Reflexos da saúde planetária no processo transdisciplinar entre profissionais de saúde

Larissa Campos de Medeiros Francois Isnaldo Dias Caldeira Francinalva Dantas de Medeiros Rafaella Ugrin de Oliveira Silva Kellen Cristina da Silva Gasque Sobre os autores

Resumo

A saúde planetária vem se consolidando como área transdisciplinar do conhecimento, fundamentada na caracterização e mitigação dos impactos antropogênicos sobre a saúde do ser humano e dos sistemas terrestres. O estilo de vida em sociedades capitalistas impulsiona a degradação ambiental e suas consequências (como emergência climática e perda de biodiversidade), relacionando-se também à alta prevalência de doenças crônicas não transmissíveis. No entanto, essas questões não costumam receber a atenção necessária no processo de ensino e aprendizagem dos profissionais de saúde. Assim, este ensaio objetiva contribuir para sistematização das informações que correlacionam os fatores ambientais e a saúde humana na perspectiva do pensamento sistêmico, destacando a importância de se pensar a saúde sistêmica no âmbito das profissões da saúde. Observa-se que o profissional de saúde, sendo ponte entre o conhecimento científico e a sociedade, pode desempenhar os papéis de mediador do cuidado integral e curador do conhecimento. Além disso, é preciso incentivar o pensamento sistêmico no processo formativo em saúde para que esses papéis sejam alcançados, tanto em atitudes individuais quanto coletivas.

Palavras-chave:
Saúde Planetária; Educação em Saúde; Profissionais de Saúde

Introdução

A saúde planetária está se consolidando como campo de estudo transdisciplinar, orientado à análise e à mitigação dos impactos das desigualdades e ações antropogênicas sobre os ecossistemas terrestres e a saúde humana (Leal Filho et al., 2022)LEAL FILHO, W. et al. Planetary health and health education in Brazil: facing inequalities. One Health, Amsterdam, v. 15, p. 1-8, 2022. DOI: 10.1016/j.onehlt.2022.100461
https://doi.org/10.1016/j.onehlt.2022.10...
. A degradação ambiental, historicamente promovida por grupos humanos hegemônicos, produziu modificações planetárias já irreversíveis, a ponto de configurar uma nova era geológica - o antropoceno - cuja consequência mais evidenciada é o aquecimento global. As mudanças climáticas levam desde à redução da biodiversidade, com comprometimento da segurança alimentar, a catástrofes ambientais e ao aumento de intercorrências clínicas resultantes do estresse por calor, além de favorecer a disseminação de arboviroses (Gakidou et al., 2017GAKIDOU, E. et al. Global, regional, and national comparative risk assessment of 84 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet, [s.l.], v. 390, n. 10100, p. 1345-1422, 2017. DOI: 10.1016/S0140-6736(17)32366-8
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)32...
; Watts et al., 2021WATTS, N. et al. The 2020 report of The Lancet Countdown on health and climate change: responding to converging crises. Lancet, [s.l.], v. 397, n. 10269, p. 129-170, 2021. DOI: 10.1016/ S0140-6736(20)32290-X
https://doi.org/10.1016/ S0140-6736(20)3...
).

O estilo de vida de sociedades capitalistas, além de ter impulsionado o colapso ambiental, tem relação com a alta prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) (Prescott; Logan, 2016PRESCOTT, S. L.; LOGAN, A. C. Transforming life: a broad view of the developmental origins of health and disease concept from an ecological justice perspective. International Journal of Environmental Research and Public Health, Bethesda, v. 13, n. 11, 1075, 2016. DOI: 10.3390/ijerph13111075
https://doi.org/10.3390/ijerph13111075...
). Alimentação inadequada, normalização do estresse crônico e do sedentarismo, exposição excessiva a poluentes e redução do contato com ambientes naturais estão na base da padronização sociocultural capitalista, estimuladora do comportamento de consumo e descarte (Prescott; Logan, 2016)PRESCOTT, S. L.; LOGAN, A. C. Transforming life: a broad view of the developmental origins of health and disease concept from an ecological justice perspective. International Journal of Environmental Research and Public Health, Bethesda, v. 13, n. 11, 1075, 2016. DOI: 10.3390/ijerph13111075
https://doi.org/10.3390/ijerph13111075...
. Esses fatores se somam na determinação de alterações fisiopatológicas no corpo humano, como a inflamação crônica de baixa intensidade e a disbiose intestinal, que predispõem às DCNT (Lima, 2015LIMA, P. T. R. (Coord.). Medicina integrativa. Barueri: Manole, 2015. (Manuais de especialização, n. 12).).

Diante desse cenário, o pensamento sistêmico proporciona maior percepção das relações entre adoecimento humano e ambiental, elaborando interseções entre as diversas áreas do conhecimento (Capra; Luisi, 2020)CAPRA, F.; LUISI, P. L. Visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, p. 447, 2014.. À luz do pensamento sistêmico, compreendemos que a saúde humana está inserida na saúde planetária, uma vez que todos os seres vivos são interdependentes.

Diante dos desafios impostos pelo antropoceno, faz-se necessário “descolonizar” o sentipensar, encorajando novas abordagens de comunicação em saúde e promovendo interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. No entanto, esses conceitos não costumam receber a atenção necessária na formação

dos profissionais de saúde, ainda centrada em abordagens biologicistas e hospitalocêntricas. Assim, este ensaio busca contribuir para sistematização das informações que correlacionam os fatores ambientais e a saúde humana na perspectiva do pensamento sistêmico, destacando a importância de se pensar a saúde sistêmica no âmbito das profissões da saúde, a fim de promover a saúde planetária (Di Giulio et al., 2021DI GIULIO, G. M. et al. Saúde global e saúde planetária: perspectivas para uma transição para um mundo mais sustentável pós-covid-19. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 10, p. 4373-4382, 2021.; Gakidou et al., 2017GAKIDOU, E. et al. Global, regional, and national comparative risk assessment of 84 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet, [s.l.], v. 390, n. 10100, p. 1345-1422, 2017. DOI: 10.1016/S0140-6736(17)32366-8
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)32...
).

Todos os seres vivos são interdependentes: a importância do pensamento sistêmico

Quem é mais inteligente, mais atraente, mais importante? Desde a infância, somos habituados a um pensar classificatório e a competitividade é estimulada nas relações sociais. No entanto, nas interações biológicas é difícil estabelecer hierarquias. Poderíamos eleger um órgão como o mais importante no corpo humano? Seria o cérebro, o coração? Sem o sistema nervoso central, o coração não recebe o comando para palpitar; sem o sangue bombeado pelo coração, o cérebro colapsaria em poucos minutos; mas é a medula óssea que produz as células que oxigenam o sangue. Para nosso funcionamento adequado, a integração de todos os órgãos e sistemas torna-se fundamental. Do mesmo modo, nenhuma espécie sobrevive isoladamente. No corpo da Terra, assim como no corpo humano, impera a interdependência.

A noção de seres vivos como interdependentes na teia da vida se manteve no sentipensar de diversos povos originários. Se considerarmos a história biológica de 300 mil anos da nossa espécie, uma parcela de humanos assumiu a pretensa posição de superioridade e domínio sobre a natureza recentemente, acentuada após a Revolução Industrial e a aceleração do capitalismo, fundamentada no paradigma mecanicista-cartesiano (Capra; Luisi, 2020CAPRA, F.; LUISI, P. L. Visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, p. 447, 2014.; Gayoso, 2020GAYOSO, S. [Resenha da obra Ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak]. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 24, n. 1, p. 302-305, 2020. DOI: 10.18764/2178-2865.v24n1p302-305
https://doi.org/10.18764/2178-2865.v24n1...
). O modo antropocêntrico (ou como sugere Eliane Brum, “brancocêntrico”) (Brum, 2021BRUM, E. Banzeiro òkòtó: uma viagem à Amazônia centro do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.) e utilitarista de se relacionar com os “recursos” naturais vem determinando alterações ambientais extremas, a ponto de se configurar a nova era geológica do antropoceno (Gakidou et al., 2017GAKIDOU, E. et al. Global, regional, and national comparative risk assessment of 84 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet, [s.l.], v. 390, n. 10100, p. 1345-1422, 2017. DOI: 10.1016/S0140-6736(17)32366-8
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)32...
). O pensamento sistêmico, campo científico interdisciplinar que integra as dimensões biológica, social e filosófica do conhecimento humano, resgata o olhar ampliado sobre a vida, demonstrando que as diversas crises atuais (de saúde, ambiental, social e política) decorrem de uma “crise de percepção” atrelada ao paradigma cartesiano reducionista (Capra; Luisi, 2020)CAPRA, F.; LUISI, P. L. Visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, p. 447, 2014..

Sistemassãocompostosporpartesinterdependentes e interconectadas. Na biosfera, seres autotróficos (cianobactérias, algas e plantas) sustentam a base das cadeias alimentares, utilizam o gás carbônico eliminado pela respiração dos heterotróficos, produzindo nutrientes com a energia solar e liberando oxigênio - os rejeitos de uns são matéria-prima para outros. Ao longo dos quatro bilhões de anos de história biológica, foram produzidas relações coparticipativas na ciclagem de matéria e energia (Capra; Luisi, 2020)CAPRA, F.; LUISI, P. L. Visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, p. 447, 2014.. O pensamento sistêmico demonstra que a hiperespecialização e a disjunção do conhecimento impedem a interdisciplinaridade necessária à discussão dos problemas do nosso tempo. A visão reducionista contribui para uma crença da vida como luta competitiva pela existência, estimulada pelo atual modelo capitalista, que atrela a noção de sucesso ao acúmulo material, engrenando a atitude de utilitarismo e exploração da natureza (Capra; Luisi, 2020)CAPRA, F.; LUISI, P. L. Visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, p. 447, 2014.. A visão sistêmica, por outro lado, qualifica prosperidade como o fortalecimento da conectividade, reconhecendo que todos somos membros de comunidades ecológicas interligadas.

A educação de profissionais de saúde baseada no modelo biomédico incentiva a hiperespecialização e a abordagem mais intervencionista do que preventiva em saúde (Capra; Luisi, 2020)CAPRA, F.; LUISI, P. L. Visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, p. 447, 2014.. Morin (2000MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2000.) analisa como o conhecimento qualificado e disjuntivo é prejudicial à humanidade:

Efetuaram-se progressos gigantescos nos conhecimentos no âmbito das especializações disciplinares, durante o século XX. Porém, estes progressos estão dispersos, desunidos, devido justamente à especialização […]. Nestas condições, as mentes formadas pelas disciplinas perdem suas aptidões naturais para contextualizar os saberes, do mesmo modo que para integrá-los em seus conjuntos naturais. O enfraquecimento da percepção do global conduz ao enfraquecimento da responsabilidade (cada qual tende a ser responsável apenas por sua tarefa especializada), assim como ao enfraquecimento da solidariedade (cada qual não mais sente os vínculos com seus concidadãos). (Morin, 2000MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2000., p. 40-41)

A Terra tem metabolismo - a teoria de Gaia

A vida não está na superfície da Terra. Ela é a superfície da Terra. (MARGULIS, L.; SAGAN, D. O que é vida?. Rio de Janeiro: Zahar, 2002., p. 36)

Por que o profissional de saúde precisaria conhecer a teoria de Gaia e assuntos das ciências da Terra? Lembremos o essencial: para termos saúde, necessitamos de água potável, ar puro e alimentos, que advêm das vidas de outros seres.

Na década de 1970, os cientistas James Lovelock e Lynn Margulis formularam a hipótese de Gaia (estabelecida posteriormente como teoria), demonstrando que a Terra é um grande organismo vivo que se autorregula e se mantém (conforme o conceito de autopoiese, proposto por Maturana e Varela) com processos metabólicos complexos envolvendo todos os ecossistemas (Capra; Luisi, 2020)CAPRA, F.; LUISI, P. L. Visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, p. 447, 2014.. Fatores aparentemente abióticos, como o solo e a atmosfera, também são resultados da atividade dos seres vivos.

Neste ser-fazer bioesférico, existe um protagonismo das bactérias. Todos descendemos de um ancestral bacteriano comum. Com a evolução metabolômica, sabe-se como as bactérias ainda são determinantes para manutenção e equilíbrio dos ciclos biogeoquímicos. Durante o primeiro bilhão de anos de evolução, as bactérias cobriram o planeta em uma intrincada teia de processos metabólicos e passaram a regular a temperatura e a composição química da atmosfera, que se tornou propícia à evolução de formas de vida mais complexas. Emergimos e permanecemos dependentes de um microcosmo invisível. Diversidades de bactérias que vivem no solo, nas rochas e nos oceanos, assim como dentro de plantas, animais e humanos, regulam continuamente a vida na Terra (Ugarte-Barco; Zhiñin-Huachun; Hernández-Pérez, 2022)UGARTE-BARCO, F. A.; ZHIÑIN-HUACHUN, I. A.; HERNÁNDEZ-PÉREZ, R. Influência de bioestimulantes nos caracteres morfológicos e agroquímicos da bananeira (Musa AAA cv. Williams). Terra Latinoamericana, Chapingo, v. 40, p. 1-8, 2022. DOI: 10.28940/terra.v40i0.1456
https://doi.org/10.28940/terra.v40i0.145...
.

Antropoceno e seus desafios

A degradação ambiental, historicamente promovida por grupos humanos hegemônicos, produziu modificações planetárias já irreversíveis que estão configurando o antropoceno (Pörtner et al., 2022PÖRTNER, H.-O. et al. (Ed.). Climate change 2022: impacts, adaptation and vulnerability. Contribution of working group II to the sixth assessment report of the intergovernmental panel on climate change. Cambridge: Cambridge University Press, 2022. DOI: 10.1017/9781009325844
https://doi.org/10.1017/9781009325844...
).

As mudanças climáticas levam à perda da biodiversidade e ao comprometimento do regime de chuvas, impactando a segurança hídrica e alimentar. Catástrofes ambientais, como enchentes, tempestades e secas, induzem a migrações e ao aumento de refugiados do clima, repercutindo em impactos sociais diversos, como a ampliação de populações periféricas em centros urbanos e a predisposição a transtornos mentais (Pörtner et al., 2022PÖRTNER, H.-O. et al. (Ed.). Climate change 2022: impacts, adaptation and vulnerability. Contribution of working group II to the sixth assessment report of the intergovernmental panel on climate change. Cambridge: Cambridge University Press, 2022. DOI: 10.1017/9781009325844
https://doi.org/10.1017/9781009325844...
).

Intercorrências clínicas secundárias ao estresse por calor (que podem levar a óbitos por hipertermia, desidratação e hipovolemia) são cada vez mais prevalentes, sendo pessoas idosas, crianças e portadores de doenças crônicas os grupos com maior incidência (Watts et al., 2021WATTS, N. et al. The 2020 report of The Lancet Countdown on health and climate change: responding to converging crises. Lancet, [s.l.], v. 397, n. 10269, p. 129-170, 2021. DOI: 10.1016/ S0140-6736(20)32290-X
https://doi.org/10.1016/ S0140-6736(20)3...
). Além disso, elevadas temperaturas e desmatamentos favorecem a proliferação de vetores das arboviroses, como o Aedes aegypti, aumentando a incidência de doenças como dengue, zika, febre amarela, febre chikungunya (Watts et al., 2021)WATTS, N. et al. The 2020 report of The Lancet Countdown on health and climate change: responding to converging crises. Lancet, [s.l.], v. 397, n. 10269, p. 129-170, 2021. DOI: 10.1016/ S0140-6736(20)32290-X
https://doi.org/10.1016/ S0140-6736(20)3...
.

Relações entre antropoceno e doenças crônicas não transmissíveis

Os avanços biotecnológicos promoveram benefícios inquestionáveis à saúde humana, como redução da mortalidade infantil e aumento na expectativa de vida. No entanto, vivemos o desafio contemporâneo da alta prevalência de DCNT, maiores causas globais de morbimortalidade, amplamente relacionadas ao estilo de vida em sociedades capitalistas (Gakidou et al., 2017GAKIDOU, E. et al. Global, regional, and national comparative risk assessment of 84 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet, [s.l.], v. 390, n. 10100, p. 1345-1422, 2017. DOI: 10.1016/S0140-6736(17)32366-8
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)32...
). Alimentação inapropriada (rica em xenobióticos e pobre em nutrientes), sedentarismo, exposição a toxinas, jornadas laborais excessivas e estresse crônico geram uma série de consequências fisiológicas que estão na raiz da alta prevalência dessas enfermidades (Gakidou et al., 2017GAKIDOU, E. et al. Global, regional, and national comparative risk assessment of 84 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet, [s.l.], v. 390, n. 10100, p. 1345-1422, 2017. DOI: 10.1016/S0140-6736(17)32366-8
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)32...
; Prescott; Logan, 2016PRESCOTT, S. L.; LOGAN, A. C. Transforming life: a broad view of the developmental origins of health and disease concept from an ecological justice perspective. International Journal of Environmental Research and Public Health, Bethesda, v. 13, n. 11, 1075, 2016. DOI: 10.3390/ijerph13111075
https://doi.org/10.3390/ijerph13111075...
).

O estímulo publicitário ao consumismo e à padronização cultural é um dos principais desafios enfrentados pela saúde pública em todo o mundo. Essa cultura do consumo impulsionada pelo capitalismo globalizado mantém as engrenagens de extrativismo e poluição em pleno funcionamento, contribuindo para a degradação ambiental e para a deterioração da saúde das populações. Além disso, os determinantes comerciais da saúde também têm um impacto significativo na saúde da população. Por exemplo, a indústria de alimentos pode influenciar as escolhas de alimentos e bebidas consumidos, levando a um aumento da obesidade, diabetes e outras doenças crônicas. Da mesma forma, a política neoliberal perpetua uma colonização do imaginário popular e das subjetividades individuais, resultando em mentes colonizadas que reproduzem um estilo de vida que adoece e degrada. Diante desses desafios, é crucial que as políticas de saúde abordem essas questões complexas e multidimensionais, buscando promover a saúde e o bem-estar das populações de forma integrada e sustentável (Gayoso, 2020GAYOSO, S. [Resenha da obra Ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak]. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 24, n. 1, p. 302-305, 2020. DOI: 10.18764/2178-2865.v24n1p302-305
https://doi.org/10.18764/2178-2865.v24n1...
; Prescott; Logan, 2016PRESCOTT, S. L.; LOGAN, A. C. Transforming life: a broad view of the developmental origins of health and disease concept from an ecological justice perspective. International Journal of Environmental Research and Public Health, Bethesda, v. 13, n. 11, 1075, 2016. DOI: 10.3390/ijerph13111075
https://doi.org/10.3390/ijerph13111075...
).

Globalização, estilo de vida e xenobióticos

O modelo neoliberal vem determinando, aos países pobres e em desenvolvimento, a ênfase na produção para exportação, promovendo direcionamento dos recursos naturais para produtos a serem exportados, com consequente comprometimento da produção para os próprios habitantes locais (Capra; Luisi, 2020)CAPRA, F.; LUISI, P. L. Visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, p. 447, 2014.. Isso já foi previsto há décadas por estudiosos da globalização e dos danos associados a ela (Santos; Silveira, 1996SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. Globalização e geografia: a compartimentação do espaço. Caderno Prudentino de Geografia, [s.l.], n. 18, p. 5-17, 1996.). Promove-se o desmatamento e o desvio dos cursos de água para destinação às monoculturas e à pecuária extensiva. Como denuncia a cientista indiana e ambientalista Vandana Shiva, “empresas transnacionais usam as regras do livre comércio para realocarem no Sul seus poluentes indústrias que fazem uso intensivo de recursos - os recursos se movem dos pobres para os ricos, e a poluição se move dos ricos para os pobres” (Capra; Luisi, 2014, p. 447)CAPRA, F.; LUISI, P. L. Visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, p. 447, 2014..

Resíduos industriais, poluentes do ar advindos da queima de combustíveis fósseis, metais tóxicos, produtos plásticos, aditivos em alimentos, resíduos de agro, pesticidas e diversos compostos sintéticos são potencialmente danosos aos organismos vivos (denominados de xenobióticos) (Fontenele et al., 2010FONTENELE, E. G. P. et al. Contaminantes ambientais e os interferentes endócrinos. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia, São Paulo, v. 54, n. 1, p. 6-16, 2010. DOI: 10.1590/S0004-27302010000100003
https://doi.org/10.1590/S0004-2730201000...
) - englobando também produtos de higiene, limpeza e medicamentos. O primeiro grande alerta sobre impactos causados por agentes químicos ocorreu em 1962, com o trabalho da bióloga estadunidense Rachel Carson, demonstrando que pesticidas à base de diclorodifeniltricloroetano (DDT) agrediam não apenas “pragas”, mas também diversas outras espécies, incluindo a humana (Carson, 1964)CARSON, R. Primavera silenciosa. São Paulo: Melhoramentos, 1964.. Por meio da publicação de seu livro, Primavera silenciosa, obteve êxito em mobilizar a população para pressionar políticos dos Estados Unidos da América (EUA), culminando com a proibição da comercialização do DDT em todo o mundo (esse é um exemplo de atuação de uma população bem informada aliada à ciência socialmente empenhada) (Carneiro et al., 2015CARNEIRO, F. F. et al. (Org.). Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular, 2015.).

Onze milhões de substâncias químicas são conhecidas em todo o mundo. Destas, cerca de três mil são produzidas em larga escala para uso doméstico, industrial e agrícola (Fontenele et al., 2010FONTENELE, E. G. P. et al. Contaminantes ambientais e os interferentes endócrinos. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia, São Paulo, v. 54, n. 1, p. 6-16, 2010. DOI: 10.1590/S0004-27302010000100003
https://doi.org/10.1590/S0004-2730201000...
). No entanto, uma quantidade mínima dessas substâncias é testada em padrões de potabilidade da água, podendo ser fonte de contaminação de toda uma cadeia alimentar.

Além dos efeitos carcinogênicos e teratogênicos de diversos xenobióticos, vêm ganhando visibilidade as alterações hormonais causadas por algumas substâncias, conhecidas como interferentes ou disruptoras endócrinas (DE) - presentes no ambiente, capazes de interferir no sistema endócrino, causando efeitos adversos em um organismo intacto ou em sua prole (Fontenele et al., 2010FONTENELE, E. G. P. et al. Contaminantes ambientais e os interferentes endócrinos. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia, São Paulo, v. 54, n. 1, p. 6-16, 2010. DOI: 10.1590/S0004-27302010000100003
https://doi.org/10.1590/S0004-2730201000...
). Os sistemas reprodutor, nervoso e imunológico são os principais alvos das DE. Em outras espécies, impactos na função reprodutiva de focas, aves de rapina e jacarés, feminilização de peixes, declínio populacional de invertebrados, entre outros, foram previamente documentados (Fontenele et al., 2010)FONTENELE, E. G. P. et al. Contaminantes ambientais e os interferentes endócrinos. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia, São Paulo, v. 54, n. 1, p. 6-16, 2010. DOI: 10.1590/S0004-27302010000100003
https://doi.org/10.1590/S0004-2730201000...
.

Agrotóxicos são xenobióticos utilizados em níveis alarmantes no Brasil. Segundo dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), desde 2008, o Brasil ocupa o lugar de maior consumidor de agrotóxicos do mundo (Carneiro et al., 2015CARNEIRO, F. F. et al. (Org.). Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular, 2015.). Dados publicados pela pesquisadora Larissa Bombardi, em “Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia”, indicam que o consumo de agrotóxicos cresceu 100% entre 2000 e 2010 em todo o mundo, chegando a 200% no Brasil (Bombardi, 2017)BOMBARDI, L. M. Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia. São Paulo: FFLCH-USP, 2017.. Desde 2015, nosso país é responsável pelo consumo de 20% de todo o agrotóxico comercializado mundialmente (Bombardi, 2017)BOMBARDI, L. M. Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia. São Paulo: FFLCH-USP, 2017..

A agricultura brasileira tem se consolidado mundialmente como exportadora de commodities, como soja, milho e cana-de-açúcar, que demandam uso massivo de agrotóxicos (cerca de 72% de todo o consumo nacional). O território destinado a cultivos centrais para a alimentação dos brasileiros, como arroz, feijão, trigo e mandioca, ocupa uma área próxima a 8,5 milhões de hectares, enquanto as monoculturas de soja ocupam em torno de 33,3 milhões (Bombardi, 2017BOMBARDI, L. M. Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia. São Paulo: FFLCH-USP, 2017.).

As empresas multinacionais fabricantes de agroquímicos, com sedes principalmente nos EUA, União Europeia e Canadá, aproveitam a permissividade da legislação brasileira para comercializar no Brasil diversos pesticidas não autorizados em seus países de origem, uma vez que as legislações estrangeiras são mais restritivas nesse aspecto. No caso do inseticida malationa (utilizado na agricultura e em campanhas de pulverização urbana), por exemplo, nos brócolis, o nível permitido no Brasil chega a ser 250 vezes superior ao permitido na União Europeia, enquanto no feijão o limite é 400 vezes maior. O caso do glifosato é insultuoso: no Brasil, a quantidade permitida é 5.000 vezes superior à estabelecida na União Europeia (Bombardi, 2017BOMBARDI, L. M. Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia. São Paulo: FFLCH-USP, 2017.). A exposição humana a xenobióticos é praticamente inevitável nos ambientes modernos (Stapleton et al., 2023)STAPLETON, P. A. et al. Xenobiotic particle exposure and microvascular endpoints: a call to arms. Microcirculation, Bethesda, v. 19, n. 2, p. 126-142, 2012. DOI: 10.1111/j.1549-8719.2011.00137.x
https://doi.org/10.1111/j.1549-8719.2011...
. Além da contaminação de água, solo e alimentos por pesticidas, o ar poluído das cidades também é fonte de absorção de agentes tóxicos. O termo “material particulado” define uma classe de materiais (sólidos e líquidos, como os subprodutos da queima de combustíveis fósseis) capazes de se propagar em suspensão na atmosfera devido a seu peso e dimensões reduzidos, o que possibilita sua absorção pelos alvéolos pulmonares. Ainda, são relacionados a doenças cardiovasculares e a vários tipos de cânceres (Yanagi; Assunção; Barrozo, 2012YANAGI, Y.; ASSUNÇÃO, J. V.; BARROZO, L. V. The impact of atmospheric particulate matter on cancer incidence and mortality in the city of São Paulo, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 9, p. 1737-1748, 2012. DOI: 10.1590/S0102-311X2012000900012
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201200...
).

Microbiota humana e biodiversidade

A exposição excessiva a xenobióticos acontece simultaneamente à redução da interação do ser humano com ambientes de natureza preservada. Foram milhares de anos de evolução biológica em contato amplo com o meio ambiente, que influenciava também nosso ecossistema próprio - a microbiota humana (Dominguez-Bello et al., 2019)DOMINGUEZ-BELLO, M. G. et al. Role of the microbiome in human development. Gut, London, v. 68, n. 6, p. 1108-1114, 2019. DOI: 10.1136/gutjnl-2018-317503
https://doi.org/10.1136/gutjnl-2018-3175...
. O estudo da microbiota humana é um tema interdisciplinar em ascensão. Cada ser humano é um ecossistema próprio, habitado por vírus, protozoários, fungos, arqueias e, principalmente, bactérias. Quantitativamente, temos mais células bacterianas do que somáticas em nossos corpos. Só no trato gastrointestinal, estão contidos em torno de 100 trilhões de bactérias, de cerca de 1.000 espécies diferentes, que nos beneficiam com um repertório genético 150 vezes mais amplo (Ghaisas; Maher; Kanthasamy, 2016GHAISAS, S.; MAHER, J.; KANTHASAMY, A. Gut microbiome in health and disease: linking the microbiome-gut-brain axis and environmental factors in the pathogenesis of systemic and neurodegenerative diseases. Pharmacology & Therapeutics, Bethesda, v. 158, p. 52-62, 2016. DOI: 10.1016/j.pharmthera.2015.11.012
https://doi.org/10.1016/j.pharmthera.201...
). Não existe um “eu humano” dissociável de suas hóspedes procariontes, com os quais coevoluímos (Dominguez-Bello et al., 2019)DOMINGUEZ-BELLO, M. G. et al. Role of the microbiome in human development. Gut, London, v. 68, n. 6, p. 1108-1114, 2019. DOI: 10.1136/gutjnl-2018-317503
https://doi.org/10.1136/gutjnl-2018-3175...
.

A microbiota intestinal exerce funções essenciais em nossa fisiologia, desde a produção de nutrientes e neurotransmissores até a diferenciação de tecidos e a modulação do sistema imunológico (Lynch; Pedersen, 2016LYNCH, S. V.; PEDERSEN, O. The human intestinal microbiome in health and disease. The New England Journal of Medicine, Waltham, v. 375, n. 24, p. 2369-2379, 2016. DOI: 10.1056/NEJMra1600266
https://doi.org/10.1056/NEJMra1600266...
).

O estilo de vida ocidental, com seus padrões alimentares e uso excessivo de substâncias com ação antibiótica, tem interferido na diversidade da microbiota intestinal, ao que se denomina “disbiose”. A disbiose intestinal reduz a capacidade balanceadora da resposta imunológica promovida pela microbiota, contribuindo para a deflagração de uma reação inflamatória insidiosa e prolongada, base fisiopatológica comum a diversas DCNT (Dominguez- Bello et al., 2019DOMINGUEZ-BELLO, M. G. et al. Role of the microbiome in human development. Gut, London, v. 68, n. 6, p. 1108-1114, 2019. DOI: 10.1136/gutjnl-2018-317503
https://doi.org/10.1136/gutjnl-2018-3175...
; Lima, 2015LIMA, P. T. R. (Coord.). Medicina integrativa. Barueri: Manole, 2015. (Manuais de especialização, n. 12).).

Um ambiente biodiverso favorece a presença de cepas de bactérias mais benéficas (Dominguez- Bello et al., 2019DOMINGUEZ-BELLO, M. G. et al. Role of the microbiome in human development. Gut, London, v. 68, n. 6, p. 1108-1114, 2019. DOI: 10.1136/gutjnl-2018-317503
https://doi.org/10.1136/gutjnl-2018-3175...
; Von Hertzen et al., 2015VON HERTZEN, L. et al. Helsinki alert of biodiversity and health. Annals of Medicine, Bethesda, v. 47, n. 3, p. 218-225, 2015. DOI: 10.3109/07853890.2015.1010226
https://doi.org/10.3109/07853890.2015.10...
). Esse fato pode ser ilustrado ao se comparar ambientes rurais e urbanos. Em moradias rurais, a poeira contém maior variabilidade de microrganismos, o que implica melhor capacidade imunomoduladora para esses habitantes. O ecossistema contido nos solos é o mais diverso do planeta (Von Hertzen; Haahtela, 2006)VON HERTZEN, L.; HAAHTELA, T. Disconnection of man and the soil: reason for the asthma and atopy epidemic? The Journal of Allergy and Clinical Immunology, Bethesda, v. 117, n. 2, p. 334-344, 2006. DOI: 10.1016/j.jaci.2005.11.013
https://doi.org/10.1016/j.jaci.2005.11.0...
. Ao inalarmos essa poeira, muitos de seus microrganismos são direcionados do trato

respiratório ao gastrointestinal (transportados pelas células das vias aéreas até a faringe, sendo deglutidos), onde se instalam. Habitantes de ambientes urbanos, por sua vez, inalam ar rico em poluentes e pobre em biodiversidade, bem como estão expostos aos sistemas de condicionamento de ar, que favorecem a proliferação de micróbios patogênicos (Von Hertzen; Haahtela, 2006)VON HERTZEN, L.; HAAHTELA, T. Disconnection of man and the soil: reason for the asthma and atopy epidemic? The Journal of Allergy and Clinical Immunology, Bethesda, v. 117, n. 2, p. 334-344, 2006. DOI: 10.1016/j.jaci.2005.11.013
https://doi.org/10.1016/j.jaci.2005.11.0...
. Além de ter menos acesso a fontes de diversidade microbiana, moradores urbanos comumente consomem mais comida e água contendo xenobióticos (Von Hertzen et al., 2015)VON HERTZEN, L. et al. Helsinki alert of biodiversity and health. Annals of Medicine, Bethesda, v. 47, n. 3, p. 218-225, 2015. DOI: 10.3109/07853890.2015.1010226
https://doi.org/10.3109/07853890.2015.10...
.

Os padrões emocionais também influenciam na diversidade da microbiota. O estresse crônico e os transtornos do humor promovem alterações do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, levando a níveis aumentados de cortisol (“hormônio do estresse”) que resultam em elevação de citocinas pró-inflamatórias, resistência insulínica, hipertensão arterial e consequentes DCNT (Robles-Vera; Toral; Duarte, 2020)ROBLES-VERA, I.; TORAL, M.; DUARTE, J. Microbiota and hypertension: role of the sympathetic nervous system and the immune system. American Journal of Hypertension, Bethesda, v. 33, n. 10, p. 890-901, 2020. DOI: 10.1093/ajh/hpaa103
https://doi.org/10.1093/ajh/hpaa103...
.

Emumaestruturasocialmarcadapordesigualdades e violências, em que se impõem padrões socioculturais que atrelam a ideia de sucesso ao acúmulo de bens e ao produtivismo, o sentimento de inadequação dos indivíduos que não “atingem as metas” contribui para a alta prevalência de transtornos do humor, como depressão, ansiedade e síndrome de burnout, predispondo-osàdisbiose intestinale às DCNT (Ahmed et al., 2017AHMED, H. U. et al. Suicide and depression in the World Health Organization South-East Asia Region: a systematic review. WHO South-East Asia Journal of Public Health, Bethesda, v. 6, n. 1, p. 60-66, 2017.; Oliveira, 2018OLIVEIRA, G. F. A sociedade do desempenho e suas urgências. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 24, n. 52, p. 375-382, 2018. Resenha da obra Sociedade do cansaço Byung-Chul Han. DOI: 10.1590/S0104-71832018000300017
https://doi.org/10.1590/S0104-7183201800...
; Prescott; Logan, 2016PRESCOTT, S. L.; LOGAN, A. C. Transforming life: a broad view of the developmental origins of health and disease concept from an ecological justice perspective. International Journal of Environmental Research and Public Health, Bethesda, v. 13, n. 11, 1075, 2016. DOI: 10.3390/ijerph13111075
https://doi.org/10.3390/ijerph13111075...
).

Considerações finais

O profissional de saúde, sendo um agente do cuidado e da promoção da saúde, tem um papel importante a desempenhar no enfrentamento dos desafios ambientais que impactam a saúde das populações. Como ponte entre o conhecimento científico e a população, ele pode conscientizar as pessoas sobre os efeitos da degradação ambiental na saúde humana e ajudá-las a adotar medidas preventivas para reduzir esses impactos (Gómez et al., 2013GÓMEZ, A. et al. Perspective: Environment, biodiversity, and the education of the physician of the future. Academic Medicine: Journal of the Association of American Medical Colleges, Bethesda, v. 88, n. 2, p. 168-172, 2013. DOI: 10.1097/ACM.0b013e31827bfbeb
https://doi.org/10.1097/ACM.0b013e31827b...
; Kotcher et al., 2021KOTCHER, J. et al. Views of health professionals on climate change and health: a multinational survey study. The Lancet Planetary Health, [s.l.], v. 5, n. 5, p. e316-e323, 2021. DOI: 10.1016/S2542- 5196(21)00053-X
https://doi.org/10.1016/S2542- 5196(21)0...
). A degradação ambiental, impulsionada pelo modelo econômico vigente, está diretamente relacionada a um aumento das doenças crônicas e a outros problemas de saúde pública. Nesse sentido, é importante que a área da saúde trabalhe em parceria com outros setores, como o ambiental e o econômico, para enfrentar esses desafios complexos e multidimensionais. Isso inclui a adoção de medidas eficazes para reduzir a poluição, promover a sustentabilidade e garantir a proteção dos ecossistemas naturais. Para isso, os profissionais de saúde têm um papel fundamental a desempenhar na conscientização e mobilização da população para garantir um futuro saudável e sustentável para todos (Floss et al., 2021FLOSS, M. et al. Development and assessment of a Brazilian pilot massive open online course in planetary health education: an innovative model for primary care professionals and community training. Frontiers in Public Health, Bethesda, v. 9, 663783, 2021. DOI: 10.3389/ fpubh.2021.663783
https://doi.org/10.3389/ fpubh.2021.6637...
).

É preciso reconhecer que a alta prevalência de doenças aparentemente sem ligação, como transtorno depressivo e dengue, tem raízes no capitalismo e no antropoceno. Torna-se necessário incentivar o pensamento sistêmico no processo formativo de profissionais da saúde para que eles assumam o papel social de agentes de transformação. Tal conduta pode ser exercida individual ou coletivamente, modificando padrões de consumo, cobrando e construindo políticas públicas, inserindo a saúde planetária na orientação cotidiana sobre hábitos de vida, estimulando as pessoas a plantar ou a buscar produtores locais de alimentos orgânicos, por exemplo.

Devemos ponderar sobre o mundo e os desafios que estamos deixando para as próximas gerações. Proteger o futuro das crianças implica também garantir o melhor ambiente para que elas se desenvolvam. Cuidar é a essência do trabalho dos profissionais de saúde. Semear o tema da saúde planetária é plantar a cultura do cuidado.

Referências

  • AHMED, H. U. et al. Suicide and depression in the World Health Organization South-East Asia Region: a systematic review. WHO South-East Asia Journal of Public Health, Bethesda, v. 6, n. 1, p. 60-66, 2017.
  • BOMBARDI, L. M. Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia. São Paulo: FFLCH-USP, 2017.
  • BRUM, E. Banzeiro òkòtó: uma viagem à Amazônia centro do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.
  • CAPRA, F.; LUISI, P. L. Visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, p. 447, 2014.
  • CARNEIRO, F. F. et al. (Org.). Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular, 2015.
  • CARSON, R. Primavera silenciosa. São Paulo: Melhoramentos, 1964.
  • DI GIULIO, G. M. et al. Saúde global e saúde planetária: perspectivas para uma transição para um mundo mais sustentável pós-covid-19. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 10, p. 4373-4382, 2021.
  • DOMINGUEZ-BELLO, M. G. et al. Role of the microbiome in human development. Gut, London, v. 68, n. 6, p. 1108-1114, 2019. DOI: 10.1136/gutjnl-2018-317503
    » https://doi.org/10.1136/gutjnl-2018-317503
  • FLOSS, M. et al. Development and assessment of a Brazilian pilot massive open online course in planetary health education: an innovative model for primary care professionals and community training. Frontiers in Public Health, Bethesda, v. 9, 663783, 2021. DOI: 10.3389/ fpubh.2021.663783
    » https://doi.org/10.3389/ fpubh.2021.663783
  • FONTENELE, E. G. P. et al. Contaminantes ambientais e os interferentes endócrinos. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia, São Paulo, v. 54, n. 1, p. 6-16, 2010. DOI: 10.1590/S0004-27302010000100003
    » https://doi.org/10.1590/S0004-27302010000100003
  • GAKIDOU, E. et al. Global, regional, and national comparative risk assessment of 84 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet, [s.l.], v. 390, n. 10100, p. 1345-1422, 2017. DOI: 10.1016/S0140-6736(17)32366-8
    » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)32366-8
  • GAYOSO, S. [Resenha da obra Ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak]. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 24, n. 1, p. 302-305, 2020. DOI: 10.18764/2178-2865.v24n1p302-305
    » https://doi.org/10.18764/2178-2865.v24n1p302-305
  • GHAISAS, S.; MAHER, J.; KANTHASAMY, A. Gut microbiome in health and disease: linking the microbiome-gut-brain axis and environmental factors in the pathogenesis of systemic and neurodegenerative diseases. Pharmacology & Therapeutics, Bethesda, v. 158, p. 52-62, 2016. DOI: 10.1016/j.pharmthera.2015.11.012
    » https://doi.org/10.1016/j.pharmthera.2015.11.012
  • GÓMEZ, A. et al. Perspective: Environment, biodiversity, and the education of the physician of the future. Academic Medicine: Journal of the Association of American Medical Colleges, Bethesda, v. 88, n. 2, p. 168-172, 2013. DOI: 10.1097/ACM.0b013e31827bfbeb
    » https://doi.org/10.1097/ACM.0b013e31827bfbeb
  • KOTCHER, J. et al. Views of health professionals on climate change and health: a multinational survey study. The Lancet Planetary Health, [s.l.], v. 5, n. 5, p. e316-e323, 2021. DOI: 10.1016/S2542- 5196(21)00053-X
    » https://doi.org/10.1016/S2542- 5196(21)00053-X
  • LEAL FILHO, W. et al. Planetary health and health education in Brazil: facing inequalities. One Health, Amsterdam, v. 15, p. 1-8, 2022. DOI: 10.1016/j.onehlt.2022.100461
    » https://doi.org/10.1016/j.onehlt.2022.100461
  • LIMA, P. T. R. (Coord.). Medicina integrativa. Barueri: Manole, 2015. (Manuais de especialização, n. 12).
  • LYNCH, S. V.; PEDERSEN, O. The human intestinal microbiome in health and disease. The New England Journal of Medicine, Waltham, v. 375, n. 24, p. 2369-2379, 2016. DOI: 10.1056/NEJMra1600266
    » https://doi.org/10.1056/NEJMra1600266
  • MARGULIS, L.; SAGAN, D. O que é vida?. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.
  • MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2000.
  • OLIVEIRA, G. F. A sociedade do desempenho e suas urgências. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 24, n. 52, p. 375-382, 2018. Resenha da obra Sociedade do cansaço Byung-Chul Han. DOI: 10.1590/S0104-71832018000300017
    » https://doi.org/10.1590/S0104-71832018000300017
  • PÖRTNER, H.-O. et al. (Ed.). Climate change 2022: impacts, adaptation and vulnerability. Contribution of working group II to the sixth assessment report of the intergovernmental panel on climate change. Cambridge: Cambridge University Press, 2022. DOI: 10.1017/9781009325844
    » https://doi.org/10.1017/9781009325844
  • PRESCOTT, S. L.; LOGAN, A. C. Transforming life: a broad view of the developmental origins of health and disease concept from an ecological justice perspective. International Journal of Environmental Research and Public Health, Bethesda, v. 13, n. 11, 1075, 2016. DOI: 10.3390/ijerph13111075
    » https://doi.org/10.3390/ijerph13111075
  • ROBLES-VERA, I.; TORAL, M.; DUARTE, J. Microbiota and hypertension: role of the sympathetic nervous system and the immune system. American Journal of Hypertension, Bethesda, v. 33, n. 10, p. 890-901, 2020. DOI: 10.1093/ajh/hpaa103
    » https://doi.org/10.1093/ajh/hpaa103
  • SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. Globalização e geografia: a compartimentação do espaço. Caderno Prudentino de Geografia, [s.l.], n. 18, p. 5-17, 1996.
  • STAPLETON, P. A. et al. Xenobiotic particle exposure and microvascular endpoints: a call to arms. Microcirculation, Bethesda, v. 19, n. 2, p. 126-142, 2012. DOI: 10.1111/j.1549-8719.2011.00137.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1549-8719.2011.00137.x
  • UGARTE-BARCO, F. A.; ZHIÑIN-HUACHUN, I. A.; HERNÁNDEZ-PÉREZ, R. Influência de bioestimulantes nos caracteres morfológicos e agroquímicos da bananeira (Musa AAA cv. Williams). Terra Latinoamericana, Chapingo, v. 40, p. 1-8, 2022. DOI: 10.28940/terra.v40i0.1456
    » https://doi.org/10.28940/terra.v40i0.1456
  • VON HERTZEN, L.; HAAHTELA, T. Disconnection of man and the soil: reason for the asthma and atopy epidemic? The Journal of Allergy and Clinical Immunology, Bethesda, v. 117, n. 2, p. 334-344, 2006. DOI: 10.1016/j.jaci.2005.11.013
    » https://doi.org/10.1016/j.jaci.2005.11.013
  • VON HERTZEN, L. et al. Helsinki alert of biodiversity and health. Annals of Medicine, Bethesda, v. 47, n. 3, p. 218-225, 2015. DOI: 10.3109/07853890.2015.1010226
    » https://doi.org/10.3109/07853890.2015.1010226
  • WATTS, N. et al. The 2020 report of The Lancet Countdown on health and climate change: responding to converging crises. Lancet, [s.l.], v. 397, n. 10269, p. 129-170, 2021. DOI: 10.1016/ S0140-6736(20)32290-X
    » https://doi.org/10.1016/ S0140-6736(20)32290-X
  • YANAGI, Y.; ASSUNÇÃO, J. V.; BARROZO, L. V. The impact of atmospheric particulate matter on cancer incidence and mortality in the city of São Paulo, Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 9, p. 1737-1748, 2012. DOI: 10.1590/S0102-311X2012000900012
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000900012

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Jan 2023
  • Revisado
    03 Abr 2023
  • Aceito
    19 Abr 2023
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br