Acolhimento de vítimas de violência sexual em serviços de saúde brasileiros: revisão integrativa

Reception of victims of sexual violence in Brazilian health services: integrative review

Fernanda Fernandes Teixeira Bethânia de Sousa Gomes Victor Vicente de Oliveira Roberta Vasconcelos Leite Sobre os autores

Resumo

Objetiva-se compreender como as vítimas de violência sexual são acolhidas no sistema de saúde pública brasileiro após as mudanças legislativas de 2013. Realizou-se revisão integrativa de artigos disponíveis em bibliotecas virtuais, publicados de 2013 a fevereiro de 2022. Após leitura dos títulos, resumos e textos completos, foram excluídas publicações que não relacionam violência sexual ao atendimento em saúde pública. Realizou-se metassíntese em três eixos: capacitação profissional; protocolos de atendimento e acesso; e acessibilidade. Como resultado, apenas 14 artigos foram selecionados dentre os mais de 2 mil inicialmente identificados, com pesquisas em 21municípios das cinco regiões brasileiras, a maioria realizada em centros especializados no atendimento a vítimas de violência sexual. A maioria dos profissionais afirma não ter formação adequada, desconhecendo protocolos de atendimento, com exceção de alguns centros especializados e profissionais interessados no tema. Preconceito, falta de articulação entre serviços, má distribuição das redes de atendimento e fatores socioeconômicos dificultam o acesso e a acessibilidade das vítimas. Conclui-se que violência sexual é amplamente abordada em publicações, mas há poucos artigos que tratam do atendimento em saúde pública no Brasil. O despreparo e desconhecimento profissional ainda prevalecem, indicando a necessidade de mais estudos e capacitação qualificada.

Palavras-chave:
Violência Sexual; Serviço de Atendimento; Saúde Pública

Abstract

We aim to understand how victims of sexual violence are welcomed in the Brazilian public health system after the legislative changes of 2013. An integrative review of articles available virtual libraries, published from 2013 to February 2022, was performed. After reading titles, abstracts, and full texts, publications that do not relate sexual violence to public health care were excluded. A meta-synthesis was executed in 3 axes: professional training; care and access protocols; and accessibility. As a result, only 14 articles were selected from the more than 2 thousand initially identified, with studies in 21 municipalities of the five Brazilian regions, most performed in centers specialized in assisting victims of sexual violence. Most professionals say they do not have adequate training, not knowing the care protocols, with the exception of some specialized centers and professionals interested in the topic. Prejudice, lack of coordination between services, poor distribution of care networks, and socioeconomic factors hinder the access and accessibility of victims. In conclusion, sexual violence is widely addressed in publications, but few articles deal with public health care in Brazil. Professional unpreparedness and lack of knowledge still prevail, indicating the need for more studies and qualification.

Keywords:
Sexual Violence; Assistance Service; Public Health

Introdução

O abuso sexual é uma das formas de violência contra a mulher, atingindo indistintamente todas as classes sociais, culturas, etnias e religiões (Drezett, 2002DREZETT, J. Aspectos biopsicossociais da violência sexual. In: PEREIRA, I. G. et al. (Org.). Aborto legal: implicações éticas e religiosas. Rio de Janeiro: Católicas pelo direito de decidir, 2002. p. 115-123.). Culturalmente, ainda é banalizado por muitas sociedades e constitui uma das desigualdades de gênero baseada na relação entre sistemas de dominação e produção de diferenças, sendo imposta em especial às mulheres, crianças e adolescentes do sexo feminino (Giffin, 1994GIFFIN, K. Violência de gênero, sexualidade e saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 10, suppl. 1, p. S146-S155, 1994. DOI: 10.1590/S0102-311X1994000500010
https://doi.org/10.1590/S0102-311X199400...
). No Brasil, o número de notificações de violência sexual registradas no Datasus apenas em 2021 foi de 3.931 (Brasil, 2021)BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema de informações de agravos de notificação: violência doméstica, sexual e/ou outras violências. Brasília, DF: Datasus, 2021. Disponível em: <Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/violencia/bases/violebrnet.def >. Acesso em: 15 fev. 2022.
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi....
, ainda assim, estima-se que 90% dos casos não são reportados às autoridades (Leal et al., 2021LEAL, L. M. et al. Assessing the care of doctors, nurses, and nursing technicians for people in situations of sexual violence in Brazil. PLoS One. Toronto, v. 16, p. 1-11, 2021. DOI: 10.1371/journal.pone.0249598.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.024...
).

A violência sexual gera consequências graves não apenas para a vítima, como também para seus familiares e para o próprio sistema de saúde, uma vez que envolve lesões físicas e mentais, pode gerar gravidez indesejada e aborto, além da possibilidade de transmissão de doenças (Delziovo et al., 2017DELZIOVO, C. R. et al. Características dos casos de violência sexual contra mulheres adolescentes e adultas notificados pelos serviços públicos de saúde em Santa Catarina, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 33, n. 6, e00002716, p. 1-13, 2017. DOI: 10.1590/0102-311X00002716
https://doi.org/10.1590/0102-311X0000271...
). No Brasil, já se reconhece há décadas que o abuso sexual é uma questão de saúde pública, segurança e justiça, e que, por isso, exige políticas e ações integradas de todos esses setores do Estado (Nascimento; Deslandes, 2016)NASCIMENTO, A. F.; DESLANDES, S. F. A construção da agenda pública brasileira de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 4, p. 1171-1191, 2016. DOI: 10.1590/S0103-73312016000400006
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201600...
.

Nesse contexto, desde 1980 o Ministério da Saúde (MS) em conjunto com o Ministério da Justiça (MJ) normatizam o atendimento de pessoas em situação de violência sexual e, ao longo do tempo, atualiza diretrizes e desenvolve protocolos clínicos e normas técnicas com o intuito de qualificar os profissionais da saúde (Brasil, 2015)BRASIL. Ministério da Justiça. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Norma técnica: atenção humanizada às pessoas em situação de violência sexual com registro de informações e coleta de vestígios. Brasília, DF, 2015.. Dentre os marcos temporais de avanços nessas políticas, destaca-se o ano de 2013, quando foram publicados a Lei nº 12.845, que institui o atendimento obrigatório, emergencial, integral e multidisciplinar às pessoas em situação de violência sexual em todos os hospitais integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS (Brasil, 2013b)BRASIL. Ministério da Justiça. Ministério da Saúde. Lei n. 12.845, de 1 de agosto de 2013. Dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 2 ago. 2013b. Seção 1, p. 1., e o decreto nº 7.958, que estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do SUS (Brasil, 2013a)BRASIL. Ministério da Justiça. Ministério da Saúde. Decreto n. 7.958, de 13 de março de 2013. Estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 mar. 2013a. Seção 1, p. 1.. Além disso, vale ressaltar o ano de 2014, quando se tornou obrigatória a notificação compulsória imediata por parte do profissional de saúde em casos de violência sexual (Brasil, 2015)BRASIL. Ministério da Justiça. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Norma técnica: atenção humanizada às pessoas em situação de violência sexual com registro de informações e coleta de vestígios. Brasília, DF, 2015..

Contudo, a existência de protocolos e normas que regularizam esse atendimento não garante que ele ocorra da maneira estabelecida. Para transformar um cenário estruturado há décadas nos serviços de saúde, muitas ações se fazem necessárias. A Política Nacional de Humanização é uma dessas estratégias, que busca implementar os princípios do SUS nas práticas dos serviços de saúde a fim de provocar mudanças na forma de gerir e cuidar (Brasil, 2013c)BRASIL. Ministério da Saúde. PNH: política nacional de humanização. Brasília, DF, 2013c.. Dentre as diretrizes dessa política, encontra-se o acolhimento, que é definido da seguinte forma:

Acolher é reconhecer o que o outro traz como legítima e singular necessidade de saúde. O acolhimento deve comparecer e sustentar a relação entre equipes/serviços e usuários/populações. Como valor das práticas de saúde, o acolhimento é construído de forma coletiva, a partir da análise dos processos de trabalho e tem como objetivo a construção de relações de confiança, compromisso e vínculo entre as equipes/serviços, trabalhador/equipes e usuário com sua rede sócio afetiva. (Brasil, 2013c, p. 7)BRASIL. Ministério da Saúde. PNH: política nacional de humanização. Brasília, DF, 2013c.

O acolhimento nada mais é do que uma ação de aproximação, um “estar com” e um “estar perto de”, ou seja, uma medida de inclusão (Brasil, 2010)BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde. 2. ed. Brasília, DF, 2010.. É tido como primordial para a realização de um atendimento de qualidade, constituindo-se como base para o processo de trabalho dentro de um serviço de saúde, em especial a Estratégia Saúde da Família (Passos; Panelli-Martins, 2019PASSOS, C. S.; PANELLI-MARTINS, B. E. Desafios à prática do acolhimento na atenção primária em saúde no Brasil. Revise, Santo Antônio de Jesus, v. 3, p. 56-70, 2019.). De acordo com Franco, Bueno e Merhy (1999FRANCO, T. B.; BUENO, W. S.; MERHY, E. E. “User embracement” and the working process in health: Betim’s case, Minas Gerais, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 345-353, 1999. DOI: 10.1590/S0102-311X1999000200019
https://doi.org/10.1590/S0102-311X199900...
), procura-se nas práticas em saúde produzir a responsabilização clínica e sanitária e promover uma intervenção resolutiva, entretanto, sem acolher e vincular, isso não seria possível. Essas ações também valem para o atendimento às vítimas de abuso sexual: é preciso que os profissionais de saúde estejam aptos a acolhê-las, considerando tudo que o termo encerra, inclusive o cumprimento dos protocolos.

De fato, seguir os protocolos e estabelecer fluxos de atendimentos eficazes faz parte do processo de acolhimento, impactando diretamente na resolutividade da ação. Contudo, não se deve reduzir o acolhimento apenas a uma dimensão espacial ou às ações de triagem e encaminhamento, uma vez que pode resultar no rompimento do vínculo entre usuário e equipe, que é o alicerce da promoção em saúde (Brasil, 2010)BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde. 2. ed. Brasília, DF, 2010.. Ainda de acordo com Brasil (2010)BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde. 2. ed. Brasília, DF, 2010. segundo este documento, acolher não é uma etapa do processo, mas sim uma ação que ocorre em todos os locais e momentos do serviço.

Apesar da vasta literatura que aborda violência sexual (cf. Delziovo et al., 2017DELZIOVO, C. R. et al. Características dos casos de violência sexual contra mulheres adolescentes e adultas notificados pelos serviços públicos de saúde em Santa Catarina, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 33, n. 6, e00002716, p. 1-13, 2017. DOI: 10.1590/0102-311X00002716
https://doi.org/10.1590/0102-311X0000271...
; Giffin, 1994GIFFIN, K. Violência de gênero, sexualidade e saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 10, suppl. 1, p. S146-S155, 1994. DOI: 10.1590/S0102-311X1994000500010
https://doi.org/10.1590/S0102-311X199400...
; Nascimento; Deslandes, 2016NASCIMENTO, A. F.; DESLANDES, S. F. A construção da agenda pública brasileira de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 4, p. 1171-1191, 2016. DOI: 10.1590/S0103-73312016000400006
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201600...
), a mudança da legislação brasileira sobre o acolhimento ainda é relativamente recente, suscitando o interesse por mapear as pesquisas já realizadas, com vistas a estabelecer um panorama amplo da realidade nacional nesse quesito, identificando potencialidades e fragilidades a serem trabalhadas. Por isso, para compreender como vítimas de violência sexual são acolhidas no sistema de saúde pública brasileiro após as mudanças legislativas de 2013, este trabalho busca sistematizar e analisar publicações sobre o tema no contexto brasileiro.

Metodologia

A pesquisa consistiu em revisão bibliográfica integrativa, realizada nas bases de dados Scielo, PubMed e BVS, seguida de metassíntese qualitativa dos achados, ou seja, uma síntese interpretativa dos dados (Lopes; Fracolli, 2008LOPES, A. L. M..; FRACOLLI, L. A. Revisão sistemática de literatura e metassíntese qualitativa: considerações sobre sua aplicação na pesquisa em enfermagem. Texto & Contexto - Enfermagem, Florianópolis, v. 17, n. 4, p. 771-778, 2008. DOI: 10.1590/S0104-07072008000400020
https://doi.org/10.1590/S0104-0707200800...
). Apesar de não se tratar de uma revisão sistemática, a metodologia teve inspiração no checklist do protocolo PRISMA (Page et al., 2022PAGE, M. J. et al. A declaração PRISMA 2020: diretriz atualizada para relatar revisões sistemáticas. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 31, n. 2, e2022107, 2022. DOI: 10.5123/S1679-49742022000200033
https://doi.org/10.5123/S1679-4974202200...
).

Busca nas bases de dados

Na busca dos artigos nas bases de dados, foram utilizados os descritores e suas traduções correspondentes, pertencentes aos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): abuso sexual (sexual abuse); violência sexual (sexual violence) e saúde pública (public health); serviços de saúde (health services); pessoal de saúde (health personnel); e serviços de atendimento (answering services).

Para refinar a seleção, foram adotados os seguintes critérios de inclusão: artigos de acesso gratuito, publicados entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2022 em português, inglês ou espanhol. Foram estabelecidos os seguintes critérios de exclusão: artigos que não tratavam da realidade brasileira; artigos que não relacionavam violência sexual e saúde pública; e trabalhos que não abordavam o acolhimento das vítimas de violência sexual em serviços de saúde.

A primeira busca, que pode ser observada na Figura 1 na parte denominada 1 Grupo de descritores, foi realizada apenas nas bases de dados Scielo e PubMed, com a combinação dos descritores “abuso sexual” AND “violência sexual” AND “saúde pública” e retornou a princípio um grande volume de publicações, mas apenas três eram relevantes para a pesquisa. Devido ao pequeno número de artigos encontrados nessa primeira etapa, uma segunda busca foi realizada nas bases de dados Scielo, PubMed e BVS por meio de duas combinações de descritores: “serviços de saúde” AND “pessoal de saúde” AND “abuso sexual”, como apresentado no 2 Grupo de descritores na Figura 1; e “abuso sexual” AND “serviços de atendimento”, exposto no 3 Grupo de descritores na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma da revisão integrativa

A busca com o primeiro grupo de descritores ocorreu do dia 30 de outubro de 2020 até o dia 09 de novembro de 2020. Posteriormente, a segunda busca, com o segundo e terceiro grupo de descritores, foi feita do dia 21 ao dia 25 de janeiro de 2021. A fim de padronizar a pesquisa e incluir artigos publicados até o fim de 2021, os autores repetiram a busca com os três grupos de descritores entre 22 de janeiro de 2022 e 28 de fevereiro de 2022.

É importante salientar que apesar de terem sido realizadas três buscas diferentes, todas filtraram artigos publicados até fevereiro de 2022, utilizando os mesmos critérios de inclusão e exclusão, os descritores em português e, posteriormente, suas traduções correspondentes em inglês. Os artigos filtrados pelas ferramentas automáticas das bases de dados (artigo completo gratuito, ano e idioma de publicação, país/região como assunto) foram direcionados para o gerenciador de referências Mendeley®, em que os trabalhos duplicados foram removidos.

Os artigos inicialmente identificados foram filtrados por três juízes, que trabalharam de forma independente, cada um analisando um grupo de descritores a partir da leitura dos títulos, resumos e, posteriormente, do texto completo. Os artigos já selecionados na primeira busca, com o primeiro grupo de descritores, foram excluídos pelos pesquisadores nas demais buscas. A Figura 1 sintetiza como a amostra final de 14 artigos foi alcançada.

Avaliação de qualidade

Para a avaliação de qualidade dos artigos, foi utilizado o checklist para pesquisas qualitativas do Critical Appraisal Skills Program - CASP (2018)CASP - CRITICAL APPRAISAL SKILLS PROGRAMME. CASP checklist: 10 questions to help you make sense of a qualitative research. Oxford, 2018., que consiste em 10 perguntas, sendo as duas perguntas iniciais de caráter seletivo - Os objetivos da pesquisa estão bem definidos? A metodologia qualitativa é adequada? - e oito questões de percurso e caráter da pesquisa - O desenho da pesquisa foi adequado para alcançar os objetivos? A estratégia de recrutamento foi adequada para os objetivos da pesquisa? Os dados foram coletados de forma a alcançar os objetivos da pesquisa? A relação entre pesquisador e participantes foi adequadamente considerada? As questões éticas foram levadas em consideração? A análise de dados foi suficientemente rigorosa? Os resultados foram claramente descritos? Quão relevante é a pesquisa?.

Foram utilizadas as recomendações do CASP (2018)CASP - CRITICAL APPRAISAL SKILLS PROGRAMME. CASP checklist: 10 questions to help you make sense of a qualitative research. Oxford, 2018. quanto às respostas: as duas primeiras perguntas guias, se respondidas com sim, permitiriam maior validade para continuação das próximas oito. Todos os artigos selecionados passaram por essa etapa e foram analisados nos demais tópicos do checklist. Concluído o checklist, nenhum artigo foi retirado pela análise de qualidade, mesmo alguns apresentando pequenas falhas na descrição de suas metodologias e relação entre participantes, pois chegou-se a um acordo de que tais falhas não tinham valor relevante para a exclusão dos artigos em questão. A Tabela 1 sintetiza a avaliação de qualidade dos trabalhos selecionados.

1
Avaliação de qualidade dos trabalhos selecionados

Abstração de dados

Na primeira etapa de análise, foi realizado um fichamento (Gil, 2022GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2022.) e os 14 artigos foram categorizados segundo os seguintes parâmetros: data de publicação; data de coleta dos dados; modalidade (teórica ou empírica), metodologia aplicada (entrevista, análise de prontuário ou revisão bibliográfica); local de realização da pesquisa; forma como a violência sexual é abordada (identificação, manejo ou capacitação para lidar com casos na saúde pública); e perfil da população investigada.

Análise dos dados

A síntese dos dados de cada publicação e a integração das evidências foi realizada de modo qualitativo, analisando individualmente os parâmetros categorizados no fichamento, avaliando suas diferenças e semelhanças e agrupando-os de acordo com sua contribuição para a compreensão da interface entre violência sexual e saúde pública. Essa etapa teve como objetivo relacionar os estudos, preservando seus dados originais, a fim de desenvolver uma análise crítica da realidade do atendimento à vítima de violência sexual no Brasil. Nesse processo, foi possível a organização das contribuições das 14 publicações nos seguintes eixos temáticos: Capacitação profissional; Protocolos de atendimento; Acesso e acessibilidade. A escolha dos eixos foi feita de acordo com os temas em comum entre os artigos.

Resultados e discussão

Na Tabela 2 estão presentes todos os artigos selecionados pelos pesquisadores, com alguns dados importantes para uma visão geral das produções. Publicadas de 2013 a novembro de 2021, essas pesquisas foram realizadas em 22 municípios, situados em oito estados distintos em todas as regiões brasileiras, com coletas de dados realizadas principalmente por meio de entrevistas ou análise de prontuários.

Tabela 2
Dados dos artigos selecionados

É importante pontuar que os autores são vinculados a 21 instituições e apenas os artigos de número 6, 7 e 13 pertencem ao mesmo grupo de pesquisa. Portanto, é possível afirmar que não há endogenia nas publicações analisadas.

Em relação à metodologia empregada, todos os artigos descrevem pesquisas empíricas. A Tabela 3 reúne os métodos de coleta de dados e a quantidade total de participantes (ou materiais consultados) em cada modalidade. Pode-se perceber que grande parte das investigações foi realizada em serviços especializados no atendimento à vítima de violência sexual.

Tabela 3
Métodos e locais de coleta de dados

É importante salientar que os artigos analisados apresentavam uma limitação relevante. Apesar de todos tratarem do atendimento às vítimas nos serviços de saúde pública brasileiro, eles abordam esse acolhimento com base em um viés técnico. Nenhum dos estudos traz um olhar sobre o processo de acolhimento como um todo, ou seja, abarcando tudo que o termo abrange, sendo possível realizar apenas uma análise fragmentada de como ocorre o atendimento das vítimas de violência sexual no país.

Capacitação profissional

Dentre os 14 artigos analisados, oito abordam o tema da capacitação dos profissionais. Os trabalhos de Batista, Schraiber e D’Oliveira (2018BATISTA, K. B. C.; SCHRAIBER, L. B.; D’OLIVEIRA, A. F. P. L. Health administrators and public policies to deal with gender violence against women in São Paulo, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 8, p. 1-11, 2018. DOI: 10.1590/0102-311X00140017
https://doi.org/10.1590/0102-311X0014001...
) e Deslandes et al. (2015DESLANDES, S. F. et al. Capacitação profissional para o enfrentamento às violências sexuais contra crianças e adolescentes em Fortaleza, Ceará, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, p. 431-435, 2015. DOI: 10.1590/0102-311X00078514
https://doi.org/10.1590/0102-311X0007851...
) são os que mais se aprofundam no tema, trazendo informações detalhadas sobre a oferta de cursos e a visão dos profissionais das regiões analisadas: São Paulo e Fortaleza, respectivamente. Já as pesquisas de Costa et al. (2017COSTA, M. C. et al. Mulheres rurais e situações de violência: fatores que limitam o acesso e a acessibilidade à rede de atenção à saúde. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 38, n. 2, p. 1-8, 2017. DOI: 10.1590/1983-1447.2017.02.59553
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.0...
), Vieira et al. (2016VIEIRA, L. J. E. S. et al. Protocolos na atenção à saúde de mulheres em situação de violência sexual sob a ótica de profissionais de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 12, p. 3957-3965, 2016. DOI: 10.1590/1413-812320152112.15362015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
), Pinto et al. (2017PINTO, L. S. S. et al. Políticas públicas de proteção à mulher: avaliação do atendimento em saúde de vítimas de violência sexual. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 5, p. 1501-1508, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017225.33272016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017225...
) e Leal et al., (2021LEAL, L. M. et al. Assessing the care of doctors, nurses, and nursing technicians for people in situations of sexual violence in Brazil. PLoS One. Toronto, v. 16, p. 1-11, 2021. DOI: 10.1371/journal.pone.0249598.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.024...
) - sendo as duas primeiras realizadas no norte do Rio Grande do Sul e Teresina, respectivamente, e a terceira realizada em município do interior do Brasil não identificado na publicação - apenas citam em seus estudos se os profissionais são ou não capacitados para atuar com vítimas de violência sexual. Ribeiro e Trevisol (2021RIBEIRO, M. G.; TREVISOL, S. F. Violência sexual e adesão ao protocolo de atendimento de um hospital do sul do Brasil. Enfermagem Em Foco, v. 12, n. 2, p. 312-318, 2021. DOI: 10.21675/2357-707X.2021.v12.n2.4140.
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2021....
) comentam sobre a capacitação apenas ao analisarem a realização de notificação compulsória por parte dos profissionais de saúde.

Como já mencionado anteriormente, o acolhimento não trata apenas da escuta ativa, envolve uma série de atitudes e medidas que levam o profissional a estar apto a ouvir, perceber e agir sobre as necessidades dos usuários (Brasil, 2013c)BRASIL. Ministério da Saúde. PNH: política nacional de humanização. Brasília, DF, 2013c.. Dito isso, a capacitação pode ser considerada uma dessas medidas, uma vez que abarca ações intencionais e planejadas a fim de fortalecer conhecimentos, habilidades, atitudes e práticas não ofertadas de forma suficiente pelos serviços e instituições educacionais (Brasil, 2009)BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política nacional de educação permanente em saúde. Brasília, DF, 2009..

Contudo, a maioria dos estudos aponta a falta de capacitação como uma limitação. De acordo com Batista, Schraiber e D’Oliveira (2018BATISTA, K. B. C.; SCHRAIBER, L. B.; D’OLIVEIRA, A. F. P. L. Health administrators and public policies to deal with gender violence against women in São Paulo, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 8, p. 1-11, 2018. DOI: 10.1590/0102-311X00140017
https://doi.org/10.1590/0102-311X0014001...
), em sua pesquisa realizada em São Paulo com 32 gestores de saúde, apenas sete referiram ter participado de algum processo de capacitação ou de sensibilização sobre violência contra a mulher e direitos humanos, mesmo estando à frente de serviços que prestam atendimento a essas mulheres. Esse achado está em concordância com Vieira et al. (2016VIEIRA, L. J. E. S. et al. Protocolos na atenção à saúde de mulheres em situação de violência sexual sob a ótica de profissionais de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 12, p. 3957-3965, 2016. DOI: 10.1590/1413-812320152112.15362015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
), que descrevem uma limitada abordagem sobre o tema durante a graduação dos profissionais de saúde, agravada pela falta de treinamento no contexto dos serviços.

Outro ponto importante a ser discutido é a notificação compulsória aos centros de vigilância epidemiológica, que tem por objetivo coletar dados para implementar melhorias em políticas públicas. Ribeiro e Trevisol (2021RIBEIRO, M. G.; TREVISOL, S. F. Violência sexual e adesão ao protocolo de atendimento de um hospital do sul do Brasil. Enfermagem Em Foco, v. 12, n. 2, p. 312-318, 2021. DOI: 10.21675/2357-707X.2021.v12.n2.4140.
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2021....
) apontam falhas de profissionais ao completarem a ficha de notificação, indicando que a maior parte das fichas analisadas não continham os dados completos. Esse fato também aparece em outros estudos, como o de Taquette et al. (2021TAQUETTE, S. R. et al. A invisibilidade da magnitude do estupro de meninas no Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 55, artigo 103, p. 1-9, 2021. DOI: 10.11606/s1518-8787.2021055003439
https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2021...
), que aborda casos de abuso sexual de meninas de 10 a 13 anos. Os autores relatam que, muitas vezes, o profissional, por medo de retaliações por parte do agressor ou por entender a relação sexual como consentida, não realiza a notificação, o que sinaliza a importância de uma melhor capacitação desses profissionais para lidar com o tema. Outros estudos que tratam da incompletude do preenchimento das fichas (Abath et al., 2014ABATH, M. B. et al. Avaliação da completitude, da consistência e da duplicidade de registros de violências do Sinan em Recife, Pernambuco, 2009-2012. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 23, n. 1, p. 131-142, 2014. DOI: 10.5123/S1679-49742014000100013
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201400...
; Santos et al., 2016SANTOS, T. M. B. et al. Completitude das notificações de violência perpetrada contra adolescentes em Pernambuco, Brasil. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 12, p. 3907-3916, 2016. DOI: 10.1590/1413-812320152112.16682015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
; Sousa et al., 2020SOUSA, C. M. S. et al. Incompletude do preenchimento das notificações compulsórias de violência - Brasil, 2011-2014. Cadernos Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 28, n. 4, p. 477-487, 2020. DOI: 10.1590/1414-462X202028040139
https://doi.org/10.1590/1414-462X2020280...
) destacam que quando se trata de violência sexual, foi observado um grau de incompletude considerado regular ou ruim, dificultando políticas de prevenção e combate à violência, ações para acolhimento, assistência oportuna e encaminhamento a serviços apropriados.

Nesse aspecto, duas das publicações documentam realidades distintas. De acordo com Deslandes et al. (2015DESLANDES, S. F. et al. Capacitação profissional para o enfrentamento às violências sexuais contra crianças e adolescentes em Fortaleza, Ceará, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, p. 431-435, 2015. DOI: 10.1590/0102-311X00078514
https://doi.org/10.1590/0102-311X0007851...
), a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, desde 2007, tem oferecido capacitação sobre violência em geral e sobre violência sexual para os hospitais municipais, equipes de saúde da família e Centro de Atenção Psicossocial. Porém, segundo a maioria dos gestores entrevistados nessa mesma pesquisa, a violência sexual não é abordada nas capacitações. Já de acordo com Pinto et al. (2017PINTO, L. S. S. et al. Políticas públicas de proteção à mulher: avaliação do atendimento em saúde de vítimas de violência sexual. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 5, p. 1501-1508, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017225.33272016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017225...
), que realizaram entrevistas com seis profissionais que prestam atendimento no Serviço de Atendimento à Mulher Vítima de Violência (Samvvis), em Teresina, todos relataram receber capacitações ao longo do período em que lá atuaram para atender essas vítimas, situação que chama atenção por se aproximar do que é preconizado pela legislação (Brasil, 2015)BRASIL. Ministério da Justiça. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Norma técnica: atenção humanizada às pessoas em situação de violência sexual com registro de informações e coleta de vestígios. Brasília, DF, 2015. e se distanciar do que é retratado nos demais artigos.

Um dado curioso apresentado por Batista, Schraiber e D’Oliveira (2018BATISTA, K. B. C.; SCHRAIBER, L. B.; D’OLIVEIRA, A. F. P. L. Health administrators and public policies to deal with gender violence against women in São Paulo, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 8, p. 1-11, 2018. DOI: 10.1590/0102-311X00140017
https://doi.org/10.1590/0102-311X0014001...
) é que a formação em saúde da mulher não garantiu aproximação com os temas da violência contra a mulher e direitos humanos. Contudo, os profissionais que já passaram por alguma sensibilização ou capacitação, quando comparados aos demais, se mostraram mais apropriados ao fazerem suas colocações sobre o assunto e também mais comprometidos com o enfrentamento da violência. Ainda nesse estudo, foi relatado que alguns gestores não dominam o conceito de gênero, no sentido de identificar os conteúdos significativos que o termo encerra.

As publicações analisadas permitem afirmar que possuir algum tipo de sensibilização e/ou capacitação em violência contra a mulher faz com que os profissionais sejam mais assertivos em suas observações durante as entrevistas e mais comprometidos em enfrentar a violência, demonstrando a importância do conhecimento especializado para melhor atuação dos profissionais. É possível verificar que existe formação especializada em alguns lugares, com destaque para a região Sul, que foi a mais citada quanto à oferta de capacitações, porém, elas se restringem a poucos serviços e/ou a um conhecimento individualizado, em que o profissional, por interesse próprio, busca aprimoramento sobre o tema. Esse dado sinaliza a importância de inclusão do tema nos currículos dos cursos de graduação em ciências da saúde e ampliação da oferta de capacitações introdutórias e continuadas para profissionais em serviço.

Protocolos de atendimento

Protocolos de atendimento implementados nas instituições em que as pesquisas foram realizadas são abordados em 10 artigos. Em todos eles há uma descrição detalhada de como é feito o acolhimento. Alguns apresentam análises de acordo com a vivência da vítima - como no trabalho de Machado et al. (2015MACHADO, C. L. et al. Gravidez após violência sexual: vivências de mulheres em busca da interrupção legal. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, p. 345-353, 2015. DOI: 10.1590/0102-311X00051714
https://doi.org/10.1590/0102-311X0005171...
), realizado em centros universitários de Campinas - enquanto outros fazem um apanhado dos protocolos e tipos de serviços encontrados em cada instituição investigada (Batista; Schraiber; D’Oliveira, 2018BATISTA, K. B. C.; SCHRAIBER, L. B.; D’OLIVEIRA, A. F. P. L. Health administrators and public policies to deal with gender violence against women in São Paulo, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 8, p. 1-11, 2018. DOI: 10.1590/0102-311X00140017
https://doi.org/10.1590/0102-311X0014001...
; Deslandes et al., 2016DESLANDES, S. F. et al. Atendimento à saúde de crianças e adolescentes em situação de violência sexual, em quatro capitais brasileiras. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 20, n. 59, p. 865-877, 2016. DOI: 10.1590/1807-57622015.0405
https://doi.org/10.1590/1807-57622015.04...
; Diniz et al., 2014DINIZ, D. et al. A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 22, n. 2, p. 291-298, 2014. DOI: 10.1590/1983-80422014222010
https://doi.org/10.1590/1983-80422014222...
; Vieira et al., 2016VIEIRA, L. J. E. S. et al. Protocolos na atenção à saúde de mulheres em situação de violência sexual sob a ótica de profissionais de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 12, p. 3957-3965, 2016. DOI: 10.1590/1413-812320152112.15362015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
).

De acordo com Lima e Deslandes (2014LIMA, C. A.; DESLANDES, S. F. Violência sexual contra mulheres no Brasil: conquistas e desafios do setor saúde na década de 2000. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 3, p. 53-66, 2014. DOI: 10.1590/S0104-12902014000300005
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201400...
), no Brasil, desde 1980, a temática violência contra a mulher faz parte do cenário das políticas públicas, sendo que, na década de 2000, chama atenção a intensidade da produção de legislações sobre o tema. Ainda assim, alguns profissionais afirmam desconhecer os documentos protocolares, outros falam que conhecem as leis e normas técnicas apenas por “ouvir falar”, além de não estarem incluídas em suas formações e em capacitações posteriores (Batista; Schraiber; D’Oliveira, 2018BATISTA, K. B. C.; SCHRAIBER, L. B.; D’OLIVEIRA, A. F. P. L. Health administrators and public policies to deal with gender violence against women in São Paulo, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 8, p. 1-11, 2018. DOI: 10.1590/0102-311X00140017
https://doi.org/10.1590/0102-311X0014001...
; Vieira et al., 2016VIEIRA, L. J. E. S. et al. Protocolos na atenção à saúde de mulheres em situação de violência sexual sob a ótica de profissionais de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 12, p. 3957-3965, 2016. DOI: 10.1590/1413-812320152112.15362015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
). Já Leal et al. (2021LEAL, L. M. et al. Assessing the care of doctors, nurses, and nursing technicians for people in situations of sexual violence in Brazil. PLoS One. Toronto, v. 16, p. 1-11, 2021. DOI: 10.1371/journal.pone.0249598.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.024...
) analisaram 34 instituições e, em 97% delas, os médicos e técnicos de enfermagem relatam não possuir protocolos para atender pessoas em situação de violência sexual, número expressivo que demonstra a falha para estabelecer protocolos na prática em saúde. Para além de uma falha no estabelecimento de protocolos, pode-se dizer que esse fato é também considerado uma lacuna no cumprimento da integralidade do atendimento que, segundo Gomes e Pinheiro (2005GOMES, M. C. P. A.; PINHEIRO, R. Acolhimento e vínculo: práticas de integralidade na gestão do cuidado em saúde em grandes centros urbanos. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 9, n. 17, p. 287-301, 2005. DOI: 10.1590/S1414-32832005000200006
https://doi.org/10.1590/S1414-3283200500...
), se traduz na resolubilidade da equipe, utilização de protocolos e reorganização dos serviços.

Sobre os fluxos de atendimento, em pesquisa que analisa a atenção à saúde de crianças e adolescentes em situação de violência sexual, Deslandes et al. (2016DESLANDES, S. F. et al. Atendimento à saúde de crianças e adolescentes em situação de violência sexual, em quatro capitais brasileiras. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 20, n. 59, p. 865-877, 2016. DOI: 10.1590/1807-57622015.0405
https://doi.org/10.1590/1807-57622015.04...
) apresentam informações sobre quatro capitais brasileiras: Belém, Porto Alegre, Campo Grande e Fortaleza. As unidades de referência em Belém realizam apenas acolhimento básico e notificação, encaminhando os pacientes para outro serviço, além disso, segundo os representantes, não há fluxo intersetorial pactuado e vigente. Em Porto Alegre, destaca-se um serviço de atendimento integrado ao Instituto Médico Legal (IML) e, em Fortaleza, existe um fluxo intersetorial para atendimento às situações de violência que inclui a violência sexual e prevê portas de entrada na rede, além de fluxo específico para adolescentes. Já em Campo Grande inexistia fluxo de atendimento pactuado vigente à época da realização da pesquisa.

Outros estudos apresentam o panorama de diferentes cidades brasileiras. Segundo Pinto et al. (2017PINTO, L. S. S. et al. Políticas públicas de proteção à mulher: avaliação do atendimento em saúde de vítimas de violência sexual. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 5, p. 1501-1508, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017225.33272016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017225...
), o Samvvis, em Teresina, realiza assistência integral à vítima e possui sistemas de informação interligados ao IML. Já Trentin et al. (2020TRENTIN, D. et. al. Mulheres em situação de violência sexual: potencialidades e fragilidades da rede intersetorial. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 73, n. 4, p. 1-8, 2020. DOI: 10.1590/0034-7167-2018-0856
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
) destacam a existência do serviço em Passo Fundo e Porto Alegre, porém, na visão dos entrevistados, sobressai a desarticulação entre eles. Tal problema também foi abordado por Vieira et al. (2016VIEIRA, L. J. E. S. et al. Protocolos na atenção à saúde de mulheres em situação de violência sexual sob a ótica de profissionais de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 12, p. 3957-3965, 2016. DOI: 10.1590/1413-812320152112.15362015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
) ao destacar a fragmentação e a inadequação da rede em Fortaleza, verbalizadas por alguns profissionais e observadas em uma unidade de saúde. Nesta, era possível encontrar medicamentos para profilaxia e anticoncepção de emergência e demais procedimentos, mas não havia atendimento de emergência às mulheres, o que torna inviável o estabelecimento de qualquer fluxo de acolhimento.

Outro assunto abordado é o caso dos protocolos utilizados especificadamente no atendimento da mulher vítima de estupro, que incluem a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, a anticoncepção de emergência e o aborto. No geral, é possível dizer que há a realização desses serviços nas regiões analisadas, contudo, algumas importantes ressalvas devem ser feitas. Segundo Deslandes et al. (2016DESLANDES, S. F. et al. Atendimento à saúde de crianças e adolescentes em situação de violência sexual, em quatro capitais brasileiras. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 20, n. 59, p. 865-877, 2016. DOI: 10.1590/1807-57622015.0405
https://doi.org/10.1590/1807-57622015.04...
), em Campo Grande, todas as unidades ofereciam medicamentos de combate ao HIV/aids e de anticoncepção de emergência hormonal (AEH). Porém, sobre os últimos, enfatizou-se que havia uma baixa utilização em virtude do preconceito dos profissionais que omitiam a disponibilidade do medicamento, além de uma articulação política com a ala religiosa para que ele não fosse ofertado. Em Ribeiro e Trevisol (2021RIBEIRO, M. G.; TREVISOL, S. F. Violência sexual e adesão ao protocolo de atendimento de um hospital do sul do Brasil. Enfermagem Em Foco, v. 12, n. 2, p. 312-318, 2021. DOI: 10.21675/2357-707X.2021.v12.n2.4140.
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2021....
), a oferta da contracepção de emergência também chama atenção, pois foi indicada em apenas 38,1% dos casos analisados de um Hospital Geral da região Sul do Brasil, embora o motivo não tenha sido discutido pelos autores.

A respeito do aborto, Diniz et al. (2014DINIZ, D. et al. A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 22, n. 2, p. 291-298, 2014. DOI: 10.1590/1983-80422014222010
https://doi.org/10.1590/1983-80422014222...
) analisaram como os profissionais de saúde, em cinco capitais brasileiras, “constroem a verdade” (p. 292) do estupro em serviços de aborto legal no Brasil. Os autores observaram que, ao contrário do que é determinado pelo Ministério da Saúde, as mulheres passam por uma perícia com vários profissionais para provarem que sofreram a violência para, somente assim, terem garantido o acesso ao procedimento. Em concordância, Machado et al. (2015MACHADO, C. L. et al. Gravidez após violência sexual: vivências de mulheres em busca da interrupção legal. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, p. 345-353, 2015. DOI: 10.1590/0102-311X00051714
https://doi.org/10.1590/0102-311X0005171...
) e Melchiors et al. (2015MELCHIORS, L. et al. Análise da experiência de mulheres atendidas em um serviço de referência para vítimas de violência sexual e aborto previsto em lei, Caxias do Sul, Brasil. Reprodução & Climatério, São Paulo, v. 30, n. 2, p. 54-57, 2015. DOI: 10.1016/j.recli.2015.06.001
https://doi.org/10.1016/j.recli.2015.06....
) citam que algumas vítimas disseram ser desgastante e desconfortável a quantidade de entrevistas e exames realizados. Entretanto, segundo Melchiors et al. (2015)MELCHIORS, L. et al. Análise da experiência de mulheres atendidas em um serviço de referência para vítimas de violência sexual e aborto previsto em lei, Caxias do Sul, Brasil. Reprodução & Climatério, São Paulo, v. 30, n. 2, p. 54-57, 2015. DOI: 10.1016/j.recli.2015.06.001
https://doi.org/10.1016/j.recli.2015.06....
, a maioria das mulheres entrevistadas descreveram a equipe como acolhedora diante da situação. Já os profissionais entrevistados por Vieira et al. (2016VIEIRA, L. J. E. S. et al. Protocolos na atenção à saúde de mulheres em situação de violência sexual sob a ótica de profissionais de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 12, p. 3957-3965, 2016. DOI: 10.1590/1413-812320152112.15362015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
) relatam que, nos serviços em que era realizado o procedimento, havia uma descontinuidade da oferta e resistência das equipes.

Portanto, apesar de ser uma potencialidade os serviços pesquisados oferecerem alguns dos procedimentos previstos em lei, as investigações apontam que a maioria não cumpre o que é preconizado pelas entidades de saúde. Alguns serviços também contam com profissionais despreparados, que ainda moldam seus atendimentos às suas crenças pessoais. Com isso, até mesmo em locais de referência para a realização de procedimentos, como o aborto legal, os protocolos muitas vezes não são seguidos, precarizando o atendimento às vítimas.

Se, por um lado, locais em que fluxos de atendimento e protocolos não estão bem estabelecidos é evidente a precariedade no acolhimento às vítimas de violência sexual, por outro, apenas a existência de protocolos não garante que o atendimento seja de qualidade. Este não deve se restringir ao cumprimento de técnicas, é necessário um acolhimento da vítima por meio de uma escuta qualificada às necessidades do paciente, somada à percepção das necessidades para além da verbalização, com uma postura ética que implica compartilhamento de saberes, necessidades, possibilidades, angústias ou maneiras alternativas de enfrentar os problemas (Brasil, 2013d)BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde sexual e saúde reprodutiva. Brasília, DF, 2013d.. Em nenhuma das publicações analisadas foi possível identificar serviços brasileiros em que todas essas dimensões estejam contempladas.

Acesso e acessibilidade

Todos os 14 artigos analisados abordam, de alguma forma, o acesso e a acessibilidade do atendimento às vítimas de violência sexual. Para melhor compreensão, é importante diferenciar tais termos. Acessibilidade se refere a características da oferta de serviços de saúde e à capacidade de produzi-lo. Acesso pode ser definido como a entrada no sistema de saúde e a aderência ao tratamento, sendo, portanto, ligado a fatores da realidade do paciente (Trentin et al., 2020TRENTIN, D. et. al. Mulheres em situação de violência sexual: potencialidades e fragilidades da rede intersetorial. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 73, n. 4, p. 1-8, 2020. DOI: 10.1590/0034-7167-2018-0856
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
).

A respeito da acessibilidade, Batista, Schraiber e D’Oliveira (2018BATISTA, K. B. C.; SCHRAIBER, L. B.; D’OLIVEIRA, A. F. P. L. Health administrators and public policies to deal with gender violence against women in São Paulo, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 8, p. 1-11, 2018. DOI: 10.1590/0102-311X00140017
https://doi.org/10.1590/0102-311X0014001...
) abordam uma questão que pode influenciar diretamente nesse quesito: a distinção entre norma ética e norma legal. A primeira trata da moral e costumes e é gerada pela sociedade, já a segunda é produzida pelo Estado e pelas leis. Ambas podem influenciar no tipo de acolhimento que as vítimas recebem, como a não realização de um protocolo correto de atendimento (norma legal) devido a um preconceito (norma ética). Diniz et al. (2014DINIZ, D. et al. A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 22, n. 2, p. 291-298, 2014. DOI: 10.1590/1983-80422014222010
https://doi.org/10.1590/1983-80422014222...
) também analisam tal problemática quando relatam a dificuldade de acesso ao aborto legal devido a um regime interno de suspeição da vítima de estupro, o que vai contra o que é preconizado legalmente.

Outro ponto relevante sobre acessibilidade é a falta de articulação entre os serviços de acolhimento. A exemplo disso, a fala de um entrevistado de Trentin et al. (2020TRENTIN, D. et. al. Mulheres em situação de violência sexual: potencialidades e fragilidades da rede intersetorial. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 73, n. 4, p. 1-8, 2020. DOI: 10.1590/0034-7167-2018-0856
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
) chama atenção: “Acho que não existe aquele fluxo, não existe uma interligação entre todas as instituições que trabalham com isso” (p. 4). Esse depoimento se aproxima dos achados de Pinto et al. (2017PINTO, L. S. S. et al. Políticas públicas de proteção à mulher: avaliação do atendimento em saúde de vítimas de violência sexual. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 5, p. 1501-1508, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017225.33272016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017225...
), que indicam que os erros de encaminhamento de vítimas são um impedimento à coleta dos vestígios da violência em tempo hábil. Também Diniz et al. (2014DINIZ, D. et al. A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 22, n. 2, p. 291-298, 2014. DOI: 10.1590/1983-80422014222010
https://doi.org/10.1590/1983-80422014222...
) apontam que a sintonia entre a rede pública de saúde do município e a política pública de atendimento às mulheres vítimas de violência sexual é essencial: uma boa ligação é uma potencialidade do sistema, enquanto a dissintonia é uma fragilidade preocupante. Além desses autores, Leal et al. (2021LEAL, L. M. et al. Assessing the care of doctors, nurses, and nursing technicians for people in situations of sexual violence in Brazil. PLoS One. Toronto, v. 16, p. 1-11, 2021. DOI: 10.1371/journal.pone.0249598.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.024...
) afirmam que todas as 34 instituições analisadas não possuíam fluxograma de encaminhamento para redes de unidades parceiras.

Em relação ao acesso, a pesquisa de Vieira et al. (2016VIEIRA, L. J. E. S. et al. Protocolos na atenção à saúde de mulheres em situação de violência sexual sob a ótica de profissionais de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 12, p. 3957-3965, 2016. DOI: 10.1590/1413-812320152112.15362015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
), realizada nas capitais Rio de Janeiro e Fortaleza, aborda a distribuição desigual das redes especializadas no acolhimento das vítimas de violência sexual. De acordo com os autores, há uma maior concentração dessas redes no Sudeste, o que não condiz com a necessidade. De fato, dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020)FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário brasileiro de segurança pública 2020. São Paulo, 2020., mostram que os estados do Norte e Centro-Oeste brasileiros apresentam números expressivos de estupros. Tem-se, portanto, um problema de acesso e acessibilidade: as vítimas que normalmente necessitam de maior apoio não estão próximas às redes especializadas.

Ainda sobre o acesso, Pinto et al. (2017PINTO, L. S. S. et al. Políticas públicas de proteção à mulher: avaliação do atendimento em saúde de vítimas de violência sexual. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 5, p. 1501-1508, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017225.33272016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017225...
) citam os fatores socioeconômicos das vítimas em conjunto com a falta de apoio financeiro e emocional como obstáculos para se locomoverem até os centros de atendimento e darem continuidade ao acompanhamento. Nesse aspecto, os autores Ribeiro e Trevisol (2021RIBEIRO, M. G.; TREVISOL, S. F. Violência sexual e adesão ao protocolo de atendimento de um hospital do sul do Brasil. Enfermagem Em Foco, v. 12, n. 2, p. 312-318, 2021. DOI: 10.21675/2357-707X.2021.v12.n2.4140.
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2021....
), Melchiors et al. (2015MELCHIORS, L. et al. Análise da experiência de mulheres atendidas em um serviço de referência para vítimas de violência sexual e aborto previsto em lei, Caxias do Sul, Brasil. Reprodução & Climatério, São Paulo, v. 30, n. 2, p. 54-57, 2015. DOI: 10.1016/j.recli.2015.06.001
https://doi.org/10.1016/j.recli.2015.06....
), Pinto et al. (2017)PINTO, L. S. S. et al. Políticas públicas de proteção à mulher: avaliação do atendimento em saúde de vítimas de violência sexual. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 5, p. 1501-1508, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017225.33272016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017225...
e Facuri et al. (2013FACURI, C. de O. et. al. Violência sexual: estudo descritivo sobre as vítimas e o atendimento em um serviço universitário de referência no Estado de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica, Rio de Janeiro, v. 29, n. 5, p. 889-898, 2013.) relatam que a maioria das vítimas são adolescentes, o que pode ser considerado um problema de acesso, já que por motivo de medo, vergonha e/ou desinformação, essas vítimas podem optar por não irem a um serviço de saúde. O artigo de Costa et al. (2017COSTA, M. C. et al. Mulheres rurais e situações de violência: fatores que limitam o acesso e a acessibilidade à rede de atenção à saúde. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 38, n. 2, p. 1-8, 2017. DOI: 10.1590/1983-1447.2017.02.59553
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.0...
), o único que aborda o acesso e a acessibilidade de mulheres do meio rural, também elenca empecilhos como: escassa possibilidade de obter informações, distância dos recursos de apoio, acesso restrito ao transporte, dependência do companheiro, desatenção dos profissionais e desarticulação das redes de apoio. Importante ressaltar que nenhum dos artigos discute o acesso e acessibilidade de mulheres de alta renda.

Dessa forma, as pesquisas documentam problemas presentes tanto na estrutura do atendimento às vítimas de violência sexual - que incluem o despreparo profissional e a desarticulação e distribuição desigual do sistema - quanto no contexto pessoal e social dessas mulheres. A esse respeito, Fontoura e Mayer (2006FONTOURA, R. T.; MAYER, C. N. Uma breve reflexão sobre a integralidade. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 59, n. 4, p. 532-536, 2006. DOI: 10.1590/S0034-71672006000400011
https://doi.org/10.1590/S0034-7167200600...
) afirmam que a integralidade é diretamente afetada pelo acesso e acessibilidade no atendimento e é a característica menos perceptível na trajetória do sistema de saúde.

Por fim, para os autores de todas as publicações analisadas, as questões levantadas podem ser superadas com uma melhor análise dos protocolos e seguimento das diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde.

Considerações finais

Nesta revisão, de 2.809 artigos encontrados com o uso dos descritores, apenas 14 foram selecionados para compor a amostra final, sinalizando que apesar de a violência sexual ser um tema amplamente abordado em publicações científicas, ao que tudo indica a grande maioria não trata do acolhimento dessas vítimas ao chegarem no sistema de saúde pública brasileiro. Dada a necessidade de propor três combinações diferentes de descritores para chegar a um número razoável de artigos selecionados, é possível supor que não existe padronização nos descritores utilizados pelos pesquisadores da área. Isso levanta o questionamento de que artigos que se enquadrariam nos critérios de seleção podem ter ficado de fora da amostra por terem descritores diferentes, o que poderia ser uma limitação deste estudo.

Com a análise empreendida, é possível perceber que o atendimento às vítimas de violência sexual apresenta potencialidades, mas ainda possui fragilidades importantes que distanciam a realidade brasileira do que é previsto legalmente. Dentre as potencialidades, destacam-se a presença de serviços especializados no atendimento às vítimas de violência sexual, que correspondem à maioria das instituições investigadas pelos autores. A existência desses serviços, ainda que sejam poucos e concentrados geograficamente, atesta que há preocupação do setor público em prestar atendimento qualificado às vítimas. Outro ponto importante é a presença dos serviços de aborto, prevenção de IST (infecções sexualmente transmissíveis) e anticoncepção de emergência encontrados em algumas dessas instituições. Além disso, segundo relatos das pacientes, a maior parte delas se sentiram acolhidas e recomendariam os serviços a outras mulheres que estivessem passando pela mesma situação.

Sobre as fragilidades encontradas, a primeira é o despreparo dos profissionais para o acolhimento às vítimas. Poucos relataram ter sido capacitados e/ou conhecerem os protocolos e diretrizes de atendimento, mesmo estando à frente de serviços especializados. Em segundo lugar, destaca-se a precariedade do abortamento legal: apesar da existência formal do serviço e oferta das medicações, é necessário que a vítima passe por processo desgastante e demorado de confirmação da violência dentro das unidades, o que contraria os protocolos de atendimento. Além disso, em alguns lugares os medicamentos de anticoncepção são pouco utilizados devido a influências políticas e religiosas.

Outras fragilidades importantes a serem destacadas são a desarticulação entre os serviços de atendimento às vítimas e a dificuldade de acesso a esses serviços, o que se deve a dois fatores: unidades localizadas em regiões de menor incidência de casos de abuso sexual e fatores socioeconômicos que dificultam a chegada das vítimas até as redes de apoio e sua aderência às condutas médicas. A carência de dados sobre as dificuldades de acesso dos diferentes grupos sociais é um fator que dificulta o entendimento e a melhoria da prestação desse serviço, fato que pode estar relacionado à estimativa de que apenas 10% dos casos de violência sexual no Brasil são notificados.

Uma limitação deste trabalho se vincula à falta de pesquisas que avaliem o processo de acolhimento como um todo. Todos os artigos selecionados tratam de alguma parte específica e a maioria com um viés técnico do atendimento, sem aprofundar na complexidade de dimensões concernentes ao acolhimento integral (Brasil, 2013c)BRASIL. Ministério da Saúde. PNH: política nacional de humanização. Brasília, DF, 2013c.. Dessa forma, o objetivo pretendido por esta pesquisa, que é compreender como vítimas de violência sexual são acolhidas no sistema de saúde pública brasileiro após as mudanças legislativas de 2013, só pôde ser parcialmente alcançado. Decorrente do fato de esta ser uma pesquisa de revisão bibliográfica integrativa, pode-se entender essa limitação como um convite aos pesquisadores da área, para que incluam a concepção ampla de acolhimento em futuras pesquisas.

Conclui-se que, apesar de leis e diretrizes destinadas a melhorar o atendimento das vítimas de violência sexual existirem no Brasil há quase uma década, as publicações disponíveis sobre o tema indicam que esse acolhimento ainda não ocorre como o esperado. É preciso que os profissionais de saúde recebam capacitação adequada para estarem à frente dos serviços e estejam atualizados quanto aos protocolos de atendimento. Também é necessário que os serviços de saúde e de segurança estejam conectados para realizar um acolhimento completo, humanizado e eficaz.

Como dito acima, é de extrema importância a realização de mais estudos sobre como ocorre o acolhimento dessas vítimas nos serviços de saúde pública, para que haja uma melhor compreensão da real situação desse serviço no Brasil. Por fim, novas revisões que façam comparações entre a realidade brasileira e a de outros países poderão lançar novas luzes sobre potencialidades e fragilidades do acolhimento no país, quiçá abrindo caminhos para melhoria dos serviços nacionais.

Referências

  • ABATH, M. B. et al. Avaliação da completitude, da consistência e da duplicidade de registros de violências do Sinan em Recife, Pernambuco, 2009-2012. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 23, n. 1, p. 131-142, 2014. DOI: 10.5123/S1679-49742014000100013
    » https://doi.org/10.5123/S1679-49742014000100013
  • BATISTA, K. B. C.; SCHRAIBER, L. B.; D’OLIVEIRA, A. F. P. L. Health administrators and public policies to deal with gender violence against women in São Paulo, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 8, p. 1-11, 2018. DOI: 10.1590/0102-311X00140017
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00140017
  • BRASIL. Ministério da Justiça. Ministério da Saúde. Decreto n. 7.958, de 13 de março de 2013. Estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 mar. 2013a. Seção 1, p. 1.
  • BRASIL. Ministério da Justiça. Ministério da Saúde. Lei n. 12.845, de 1 de agosto de 2013. Dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 2 ago. 2013b. Seção 1, p. 1.
  • BRASIL. Ministério da Justiça. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Norma técnica: atenção humanizada às pessoas em situação de violência sexual com registro de informações e coleta de vestígios. Brasília, DF, 2015.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. PNH: política nacional de humanização. Brasília, DF, 2013c.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde sexual e saúde reprodutiva. Brasília, DF, 2013d.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde. 2. ed. Brasília, DF, 2010.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política nacional de educação permanente em saúde. Brasília, DF, 2009.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema de informações de agravos de notificação: violência doméstica, sexual e/ou outras violências. Brasília, DF: Datasus, 2021. Disponível em: <Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/violencia/bases/violebrnet.def >. Acesso em: 15 fev. 2022.
    » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/violencia/bases/violebrnet.def
  • CASP - CRITICAL APPRAISAL SKILLS PROGRAMME. CASP checklist: 10 questions to help you make sense of a qualitative research. Oxford, 2018.
  • COSTA, M. C. et al. Mulheres rurais e situações de violência: fatores que limitam o acesso e a acessibilidade à rede de atenção à saúde. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 38, n. 2, p. 1-8, 2017. DOI: 10.1590/1983-1447.2017.02.59553
    » https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.02.59553
  • DELZIOVO, C. R. et al. Características dos casos de violência sexual contra mulheres adolescentes e adultas notificados pelos serviços públicos de saúde em Santa Catarina, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 33, n. 6, e00002716, p. 1-13, 2017. DOI: 10.1590/0102-311X00002716
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00002716
  • DESLANDES, S. F. et al. Atendimento à saúde de crianças e adolescentes em situação de violência sexual, em quatro capitais brasileiras. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 20, n. 59, p. 865-877, 2016. DOI: 10.1590/1807-57622015.0405
    » https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0405
  • DESLANDES, S. F. et al. Capacitação profissional para o enfrentamento às violências sexuais contra crianças e adolescentes em Fortaleza, Ceará, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, p. 431-435, 2015. DOI: 10.1590/0102-311X00078514
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00078514
  • DINIZ, D. et al. A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 22, n. 2, p. 291-298, 2014. DOI: 10.1590/1983-80422014222010
    » https://doi.org/10.1590/1983-80422014222010
  • DREZETT, J. Aspectos biopsicossociais da violência sexual. In: PEREIRA, I. G. et al. (Org.). Aborto legal: implicações éticas e religiosas. Rio de Janeiro: Católicas pelo direito de decidir, 2002. p. 115-123.
  • FACURI, C. de O. et. al. Violência sexual: estudo descritivo sobre as vítimas e o atendimento em um serviço universitário de referência no Estado de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica, Rio de Janeiro, v. 29, n. 5, p. 889-898, 2013.
  • FONTOURA, R. T.; MAYER, C. N. Uma breve reflexão sobre a integralidade. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 59, n. 4, p. 532-536, 2006. DOI: 10.1590/S0034-71672006000400011
    » https://doi.org/10.1590/S0034-71672006000400011
  • FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário brasileiro de segurança pública 2020. São Paulo, 2020.
  • FRANCO, T. B.; BUENO, W. S.; MERHY, E. E. “User embracement” and the working process in health: Betim’s case, Minas Gerais, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 345-353, 1999. DOI: 10.1590/S0102-311X1999000200019
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X1999000200019
  • GIFFIN, K. Violência de gênero, sexualidade e saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 10, suppl. 1, p. S146-S155, 1994. DOI: 10.1590/S0102-311X1994000500010
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X1994000500010
  • GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2022.
  • GOMES, M. C. P. A.; PINHEIRO, R. Acolhimento e vínculo: práticas de integralidade na gestão do cuidado em saúde em grandes centros urbanos. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 9, n. 17, p. 287-301, 2005. DOI: 10.1590/S1414-32832005000200006
    » https://doi.org/10.1590/S1414-32832005000200006
  • LEAL, L. M. et al. Assessing the care of doctors, nurses, and nursing technicians for people in situations of sexual violence in Brazil. PLoS One. Toronto, v. 16, p. 1-11, 2021. DOI: 10.1371/journal.pone.0249598.
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0249598
  • LIMA, C. A.; DESLANDES, S. F. Violência sexual contra mulheres no Brasil: conquistas e desafios do setor saúde na década de 2000. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 3, p. 53-66, 2014. DOI: 10.1590/S0104-12902014000300005
    » https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000300005
  • LOPES, A. L. M..; FRACOLLI, L. A. Revisão sistemática de literatura e metassíntese qualitativa: considerações sobre sua aplicação na pesquisa em enfermagem. Texto & Contexto - Enfermagem, Florianópolis, v. 17, n. 4, p. 771-778, 2008. DOI: 10.1590/S0104-07072008000400020
    » https://doi.org/10.1590/S0104-07072008000400020
  • MACHADO, C. L. et al. Gravidez após violência sexual: vivências de mulheres em busca da interrupção legal. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, p. 345-353, 2015. DOI: 10.1590/0102-311X00051714
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00051714
  • MELCHIORS, L. et al. Análise da experiência de mulheres atendidas em um serviço de referência para vítimas de violência sexual e aborto previsto em lei, Caxias do Sul, Brasil. Reprodução & Climatério, São Paulo, v. 30, n. 2, p. 54-57, 2015. DOI: 10.1016/j.recli.2015.06.001
    » https://doi.org/10.1016/j.recli.2015.06.001
  • NASCIMENTO, A. F.; DESLANDES, S. F. A construção da agenda pública brasileira de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 4, p. 1171-1191, 2016. DOI: 10.1590/S0103-73312016000400006
    » https://doi.org/10.1590/S0103-73312016000400006
  • PAGE, M. J. et al. A declaração PRISMA 2020: diretriz atualizada para relatar revisões sistemáticas. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 31, n. 2, e2022107, 2022. DOI: 10.5123/S1679-49742022000200033
    » https://doi.org/10.5123/S1679-49742022000200033
  • PASSOS, C. S.; PANELLI-MARTINS, B. E. Desafios à prática do acolhimento na atenção primária em saúde no Brasil. Revise, Santo Antônio de Jesus, v. 3, p. 56-70, 2019.
  • PINTO, L. S. S. et al. Políticas públicas de proteção à mulher: avaliação do atendimento em saúde de vítimas de violência sexual. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 5, p. 1501-1508, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017225.33272016
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232017225.33272016
  • RIBEIRO, M. G.; TREVISOL, S. F. Violência sexual e adesão ao protocolo de atendimento de um hospital do sul do Brasil. Enfermagem Em Foco, v. 12, n. 2, p. 312-318, 2021. DOI: 10.21675/2357-707X.2021.v12.n2.4140.
    » https://doi.org/10.21675/2357-707X.2021.v12.n2.4140
  • SANTOS, T. M. B. et al. Completitude das notificações de violência perpetrada contra adolescentes em Pernambuco, Brasil. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 12, p. 3907-3916, 2016. DOI: 10.1590/1413-812320152112.16682015
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320152112.16682015
  • SOUSA, C. M. S. et al. Incompletude do preenchimento das notificações compulsórias de violência - Brasil, 2011-2014. Cadernos Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 28, n. 4, p. 477-487, 2020. DOI: 10.1590/1414-462X202028040139
    » https://doi.org/10.1590/1414-462X202028040139
  • TAQUETTE, S. R. et al. A invisibilidade da magnitude do estupro de meninas no Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 55, artigo 103, p. 1-9, 2021. DOI: 10.11606/s1518-8787.2021055003439
    » https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2021055003439
  • TRENTIN, D. et. al. Mulheres em situação de violência sexual: potencialidades e fragilidades da rede intersetorial. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 73, n. 4, p. 1-8, 2020. DOI: 10.1590/0034-7167-2018-0856
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0856
  • VIEIRA, L. J. E. S. et al. Protocolos na atenção à saúde de mulheres em situação de violência sexual sob a ótica de profissionais de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 12, p. 3957-3965, 2016. DOI: 10.1590/1413-812320152112.15362015
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320152112.15362015

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2022
  • Revisado
    17 Out 2022
  • Aceito
    12 Jan 2023
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br