Questões da saúde digital para o SUS: a “saúde móvel” e a automação algorítmica do saber-poder da medicina

Leandro Modolo Sergio Carvalho Thais Dias Sobre os autores

Resumo

A pandemia de covid-19 acelerou a chamada transformação digital da saúde. Uma de suas faces pode ser vista no uso progressivo de aplicativos móveis dedicados à prevenção de doenças e à promoção à saúde (mSaúde). Todavia, ainda há muitas lacunas de conhecimento e problematizações sobre saúde digital para subsidiar seu uso e implementação no âmbito da saúde coletiva. Este ensaio pretende se somar às caracterizações e análises das consequências assistenciais, sociais, políticas, legais e éticas da saúde digital. A hipótese a ser defendida é que a transformação digital da saúde acarreta a automação algorítmica do saber-poder da medicina. Para desenvolver este ensaio, foram realizadas extensa revisão bibliográfica, investigação e descrição de aplicativos de mSaúde, a partir de estudos críticos sobre saúde digital propostos por Deborah Lupton.

Palavras-chave:
Saúde Digital; Saúde Móvel; Inteligência Artificial; Medicalização

Introdução

Até março de 2019, era possível dizer que a saúde digital estava em seu início (WHO, [2019?], p. 4)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Smart guidelines. WHO, Geneva, [2019]. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/teams/digital-health-and-innovation/smart-guidelines >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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. Durante a pandemia de covid-19, contudo, talvez não seja exagerado dizer que ela se expandiu rapidamente. As medidas de confinamento com vistas a conter a propagação do SARS-CoV-2 impeliu as experiências humanas - como trabalho, ensino-aprendizagem, socialização, entretenimento, consumo etc. - para a vida online.

O mesmo ocorreu com as práticas de atenção à saúde, além do fato de que estar presencialmente nos serviços de saúde configurava uma das atividades sociais com mais riscos de contaminação. Considerando os riscos da transmissão e os elevados custos da implantação das normas de biossegurança, a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) sugeriu que fossem criadas centrais de teleatendimento 24 horas. Ainda, o G20, em abril de 2020, convocou uma força-tarefa para analisar e explorar as intervenções digitais em saúde como resposta emergencial à covid-19 (WHO, 2020)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. G20 first-time released report on digital health interventions for pandemic management. WHO, Geneva, 7 dez. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/news/item/07-12-2020-g20-first-time-released-report-on-digital-health-interventions-for-pandemic-management >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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.

A covid-19 expôs sobremaneira o caráter estratégico das tecnologias digitais para manutenção de boa parte das atividades cotidianas de saúde em tempos de crise sanitária. Nesse cenário, inúmeros Estados nacionais e empresas privadas desenvolveram políticas de vigilância, rastreamento, triagem, monitoramento, promoção, tratamento e reabilitação diante da acelerada transformação digital na saúde. Tal mudança faz referência a um amplo leque de tecnologias: telemedicina, dispositivos vestíveis e biossensores, big data, inteligência artificial (IA) etc. Hoje, passados mais de dois anos do início da pandemia, são abundantes os casos nos quais a saúde digital foi utilizada decisivamente nos esforços sanitários multidisciplinares para reduzir a propagação do vírus e mitigar seus impactos (Zeng; Bernardo; Havins, 2020ZENG, K.; BERNARDO, S. N.; HAVINS, W. E. The use of digital tools to mitigate the COVID-19 pandemic. JMIR Public Health Surveill, Bethesda, v. 6, n. 4, p.e24598, 2020. Disponível em Disponível em https://publichealth.jmir.org/2020/4/e24598 DOI: 10.2196/24598. Acesso em: 06 ago. 2023.
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).

No contexto brasileiro da pandemia, por exemplo, todas as modalidades de telessaúde (telemedicina, teleconsultoria, telediagnóstico, teleconsulta etc.) desempenharam um papel inédito e, não raro, majoritário em níveis ambulatoriais públicos ou privados (Daumas et al., 2020DAUMAS, R. P. et al. O papel da atenção primária na rede de atenção à saúde no Brasil: limites e possibilidades no enfrentamento da covid-19. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 6, p. 1-7, 2020. DOI: 10.1590/0102-311X00104120.
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). Diante disso, o Ministério da Saúde (Brasil, 2020)BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Especializada à Saúde. Portaria nº 526, de 24 de junho de 2020. Inclui, altera e exclui procedimentos da Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS. Diário Oficial da União: seção 1, p. 49, 2 jul. 2020. Disponível em: <Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-526-de-24-de-junho-de-2020-264666631 >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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regulamentou ações de interação remota, atendimento pré-clínico, apoio ao cuidado, consultas médicas, acompanhamento de tratamento e diagnóstico - ou seja, uma gama de atendimentos a distância - como práticas legais de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Entre todas essas tecnologias, cabe destacar a ampla difusão de aplicativos (app) de internet móvel dedicados, sobretudo, ao escopo de cuidados e promoção à saúde, prevenção de doenças e acompanhamento em saúde - denominados como mSaúde (mHealth) ou “saúde móvel”. Por intermédio, por exemplo, dos apps dedicados à covid-19, tem sido possível rastrear e orientar a população sobre as formas de contágio, bem como sobre os canais de atendimento. Além disso, na atenção clínica individual, é possível monitorar e orientar os casos suspeitos quanto ao isolamento e reconhecimento dos sinais de alerta, com o objetivo de reduzir a quantidade de pessoas nos prontos-socorros e hospitais públicos e privados, além de reforçar medidas de distanciamento social (Daumas et al., 2020DAUMAS, R. P. et al. O papel da atenção primária na rede de atenção à saúde no Brasil: limites e possibilidades no enfrentamento da covid-19. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 6, p. 1-7, 2020. DOI: 10.1590/0102-311X00104120.
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).

Como alerta a OMS, todavia, ainda faltam “documentação técnica e normas para incorporação precisa, resultando em implementações digitais incompatíveis com dados e práticas de saúde recomendadas” (WHO, 2022, tradução nossa). Consequentemente, como bem aponta GadelhaGADELHA, C. A. G. O complexo econômico-industrial da saúde 4.0: por uma visão integrada do desenvolvimento econômico, social e ambiental. Cadernos do Desenvolvimento, Rio de Janeiro, v. 16, n. 28, p. 25-49, 2021., as análises sobre a atual transformação digital e seus desdobramentos demandam “a aproximação de campos diferentes de saberes, envolvendo, em particular, a economia política e o campo da saúde pública e coletiva, além de diversas áreas das ciências sociais, humanas, exatas e biomédicas” (2021, p. 30). Há, ainda, uma “lacuna de conhecimento sobre o uso de estratégias digitais de saúde” em razão da “falta de evidências sobre como tais estratégias podem influenciar os desfechos de saúde, a eficiência do sistema de saúde e o custo-efetividade da prestação de serviços” (Zeng; Bernardo; Havins, 2020ZENG, K.; BERNARDO, S. N.; HAVINS, W. E. The use of digital tools to mitigate the COVID-19 pandemic. JMIR Public Health Surveill, Bethesda, v. 6, n. 4, p.e24598, 2020. Disponível em Disponível em https://publichealth.jmir.org/2020/4/e24598 DOI: 10.2196/24598. Acesso em: 06 ago. 2023.
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, tradução nossa).

É nesse cenário ainda carente de informações e análises sistemáticas, sobretudo no âmbito da saúde coletiva, que este ensaio se inscreve. Procurando contribuir para esse debate, serão apresentados aportes teórico-metodológicos considerados cruciais para o desenvolvimento de pesquisas, além de intervenções que tenham como objeto a problemática da saúde digital no Brasil, a partir de uma perspectiva crítica referente aos distintos aspectos éticos, políticos e sociais que circunscrevem o uso e a “gestão” desse serviço. Acredita-se, nesse sentido, que existe um acúmulo importante de discussões e preocupações sobre aspectos centrais ao debate, tais como violações de privacidade, a chamada governança e segurança dos bancos de dados, a desigualdade na acessibilidade e usabilidade etc. Além disso, considera-se que há também outras questões a serem analisadas.

Nesse contexto, amparado na abordagem sociotécnica11 Sob essa perspectiva, as tecnologias são constructos socialmente produzidos a partir de disputas entre grupos e agentes que orientam suas escolhas técnicas com base em aportes éticos, políticos e culturais distintos. Desse modo, um app deve ser compreendido como resultado de interações e estabilizações realizadas no interior de relações de poder e conflito (Lupton, 2018). dos estudos críticos de saúde digital (Lupton, 2018LUPTON, D. Digital health: critical and cross-disciplinary perspectives. London: Routledge, 2018.), este estudo pretende acrescentar mais um eixo problematizador aos já existentes. Sob o suporte de uma revisão bibliográfica não sistemática que versa sobre a saúde digital, em especial a mSaúde, este artigo apresenta inicialmente um breve cenário da saúde digital, em particular seu arranjo sociotécnico denominado mSaúde - com destaque para os apps. Em um segundo momento, será exibida em síntese a chamada “dataficação”, com o foco nos usos da mSaúde diante do processo saúde-doença. Em seguida, o ensaio constituirá sua problematização central, cuja hipótese norteadora é que a saúde digital pode atualizar - expandindo e recrudescendo - o processo de medicalização a partir das técnicas automatizadas de reconhecimento de padrão, recomendação e tomada de decisão, próprias ao machine learning (aprendizado de máquina). Essa hipótese pode ser definida como a automação algorítmica do saber-poder da medicina. O ensaio se encerra com algumas questões consideradas pertinentes e urgentes para aqueles que atuam em defesa de um SUS popular, forte e soberano.

Enfatiza-se a produção deste texto na forma de um ensaio, pois esse gênero consiste em uma interpretação crítica mais próxima de um experimento intelectual do que de respostas definitivas às hipóteses verificadas. Logo, o objetivo é apresentar as contradições concretas em que se enredam as questões em tela, com vista a contribuir para o debate e aprimorar as análises em curso. Vale ressaltar também que o intuito não é resistir aos avanços da transformação digital, mas qualificá-los a partir dos princípios da reforma sanitária, tais como universalidade, integralidade, equidade e participação popular. Assim, este ensaio apresenta-se como uma contribuição para problematizar algumas questões inscritas na transformação digital que podem subtrair ou secundarizar os esforços coletivos em garantir e expandir, com equidade, os serviços públicos e o direito à saúde.

Da eSaúde à saúde digital: identificando a mSaúde

Centrada nas inovações de tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), a chamada transformação digital demarca um processo de mudança na forma como os diversos profissionais, sobretudo os médicos, “coletam, compartilham e analisam informações de saúde para uma melhor tomada de decisão clínica e prestação de cuidados de saúde” (Zeng; Bernardo; Havins, 2020ZENG, K.; BERNARDO, S. N.; HAVINS, W. E. The use of digital tools to mitigate the COVID-19 pandemic. JMIR Public Health Surveill, Bethesda, v. 6, n. 4, p.e24598, 2020. Disponível em Disponível em https://publichealth.jmir.org/2020/4/e24598 DOI: 10.2196/24598. Acesso em: 06 ago. 2023.
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, tradução nossa).

Tal como a diversidade de definições e usos existentes para conceitos como telemedicina, telessaúde e demais “teles” - surgidos na década de 1990 -, tanto a abreviação “e” para electronic quanto o termo “digital” usados atualmente são polissêmicos - já em 2005 havia 51 definições para tais (Oh et al., 2005OH, H. et al. What is eHealth (3): a systematic review of published definitions [Internet]. Journal of Medical Internet Research, Bethesda, v. 7, n. 1, 2005. Disponível em: <Disponível em: https://www.jmir.org/2005/1/e1/ >. Acesso em: 05 dez. 2022. DOI: 10.2196/jmir.7.1.e1.
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). O certo, contudo, é que hoje eles designam os usos crescentes das TDICs no apoio à saúde e às atividades relacionadas ao cuidado, visto que não há mais tecnologias de informação e comunicação (TIC) sem o suporte digital da internet.

No início do século XXI, com o uso extensivo de computadores e internet, surgiu o termo eSaúde (eHealth). Se em 2005 a OMS (WHO, 2011)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. mHealth: new horizons for health through mobile technologies. Geneva, 2011. (Global Observatory for eHealth Series, v. 3). Disponível em: <Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/44607 >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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criava o primeiro “Observatório Global para eHealth”, em que declarava que a eSaúde era prioridade na agenda mundial, em 2016, a mesma instituição a ratificou como “parte integrante do fornecimento de melhorias na saúde” (WHO, 2016, p. 5-7, tradução nossa)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global diffusion of eHealth: making universal health coverage achievable. Geneva, 2016. Report of the third global survey on eHealth. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789241511780 >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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. A OMS enfatizou seu papel na obtenção do que a entidade defende como cobertura universal de saúde e, consequentemente, orientou os sistemas nacionais de saúde a considerarem a contribuição das TDICs como um serviço essencial e central na promoção do acesso à saúde, e não mais apenas como um complemento.

Devido à generalização dos smartphones e tablets, à miniaturização e ao barateamento das tecnologias digitais em geral, em 2018, o conceito de eSaúde passou a ser incorporado em outra definição mais ampla, a saber: saúde digital (digital health) - que havia sido introduzida em 2000 por Seth Frank para designar a convergência entre cuidado em saúde e internet. Esse termo só ganhou contornos políticos com a resolução da Assembleia Mundial da Saúde de 2018, na qual passou a ser definido o uso das TDICs em “apoio à saúde e aos campos relacionados à saúde” (WHO, 2019, p. ix, tradução nossa)WHO - World Health Organization. Guideline: recommendations on digital interventions for health system strengthening. Geneva: World Health Organization; 2019. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications-detail/who-guideline-recommendations-on-digital-interventions-for-health-system-strengthening > Acesso em: 10 fev. 2022.
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. O resultado foi a alocação sob seu guarda-chuva de uma variedade de tecnologias digitais voltadas em alguma medida às práticas de saúde, telemedicina e genômica, incluindo as áreas de computação avançada como big data, internet das coisas (IoT), IA etc. Com a recente criação do departamento de saúde digital da OMS, em 2019, cabe registrar que foram elaboradas as primeiras “diretrizes baseadas em evidências para saúde digital” (WHO, 2019, p. xx, tradução nossa)WHO - World Health Organization. Guideline: recommendations on digital interventions for health system strengthening. Geneva: World Health Organization; 2019. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications-detail/who-guideline-recommendations-on-digital-interventions-for-health-system-strengthening > Acesso em: 10 fev. 2022.
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, consagrando o uso do termo como conceito chave das políticas mundiais de saúde.

No campo da saúde digital, além da eSaúde, estão os dispositivos pessoais de computação móvel geolocalizados - mais precisamente os apps de saúde, nomeados pela OMS de mSaúde (mHealth). Trata-se de um subconjunto da eSaúde (Figura 1) cuja “prática médica e de saúde pública são suportadas por dispositivos móveis, como telefones celulares, dispositivos de monitoramento de pacientes, assistentes digitais pessoais (PDAs) e outros dispositivos sem fio” (WHO, 2011, p. 6, tradução nossa)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. mHealth: new horizons for health through mobile technologies. Geneva, 2011. (Global Observatory for eHealth Series, v. 3). Disponível em: <Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/44607 >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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. Nessa esteira, saúde móvel ou mSaúde pode ser razoavelmente definida como: todo o leque de práticas de saúde suportadas por dispositivos móveis conectados à internet (intermitente ou constantemente) com vistas a superar as barreiras geográficas, temporais e organizacionais, abrangendo uma variedade de contextos e usos, tais como diagnóstico, tratamento, apoio a decisões clínicas, gestão do cuidado, prestação de cuidados, suportes terapêuticos, educação, promoção e prevenção.

Figura 1
mSaúde: subconjunto da eSaúde

Nos últimos anos, segundo a OMS (2016)WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global diffusion of eHealth: making universal health coverage achievable. Geneva, 2016. Report of the third global survey on eHealth. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789241511780 >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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, cerca de 83% dos Estados-membros têm ao menos uma iniciativa de mSaúde. Os investimentos comerciais também são volumosos: quase US$ 6 bilhões em financiamento somente em 2017 (R2G, 2017)R2G - RESEARCH2GUIDANCE. mHealth economics 2017: current status and future trends in mobile health. Berlin, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://research2guidance.com/product/mhealth-economics-2017-current-status-and-future-trends-in-mobile-health/ >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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; o número de apps de mSaúde comercializados no mesmo ano esteve próximo de 325.000, sendo mais de 200 adicionados diariamente e, em 2019, as despesas dos consumidores estiveram na ordem de US$ 1,5 bilhão (R2G, 2017)R2G - RESEARCH2GUIDANCE. mHealth economics 2017: current status and future trends in mobile health. Berlin, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://research2guidance.com/product/mhealth-economics-2017-current-status-and-future-trends-in-mobile-health/ >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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. Com a crise sanitária global, como já indicado, tal cenário se acelerou.

As potencialidades e os benefícios dos usos desses apps já têm sido destacados. Seu escopo amplo e sua flexibilidade - passíveis de atualização em tempo real - possibilitam ajustes às necessidades em saúde de cada contexto social, ampliando as possibilidades de interação entre pacientes e profissionais de saúde. Ao mesmo tempo que “apoia o acesso direto aos serviços de saúde independentemente do tempo e do local e permite reduzir os elevados custos existentes dos serviços nacionais de saúde”, se adequando também às “doenças crônicas e relacionadas ao estilo de vida” dado a ágil “escalabilidade para lidar com o número crescente de idosos e pacientes com doenças crônicas que requerem monitoramento constante”. (Aceto et al., 2018ACETO, G.; PERSICO, V.; PESCAPÉ, A. The role of Information and Communication Technologies in healthcare: taxonomies, perspectives, and challenges. Journal of Network and Computer Applications, [s.l.], v. 107, p. 125-154, 2018., p.128, tradução nossa).

Todavia, não se deve ignorar as contradições que atravessam tal contexto. Para seguir com algumas problematizações sobre a transformação digital em curso, é preciso uma breve análise sobre o processo sociotécnico que tem sido denominado como dataficação.

mSaúde: um suporte para a dataficação do processo saúde-doença

Hoje quase todos os processos de interação social são potencialmente uma fonte de dados, que podem ser armazenados, computados, analisados e correlacionados a inúmeros outros, como testes diagnósticos, registros de farmácias, prontuários eletrônicos e dados “ômicos” - genômico, proteômico, interatômico, metabolômico entre outros - à cachoeira de dados oriundo da web 2.0 (Lupton, 2018LUPTON, D. Digital health: critical and cross-disciplinary perspectives. London: Routledge, 2018.). Em suma, vive-se imerso na chamada “ubiquidade digital” (Lupton, 2018)LUPTON, D. Digital health: critical and cross-disciplinary perspectives. London: Routledge, 2018..

A presença ubíqua dessas fontes de dados tem feito alguns estudiosos defenderem que há dois novos fenômenos globais em curso. Um de dimensão econômica, que resumidamente pode ser chamado de “colonialismo de dados” (Couldry; Mejias, 2018COULDRY, N.; MEJIAS, U. A. Data colonialism: rethinking big data’s relation to the contemporary subject. Television & New Media, [s. l.], v. 20, n. 4, p. 336-349, 2018. DOI: 10.1177/1527476418796632.
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). Ele combina as práticas extrativistas do antigo colonialismo com os métodos de quantificação da computação para acumular dados individuais e populacionais ao longo de todo o mundo. O outro é de dimensão epistêmica/cultural, chamado “dataísmo” (Van Dijck, 2014)VAN DIJCK, J. Datafication, dataism and dataveillance: big data between scientific paradigm and ideology. Surveillance and Society, [s. l.], v. 12, n. 2, p. 197-208, 2014. DOI: 10.24908/ss.v12i2.4776
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. Segundo alguns analistas (Silveira, 2020SILVEIRA, S. A. Sistemas algorítmicos, subordinação e colonialismo de dados. In. SABARIEGO, J. et al. Algoritarismos, 2020. p. 158-170.), esse fenômeno vem atualizando a racionalidade instrumental própria ao (neo)positivismo por meio da crença absoluta na objetividade e neutralidade dos dados (extraídos digitalmente) como formas superiores de conhecimento e intervenção na realidade.

Destaca-se o fato de que ambos os processos aparecem sob suporte de uma infraestrutura sociotécnica que opera a “dataficação” (Van Dijck, 2014)VAN DIJCK, J. Datafication, dataism and dataveillance: big data between scientific paradigm and ideology. Surveillance and Society, [s. l.], v. 12, n. 2, p. 197-208, 2014. DOI: 10.24908/ss.v12i2.4776
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. Esse é o nome dado à automatização do processo de extração-conversão dos usuários, seus corpos, afetos, sintomas, práticas, relações etc. em modelagens quantitativas e linguagens computacionais, que, em último caso, se reduzem a pares binários “0” e “1”. Não há saúde digital sem dataficação e, com ela, tudo é passível de se tornar bits.

Tal fato tem feito as mais diversas experiências de cidadãos, pacientes e profissionais da saúde, na interação com seguradoras, empresas de tecnologia, serviços públicos de saúde etc., se transformarem em um grande pool de dados a ser armazenado, extraído, convertido e incorporado ao “ecossistema digital da saúde” (Hadzic; Chang, 2010HADZIC, M.; CHANG, E. Application of digital ecosystem design methodology within the health domain. IEEE Transactions on Systems, Man, and Cybernetics - Part A: Systems and Humans, [s. l.], v. 40, n. 4, p. 779-788, 2010. DOI: 10.1109/TSMCA.2010.2048022.
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), ou seja, ao conjunto de tecnologias digitais dedicadas à saúde e que, em maior ou menor grau, estão interconectadas, inter-relacionadas e interdependentes por meio da internet e/ou da web e de seus operadores e proprietários.

Um dos muitos exemplos possíveis, nesse escopo, é a emergência da “epidemiologia digital” (Salathé et al., 2012SALATHÉ, M. et al. Digital epidemiology. PLoS Computational Biology, [s. l.], v. 8, n. 7, p. 1-5, 2012. DOI: 10.1371/journal.pcbi.1002616.
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). Dados oriundos da ubiquidade digital já demonstraram seu potencial no auxílio à previsão da disseminação da epidemia de cólera no Haiti em 2010 e durante a crise do ebola na África Ocidental em 2014-2016. No Brasil, o Ministério da Saúde também já utilizou a técnica por meio dos apps Tinder e Hornet para publicidade direcionada aos usuários com comportamentos de risco para infecções sexualmente transmissíveis (IST). Anteriormente à pandemia de covid-19, o regulamento sanitário internacional (RSI) já havia acolhido oficialmente a utilização de “fontes não oficiais” para cálculos e informações epidemiológicas (Leal-Neto ., 2016)LEAL-NETO, O. B. et al. Detecção digital de doenças e vigilância participativa: panorama e perspectivas para o Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 50, p. 1-5, 2016. DOI: 10.1590/S1518-8787.2016050006201.
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. Com efeito, cada vez mais uma avalanche de dados que não era computada clínica e epidemiologicamente até poucos anos atrás atualmente constitui big data estatais e/ou corporativas com volumes, velocidades e variedades inéditas - a exemplo da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS).

É no interior desse ecossistema digital que os apps de mSaúde aparecem como artefatos projetados para promover a dataficação granular, constante e em tempo real dos seus usuários ao interpelá-los a fazer upload de suas experiências com/no processo saúde-doença. Por essa razão, um conjunto heterogêneo de estudiosos e ativistas vem jogando luzes ao que ficou conhecido como “eu quantificado” ou “autorrastreamento” (Lupton, 2018LUPTON, D. Digital health: critical and cross-disciplinary perspectives. London: Routledge, 2018.).

Seguindo o estudo de Deborah Lupton (2018LUPTON, D. Digital health: critical and cross-disciplinary perspectives. London: Routledge, 2018.), os esforços de monitoramento e a quantificação dos corpos e dos “eus” já ocorrem há séculos para subsidiar a biopolítica do Estado moderno. Hoje, contudo, alerta a socióloga: “Parece difícil haver um limite às maneiras pelas quais as atividades diárias de uma pessoa possam ser monitoradas, medidas e quantificadas” (Lupton, 2012, p. 240, tradução nossa)LUPTON, D. M-health and health promotion: the digital cyborg and surveillance society. Social Theory & Health, [s. l.], v. 10, p. 229-244, 2012. DOI: 10.1057/sth.2012.6.
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, seja a exposição ao sol, o consumo de comida, o consumo de álcool, as práticas sexuais, o controle do tabagismo, o monitoramento do sono, o cuidado psicológico, o monitoramento do ciclo menstrual, o controle das variáveis anatomofisiológicas, o controle de peso e o índice de massa corporal, o nível de glicemia, a aptidão à atividade física, a energia despendida, a temperatura corporal, a frequência cardíaca, a atividade cerebral etc. Em suma, atualmente, todas as dimensões dos processos saúde-doença são, em potencial, passíveis de serem dataficadas.

Por essa razão, o autorrastreamento operado pela mSaúde também pode ser compreendido como um dispositivo de dataficação dos “modos de andar a vida” (Canguilhem, 2009CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. 6. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2009.). Consequentemente, tal avalanche de dados passou a ser parte constitutiva de uma biopolítica automatizada dos “reconhecimentos de padrões”, ou seja, na construção algorítmica de normas médicas; do mesmo modo que, para isso ocorrer, o “olhar médico” tornou-se também um app de mSaúde que faz a vez do biopoder normalizador.

A automação algorítmica do saber-poder da medicina

À medida que a transformação digital da saúde ocorre, uma miríade de técnicas e tecnologias “inteligentes” opera. A principal, seguramente, é o machine learning (ML) - para alguns, o subcampo dominante de IA. Sem adentrar nas tecnicidades que o constituem,22Para mais informações nesse sentido, ver Domingos (2017). pode-se definir ML, grosso modo, como a aplicação de modelos estatísticos a uma grande quantidade e variedade de dados - as big data - com vistas ao reconhecimento de padrões (pattern recognition) por meio de softwares com capacidades computacionais - memória e processamento - inéditas.

Sua grande novidade é o fato de que os “algoritmos de aprendizado” que a operam não dependem totalmente de modelos e regras prévios estabelecidos por seres humanos; ao contrário, em camadas computacionais específicas eles “aprendem” de modo automatizado com os dados que eles mesmos processam, criando para si regras mais calibradas para apresentarem recomendações e tomarem “melhores” decisões. Em resumo, ML é um software que “aprende” sem ser programado. Seu escopo central é, mediante o reconhecimento de padrões, predizer cenários futuros e, com base nesses cálculos, tomar as decisões mais “inteligentes” diante da tarefa específica para a qual foi criado.

Hoje não faltam exemplos de aplicação de diferentes tipos de ML, da consulta ao Google à recomendação de filmes na Netflix ou de vídeos no YouTube, além de serviços de mobilidade como a Uber. A esses ML inscritos nas tecnologias do cotidiano alguns deram o nome de “I.A realmente-existente” - em que também estão incluídos os apps(Dyer-Witheford ., 2019)DYER-WITHEFORD, N.; KJOSEN, A. M.; STEINHOFF, J. Inhuman power: artificial intelligence and the future of capitalism. London: Pluto Press, 2019..

Ao observar a inserção acelerada de ML nas práticas de saúde e cuidado sob o prisma do processo de medicalização, a pergunta que surge é: qual é a repercussão da transformação digital no saber-poder da medicina? A hipótese geral que embasa as considerações deste trabalho é que a “I.A realmente-existente” do campo da saúde atualiza a medicalização - expandindo-a e recrudescendo-a - a partir da automatização de cálculos, predições, monitoramentos e orientações agenciados pelo ML.

O que há de comum na polissemia do conceito “medicalização” é a “transposição do que originalmente é da ordem do social, moral e político para os domínios da ordem médica e práticas afins” (Freitas; Amarante, 2015FREITAS, F.; AMARANTE, P. Medicalização em psiquiatria. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2015., p. 14). Considerando, portanto, que a medicina é uma prática social que tem como background tecnologias de poder voltadas para os corpos biológicos individuais e para os processos biológicos populacionais, a concepção de medicalização aqui utilizada compreende o processo no qual o saber-poder da medicina dita normas de conduta, bem como prescreve comportamentos.

Desde o surgimento da vigilância epidemiológica no século XVIII, observa-se o nascente Estado moderno constituir técnicas de coleta de dados, mensuração e cálculo com vistas a regular os “efeitos de massa próprios a uma população” e, então, predizer a probabilidade de um evento biológico subtrair a “força” e a “saúde” do corpo-espécie da nação - a biopolítica assentada no nascimento da estatística, da epidemiologia etc. Ao mesmo tempo, nos séculos XVII e XVIII, também viu-se o “nascimento da clínica”, cujas características incluíam novas técnicas para disciplinar os corpos e as condutas individuais - em larga medida, com vistas a produzir sujeitos dóceis e úteis para a sociedade urbano-industrial emergente - em suma, o biopoder. Em ambas as acomodações, populacional e individual, também identificou-se que o saber-poder da medicina moderna se fez veículo racionalizador imprescindível para tal, ora pautando as reformas urbanas com base no higienismo, ora normalizando as condutas dos “degenerados” com base no racismo e na misoginia, por exemplo.

Nesse sentido, duas características centrais de ML são fundamentais para atualização digital da medicalização: ele é uma tecnologia de (a) reconhecimento de padrões, dos quais são inferidas predições e a partir dos quais são construídas (b) recomendações e tomadas de decisão, de modo automatizado, ou seja, sem a mediação direta de um ser humano.

Em primeiro lugar, o reconhecimento de padrões deve ser entendido como uma “construção cultural, não apenas técnica” (Pasquinelli; Joler, 2020PASQUINELLI, M.; JOLER, V. The Nooscope manifested: AI as instrument of knowledge extractivism. Nooscope, [s. l.], 1 maio 2020. Disponível em: <Disponível em: https://nooscope.ai >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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). As big data dependem de uma extração-conversão de dados ad infinitum - quanto mais dados extraídos, mais calibradas são as inferências produzidas pelo ML. No cerne desse processo está o fato de que todo reconhecimento de padrão é, por definição, uma classificação e hierarquização. Por suposto, reconhecer padrão é atribuir uma categoria (etiqueta) a uma amostra populacional de acordo com uma convenção cultural, racionalidade política e moral já existentes. Consequentemente, para o bem ou para o mal, é um modo computacional de construir normas populacionais, ou seja, é um dispositivo biopolítico.

Uma maneira plausível de olhar para construção automatizada dessas normas de caráter biopolítico é dar atenção aos estudos que têm discutido a “discriminação algorítmica” (algorithmic discrimination) (Eubanks, 2018EUBANKS, V. Automating inequality: how high-tech tools profile, police, and punish the poor. New York: St. Martin’s Press, 2018.). Sem adentrar nas razões técnicas que dão vazão à produção e ao uso de algoritmos discriminadores em todo o mundo, os fatos levantados por essas estudiosas ratificam a leitura de que o reconhecimento de padrões de ML é a construção de uma nova taxonomia aberta às velhas estruturas sociais de discriminação e segregação racial, de gênero e de classe.

Restringindo os exemplos ao campo da saúde, pode-se mencionar brevemente dois casos de tecnologias “inteligentes” racistas. O primeiro é o caso dos algoritmos usados pela Optum para, em tese, distribuir de forma justa e eficiente os recursos de saúde (Gawronski, 2019GAWRONSKI, Q. Racial bias found in widely used health care algorithm. NBC News, New York, 6 nov. 2019. Disponível em: <Disponível em: https://www.nbcnews.com/news/nbcblk/racial-bias-found-widely-used-health-care-algorithm-n1076436 >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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). Segundo o estudo publicado na Science, os pacientes negros recebiam o mesmo indicador de risco (health score) que os paciente brancos mesmo com quadros mais graves. O viés racial do ML reduzia em mais da metade o número de pacientes negros identificados para receberem recursos e cuidados extras necessários - a pesquisa estima que 200 milhões de pessoas ao ano podem ser afetadas por ferramentas semelhantes.

Em segundo, podem-se destacar os rastreadores de frequência cardíaca, tais como Fitbit (da Google) e Apple Watch, entre outros. Como noticiado no Stat, há uma série de reclamações de consumidores que “sugerem que os dispositivos não conseguem fazer uma leitura em peles mais escuras” (Hailu, 2019HAILU, R. Fitbits and other wearables may not accurately track heart rates in people of color. Stat, Boston, 24 jul. 2019. Disponível em: <Disponível em: https://www.statnews.com/2019/07/24/fitbit-accuracy-dark-skin/ >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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, tradução nossa). Ademais, acrescenta a matéria, esses rastreadores hoje são amplamente utilizados como fonte de dados para ensaios clínicos e pesquisas acadêmicas, ao mesmo tempo que não levam em consideração seus “vieses” como a cor da pele. Para a estudiosa do campo, Kadija Ferryman: “Não importa qual seja a tecnologia, há evidências de que inserir outra ferramenta, não importa quão avançada ela seja, provavelmente continuará e continuará a defender os preconceitos existentes ou exacerbá-los” (Hailu, 2019, tradução nossa)HAILU, R. Fitbits and other wearables may not accurately track heart rates in people of color. Stat, Boston, 24 jul. 2019. Disponível em: <Disponível em: https://www.statnews.com/2019/07/24/fitbit-accuracy-dark-skin/ >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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.

No outro polo da medicalização, o biopoder, deve-se considerar que os apps de mSaúde não podem ser compreendidos simplesmente como tecnologias “passivas”, seja na oferta de informações sobre saúde, seja como ferramentas de cuidado a distância ou como auxiliares em uma terapêutica específica. Seguindo Lupton (2018LUPTON, D. Digital health: critical and cross-disciplinary perspectives. London: Routledge, 2018., p. 1-7, tradução nossa), é preciso considerar que, “além de novas ferramentas de tecnologia digital”, eles são também “produtos socioculturais” capazes de “criar novas práticas e conhecimentos” e, por conseguinte, constituir novas “formas produtivas de poder”. Na esteira de Michel Foucault, a perspectiva sociomaterial da autora considera que, ao engajar os usuários no automonitoramento/autorrastreamento digital da saúde, as relações entre os apps e os usuários produzem conhecimentos sobre os corpos destes últimos em suas diversas características, consequentemente, estabelecem novas relações de saber-poder que propiciam à existência novas práticas e subjetividades.

Neste estudo, na esteira de Lupton, considera-se que a mSaúde é justamente uma expressão automatizada da biopolítica-biopoder. Visto que os apps atuam como imprescindíveis fontes de extração-conversão de dados - de modo granular, ininterrupto e em tempo real - que alimentam diversas big data cujos ML operam os reconhecimentos de padrões. Ao mesmo tempo, os aplicativos são uma nova forma do “olhar médico” que incide diretamente no processo de normalização disciplinar dos corpos e dos comportamentos - também de modo automatizado. Eles são, portanto, o encontro - estrutural e estruturante - da biopolítica e do biopoder na transformação digital da saúde.

Pode-se dizer que assim como os reconhecimentos de padrões estão para a biopolítica automatizada, as recomendações e as tomadas de decisão estão para o biopoder automatizado. Um dos dispositivos centrais do biopoder é o “olhar médico” para definir o que é normal e o que patológico. Tradicionalmente, é no encontro entre médico-paciente no espaço clínico/ambulatorial que o saber-poder da medicina olha para o “caso” e infere um diagnóstico, bem como prescreve uma conduta e/ou um projeto terapêutico. É nesse encontro que se define, portanto, o desvio, o anormal. Dito de outro modo, é a partir do olhar da medicina que a modernidade opera a normalização disciplinar dos corpos e dos comportamentos. Quando se observa a mSaúde, como bem destacou a filósofa Marjolein Lanzing, o autorrastreamento opera “menos para iluminar os usuários com informações do que incitá-los a mudar, controlando, mudando e ‘melhorando’ o comportamento dos usuários com base nas percepções derivadas dos dados” (Lanzing, 2016, p. 10, tradução nossa)LANZING, M. The transparent self. Ethics and Information Technology, [s. l.], v. 18, p. 9-16, 2016. DOI: 10.1007/s10676-016-9396-y.
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.

Em outras palavras, o que, em tese, é para ser uma tecnologia de “empoderamento” do paciente (Lupton, 2018LUPTON, D. Digital health: critical and cross-disciplinary perspectives. London: Routledge, 2018.) e, consequentemente, um meio de fortalecimento de sua autonomia ao fornecer mais informações sobre si mesmo, também deve ser visto como a incidência cada vez mais granular e constante do “olhar médico” na vida do paciente. Os usuários dos apps, recuperando Lupton (2018)LUPTON, D. Digital health: critical and cross-disciplinary perspectives. London: Routledge, 2018., posicionam-se no sentido de preservar e promover sua própria saúde, incluindo acessar informações relevantes, monitorar sua própria saúde e assumir a responsabilidade pelo gerenciamento de suas condições médicas, mas, paralelamente a isso, também são constituídas relações nas quais os apps oferecem recomendações capazes de exercer influência decisiva na tomada de decisão dos próprios usuários, quer sobre suas práticas de cuidado, quer sobre seus regimes de atenção e promoção à saúde.

Para Nete Schwennesen (2019SCHWENNESEN, N. Algorithmic assemblages of care: imaginaries, epistemologies and repair work. Sociology of Health & Illness, [s. l.], v. 41, n. S1, p. 176-192, 2019. DOI: 10.1111/1467-9566.12900.
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), é possível observar, inclusive, uma “vinculação afetiva” gerada pela confiança que o usuário tem na tecnologia e em sua capacidade de atuar como um substituto do profissional de saúde. Os usuários-pacientes acreditam que seguir o que é interpelado pelo app fornece o caminho mais “correto” para sua saúde. A relação médico-paciente, assim, deixa de ser constituída apenas por seres humanos e passa a acontecer também sob mediação de um “robô”, daí a automação algorítmica. Ao final, além de gerenciar os dados dos usuários, com técnicas autocorretivas a partir de informações coletadas/extraídas em tempo real, as inteligências artificiais transformam os apps de saúde em “autoridades algorítmicas” capazes de atuar como dispositivos de biopoder nas práticas de cuidado e atenção à saúde, seja para afirmar práticas de autocuidado dirigidas à qualidade de vida da população, seja para normalizar as distintas formas de vida.

Tudo isso pode ser visto de modo exemplar nos apps de mSaúde destinados à saúde mental, que se disseminaram nos contextos de quarentena e distanciamento social exigidos pela pandemia de covid-19. Esses apps podem incluir componentes de tratamento, como terapia cognitiva, ativação comportamental, psicoeducação ou monitoramento de sintomas. O caso dos apps para prevenção de suicídio pode ser encarado como paradigmático nesse campo, dada a tarefa sensível - em última medida comportamental - a que os aplicativos se propõem. Um deles é o Better Stop Suicide, criado por uma equipe de psicólogos e especialistas em saúde digital com a finalidade de ajudar o usuário “a pressionar seu próprio botão de parada” (Better App Company, 2023, tradução nossa)BETTER APP COMPANY. Better stop suicide app features. The Better App Company, [s. l.], c2023. Disponível em: <Disponível em: https://www.thebetterappcompany.com/better_stop_suicide >. Acesso em: 26 jul. 2023.
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. Para isso, segundo eles, o app “utiliza técnicas e tecnologias psicológicas líderes do mundo para impedir as pessoas de cometerem suicídio”, entre elas “áudios indutores de sono”, “verificação de necessidades emocionais”, indicadores de “tarefas simples e úteis para você se sentir melhor” etc. (Better App Company, 2023, tradução nossa)BETTER APP COMPANY. Better stop suicide app features. The Better App Company, [s. l.], c2023. Disponível em: <Disponível em: https://www.thebetterappcompany.com/better_stop_suicide >. Acesso em: 26 jul. 2023.
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. Ao fim, baseados na extração de dados de todas as atividades realizadas pelo usuário em seu dia a dia - sua jornada digital - e em “intervenções digitais autoguiadas, projetadas para serem usadas sem orientação profissional” (Torok et al., 2020TOROK, M. et al. Suicide prevention using self-guided digital interventions. The Lancet Digital Health, [s. l.], v. 2, n. 1, p. e25-e36, 2020. DOI: 10.1016/S2589-7500(19)30199-2.
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, p. 25, tradução nossa), os apps de prevenção de suicídio, como o Better, já demonstram resultados.

No Brasil, na plataforma #TodosporTodos, criada pelo Governo Federal para agenciar ações de solidariedade no enfrentamento da pandemia, alguns apps de saúde mental são publicizados como instrumentos importantes, tais como Meditação guiada para bem-estar na quarentena e a Vitalk. Esta última, vale considerar, é uma ferramenta desenvolvida para a gestão digital da saúde mental e já “impactou mais de 2 milhões de pessoas em 2020” (Valenti, 2021VALENTI, G. Vitalk, startup de saúde mental, recebe aporte de R$ 24 mi da Vox Capital. Exame, São Paulo, 4 nov. 2021. Disponível em: <Disponível em: https://exame.com/exame-in/vitalk-startup-de-saude-mental-recebe-aporte-de-r-24-mi-da-vox-capital/ >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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). Segundo sua mídia institucional, a Vitalk “oferece conversas virtuais que acompanham a sua saúde e te mostram como alcançar seu melhor em cada momento da vida” (Vitalk, 2022)VITALK. Vitalk: Bem estar emocional. São Paulo, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://play.google.com/store/apps/details?id=health.tnh.vitalk&hl=pt_BR >. Acesso em: 05 ago. 2023.
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. Com o app, “você vai aprender técnicas para cuidar do seu emocional e lidar com ansiedade, estresse, burnout, depressão, autoestima, humor, sono e foco.”; além disso “você terá avaliações do seu humor, ensinamentos sobre saúde emocional e dicas práticas como, por exemplo, técnicas de meditação, gratidão, respiração e relaxamento” (Vitalk, 2022)VITALK. Vitalk: Bem estar emocional. São Paulo, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://play.google.com/store/apps/details?id=health.tnh.vitalk&hl=pt_BR >. Acesso em: 05 ago. 2023.
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. E, tudo isso, sendo a interação do usuário agenciada “Viki”, “um chatbot inteligente que conversa sobre saúde quando você precisar” (Vitalk, 2022)VITALK. Vitalk: Bem estar emocional. São Paulo, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://play.google.com/store/apps/details?id=health.tnh.vitalk&hl=pt_BR >. Acesso em: 05 ago. 2023.
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. Até o fim de 2021 a empresa já contava com mais de “220 mil vidas atendidas e grandes clientes como Vale, Johnson & Johnson, Grupo Soma e Grupo GSK, entre outros - são mais de 60” (Valenti, 2021)VALENTI, G. Vitalk, startup de saúde mental, recebe aporte de R$ 24 mi da Vox Capital. Exame, São Paulo, 4 nov. 2021. Disponível em: <Disponível em: https://exame.com/exame-in/vitalk-startup-de-saude-mental-recebe-aporte-de-r-24-mi-da-vox-capital/ >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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. E, até atualização das informações para a finalização deste ensaio, a Vitalk, em abril de 2022, foi adquirida pelo grupo Gympass e agora é Wellz, expandindo sua atuação com a plataforma de saúde mental da Gympass. Como disse João Barbosa, co-fundador do Gympass, em entrevista à revista Exame, “Com a Vitalk, trazemos uma experiência que antes não tínhamos, que é a combinação de inteligência artificial com uma jornada humana através de chatbots e conhecimento digital, complementando nossa forte base profissional” (Valenti, 2022)VALENTI, G. Mente sã, corpo são: Gympass compra Vitalk para vertical de saúde mental. Exame, São Paulo, 6 abr. 2022. Disponível em: <Disponível em: https://exame.com/exame-in/gympass-compra-vitalk-para-fortalecer-vertical-de-saude-mental/ >. Acesso em: 05 Ago. 2023.
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Outro exemplo que merece ser mencionado é a aceleração, em 2021, do programa de bem-estar físico e mental Prudential Vitality. Lançado pela seguradora Prudential do Brasil em conjunto com Wellness Services, ele é baseado em um ecossistema digital que opera na interface com o usuário através do app e “premia hábitos saudáveis e adoção de cuidados e atividades físicas regulares, a partir de metas semanais alcançadas ao longo do tempo” (Herrera, 2021HERRERA, S. Plataforma recompensa usuário por ter hábitos saudáveis. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 8 jul. 2021. Disponível em: <Disponível em: https://esportes.estadao.com.br/blogs/corrida-para-todos/plataforma-recompensa-usuario-por-ter-habitos-saudaveis/ >. Acesso em: 10 fev. 2022.
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). Na prática, o app incentiva seus usuários a mudanças de comportamento, com metas periódicas, que, segundo a plataforma, são mais saudáveis. A mudança de comportamento, quando realizada, é recompensada com uma modalidade de voucher que concede descontos “para comprar seu smartwatch, no delivery de comida, no app de transporte, academias, streaming de música e cashback do seguro de vida, entre outros benefícios” (Herrera, 2021)HERRERA, S. Plataforma recompensa usuário por ter hábitos saudáveis. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 8 jul. 2021. Disponível em: <Disponível em: https://esportes.estadao.com.br/blogs/corrida-para-todos/plataforma-recompensa-usuario-por-ter-habitos-saudaveis/ >. Acesso em: 10 fev. 2022.
https://esportes.estadao.com.br/blogs/co...
. Talvez não seja exagerado dizer que a autoridade (médico-sanitária) algorítmica do Vitality incide na vida de seus usuários para recompensá-los com consumos em outras plataformas do ecossistema digital, integrando e aperfeiçoando ainda mais o chamado capitalismo de vigilância.

Com a saúde digital, portanto, não podemos mais - definitivamente - compreender que a “tomada de decisão” sobre o normal é realizada somente no encontro, pontual e localizado institucionalmente entre os profissionais da saúde e os pacientes. Se desde o início a medicina moderna era “social”, investia seu saber-poder sobre o “corpo social”, medicalizando-o. Atualmente, imiscuída - intensiva e extensivamente - no tecido social, a saúde digital radicaliza o projeto médico moderno: o olhar da medicina tornar-se um dispositivo contínuo e desterritorializado, consagrando um diagrama de saber-poder em espaços abertos e não mais apenas em encerros disciplinares como a clínica e o hospital (Deleuze, 2006DELEUZE, G. Post-scriptum sobre las sociedades de control. Polis, [s. l.], n. 13, p. 1-7, 2006. Disponível em: <Disponível em: https://journals.openedition.org/polis/5509?lang=pt >. Acesso em: 26 jul. 2023.
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).

Observa-se, portanto, uma mudança de patamar (tecno)político no processo de medicalização. A dataficação, para o bem ou para mal, possibilita a transformação de “todas” as dimensões do processo saúde-doença em dados digitais, sejam as características sociais e culturais, sejam as afetivas e sintomatológicas. Assim, tudo o que for dataficado poderá ser incorporado em cálculos médicos para reconhecimentos de padrões, recomendações e tomadas de decisão consideradas mais efetivas para uma forma de vida classificada como normal (e saudável). Todos os dados extraídos pelo/no ecossistema digital se tornam potenciais matérias-primas para ML, ou seja, para reconhecimentos de padrões automatizados - a construção automatizada de normas populacionais - e para recomendações e tomadas de decisão automatizadas - a normalização automatizada do “olhar médico”. A essa dobra entre a automação da biopolítica e a automação do biopoder sugere-se o nome de automação algorítmica do saber-poder da medicina.

Considerações finais

A pandemia de covid-19 explicitou as inúmeras desigualdades que atravessam a realidade brasileira e mundial, assim como evidenciou a importância de um sistema único e público de saúde caracterizado por uma robusta integração de todos seus níveis de atenção, além da necessidade de uma coordenação mundial para enfrentar a doença. Paralelamente a isso, entretanto, ela se tornou a primeira pandemia totalmente coberta pelas tecnologias digitais - ainda que de maneira desigual e combinada. No fim, a convalescença sociossanitária, política, cultural e econômica do Brasil e do mundo provocada pelo SARS-CoV-2 ocupará anos de análises e debates. Como diria Hegel: a manhã ignora o que a noite reserva, pois a coruja de Minerva somente começa seu voo com a irrupção do crepúsculo (Hegel, 2010, p. 44)HEGEL, G. W. F. Linhas fundamentais da filosofia do direito, ou, Direito Natural e ciência do estado em compêndio. São Leopoldo, RS: Ed. Unisinos, 2010..

Tão logo, este ensaio pretendeu apresentar algumas problematizações que retomam questões da saúde coletiva sobre o processo de medicalização, mais particularmente ao que se denominou automação algorítmica do saber-poder da medicina. Este artigo pode auxiliar na construção de uma agenda de debate em que os defensores do SUS precisam se comprometer para responder de forma pública e democrática à transformação digital da saúde - mais especificamente, à emergência de uma constelação de apps de mSaúde.

Quando ser cidadão e estar online tornaram-se quase sinônimos, a vida na polis contemporânea exigiu uma especial atenção reflexiva, pois a população pode ser usada pelas próprias ferramentas que usa - sem ciência e consentimento. Somente assim é possível construir um amplo debate comum que enderece a saúde digital para a defesa efetiva do SUS, bem como para seu aperfeiçoamento como serviço público universal, equitativo e popular.

Do contrário, as pessoas serão atravessadas de maneira irrefletida por questões como: essas tecnologias são neutras e objetivas? Quais são as visões do processo saúde-doença que embasam seus algoritmos? Quais devem ser seus designs de maneira a ser coerentes com princípios e diretrizes do SUS? Como os significados culturais do processo saúde-doença e a determinação social da saúde são incorporados nos cálculos dessas autoridades algorítmicas? Quem são os profissionais que efetivamente desenvolvem tais apps e seus ecossistemas digitais? Qual é a participação dos profissionais da saúde e das comunidades no desenvolvimento dessas ferramentas? Quais são as relações de poder entre os agentes envolvidos na transformação digital da saúde? Quais são os prós e os contras da automação algorítmica do trabalho dos profissionais de saúde? Quais são as influências efetivas que tais tecnologias podem exercer sobre usuários e pacientes? Essas e outras tantas perguntas devem estar presentes em uma agenda ampla de debate popular sobre a transformação digital do SUS.

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  • 1
    Sob essa perspectiva, as tecnologias são constructos socialmente produzidos a partir de disputas entre grupos e agentes que orientam suas escolhas técnicas com base em aportes éticos, políticos e culturais distintos. Desse modo, um app deve ser compreendido como resultado de interações e estabilizações realizadas no interior de relações de poder e conflito (Lupton, 2018)LUPTON, D. Digital health: critical and cross-disciplinary perspectives. London: Routledge, 2018..
  • 2
    Para mais informações nesse sentido, ver Domingos (2017)DOMINGOS, P. O algoritmo mestre: como a busca pelo algoritmo de machine learning definitivo recriará nosso mundo. São Paulo: Novatec Editora, 2017..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2022
  • Revisado
    20 Mar 2023
  • Aceito
    28 Mar 2023
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br