da Atenção Básica.. A partir destas intervenções, a aproximação das equipes de saúde com a população imigrante tem importância fulcral em sua inserção nas agendas locais, tanto como campo de intervenção quanto como um campo de produção de conhecimento e informações sobre as condições de vida, onde estão os locais das oficinas de costura, quais os padrões de consumo, níveis de adoecimento etc.

Por meio da atuação das equipes, também se fortaleceram mecanismos de contato com esta população por meio de instrumentos de participação social e conselhos de saúde, assim como pela contratação de agentes comunitários bolivianos para atuarem a partir do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) nas regiões com expressiva presença da imigração. Em entrevista, um imigrante boliviano admitido como agente comunitário de saúde em unidade de saúde na Barra Funda descreve as demandas de saúde desta população:

Minha vida como agente de saúde, principalmente com imigrantes, começa em 2005, até novembro de 2019. Então, lá naquele momento, já se falava de um índice elevado de tuberculose devido à forma de trabalhar, forma fechada, alimentação não era boa. Então, tudo isso já começava a aparecer, números de tuberculose. Então, começamos a conscientizar as oficinas de costura para que eles abram as portas. A demanda era praticamente como chegar à saúde os imigrantes sem ter documentação, porque todo mundo era clandestino. […] A outra preocupação era como a área da saúde chegar na comunidade para prever aquele avanço de tuberculose que estava havendo nas oficinas de costura […]. Mas naquela época a gente vivia dentro da clandestinidade, porque tinha que esperar a anistia e ela era dada pelo governo a cada 10 anos. Então, a gente tinha que lutar muito, a gente sofreu muito. (Agente comunitário de saúde, 2020)

Como efeito da ampliação do modelo assistencial, a incorporação de ações em atenção básica de saúde e a presença de técnicos, ONGs e gestores em espaços de diálogo, a problemática foi levada a instâncias de negociação política, dando contornos a sua visibilidade tanto pelo olhar técnico sanitário sobre as oficinas e, consequentemente, sobre problemáticas específicas, como a notificação de casos de tuberculose dessa população. Entre 2003 e 2004, por exemplo, os atendimentos para casos de tuberculose na população de imigrantes latino-americana que residiam nos bairros da Mooca, Brás, Pari e Belém registraram um aumento de 30%. Tal quadro epidêmico fora associado à condição de pobreza e miséria, assim como a determinados entraves no acesso à saúde, por exemplo, a exigência de CPF para o atendimento e as dinâmicas de jornada de trabalho nas oficinas (Gaeta, 2005GAETA, R. Projeto Somos Hermanos. In: Serviço Pastoral dos Migrantes (Org.). Travessias na de$ordem global: Fórum Social das Migrações. São Paulo: Paulinas, 2005. p. 337-348.).

Neste momento, as 31 subprefeituras, responsáveis pela divisão administrativa da cidade, contavam cada uma com a abrangência de regiões como Mooca, Brás, Pari, Belém e Bom Retiro, que tinham como parte de seu público imigrantes latino-americanos e trabalhavam intersetorialmente com a atuação do Projeto “Somos Hermanos”. Esse projeto formalizou articulações com a Pastoral do Migrante e a Coordenadoria de Saúde que “definiram como trabalho a construção de uma rede de solidariedade valorizando a diversidade cultural e combatendo a pobreza dos imigrantes, principalmente dos bolivianos, paraguaios e peruanos” (Gaeta, 2005GAETA, R. Projeto Somos Hermanos. In: Serviço Pastoral dos Migrantes (Org.). Travessias na de$ordem global: Fórum Social das Migrações. São Paulo: Paulinas, 2005. p. 337-348., p. 337).

Tais questões envolvidas na condição de inserção dessa população nas agendas de saúde e a importância de ações intersetoriais, como a atuação do “Projeto Somos Hermanos”, também levaram a modificações no acesso à saúde, garantindo direitos como a conquista do cartão SUS, além da inexigibilidade do CPF para acesso aos equipamentos de saúde conquistada no âmbito do Projeto “Somos Hermanos”, tornando-se importantes marcadores no processo de sua inserção na cidade, uma vez que o cartão SUS constituía-se, muitas vezes, como a primeira “identidade” nacional para o imigrante indocumentado (Aguiar; Mota, 2014AGUIAR, M. E. de; MOTA, A. O Programa Saúde da Família no bairro do Bom Retiro, SP, Brasil: a comunicação entre bolivianos e trabalhadores de saúde. Interface, Botucatu, v. 18, n. 50, p. 493-506, 2014. DOI: 10.1590/1807-57622013.0040
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).

Neste sentido, destaca-se que uma das chaves centrais para compreensão do processo de inserção da população de imigrantes bolivianos nas agendas locais de saúde foram as elevadas notificações de casos de tuberculose “espacializadas” nas oficinas clandestinas de costura, onde a atuação da rede gerava visibilidades aos principais agravos ligados à “miséria urbana, ao trabalho forçado, à má alimentação e às precárias condições de moradia. […] as doenças, como a tuberculose, são consequências das péssimas condições de moradia, trabalho, alimentação e higiene” (Gaeta, 2005GAETA, R. Projeto Somos Hermanos. In: Serviço Pastoral dos Migrantes (Org.). Travessias na de$ordem global: Fórum Social das Migrações. São Paulo: Paulinas, 2005. p. 337-348., p. 340).

Um dos questionamentos evidenciados é que a leitura sanitária dos quadros endêmicos de tuberculose, por exemplo, apoia-se na associação das condições precárias de trabalho nas oficinas, assim como no que implica esta vida laboral, indicando os determinantes concretos e sociais da tuberculose. A partir da normatividade da doença associada à pobreza e ao confinamento (Touso et al., 2014TOUSO, M. M. et al. Estigma social e as famílias de doentes com tuberculose: um estudo a partir das análises de agrupamento e de correspondência múltipla. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 11, p. 4577-4586, 2014. DOI: 10.1590/1413-812320141911.46062013
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), intercruzam-se ao modo de vida marcado pela alta rotatividade nas oficinas, característica dos mercados informais da costura e a exclusão por segregação social, linguística e espacial (Silva, 2012SILVA, S. A. da. Bolivianos em São Paulo: dinâmica cultural e processos identitários. In: BAENINGER, R. (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População-Nepo/Unicamp, 2012. p. 19-34.). A rotatividade, por exemplo, gera impactos sobre a continuidade da assistência nas unidades de saúde, principalmente no que se refere à mobilização da ESF para a transferência do cadastro e o acompanhamento a longo prazo de procedimentos como o pré-natal ou o tratamento da tuberculose (Aguiar; Mota, 2014AGUIAR, M. E. de; MOTA, A. O Programa Saúde da Família no bairro do Bom Retiro, SP, Brasil: a comunicação entre bolivianos e trabalhadores de saúde. Interface, Botucatu, v. 18, n. 50, p. 493-506, 2014. DOI: 10.1590/1807-57622013.0040
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).

Como o primeiro plano de análise do problema, situa-se a inserção da imigração como tema de gestão sanitária, para assinalar que os laços que tornam visíveis este fluxo imigratório, se refere a situação de “clandestinidade” e com as condições que contornam suas “vulnerabilidades” a partir de determinados atributos relacionados à normatividade da doença e condições de vida que os associa a determinadas marcas como a “subalternidade”.

Da mortalidade: desigualdades, mortes violentas e causas preveníveis

Em consulta aos dados de mortalidade que se constituem enquanto produções estatísticas ligadas à gestão sanitária municipal e que indicam o nível de saúde populacional, deparou-se com a ausência de dados demográficos oficiais sobre esta população, impossibilitando, assim, uma análise mais clara e objetiva de sua mortalidade, como o estabelecimento da taxa de mortalidade, por exemplo. Entretanto, descreve-se a mortalidade proporcional e as causas básicas de óbito como grafias destas mortes que representam um outro elemento de análise de suas “vulnerabilidades”, ao refletir o não alcance da assistência de saúde.

A presença destes dados na composição do texto se deu em decorrência de fatos registrados no acompanhamento de demandas de saúde de imigrantes bolivianos em ONG bem como da necessidade de compreender seu perfil de mortalidade, grande parte das mortes sendo de pessoas jovens e decorrentes de causas preveníveis, como neoplasias ou causadas pela violência urbana.. Dentre as demandas identificadas, havia a necessidade da vivência do luto pela comunidade, ato que consiste na mobilização de recursos comunitários para a manutenção de crenças, o que envolve, por exemplo, eventos públicos de luto e o translado de corpos.

A partir destes dados, busca-se compreender como ocorre a dinâmica de exposição aos agravos em saúde, caracterizando o marcador epidemiológico de suas “vulnerabilidades”, após o recorte temporal de intensa reestruturação e ampla distribuição de serviços públicos de saúde no município, alcançando, principalmente, regiões com piores indicadores socioeconômicos (Coelho; Szabzon; Dias, 2014COELHO, V. S. P.; SZABZON, F.; DIAS, M. F. Política municipal e acesso a serviços de saúde: São Paulo 2001-2012, quando as periferias ganharam mais que o centro. Novos Estudos - CEBRAEP, São Paulo, n. 100, p. 139-161, 2014. DOI: 10.1590/S0101-33002014000300008
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).

Esta população em sua grande maioria, é caracterizada como jovem, com maior proporção do sexo masculino, de acordo com o censo (IBGE, 2013IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Metodologia do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro, 2013.). A partir da mortalidade proporcional na Tabela 1, observa-se óbitos concentrados em jovens (entre 15 e 44 anos) em comparação com a mortalidade total do município. Entre os homens nesta faixa etária, a concentração de óbitos representa 41,3%, e 37,8% entre as mulheres. Nesta medida, pode-se afirmar que os dados apontam uma morte precoce entre a população boliviana, a qual ocorre, em grande medida, antes dos 50 anos, em comparação com o padrão de mortalidade proporcional da população geral do município.

Tabela 1
Mortalidade proporcional por idade e sexo de pessoas de nacionalidade brasileira e boliviana residentes no município de São Paulo entre 2010 e 2019 (N=1.038)

Em diálogo com os dados de mortalidade, pode-se afirmar que há agravos que atingem a saúde dos imigrantes bolivianos nas faixas etárias associadas à inserção no trabalho. Tal realidade pode-se relacionar com a alta incidência de quadros de tuberculose nas oficinas, barreiras de acesso à saúde e situações de violência (Goldberg; Silveira, 2013GOLDBERG, A.; SILVEIRA, C. Desigualdad social, condiciones de acceso a la salud pública y procesos de atención en inmigrantes bolivianos de Buenos Aires y São Paulo: una indagación comparativa. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 283-297, 2013. DOI: 10.1590/S0104-12902013000200003
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).

No que se refere à distribuição das causas dos óbitos, os números mostram que as principais causas básicas neste grupo populacional, de modo geral, são: em primeiro lugar, as neoplasias com 22,41%; em segundo, as doenças do aparelho circulatório com 19,0%; em terceiro, as causas externas de morbidade e mortalidade com 15,57%; e em quarto as doenças do aparelho respiratório com 10,35%. A tendência entre as principais causas de morte de imigrantes bolivianos também difere em comparação com a população geral do município de São Paulo (Aguiar, Neves; Lira, 2015AGUIAR, B. S. de; NEVES, H.; LIRA, M. M. T. Alguns aspectos da saúde de imigrantes e refugiados recentes no município de São Paulo. Boletim CEInfo Análise, São Paulo, v. 10, n 13, 2015.).

A distribuição das porcentagens das causas básicas diferem também em relação ao sexo. De acordo com o Gráfico 1, a maior causa de mortes de homens bolivianos está associada a causas externas, correspondendo a 21,6% do total . Em comparação com a quantidade de óbitos por causas externas da população geral para o mesmo período, registra-se 10,13% do total de óbitos masculinos no município (Brasil, 2021). Em estudo sobre a mortalidade de imigrantes latino-americanos no município de São Paulo, Silveira (2018SILVEIRA, R. C. Óbitos de imigrantes residentes no município de São Paulo nos anos de 2006 a 2015. In: BAENINGER, R. et al. (Org.). Migrações Sul-Sul. 2. ed. Campinas: Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” - Nepo/Unicamp, 2018. p. 558-570.) reitera que a maior ocorrência de óbitos entre imigrantes bolivianos, no período de 2006 a 2015, concentra-se nos homens, atingindo 57,9%, e no caso das mulheres corresponde a 42,1%.

Gráfico 1
Distribuição das principais causas básicas de óbitos de pessoas de nacionalidade boliviana por capítulo da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) no município de São Paulo (2010-2019) (N=1.038)

A principal causa básica de óbito entre mulheres são as neoplasias, enquanto doença crônica não transmissível, atingindo a porcentagem de 24,18%. No que se refere à saúde da mulher boliviana, aponta-se que o acesso aos serviços de saúde se dá, na maioria das vezes, em casos de gravidez, violência sexual ou doméstica (Carneiro Jr. et. al. 2011CARNEIRO JR., N. et al. Migração, exclusão social e serviços de saúde: o caso da população boliviana no centro da cidade de São Paulo. BIS, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 177-181, 2011. DOI: 10.52753/bis.2011.v13.33680
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; Santos; Drezett; Alves, 2015SANTOS, J.; DREZETT, J.; ALVES, A. de L. Características sociodemográficas de migrantes bolivianas com gestação decorrente de violência sexual atendidas em serviço público de referência para abortamento legal, São Paulo, Brasil, 2002-2014. Reprodução & Climatério, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 25-32, 2015. DOI: 10.1016/j.recli.2015.05.004
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; Santos; Mesquita, 2017SANTOS, M. O.; MESQUITA, J. L. Observando o lado feminino da migração: mulheres bolivianas na cidade de São Paulo. Ambivalências, São Cristóvão, v. 5, n. 9, p. 172-194, 2017. DOI: 10.21665/2318-3888.v5n9p172-194
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). Ademais, ressalta-se que, em determinados contextos, a procura por serviços de saúde entre mulheres bolivianas em São Paulo é maior do entre homens (Waldman, 2011WALDMAN, T. C. Movimentos migratórios sob a perspectiva do direito à saúde: imigrantes bolivianas em São Paulo. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 90-114, 2011. DOI: 10.11606/issn.2316-9044.v12i1p90-114
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).

O acometimento de casos avançados de neoplasias nas mulheres atinge em maior proporção aquelas de baixo nível socioeconômico, seja por causa de diagnósticos tardios que se justificam por falhas na detecção em níveis de atenção mais primários ou fatores que envolvem a não realização de exames preventivos associados à desigualdade racial e social (Amorim et al., 2008AMORIM, V. S. L. et al. Fatores associados a não realização da mamografia e do exame clínico das mamas: um estudo de base populacional em Campinas, São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 11, p. 2623-2632, 2008. DOI: 10.1590/S0102-311X2008001100017
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).

A morte de pessoas jovens (abaixo de 50 anos) por doenças crônicas não transmissíveis se relaciona às desigualdades estruturais de assistência, pois trata-se, antes, de obstáculos para o acesso à saúde. De outro modo, as doenças infecciosas e parasitárias representam 8,57% do total de óbitos, sendo que para a população total do município representam 3,75%. No que se refere à tuberculose como causa básica do óbito, compreendendo todas as formas clínicas, registra-se para a população boliviana a porcentagem de 3,94% do total de óbitos. Ao avaliar este mesmo indicador para a população a população do município no mesmo período, verifica-se a proporção de 0,41% (Brasil, 2021).

No que se refere às causas externas, no caso dos homens, as faixas etárias dos 15 aos 44 anos concentram maior número de óbitos por causas externas e, dentre estas, registra-se que a maior causa de mortes entre os homens são os homicídios, totalizando 30,3% dos óbitos. Homicídios enquanto causa básica do óbito, acometem, historicamente, os jovens negros moradores de regiões periféricas em maior proporção (Adorno et al., 2018ADORNO, R. de C. F. et al. Dinâmicas periféricas na cidade de São Paulo: mortes, consumos, moralidades e mercados. Platô: drogas e políticas, São Paulo, v. 2, v. 2, p. 55-78, 2018.), o que também denota a questão racializada desta causa.

Entre as mulheres, registra-se 23,08% de óbitos por homicídio. Assim, aponta-se para dimensões mais amplas como a condição de indocumentação que potencializa contextos de conflito urbano, como situações de assaltos às oficinas, mortes por violência, acidentes, entre outros fatores, como a maior exposição a violência doméstica (Santos; Drezett; Alves, 2015SANTOS, J.; DREZETT, J.; ALVES, A. de L. Características sociodemográficas de migrantes bolivianas com gestação decorrente de violência sexual atendidas em serviço público de referência para abortamento legal, São Paulo, Brasil, 2002-2014. Reprodução & Climatério, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 25-32, 2015. DOI: 10.1016/j.recli.2015.05.004
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).

Durante os anos de 2020 e 2021, ressalta-se que foram registrados 538 óbitos no total, segundo dados coletados com o PRO-AIM. Dessas mortes, 46,01% foram em decorrência de causas infecciosas e parasitárias. Com base neste dado, demonstra-se uma população que foi altamente exposta aos efeitos da pandemia de covid-19, seja pela falta de possibilidade de realizar medidas de isolamento sanitário ou mesmo pelas barreiras pré-existentes de acesso à saúde.

Portanto, o cenário de abreviação destas vidas, ou seja, jovens morrendo em idade produtiva por causas externas ou doenças crônicas não transmissíveis, aponta questões sensíveis do ponto de vista do acesso à integralidade em saúde, na medida em que estes imigrantes estão mais expostos a violências e barreiras de acesso à saúde (Carneiro Jr. et. al., 2011CARNEIRO JR., N. et al. Migração, exclusão social e serviços de saúde: o caso da população boliviana no centro da cidade de São Paulo. BIS, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 177-181, 2011. DOI: 10.52753/bis.2011.v13.33680
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; Santos; Drezett; Alves, 2015SANTOS, J.; DREZETT, J.; ALVES, A. de L. Características sociodemográficas de migrantes bolivianas com gestação decorrente de violência sexual atendidas em serviço público de referência para abortamento legal, São Paulo, Brasil, 2002-2014. Reprodução & Climatério, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 25-32, 2015. DOI: 10.1016/j.recli.2015.05.004
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; Santos; Mesquita, 2017SANTOS, M. O.; MESQUITA, J. L. Observando o lado feminino da migração: mulheres bolivianas na cidade de São Paulo. Ambivalências, São Cristóvão, v. 5, n. 9, p. 172-194, 2017. DOI: 10.21665/2318-3888.v5n9p172-194
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; Silveira et al., 2013SILVEIRA, C. et al. Living conditions and access to health services by Bolivian immigrants in the city of São Paulo, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 10, p. 2017-2027, 2013. DOI: 10.1111/j.1749-6632.1992.tb33484.x
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).

Pelo “avesso da costura”: tecendo um coletivo como mecanismo de resistência

O decorrer da pesquisa de campo foi interpelado pela crise sanitária de covid-19. Entre as medidas sanitárias de prevenção e o contato diário com as estatísticas de morbimortalidade, foram experienciados inúmeros efeitos sobre vidas que, de antemão, se deparavam com obstáculos no acesso à saúde e viviam em condições que impossibilitavam o isolamento social. Neste período, os pesquisadores se aproximaram do coletivo de mulheres bolivianas denominado “Luz e Vida” como desdobramento do campo etnográfico, tomando contato com a dinâmica de vida e estratégias de sobrevivência de mulheres/mães durante esse período em que se somaram dificuldades para ganhar seu sustento através das oficinas. Entre vivências em campo e a escuta de relatos à distância, foram desveladas situações limites (Biehl, 2011BIEHL, J. Antropologia no campo da saúde global. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 17, n. 35, p. 257-296, 2011. DOI: 10.1590/S0104-71832011000100009
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; Epele, 2010EPELE, M. Sujetar por la herida: una etnografía sobre drogas, pobreza y salud. Buenos Aires: Paidós, 2010.) para a sobrevivência do coletivo como fios condutores no enfrentamento das barreiras cotidianas nas teias institucionais (Goldberg; Silveira, 2013GOLDBERG, A.; SILVEIRA, C. Desigualdad social, condiciones de acceso a la salud pública y procesos de atención en inmigrantes bolivianos de Buenos Aires y São Paulo: una indagación comparativa. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 283-297, 2013. DOI: 10.1590/S0104-12902013000200003
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). Nesse ponto a pandemia de covid-19 colocou em evidência barreiras cotidianas existentes no acesso à saúde, onde se entrecruzaram invisibilidades, o aumento da violência doméstica, assim como o aumento de suas mortes.

O coletivo teve seu início no bairro de Guaianases (uma região periférica, localizada no extremo da zona leste de São Paulo) no ano de 2014, constituindo-se como grupo de mulheres que se apoiam em situações de violência doméstica, sexual e laboral. Esse coletivo conta com liderança compartilhada com representatividade em 14 bairros de inserção boliviana na cidade. Uma das interlocutoras da pesquisa, fundadora do coletivo, migrou para São Paulo em 2006. Vinda de La Paz, cruzou a fronteira entre Puerto Suárez e Corumbá com o intuito de encontrar melhores condições de trabalho no Brasil. Ao chegar em São Paulo com seu filho, seu cotidiano dividia-se entre o cortiço na região central da cidade, os cuidados domésticos e a rotina de trabalho em uma oficina de costura de imigrantes bolivianos. Para driblar as investidas da “criminalização”, da difícil mobilidade e incompreensão da língua, na época, seu apoio foi procurar uma ONG que prestava assistência a mulheres imigrantes. Inserindo-se na complexa malha institucional e de subcontratações das oficinas, faziam parte do seu cotidiano constantes cenas de violência no trabalho, o que a fez unir-se com outras mulheres imigrantes para conquistar espaços de voz e proteção. Enquanto característica ligada ao gênero e às condições de trabalho submetidas, mulheres/mães bolivianas que migram sozinhas buscam inserir-se em redes de apoio social (Santos; Mesquita, 2017SANTOS, M. O.; MESQUITA, J. L. Observando o lado feminino da migração: mulheres bolivianas na cidade de São Paulo. Ambivalências, São Cristóvão, v. 5, n. 9, p. 172-194, 2017. DOI: 10.21665/2318-3888.v5n9p172-194
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).

A relação entre gênero e imigração boliviana em São Paulo relaciona-se a uma maior exposição a situações de violência doméstica e sexual em ambientes de trabalho (Santos; Drezett; Alves, 2015SANTOS, J.; DREZETT, J.; ALVES, A. de L. Características sociodemográficas de migrantes bolivianas com gestação decorrente de violência sexual atendidas em serviço público de referência para abortamento legal, São Paulo, Brasil, 2002-2014. Reprodução & Climatério, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 25-32, 2015. DOI: 10.1016/j.recli.2015.05.004
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), além de casos de violência e obstáculos para o acesso à saúde (Goldberg; Silveira, 2013GOLDBERG, A.; SILVEIRA, C. Desigualdad social, condiciones de acceso a la salud pública y procesos de atención en inmigrantes bolivianos de Buenos Aires y São Paulo: una indagación comparativa. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 283-297, 2013. DOI: 10.1590/S0104-12902013000200003
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; Waldman, 2011WALDMAN, T. C. Movimentos migratórios sob a perspectiva do direito à saúde: imigrantes bolivianas em São Paulo. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 90-114, 2011. DOI: 10.11606/issn.2316-9044.v12i1p90-114
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). Somado às demandas do trabalho, as mulheres também se deparam com a necessidade de cuidado com os filhos e dificuldades para o acompanhamento da gestação e do parto (Santos; Mesquita, 2017SANTOS, M. O.; MESQUITA, J. L. Observando o lado feminino da migração: mulheres bolivianas na cidade de São Paulo. Ambivalências, São Cristóvão, v. 5, n. 9, p. 172-194, 2017. DOI: 10.21665/2318-3888.v5n9p172-194
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; Waldman, 2011WALDMAN, T. C. Movimentos migratórios sob a perspectiva do direito à saúde: imigrantes bolivianas em São Paulo. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 90-114, 2011. DOI: 10.11606/issn.2316-9044.v12i1p90-114
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).

A maior parte das mulheres que hoje participam do coletivo são costureiras, migraram sozinhas ou com seus familiares e filhos, e inseriram-se na costura pelo esquema da subcontratação. Muitas delas também são responsáveis pelos afazeres domésticos e pelo acesso de seus filhos a serviços vitais, como a educação pública e consultas médicas em postos de saúde. O coletivo consiste em acolher demandas de violência contra mulheres e crianças, além de realizar encontros em bairros de grande inserção da população boliviana para falar sobre temas como a violência doméstica, dificuldades de comunicação com brasileiros e discriminação nos postos de saúde, por exemplo.

Em uma vida no centro de fluxos econômicos globais (Feldman-Bianco, 2009FELDMAN-BIANCO, B. Reinventando a localidade: globalização heterogênea, escala da cidade e a incorporação desigual de migrantes transnacionais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 15, n. 31, p. 19-50, 2009. DOI: 10.1590/S0104-71832009000100002
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), onde a remuneração é feita por peças e a circulação de capital depende de produções em larga escala a preços baixos, com a emergência sanitária, os locais de comércio de roupas por atacado cessaram suas atividades. Empenhado na sobrevivência coletiva, em que, no limite, a “imunidade” mais urgente era matar a fome diária, o coletivo organizava-se para unir forças entre as mulheres no sentido de esquivar-se de uma falência econômica, visto a ausência de trabalho devido à suspensão das feiras de roupas por atacado.

Com a parada na produção devido à interrupção do comércio de roupas por atacado, os efeitos foram imediatos sobre o fluxo econômico que sustenta a mobilização de capitais e o envio de remessas à Bolívia. Após meses sem assistência e trabalho, a vida continuava e o que lhes restava para sustentar sua existência na cidade dependia da costura de máscaras a centavos cada peça, além de outros equipamentos de proteção, o que lhes requeria mais esforço e tempo, cerca de 14 a 16 horas de trabalho diário.

Somavam-se a esta difícil gestão da sobrevivência econômica, negociações entre o acúmulo de contas atrasadas e a ameaça diária de despejo de suas casas/oficinas. Além propriamente dos agravos potencializados sobre uma população que em sua maioria não tinha condições de isolamento social, o coletivo organizava-se para gerir situações que envolviam o adoecimento, mediante rede de contato com profissionais de saúde bolivianos, assim como para dar visibilidade às suas mortes em um momento em que se alargaram lacunas em torno do registro e gestão da morte (Medeiros; Hattori, 2020MEDEIROS, F. S.; HATTORI, M. L. Dispositivos estatais e construção social dos mortos. Revista M., Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 188-199, 2020. DOI: 10.9789/2525-3050.2020.v5i10.188-199
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).

Entre desiguais formas de acesso à seguridade social, visto que a população indocumentada não tinha acesso, no mínimo, à renda emergencial, a vida de centenas de famílias de imigrantes bolivianas oscilava no terreno volátil e instável da produção diária da costura de máscaras para sobreviver, como relata a liderança: “Agora que estamos em emergência aqui no Brasil, voltaram a fechar as lojas, muita gente não está recebendo pagamento […]. Cada máscara pagavam 10 centavos, a gente tenia que fabricar por mil as máscaras. Não conseguíamos comer, pelo menos pagarmos as contas”. Para escapar da fome, no interior do próprio coletivo, por meio da “panela comum” ou, nas palavras das líderes, “olla comunitaria”, organizava-se uma estratégia para arrecadar reservas de alimentos das oficinas e distribuir refeições em grupos organizados pelas mulheres do coletivo nos bairros de inserção.

Sob ameaças de despejo, o silêncio das máquinas de costura era também constante. Apesar disso, as escassas encomendas de máscaras e aventais de proteção eram redistribuídas entre as mulheres do coletivo, para que houvesse a circulação de renda. Ameaçadas pela falta de trabalho ou pelo despejo de suas casas, a única saída diante do alargamento dos abismos sociais era o fortalecimento de redes de apoio para gerir situações de maior exposição a riscos, de acordo com relato de liderança: “houve muitos casos de mulheres que foram demitidas de seus trabalhos, ficaram quase na rua com suas crianças […] tivemos que abrir de emergência uma casa para acolher aquelas mulheres que estavam em situación de rua”.

Em relato, ao longo do período pandêmico, as lideranças também denunciavam o aumento dos assaltos às oficinas de costura, da violência doméstica e sexual contra mulheres e crianças, das ameaças e do medo de ir aos hospitais pelas barreiras de acesso impostas pela não compreensão da língua, da criminalização da indocumentação e do receio da morte anônima. Além de tudo o que é “sequestrado” em suas vidas, também está a ameaça do sequestro de suas mortes pelo anonimato, que as relega à completa opacidade, como relata a liderança:

Hasta que quando começou a pandemia, ficou muito, muito complicado para nós. Porque sabemos que quando um imigrante morre aqui no Brasil, é muito difícil poder fazer o traslado para a Bolívia. Entonces, eu vi muitas mortes aqui que só quedaram aí na história né. […] eles enterravam os corpos né, mas assim, sem nome, porque não se sabia o nome do paciente que estava morrendo, porque eles eram indocumentados.

Pelos “avessos da costura”, o cotidiano da liderança do coletivo passa como um fio que se entremeia nos interstícios das estratégias de sobrevivência, por um lado, diante do não alcance da malha assistencial e, por outro, dos esforços extraordinários pela sustentação das demandas do coletivo com o acolhimento de mulheres vítimas de violência sexual e doméstica, do trabalho exaustivo nas costuras de máscaras, da esquiva da fome, do desabrigo ou das mortes anônimas.

Entre a gestão de suas necessidades, há uma “linha de fuga” a que resiste uma luta diária no sentido de fortalecer redes de apoio para o acesso à saúde e buscar a visibilidade de suas mortes. O coletivo vem no sentido de “considerar a vida tanto em termos de limites como de encruzilhadas” (Biehl, 2011BIEHL, J. Antropologia no campo da saúde global. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 17, n. 35, p. 257-296, 2011. DOI: 10.1590/S0104-71832011000100009
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, p. 272), nos interstícios entre políticas migratórias restritivas, produções normativas de suas “vulnerabilidades” e inserções em mercados de subcontratação.

Ainda nas entrelinhas de um fio condutor: para problematizar as vulnerabilidades

No que se refere à noção polissêmica de vulnerabilidades, que opera tanto de forma classificatória como cotidiana e relacional, a partir de marcadores sociais, étnicos e linguísticos, a existência da imigração boliviana nos âmbitos das agendas de saúde passou a ser visibilizada devido à precariedade das oficinas de costura nas quais o sistema de trabalho em situação análoga a de pessoas escravizadas funcionava como um “foco transmissor” da tuberculose. Para tal, havia a denúncia da irregularidade do trabalho e o “risco” da tuberculose. Acrescenta-se a essa “vulnerabilidade” que apresenta o “risco” da precariedade e da morte precoce por causas preveníveis, as ações de resistência, a ocupação de lugares públicos e a organização de coletivos. Nesse caso, também investido de um caráter de gênero, o coletivo de mulheres atua e resiste na direção de existir como identidade, inclusive numa morte que seja respeitada, ou para não morrer na indigência e superar estados de “indigência” na vida.

Portanto, ao ser inserida como objeto de agendas locais de saúde em sua noção classificatória de “vulnerabilidade”, chama-se atenção ao que reforça “marcas identitárias” (Silva, 2012SILVA, S. A. da. Bolivianos em São Paulo: dinâmica cultural e processos identitários. In: BAENINGER, R. (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População-Nepo/Unicamp, 2012. p. 19-34.), que se justapõem a diferentes estigmas: vidas “escravizadas”, “clandestinas”, “confinadas” aos enquadres que são comumente associados aos seus modos de viver e também de morrer na metrópole. Deste modo, a referência polissêmica das “vulnerabilidades” - termo que se tornou extremamente generalizado no campo das políticas públicas e ,em especial, da saúde pública - teria que ser melhor e mais rigorosamente tratada, a partir de suas tramas, contextos, circuitos e movimentos de segregação e resistência envolvendo seu caráter interseccional (Collins; Bilge, 2020COLLINS, P. H.; BILGE, S. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2020.).

A inclusão dos imigrantes bolivianos em políticas de saúde engendra-se em um debate mais extremo entre “fazer viver” e “deixar morrer”, tanto no que se refere ao reconhecimento dos seus sistemas de crenças quanto das barreiras de acesso à saúde. Os bolivianos têm condições de vida próximas da população preta e periférica (Adorno et al., 2018ADORNO, R. de C. F. et al. Dinâmicas periféricas na cidade de São Paulo: mortes, consumos, moralidades e mercados. Platô: drogas e políticas, São Paulo, v. 2, v. 2, p. 55-78, 2018.), sofrem discriminações, violências e barreiras linguísticas, em especial, com relação às mulheres. A organização dos coletivos de resistência está ligada, sobretudo, à ressignificação identitária (Silva, 2012SILVA, S. A. da. Bolivianos em São Paulo: dinâmica cultural e processos identitários. In: BAENINGER, R. (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População-Nepo/Unicamp, 2012. p. 19-34.) tão presente na história desta imigração. Portanto, a identificação étnica, de nacionalidade, de gênero, entre outras - como a capacidade do coletivo de mulheres de traduzir essa trama interseccional de “vulnerabilidades” -, se apresentou como a ação de resistência ao limite da sobrevivência e de enfrentamento que expõem ao não reconhecimento de suas mortes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2022
  • Revisado
    21 Nov 2022
  • Revisado
    20 Dez 2022
  • Aceito
    12 Abr 2023
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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