Interações entre regulação sanitária e Avaliação de Tecnologias em Saúde para cobertura em sistemas de saúde e a integralidade do cuidado

Maíra Catharina Ramos Margarete Martins de Oliveira Aurélio Matos de Andrade Erica Tatiane da Silva Flávia Tavares Silva Elias Sobre os autores

Resumo

Este estudo analisa as interações entre os processos regulatórios e de avaliação de tecnologias de saúde (ATS) voltados para a cobertura dos sistemas de saúde. Foi realizada revisão em cinco bases de dados visando identificar experiências de articulação entre processos regulatórios e processos de ATS, sendo incluídas 19 publicações. Quanto ao tipo de processo, destacaram-se o early dialogue, scientific advice e parallel advice como forma de interação entre ATS e regulação. Os estudos abordaram a interação entre a ATS e a regulação sanitária para as políticas de cobertura de medicamentos em sistemas de saúde, sendo escassas as evidências em relação a outros produtos. Ademais, essa interação é descrita basicamente para o que se refere à entrada de novas tecnologias nos sistemas de saúde. A interação entre ATS e regulação sanitária resultou na redução de prazos para a comercialização e incorporação da tecnologia nos sistemas de saúde. Os tipos de processo de interação identificados podem apresentar benefícios para todo o sistema de saúde, aumentando a cobertura e a integralidade do cuidado, entretanto, apesar dos avanços, ainda persistem barreiras para a interação entre agências reguladoras e a gestão de sistemas de cobertura.

Palavras-chave:
Avaliação de Tecnologias em Saúde; Regulação e Fiscalização em Saúde; Revisão

Introdução

No início dos anos 1970, a produção de conhecimentos em saúde - impulsionada principalmente pelas políticas científicas internacionais - demandou novas estratégias para o aprimoramento da capacidade regulatória e de incorporação de novas tecnologias nos sistemas de saúde, estratégias que são processos de avaliação de tecnologias em saúde (ATS), campo multidisciplinar de análise de políticas públicas. Seu papel principal é fornecer informações sobre o que funciona e para quem em relação às alternativas práticas e com as menores demandas de recursos. A ATS também auxilia os gestores na tomada de decisão sobre incorporação e uso de intervenções utilizadas para a prevenção, tratamento, cuidado, inclusive para a promoção da saúde.

As tecnologias constituem uma parte importante para o Sistema Único de Saúde (SUS), sejam elas tecnologias leves, como protocolos clínicos, ou duras, como medicamentos. Para a incorporação destas tecnologias, a ATS transcende o campo epidemiológico, interagindo com as dimensões social, cultural, ética e político-econômica para a promoção, manutenção ou reabilitação da saúde. Tradicionalmente, o ciclo de vida de uma tecnologia é constituído pelas fases de inovação, difusão, incorporação, utilização plena e abandono das tecnologias.

Durante a fase de inovação, caracterizada pela produção de pesquisa e desenvolvimento, inicia-se também a discussão regulatória, em que são solicitados os registros das novas tecnologias em saúde, entendendo-se como a fase de pré-comercialização. Durante as fases de incorporação e utilização plena da tecnologia, realiza-se o monitoramento da efetividade e do desempenho no mundo real dos serviços de saúde. As avaliações no ciclo de vida envolvem diferentes órgãos do sistema de saúde, como o Ministério da Saúde, as secretarias estaduais, municipais e serviços de saúde, além das agências reguladoras, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Nesse contexto, as agências reguladoras internacionais, como a Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, a European Medicines Agency (EMA), na Europa, e, no Brasil, a Anvisa, possuem um papel fundamental na tomada de decisão do ciclo dos novos produtos. Essas agências são responsáveis por regular a entrada de medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos no mercado, autorizando ou não a comercialização da tecnologia no país, além de informar quanto à segurança, ao benefício, à indicação de uso e ao preço a ser praticado no mercado (Garrison et al., 2013GARRISON, L. P. et al. Performance-based risk-sharing arrangements - Good practices for design, implementation, and evaluation: Report of the ISPOR good practices for performance-based risk-sharing arrangements task force. Value in Health, Amsterdam, v. 16, n. 5, p. 703-719, 2013. DOI: 10.1016/j.jval.2013.04.011
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).

Desta forma, os primeiros passos para entrada de produtos estão sob responsabilidade das agências reguladoras e, posteriormente, das agências de ATS - a exemplo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) -, quando se referem ao financiamento pelos sistemas de saúde. Em países com sistemas nacionais de saúde, como o Brasil, a ATS torna-se cada vez mais necessária para dar suporte à tomada de decisão sobre a alocação mais eficiente de recursos. O aumento do custo do cuidado em saúde, junto aos recursos limitados e à necessidade de melhorar a qualidade e a consistência do cuidado, resulta na implementação da ATS como estratégia para orientar as políticas públicas de saúde.

Estudos que avaliam as metodologias e valores adotados em tais avaliações de ATS e de regulação sanitária têm sido cada vez mais frequentes, entretanto, os estudos estão direcionados para as evidências no contexto das fases de pré-comercialização das novas tecnologias, analisando como a interação entre ATS e regulação sanitária tem contribuído para a discussão sobre a cobertura dos sistemas de saúde, suas potencialidades e desafios no contexto do uso de dados do mundo real, e como tem influenciado nos acordos de compartilhamento de risco entre as companhias e os órgãos governamentais.

Os incentivos às interações regulatórias partiram também da sociedade Health Technology Assessment International (HTAi), fundada em 2003, cujo propósito é desenvolver métodos, estratégias e troca de experiências na introdução de inovações nos sistemas de saúde, permeando todos os campos da avaliação de tecnologias em saúde, envolvendo uma comunidade multidisciplinar acadêmica, científica e profissional, com a participação de organizações públicas e privadas e de pacientes dedicada. A sociedade HTAi possui um grupo de interesse específico para estudar e promover maior coordenação entre a regulação e as avaliações de incorporação de tecnologias em saúde. Em junho de 2020, essa temática foi incorporada ao novo grupo de interesse criado para promover o uso de Real World Evidence (evidências do mundo real, em tradução livre) para diálogos iniciais entre o aparato regulatório da comercialização de produtos e as normas das agências de ATS - responsáveis por processos de avaliação e incorporação de tecnologias como estratégia para o encurtamento do tempo para acesso às tecnologias.

Apesar disso, ainda se mostra insuficiente o desenvolvimento de avaliações de efetividade pós-comercialização com o uso de Real World Evidence. Também não se conhece a natureza dessas interações do ponto de vista de contexto e de interesses envolvidos, ou mesmo não está explicita a convergência de dimensões de avaliação usadas nos processos interativos entre regulação e ATS.

Saber sobre a interação ATS e regulação sanitária torna-se necessário para instituir melhores práticas para avaliação e incorporação de novas tecnologias ao SUS, de forma a potencializar a ampliação da cobertura em saúde e garantir a integralidade do cuidado. Ainda, a instituição de práticas que conjuguem a ATS com a regulação sanitária no sistema de saúde tem a potencialidade de reduzir o tempo de incorporação de tecnologias ao sistema, possibilitando que novas opções clínicas e terapêuticas cheguem mais rápido ao cidadão, além de contribuir para a eficiência de alocação de recursos e para a efetividade e qualidade dos serviços.

Nesse contexto, desenvolveu-se uma revisão com objetivo de analisar as interações entre os processos regulatórios de comercialização de tecnologias de saúde e aqueles de avaliação de tecnologias voltados para cobertura dos sistemas de saúde, considerando os ciclos regulatórios que envolvem a entrada, o monitoramento e o desinvestimento das tecnologias em saúde.

Método

Foi realizada revisão narrativa com vistas a identificar experiências de países que articulam processos regulatórios de comercialização de produtos em saúde com os processos de ATS para cobertura dos sistemas de saúde. Utilizou-se a estratégia de busca “health technology assessment” AND “regulatory” nas bases Pudmed, Embase, Cochrane Library, Scopus, Web of Science e Scholar, conforme detalhado no Anexo A.

Não houve restrição de data de publicação e foram considerados elegíveis estudos em inglês, espanhol e português. Incluiu-se estudos primários que abordavam as interações entre os processos regulatórios de comercialização com processos de ATS voltados para a cobertura dos sistemas de saúde. Foram excluídos estudos secundários, editoriais, cartas ao editor e artigos sem texto completo disponível.

Para a seleção de artigos incluídos, realizou-se seleção por título e resumo em primeiro momento. Para os artigos classificados como elegíveis, realizou-se a leitura completa. Em casos de dúvida quanto à inclusão ou não do artigo, houve decisão entre os autores para consenso sobre sua inclusão. Para a extração de dados, foi utilizada tabela com a descrição geral dos estudos. Para fins de análise, considerou-se o local da experiência, período, função dentro do ciclo regulatório e tipos de processo de interação entre ATS e regulação sanitária usados dentro do ciclo da regulação.

Por função regulatória, compreende-se as análises prévias de comercialização, a elaboração de normativas, a consulta ou audiência pública, a decisão da autoridade, implementação, fiscalização, monitoramento, avaliação e revisão de Análise de Impacto Regulatório. As fases da avaliação envolvem apreciações técnico-científicas de benefícios clínicos, aspectos econômicos, legais, éticos considerando o ciclo das tecnologias - inovação (fase de pesquisa e desenvolvimento), difusão inicial (quando se inicia as análises para comercialização do país), incorporação (avaliações para cobertura com financiamento público), utilização plena (análise de efetividade e desempenho na vida real dos serviços de saúde) e abandono (fase de retirada ou desinvestimento) da tecnologia.

Para fins dessa revisão, entende-se como função no ciclo da regulação, aquelas ações que conjugam os papeis regulatórios, a saber: a aprovação sanitária e cobertura nos sistemas de saúde, o monitoramento da ampla difusão das tecnologias envolvendo dados de vida real para farmacovigilância, a vigilância em dispositivos assistenciais, o desempenho nos sistemas de saúde, e, para analisar efetividade, adesão a protocolos clínicos e a segurança de pacientes.

Resultados

A busca nas bases resultou na identificação de 2.604 artigos, sendo 1.219 publicações únicas, dos quais, após leitura de título e resumo, foram elegíveis dezenove artigos (Quadro 1).

Quadro 1
Caracterização dos estudos

Entre os estudos, a maior parte relatou a experiência da interação entre a regulação sanitária e o órgão de avaliação de tecnologias que apoiam os sistemas de saúde da União Europeia. As experiências canadenses também foram destaque na interação entre regulação e cobertura de tecnologias nos sistemas de saúde. A maior parte desses estudos relatou experiências a partir de 2010, em função da maturidade da aplicação da ATS para a cobertura de serviços de saúde, exigindo discussões ainda na fase de registro e comercialização de produtos. A caracterização completa dos estudos está disponível no Anexo C.

Quanto à função no ciclo de regulação, a maioria menciona atuar com a aprovação sanitária e cobertura da tecnologia para a população e no processo de precificação e reembolso. Quanto ao tipo de processo, foi identificada uma variedade de interações cujas características constam no Quadro 2. A maioria das interações reportaram experiências sobre early dialogue (tradução livre - diálogos iniciais) focadas no diálogo entre indústria, agência reguladora e agência de ATS na fase de estudos clínicos de medicamentos e produtos para saúde.

Quadro 2
Tipos de interação entre ATS e regulação sanitária

Destaca-se, também, o processo do tipo scientific advice (tradução livre - consultoria científica), no qual as empresas se reúnem com o órgão regulador ou de ATS para estabelecer o melhor entendimento sobre as metodologias de avaliação preconizadas (Berntgen et al., 2014BERNTGEN, M. et al. Improving the contribution of regulatory assessment reports to health technology assessments: a collaboration between the European medicines agency and the European network for health technology assessment. Value in Health, Amsterdam, v. 17, p. 634-641. DOI: 10.1016/j.jval.2014.04.006
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; Frønsdal et al., 2012FRØNSDAL, K. et al. Interaction initiatives between regulatory, health technology assessment and coverage bodies, and industry. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 28, n. 4, p. 374-381, 2012. DOI: 10.1017/s0266462312000591
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; Henshall et al., 2014HENSHALL, C. et al. Understanding the role and evidence expectations of health technology assessment and coverage/payer bodies: what are they looking for, and how and why does this differ from what regulators require? Therapeutic Innovation & Regulatory Science, London, v. 48, n. 3, p. 341-346, 2014. DOI: 10.1177/2168479013512488
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; Maignen et al., 2017MAIGNEN, F. Integrating health technology assessment requirements in the clinical development of medicines: the experience from NICE scientific advice. European Journal of Clinical Pharmacology, Berlin, v. 73, n. 3, p. 297-305, 2017. DOI: 10.1007/s00228-016-2174-2
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; Tafuri et al., 2016TAFURI, G. et al. How aligned are the perspectives of EU regulators and HTA bodies? A comparative analysis of regulatory-HTA parallel scientific advice. British Journal of Clinical Pharmacology, London, v. 82, p. 965-973, 2016. DOI: 10.1111/bcp.13023
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; 2018TAFURI, G. et al. The impact of parallel regulatory-health technology assessment scientific advice on clinical development. Assessing the uptake of regulatory and health technology assessment recommendations. British Journal of Clinical Pharmacology, London, v. 84, n. 5, p. 1013-1019, 2018. DOI: 10.1111/bcp.13524
https://doi.org/10.1111/bcp.13524...
; Vella Bonanno et al., 2019VELLA BONANNO, P. et al. Proposal for a regulation on health technology assessment in Europe - opinions of policy makers, payers and academics from the field of HTA. Expert Review of Pharmacoeconomics & Outcomes Research, London, v. 19, n. 3, p. 251-261, 2019. DOI: 10.1080/14737167.2019.1575730
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; Wang et al., 2018WANG, T. Building synergy between regulatory and hta agencies beyond processes and procedures-can we effectively align the evidentiary requirements? A survey of stakeholder perceptions., Amsterdam, v. 21, n. 6, p. 707-714, 2018. DOI: 10.1016/j.jval.2017.11.003
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).

O parallel advice (tradução livre - assessoria paralela), processo para preencher lacunas entre os requisitos de evidência para a regulação e a incorporação da tecnologia nos sistemas de saúde, foi ponto reportado sobre às experiências relatadas (Drummond, 2015DRUMMOND, M. Health technology assessment and its interface with regulation, policy and management. In: LLANO-SEÑARÍS, J. C.; CAMPILLO-ARTERO, C. Health Technology Assessment and health policy today: a multifaceted view of their unstable crossroads. London: Springer International Publishing, 2015. p. 3-14.; Frønsdal et al., 2012FRØNSDAL, K. et al. Interaction initiatives between regulatory, health technology assessment and coverage bodies, and industry. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 28, n. 4, p. 374-381, 2012. DOI: 10.1017/s0266462312000591
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; Maignen et al., 2017MAIGNEN, F. Integrating health technology assessment requirements in the clinical development of medicines: the experience from NICE scientific advice. European Journal of Clinical Pharmacology, Berlin, v. 73, n. 3, p. 297-305, 2017. DOI: 10.1007/s00228-016-2174-2
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).

Observou-se que os processos de interação descritos no Quadro 2 precisam ser melhor desenvolvidos para evitar duplicidades de análises e facilitar o acesso a novas tecnologias de saúde (Balaisyte; Joos; Hiligsmann, 2018BALAISYTE, L.; JOOS, A.; HILIGSMANN, M. Early dialogue in Europe: perspectives on value, challenges, and continuing evolution. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 34, n. 5, p. 514-518, 2018. DOI: 10.1017/S0266462318000545
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; Drummond, 2015DRUMMOND, M. Health technology assessment and its interface with regulation, policy and management. In: LLANO-SEÑARÍS, J. C.; CAMPILLO-ARTERO, C. Health Technology Assessment and health policy today: a multifaceted view of their unstable crossroads. London: Springer International Publishing, 2015. p. 3-14.; Facey et al., 2015FACEY, K.; HENSHALL, C.; SAMPIETRO-COLOM, L.; THOMAS, S. Improving the effectiveness and efficiency of evidence production for health technology assessment. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 31, n. 4, p. 201-206, 2015. DOI: 10.1017/s0266462315000355
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; Frønsdal et al., 2012FRØNSDAL, K. et al. Interaction initiatives between regulatory, health technology assessment and coverage bodies, and industry. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 28, n. 4, p. 374-381, 2012. DOI: 10.1017/s0266462312000591
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; Mcauslane; Liberti; Connelly, 2019MCAUSLANE, N.; LIBERTI, L.; CONNELLY, P. The confluence of accelerated regulatory and Health Technology Assessment access pathways. Clinical Pharmacology & Therapeutics, Hoboken, v. 105, n. 4, p. 935-942, 2019. DOI: 10.1002/cpt.1315
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). Além disso, destaca-se o papel da indústria no momento de discussão e alinhamentos metodológicos na fase de pré-mercado. Tal tríade - indústria, órgão regulador e órgão de incorporação no sistema de saúde - traz benefícios para os envolvidos. Para a indústria, pode-se renunciar ao investimento em estudos que dificilmente serão úteis; para o órgão regulador, proporciona-se o alinhamento interno em torno do desenvolvimento clínico de um produto de forma mais facilitada; e, para o órgão de cobertura no sistema de saúde, gera-se a possibilidade de se obter dados de mundo real para conhecer benefícios e riscos de uma tecnologia (Cuche et al., 2014CUCHE, M. et al. Early dialogue with health technology assessment bodies: a european perspective. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 30, n. 6, p. 571-578, 2014. https://doi.org/10.1017/s0266462314000713
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).

Para os casos em que a evidência ainda é incerta, acordos de compartilhamento de risco têm sido uma alternativa para a mitigação dos riscos causados pela tecnologia. Tais acordos geralmente são realizados entre indústria e governos, com prazos predeterminados.

Alguns estudos apontaram a necessidade de alinhar processos de trabalho entre agências de ATS e agências reguladoras. A maioria das evidências geradas pela indústria atendia aos requisitos regulamentares, porém, não atendiam plenamente os requisitos probatórios da ATS para apoiar a tomada de decisão no campo da cobertura do sistema de saúde (Frønsdal et al., 2012FRØNSDAL, K. et al. Interaction initiatives between regulatory, health technology assessment and coverage bodies, and industry. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 28, n. 4, p. 374-381, 2012. DOI: 10.1017/s0266462312000591
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). As principais diferenças nos métodos avaliativos utilizados pelas agências foram o comparador utilizado (Berntgen et al., 2014BERNTGEN, M. et al. Improving the contribution of regulatory assessment reports to health technology assessments: a collaboration between the European medicines agency and the European network for health technology assessment. Value in Health, Amsterdam, v. 17, p. 634-641. DOI: 10.1016/j.jval.2014.04.006
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; Cox; Pouvourville, 2015COX, J. L.; POUVOURVILLE, G. Achieving access: addressing the needs of payors and health technology assessment agencies. European Heart Journal, Oxford, v. 17, supl. D, D15-20, 2015. DOI: 10.1093/eurheartj/suv041
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; Cuche et al., 2014CUCHE, M. et al. Early dialogue with health technology assessment bodies: a european perspective. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 30, n. 6, p. 571-578, 2014. https://doi.org/10.1017/s0266462314000713
https://doi.org/10.1017/s026646231400071...
; Frønsdal et al., 2012FRØNSDAL, K. et al. Interaction initiatives between regulatory, health technology assessment and coverage bodies, and industry. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 28, n. 4, p. 374-381, 2012. DOI: 10.1017/s0266462312000591
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; Tafuri et al., 2016TAFURI, G. et al. How aligned are the perspectives of EU regulators and HTA bodies? A comparative analysis of regulatory-HTA parallel scientific advice. British Journal of Clinical Pharmacology, London, v. 82, p. 965-973, 2016. DOI: 10.1111/bcp.13023
https://doi.org/10.1111/bcp.13023...
; 2018TAFURI, G. et al. The impact of parallel regulatory-health technology assessment scientific advice on clinical development. Assessing the uptake of regulatory and health technology assessment recommendations. British Journal of Clinical Pharmacology, London, v. 84, n. 5, p. 1013-1019, 2018. DOI: 10.1111/bcp.13524
https://doi.org/10.1111/bcp.13524...
; Wang et al., 2018WANG, T. Building synergy between regulatory and hta agencies beyond processes and procedures-can we effectively align the evidentiary requirements? A survey of stakeholder perceptions., Amsterdam, v. 21, n. 6, p. 707-714, 2018. DOI: 10.1016/j.jval.2017.11.003
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; Wonder; Backhouse; Hornby, 2013WONDER, M.; BACKHOUSE, M. E.; HORNBY, E. Early scientific advice obtained simultaneously from regulators and payers: findings from a pilot study in Australia. Value in Health, Amsterdam, v. 16, n. 6, p. 1067-1073, 2013. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jval.2013.07.007
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), por exemplo, nas agências reguladoras aceita-se placebo, nos órgãos de cobertura nos sistemas de saúde, prefere-se tecnologias já incorporadas nos sistemas de saúde. A eleição de desfechos primários e substitutos (Cox; Pouvourville, 2015COX, J. L.; POUVOURVILLE, G. Achieving access: addressing the needs of payors and health technology assessment agencies. European Heart Journal, Oxford, v. 17, supl. D, D15-20, 2015. DOI: 10.1093/eurheartj/suv041
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; Tafuri et al., 2018TAFURI, G. et al. The impact of parallel regulatory-health technology assessment scientific advice on clinical development. Assessing the uptake of regulatory and health technology assessment recommendations. British Journal of Clinical Pharmacology, London, v. 84, n. 5, p. 1013-1019, 2018. DOI: 10.1111/bcp.13524
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; Wang et al., 2018WANG, T. Building synergy between regulatory and hta agencies beyond processes and procedures-can we effectively align the evidentiary requirements? A survey of stakeholder perceptions., Amsterdam, v. 21, n. 6, p. 707-714, 2018. DOI: 10.1016/j.jval.2017.11.003
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) também difere entre as exigências pois para o órgão de cobertura, prefere-se desfechos que impactam as condições clínicas dos pacientes, deixando-se em segundo plano os desfechos laboratoriais. Em relação à população e subgrupos populacionais (Berntgen et al., 2014BERNTGEN, M. et al. Improving the contribution of regulatory assessment reports to health technology assessments: a collaboration between the European medicines agency and the European network for health technology assessment. Value in Health, Amsterdam, v. 17, p. 634-641. DOI: 10.1016/j.jval.2014.04.006
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; Cox; Pouvourville, 2015COX, J. L.; POUVOURVILLE, G. Achieving access: addressing the needs of payors and health technology assessment agencies. European Heart Journal, Oxford, v. 17, supl. D, D15-20, 2015. DOI: 10.1093/eurheartj/suv041
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; Wonder; Backhouse; Hornby, 2013WONDER, M.; BACKHOUSE, M. E.; HORNBY, E. Early scientific advice obtained simultaneously from regulators and payers: findings from a pilot study in Australia. Value in Health, Amsterdam, v. 16, n. 6, p. 1067-1073, 2013. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jval.2013.07.007
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), o critério dos órgãos que financiam a cobertura preocupa-se com magnitude e transcendência da doença. A insuficiência de dados de eficácia foi outro ponto crítico identificado nos estudos (Cox; Pouvourville, 2015COX, J. L.; POUVOURVILLE, G. Achieving access: addressing the needs of payors and health technology assessment agencies. European Heart Journal, Oxford, v. 17, supl. D, D15-20, 2015. DOI: 10.1093/eurheartj/suv041
https://doi.org/10.1093/eurheartj/suv041...
; Facey et al., 2015FACEY, K.; HENSHALL, C.; SAMPIETRO-COLOM, L.; THOMAS, S. Improving the effectiveness and efficiency of evidence production for health technology assessment. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 31, n. 4, p. 201-206, 2015. DOI: 10.1017/s0266462315000355
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; Forrester et al., 1997FORRESTER, J. S.; TOPOL, E. J.; ABELE, J. E.; HOLMES, D. R. J.; SKORTON, D. J. Task force 5: Assessment, approval, and regulation of new technology. Journal of the American College of Cardiology, Amsterdam, v. 29, n. 6, p. 1171-1179, 1997. DOI: 10.1016/s0735-1097(97)82752-0
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; Frønsdal et al., 2012FRØNSDAL, K. et al. Interaction initiatives between regulatory, health technology assessment and coverage bodies, and industry. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 28, n. 4, p. 374-381, 2012. DOI: 10.1017/s0266462312000591
https://doi.org/10.1017/s026646231200059...
; Mcauslane; Liberti; Connelly, 2019MCAUSLANE, N.; LIBERTI, L.; CONNELLY, P. The confluence of accelerated regulatory and Health Technology Assessment access pathways. Clinical Pharmacology & Therapeutics, Hoboken, v. 105, n. 4, p. 935-942, 2019. DOI: 10.1002/cpt.1315
https://doi.org/10.1002/cpt.1315...
; Wang et al., 2018WANG, T. Building synergy between regulatory and hta agencies beyond processes and procedures-can we effectively align the evidentiary requirements? A survey of stakeholder perceptions., Amsterdam, v. 21, n. 6, p. 707-714, 2018. DOI: 10.1016/j.jval.2017.11.003
https://doi.org/10.1016/j.jval.2017.11.0...
), pois, para agências reguladoras, estudos de fase I e II são aceitos, enquanto os órgãos que deliberam sobre cobertura, preferem estudos de fase III por abordarem maior número de sujeitos de pesquisa.

Outro ponto identificado nos achados foi a lacuna de comunicação entre ATS e regulação sanitária. Há indícios de que quando melhorada a comunicação e coordenação entre agências, pode-se aprimorar os processos de revisão e possivelmente reduzir as diferenças nos processos de trabalho (Frønsdal et al., 2012FRØNSDAL, K. et al. Interaction initiatives between regulatory, health technology assessment and coverage bodies, and industry. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 28, n. 4, p. 374-381, 2012. DOI: 10.1017/s0266462312000591
https://doi.org/10.1017/s026646231200059...
), entretanto, foi observado que a comunicação das agências com os profissionais de saúde e usuários é incipiente, sendo pouca a participação da sociedade civil organizada no processo de regulação sanitária (Facey et al., 2015FACEY, K.; HENSHALL, C.; SAMPIETRO-COLOM, L.; THOMAS, S. Improving the effectiveness and efficiency of evidence production for health technology assessment. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 31, n. 4, p. 201-206, 2015. DOI: 10.1017/s0266462315000355
https://doi.org/10.1017/s026646231500035...
).

O Quadro 3 apresenta as barreiras para interações entre ATS e regulação sanitária identificadas pelos estudos incluídos nesta revisão. A partir da análise, foram definidas três dimensões para categorização das barreiras: (1) barreiras de cunho organizacional; (2) barreiras relacionadas ao processo de trabalho, e; (3) barreiras relacionadas ao ciclo regulatório.

Quadro 3
Barreiras identificadas para interação entre ATS e regulação sanitária

Observou-se que os artigos se refeririam à processos de interação entre a ATS e a regulação sanitária no âmbito de medicamentos, sendo pouca ou nenhuma referência a análises de outras tecnologias. Outro ponto observado foi o foco na entrada de novas tecnologias no sistema de saúde, sendo escassa a referência pelos autores sobre processo interativo durante o monitoramento da ampla difusão e utilização das tecnologias (Cox; Pouvourville, 2015COX, J. L.; POUVOURVILLE, G. Achieving access: addressing the needs of payors and health technology assessment agencies. European Heart Journal, Oxford, v. 17, supl. D, D15-20, 2015. DOI: 10.1093/eurheartj/suv041
https://doi.org/10.1093/eurheartj/suv041...
; Henshall et al., 2014HENSHALL, C. et al. Understanding the role and evidence expectations of health technology assessment and coverage/payer bodies: what are they looking for, and how and why does this differ from what regulators require? Therapeutic Innovation & Regulatory Science, London, v. 48, n. 3, p. 341-346, 2014. DOI: 10.1177/2168479013512488
https://doi.org/10.1177/2168479013512488...
). Por fim, não foi identificado nenhum estudo que tenha abordado a interação entre ATS e regulação sanitária para retirada ou desinvestimento das tecnologias em saúde.

Discussão

A interação entre os processos regulatórios de comercialização e os de avaliação de tecnologias voltados para a cobertura dos sistemas de saúde tem se mostrado eficaz para a entrada das tecnologias - em especial medicamentos - nos sistemas de saúde, reduzindo os prazos de registro e incorporação, contribuindo para a ampliação da equidade e do acesso aos serviços de saúde, no entanto, observou-se incipiente interação nos processos de monitoramento da utilização e desempenho das tecnologias já comercializadas ou incorporadas.

Ressalva-se que a ATS tem por finalidade garantir um equilíbrio adequado entre o acesso do paciente e a racionalidade, tendo em vista o impacto no orçamento/preço dentro das jurisdições de um país, desenvolvendo, assim, papel fundamental para a melhoria a produção de evidências e garantia que o serviço de saúde esteja pronto para adotar tecnologias eficazes (Facey et al., 2015FACEY, K.; HENSHALL, C.; SAMPIETRO-COLOM, L.; THOMAS, S. Improving the effectiveness and efficiency of evidence production for health technology assessment. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 31, n. 4, p. 201-206, 2015. DOI: 10.1017/s0266462315000355
https://doi.org/10.1017/s026646231500035...
; Vreman et al., 2020VREMAN, R. A. Differences in Health Technology Assessment recommendations among european jurisdictions: the role of practice variations. Value in Health, Amsterdam, v. 23, n. 1, p. 10-16, 2020. https://doi.org/10.1016/j.jval.2019.07.017
https://doi.org/10.1016/j.jval.2019.07.0...
). Ademais, a ATS é considerada uma ferramenta para informar as melhores evidências aos tomadores de decisão na entrada de novos medicamentos, dispositivos médicos e outras tecnologias nos sistemas de saúde, sendo uma maneira eficaz de se alcançar a cobertura universal em saúde (Gonçalves, 2020GONÇALVES, E. Advanced therapy medicinal products: value judgement and ethical evaluation in health technology assessment. European Journal of Health Economics, Berlin, v. 21, n. 3, p. 311-20, 2020. DOI: 10.1007/s10198-019-01147-x
https://doi.org/10.1007/s10198-019-01147...
; Wasir et al., 2019WASIR, R. et al. The implementation of HTA in medicine pricing and reimbursement policies in Indonesia: insights from multiple stakeholders. PLoS One, San Francisco, v. 14, n. 11, e0225626, 2019. DOI: 10.1371/journal.pone.0225626
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022...
).

Ainda, observa-se o efeito benéfico da interação entre ATS e regulação sanitária para a indústria, que investe em estudos com maior probabilidade de serem avaliados positivamente na fase de registro e incorporação da tecnologia, por atender os requisitos com adequação, permitindo que novas opções clínicas e terapêuticas cheguem ao cidadão. Ademais, a interação entre agências ajuda a alinhar metodologias e processos de trabalho, reduzindo diferenças desnecessárias nos requisitos de avaliação, além de definir os limites de governança entre aspectos organizacionais das agências (Frønsdal et al., 2012FRØNSDAL, K. et al. Interaction initiatives between regulatory, health technology assessment and coverage bodies, and industry. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 28, n. 4, p. 374-381, 2012. DOI: 10.1017/s0266462312000591
https://doi.org/10.1017/s026646231200059...
; Tsoi et al., 2013TSOI, B. et al. Harmonization of reimbursement and regulatory approval processes: a systematic review of international experiences. Expert Review of Pharmacoeconomics & Outcomes Research, London, v. 13 n. 4, p. 497-511, 2013. DOI: 10.1586/14737167.2013.814962
https://doi.org/10.1586/14737167.2013.81...
).

Desta feita, observa-se papel fundamental da ATS na mitigação de risco de iniquidades em saúde, investigando até que ponto uma nova tecnologia é relevante para o sistema de saúde de interesse, considerando-se os contextos éticos, sociais e econômicos locais (Fontrier; Visintin; Kanavos, 2022). No âmbito macropolítico, as tecnologias devem ser inseridas no sistema de saúde para reduzir iniquidades, não as exacerbar.

Neste sentido, destaca-se que a ATS pode se tornar mais responsiva com a inclusão de outros atores no processo avaliativo, mais transparência, inclusão e reflexão de diferentes perspectivas na incorporação de tecnologias, melhorando o acesso de cidadãos a intervenções mais apropriadas e melhorando a eficiência no desenvolvimento de novas tecnologias (Henshall et al., 2011HENSHALL, C. Interactions between health technology assessment, coverage, and regulatory processes: emerging issues, goals, and opportunities. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 27, n. 3, p. 253-260, 2011. DOI: 10.1017/s0266462311000262
https://doi.org/10.1017/s026646231100026...
). Assim, a HTAi recomenda que a ATS se aproxime de outros atores para a aprovação regulatória e cobertura de sistemas de saúde, de forma a impulsionar a integralidade e equidade em saúde. Além de reguladores, é preciso a participação do controle social, de pacientes, da sociedade civil organizada e do público em geral (usuários ou não dos sistemas públicos de saúde) (Cowie et al., 2022COWIE, M.R. et al. How can we optimise health technology assessment and reimbursement decisions to accelerate access to new cardiovascular medicines? International Journal of Cardiology, Milan, v. 365, p. 61-68, 2022. DOI: 10.1016/j.ijcard.2022.07.020
https://doi.org/10.1016/j.ijcard.2022.07...
; Henshall et al., 2011HENSHALL, C. Interactions between health technology assessment, coverage, and regulatory processes: emerging issues, goals, and opportunities. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 27, n. 3, p. 253-260, 2011. DOI: 10.1017/s0266462311000262
https://doi.org/10.1017/s026646231100026...
). Isso quase certamente exigirá métodos deliberativos e tomada de decisão localizada (Chalkidou et al., 2013CHALKIDOU, K. et al. Health technology assessment in universal health coverage. The Lancet, Cambridge, v. 382, n. 9910, p. e48-e49, 2013. DOI: 10.1016/S0140-6736(13)62559-3
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)62...
). Os processos deliberativos são instâncias ampliadas inseridas na estrutura de avaliação da tecnologia, sendo um importante passo para as agências de ATS aperfeiçoarem e legitimarem a decisão e definição de prioridades (Novaes; Soárez, 2020)NOVAES, H. M. D.; SOÁREZ, P. C. Organizações de avaliação de tecnologias em saúde (ATS): Dimensões do arcabouço institucional e político. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 32, sup. 2, e00022315, 2016. DOI: 10.1590/0102-311X00022315
https://doi.org/10.1590/0102-311X0002231...
.

Apesar disso, muitas vezes não ocorre o envolvimento de atores chave nestes processos, prejudicando a tomada de decisões planejada e orientada para a prática, ainda que se saiba a importância do papel institucionalizado da ATS no desenvolvimento contínuo das ações em saúde. Isso contribui de maneira significativa para identificar as forças e fraquezas no ambiente interno, assim como as oportunidades e ameaças do ambiente externo (Colpani et al., 2020COLPANI, V. et al. Clinical practice guidelines in Brazil - developing a national programme. Health Research Policy and Systems, Berlin, v. 18, n. 1, p. 1-6, 2020. DOI: 10.1186/s12961-020-00582-0
https://doi.org/10.1186/s12961-020-00582...
). Por outro lado, quando avaliadores de tecnologias em saúde trabalham de forma isolada dos reguladores, alguns problemas podem surgir, como o alinhamento de requisitos obrigatórios que atendam a ambas as solicitações: ATS e regulação sanitária (Blüher et al., 2019BLÜHER, M. et al. Critical review of european health-economic guidelines for the Health Technology Assessment of medical devices. Frontiers in Medicine, Lausanne, v. 6, 278, 2019. DOI: 10.3389/fmed.2019.00278
https://doi.org/10.3389/fmed.2019.00278...
).

Cabe salientar que, no âmbito das empresas, a ATS apresenta forte credibilidade e reputação por produzir evidencias que comprovem a qualidade de uso de medicamentos ou outros insumos. Todavia, o arranjo institucional das indústrias dispõe de vieses tendenciosos no que tange à aceitabilidade ou incorporação de tecnologias medicamentos as ou vacinais. É nítido que a ordem econômica mundial perpassa pelos aspectos da eficiência com inclusão de tecnologias custo-efetivas direcionadas a novos medicamentos/vacinas, entre outros insumos, principalmente quando se trata de sistemas públicos de saúde.

Um estudo apontou que enquanto o foco da avaliação para comercialização de medicamentos e equipamentos médicos-assistenciais é a qualidade do estudo e a segurança do produto, a avaliação clínica realizada por agentes públicos que realizam ATS nas agências europeias se concentraram na avaliação da eficácia comparativa em relação à alternativa terapêutica existente no sistema de saúde, preocupando-se com a população que terá acesso a essa tecnologia (Gonçalves, 2020GONÇALVES, E. Advanced therapy medicinal products: value judgement and ethical evaluation in health technology assessment. European Journal of Health Economics, Berlin, v. 21, n. 3, p. 311-20, 2020. DOI: 10.1007/s10198-019-01147-x
https://doi.org/10.1007/s10198-019-01147...
). Essa divergência metodológica ficou evidente nos estudos identificados nessa revisão, seja na definição de população, comparador ou desfechos, constituindo-se em barreira para a interação entre agências (Berntgen et al., 2014BERNTGEN, M. et al. Improving the contribution of regulatory assessment reports to health technology assessments: a collaboration between the European medicines agency and the European network for health technology assessment. Value in Health, Amsterdam, v. 17, p. 634-641. DOI: 10.1016/j.jval.2014.04.006
https://doi.org/10.1016/j.jval.2014.04.0...
; Cox; Pouvourville, 2015COX, J. L.; POUVOURVILLE, G. Achieving access: addressing the needs of payors and health technology assessment agencies. European Heart Journal, Oxford, v. 17, supl. D, D15-20, 2015. DOI: 10.1093/eurheartj/suv041
https://doi.org/10.1093/eurheartj/suv041...
; Cuche et al., 2014CUCHE, M. et al. Early dialogue with health technology assessment bodies: a european perspective. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 30, n. 6, p. 571-578, 2014. https://doi.org/10.1017/s0266462314000713
https://doi.org/10.1017/s026646231400071...
; Facey et al., 2015FACEY, K.; HENSHALL, C.; SAMPIETRO-COLOM, L.; THOMAS, S. Improving the effectiveness and efficiency of evidence production for health technology assessment. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 31, n. 4, p. 201-206, 2015. DOI: 10.1017/s0266462315000355
https://doi.org/10.1017/s026646231500035...
; Forrester et al., 1997FORRESTER, J. S.; TOPOL, E. J.; ABELE, J. E.; HOLMES, D. R. J.; SKORTON, D. J. Task force 5: Assessment, approval, and regulation of new technology. Journal of the American College of Cardiology, Amsterdam, v. 29, n. 6, p. 1171-1179, 1997. DOI: 10.1016/s0735-1097(97)82752-0
https://doi.org/10.1016/s0735-1097(97)82...
; Frønsdal et al., 2012FRØNSDAL, K. et al. Interaction initiatives between regulatory, health technology assessment and coverage bodies, and industry. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 28, n. 4, p. 374-381, 2012. DOI: 10.1017/s0266462312000591
https://doi.org/10.1017/s026646231200059...
; Mcauslane; Liberti; Connelly, 2019MCAUSLANE, N.; LIBERTI, L.; CONNELLY, P. The confluence of accelerated regulatory and Health Technology Assessment access pathways. Clinical Pharmacology & Therapeutics, Hoboken, v. 105, n. 4, p. 935-942, 2019. DOI: 10.1002/cpt.1315
https://doi.org/10.1002/cpt.1315...
; Tafuri et al., 2016TAFURI, G. et al. How aligned are the perspectives of EU regulators and HTA bodies? A comparative analysis of regulatory-HTA parallel scientific advice. British Journal of Clinical Pharmacology, London, v. 82, p. 965-973, 2016. DOI: 10.1111/bcp.13023
https://doi.org/10.1111/bcp.13023...
; 2018TAFURI, G. et al. The impact of parallel regulatory-health technology assessment scientific advice on clinical development. Assessing the uptake of regulatory and health technology assessment recommendations. British Journal of Clinical Pharmacology, London, v. 84, n. 5, p. 1013-1019, 2018. DOI: 10.1111/bcp.13524
https://doi.org/10.1111/bcp.13524...
; Wang et al., 2018WANG, T. Building synergy between regulatory and hta agencies beyond processes and procedures-can we effectively align the evidentiary requirements? A survey of stakeholder perceptions., Amsterdam, v. 21, n. 6, p. 707-714, 2018. DOI: 10.1016/j.jval.2017.11.003
https://doi.org/10.1016/j.jval.2017.11.0...
; Wonder; Backhouse; Hornby, 2013WONDER, M.; BACKHOUSE, M. E.; HORNBY, E. Early scientific advice obtained simultaneously from regulators and payers: findings from a pilot study in Australia. Value in Health, Amsterdam, v. 16, n. 6, p. 1067-1073, 2013. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jval.2013.07.007
https://doi.org/10.1016/j.jval.2013.07.0...
).

Reforça-se que as diferenças nos processos de trabalho impactam na interação entre esses agentes. A estrutura organizacional das agências de ATS e reguladoras pode gerar ruídos importantes no contexto da cobertura de sistemas de saúde e integralidade do cuidado. No Brasil, a ATS funciona no Ministério da Saúde por meio da Conitec, responsável pela cobertura de tecnologias a serem financiada pelo SUS, enquanto a Anvisa é responsável pela autorização de comercialização no mercado brasileiro. Apesar de ambos serem vinculados administrativamente ao ministério, ocorrem tensionamentos na aplicação das normativas, produzindo barreiras, como a incipiente comunicação interinstitucional para a implementação dos requisitos normativos para avaliação de efetividade (Blüher et al., 2019BLÜHER, M. et al. Critical review of european health-economic guidelines for the Health Technology Assessment of medical devices. Frontiers in Medicine, Lausanne, v. 6, 278, 2019. DOI: 10.3389/fmed.2019.00278
https://doi.org/10.3389/fmed.2019.00278...
). Faz-se necessário desenvolver fluxos permanentes e interinstitucionais para apoiar o diálogo ao longo do ciclo de vida das tecnologias da saúde, atentos aos recursos limitados, operando entre jurisdições e tomando como lições as experiências de outros países (Facey et al., 2015FACEY, K.; HENSHALL, C.; SAMPIETRO-COLOM, L.; THOMAS, S. Improving the effectiveness and efficiency of evidence production for health technology assessment. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 31, n. 4, p. 201-206, 2015. DOI: 10.1017/s0266462315000355
https://doi.org/10.1017/s026646231500035...
). A comunicação aprimorada entre reguladores, ATS e outros agentes pode melhorar a eficiência dos processos de revisão e reduzir a carga geral de requisitos de evidência ao longo do ciclo de vida do produto e, assim, permitir acesso mais rápido do cidadão a produtos úteis (Henshall et al., 2011HENSHALL, C. Interactions between health technology assessment, coverage, and regulatory processes: emerging issues, goals, and opportunities. International Journal of Technology Assessment in Health Care, Cambridge, v. 27, n. 3, p. 253-260, 2011. DOI: 10.1017/s0266462311000262
https://doi.org/10.1017/s026646231100026...
).

Ainda, observou-se que a divergência no processo avaliativo das agências possibilita limitações em outras etapas do ciclo da tecnologia. É preciso ressaltar que avaliadores de tecnologias em saúde e reguladores são sujeitos que possuem experiências, atribuições e abordagens distintas, podendo afetar na interpretação das evidências clínicas (Jaksa et al., 2022JAKSA, A. et al. A comparison of 7 oncology external control arm case studies: critiques from regulatory and health technology assessment agencies. Value in Health, Lawrenceville, v. 25, n. 12, p. 1967-1976, 2022. DOI: 10.1016/j.jval.2022.05.016
https://doi.org/10.1016/j.jval.2022.05.0...
). Para que se haja convergência entre processos de avaliação e monitoramento, é preciso se considerar os agentes públicos como um ser social, com primazia na dinâmica institucional de tomada de decisão para cobertura do sistema de saúde. Neste sentindo, ressalva-se a necessidade de ações de educação permanente, de forma a tornar o processo decisório mais próximo ao cotidiano da implementação das políticas públicas de saúde.

A aproximação da ATS com a regulação sanitária é uma ação que requer a adoção de processos e estratégias claramente definidas, como as identificadas neste estudo, entretanto, apesar das contribuições que essa revisão possa trazer para a tomada de decisão, citam-se algumas limitações, como estudos, em sua maioria, de países desenvolvidos, longe da realidade brasileira, estudos direcionados majoritariamente para medicamentos em contraposição outros tipos de tecnologia em saúde, como testes diagnósticos, vacinas ou equipamentos hospitalares. Apesar da considerável relevância dos medicamentos para a saúde pública, o alinhamento entre agências também precisa incluir as demais tecnologias em saúde, como dispositivos médicos e equipamentos.

Conclusão

Os tipos de processos identificados refletem a interação entre os órgãos responsáveis pela ATS e pela regulação sanitária, de forma a ampliar a cobertura em sistemas de saúde e a integralidade do cuidado. Os processos identificados nesta revisão (diálogos iniciais, consultoria cientifica, assessoria paralela, evidências do mundo real, compartilhamento de risco) demonstraram benefícios para a cobertura em sistemas de saúde e integralidade do cuidado, como a adequação dos requisitos de efetividade clínica e a redução de prazos para a comercialização e processos de cobertura na incorporação de tecnologias em saúde.

Também foram identificadas diversas barreiras, como a diferença entre os requisitos exigidos e as lacunas de fluxos e de comunicação, necessárias ao fortalecimento de processos interativos decisórios. Ressalva-se a necessidade da adoção de estratégias para a mitigação dessas barreiras, como a inclusão de outros atores nos processos de avaliação e regulação (indústria, sociedade civil organizada e controle social), o alinhamento de processos de trabalho e o estímulo à educação permanente a todas as partes interessadas deste processo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2022
  • Revisado
    19 Maio 2023
  • Aceito
    19 Maio 2023
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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