Cenário das políticas públicas para hemocromatose hereditária no Brasil

Public policy scenario for hereditary hemochromatosis in Brazil

Cristiane da Silva Rodrigues de Araújo Anna Laura Duro Barp Déborah Glimm Francisco Costa Beber Lemanski Lara Beatriz Silva Gonçalves Santos Saulo Bueno de Azeredo Adriano Pasqualotti Sobre os autores

Resumo

Hemocromatose hereditária (HH) é a doença genética mais comum em descendentes de europeus e sua epidemiologia em nosso país é incerta. Considerando o cenário das políticas públicas em HH no mundo contemporâneo, este artigo propõe uma reflexão sobre o tema, com objetivo de fazer uma revisão bibliográfica narrativa sobre a abordagem adotada para essa doença em países desenvolvidos e a nível nacional. Além disso, discute sobre o custo-benefício da incorporação do índice de saturação da transferrina (ST) e ferritina sérica (FS) no nosso sistema de saúde, com a finalidade de identificar a HH antes que surjam suas complicações, bem como seu rastreio em campanhas nacionais de prevenção. O valor gasto para o screening da HH com dosagem de ST e FS pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é muito menor do que os custos gerados quando o dano por excesso de ferro já está estabelecido. Nos casos suspeitos de HH, deveria ser viabilizada pelo SUS a pesquisa da mutação genética para o gene HFE, que atualmente só está disponível de forma privada. Com essas medidas, modifica-se a história natural da doença, reduzindo a morbimortalidade dos portadores e custos ao sistema público de saúde.

Palavras-chave:
Hemocromatose; Políticas Públicas; Ferritina Sérica; Flebotomia; Envelhecimento Saudável

Abstract

Hereditary hemochromatosis (HH) is the most common genetic disease among European descendants and its epidemiology in Brazil is unclear. Considering the contemporary public policy scenario aimed at HH, this narrative bibliographic review reflects on the approach adopted for this disease at the national level in developed countries. It also discusses the cost-effectiveness of incorporating transferrin saturation (TS) and serum ferritin (SF) indexes in the Brazilian healthcare system for early HH identification, as well as its screening in national prevention campaigns. The amount spent on ST- and FS-based HH screening by the Brazilian National Health System (SUS) is much lower than the costs generated by the already established iron overload. In suspected cases, genetic mutation research of the HFE gene, which is currently only performed privately, should be made available by the SUS. These measures can modify the natural history, reducing HH morbidity and mortality and its costs to the public health system.

Keywords:
Hemochromatosis; Public policy; Serum ferritin; Phlebotomy; Healthy aging

Introdução

A hemocromatose hereditária (HH) é uma doença em que há depósito de ferro no organismo, causado por uma absorção aumentada desse íon no intestino. A doença é caracterizada por manifestações clínicas do acúmulo de ferro associado a uma mutação no gene HFE. Pode ser classificada em hemocromatose primária ou secundária, sendo a primeira uma alteração genética que leva à sobrecarga desse metal e à desregulação de seu metabolismo pela mutação em uma proteína essencial na regulação da hepcidina. É considerada uma doença genética autossômica recessiva, sendo mais comum em descendentes de europeus (Pilling et al., 2019PILLING, L. C. et al. Common conditions associated with hereditary haemochromatosis genetic variants: Cohort study in UK Biobank. The BMJ, London, v. 364, 2019. DOI: 10.1136/bmj.k5222
https://doi.org/10.1136/bmj.k5222...
). Estudos populacionais indicam que a HH teve origem no norte europeu, em populações de origem nórdica ou celta (Cançado; Chiattone, 2010CANÇADO, R.D.; CHIATTONE, C.S. Visão atual da hemocromatose hereditária. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, São Paulo, v. 32, n. 6, p. 469-475, 2010. DOI: 10.1590/S1516-84842010000600011
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). Apesar de não haver informações suficientes sobre a frequência da sobrecarga de ferro no Brasil, por aspectos étnicos e de ancestralidade, as regiões Sudeste e Sul tendem a apresentar maior frequência da doença (Wahlbrink, 2014WAHLBRINK, D. Hemochromatosis people profile attended in a hemotherapeutic center from Vale do Taquari/RS, of 2008 to 2012. Climate Change 2013 - The Physical Science Basis. Cambridge: Cambridge University Press. v. 13, p. 1-30, jun 2014. Disponível em: <Disponível em: https://www.cambridge.org/core/product/identifier/CBO9781107415324A009/type/book_part > Acesso em: 31 out. 2023.
https://www.cambridge.org/core/product/i...
).

Atentando ao cenário das políticas públicas em HH no mundo, este artigo propõe uma reflexão sobre o tema, buscando reunir dados sobre essa patologia no Brasil. Objetivamos responder, nesta revisão, de que maneira a hemocromatose hereditária é abordada pelo sistema público de saúde de nosso país. Além disso, investigamos como nos comparamos à abordagem de países de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) elevados e com sistemas de saúde bem articulados. Tendo em vista o envelhecimento populacional do país, há grande demanda de atenção às doenças crônicas, principalmente àquelas que são facilmente tratáveis, como é o caso da HH. Apesar disso, no Brasil há escassez de estudos epidemiológicos acerca dessa doença e, portanto, desconhecemos os grupos em risco e que merecem mais atenção do sistema de saúde.

Hemocromatose refere-se a uma disfunção na homeostasia do ferro que resulta na sobrecarga desse íon no organismo. Esse distúrbio pode ter causa genética ou secundária a outras patologias. Em sua forma hereditária, a HH é causada na grande maioria dos casos por mutações no gene HFE, sendo as mais prevalentes a C282Y e a H63D (Katsarou et al., 2016KATSAROU, M. S. et al. Population-based analysis of the frequency of HFE gene polymorphisms: correlation with the susceptibility to develop hereditary hemochromatosis. Molecular Medicine Reports, Athens, v. 14, n. 1, p. 630-636, 2016. DOI: 10.3892/mmr.2016.5317
https://doi.org/10.3892/mmr.2016.5317...
; Powell; Seckington; Deugnier, 2016POWELL, L. W.; SECKINGTON, R. C.; DEUGNIER, Y. Haemochromatosis. The Lancet, Amsterdam, v. 388, n. 10045, p. 706-716, 2016. DOI: 10.1016/S0140-6736(15)01315-X
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). O gene HFE é responsável pelo controle da absorção do ferro no organismo por meio da síntese da hepcidina, hormônio produzido no fígado que sinaliza no enterócito a demanda de ferro no organismo, determinando, assim, sobrecarga quando o gene está mutado (Powell; Seckington; Deugnier, 2016)POWELL, L. W.; SECKINGTON, R. C.; DEUGNIER, Y. Haemochromatosis. The Lancet, Amsterdam, v. 388, n. 10045, p. 706-716, 2016. DOI: 10.1016/S0140-6736(15)01315-X
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.

A mutação C282Y é reconhecida como a mutação genética mais comum no gene HFE em portadores de HH, presente em aproximadamente 80% dos indivíduos (Hanson; Imperatore; Burke, 2001HANSON, E. H.; IMPERATORE, G.; BURKE, W. HFE gene and hereditary hemochromatosis: a HuGE review. American journal of epidemiology, Oxford, v. 154, n. 3, p. 193-206, 2001. DOI: 10.1093/aje/154.3.193
https://doi.org/10.1093/aje/154.3.193...
; Powell; Seckington; Deugnier, 2016POWELL, L. W.; SECKINGTON, R. C.; DEUGNIER, Y. Haemochromatosis. The Lancet, Amsterdam, v. 388, n. 10045, p. 706-716, 2016. DOI: 10.1016/S0140-6736(15)01315-X
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). Essa variante prevalece em homozigose de 1 a cada 150 até 1 a cada 300 indivíduos de descendência europeia - caracterizando o genótipo mais comum (Adams et al., 2005ADAMS, P. C. et al. Hemochromatosis and Iron-Overload Screening in a Racially Diverse Population. New England Journal of Medicine, [s. l.], v. 352, n. 17, p. 1769-1778, 2005. DOI: 10.1056/NEJMoa041534
https://doi.org/10.1056/NEJMoa041534...
; Cançado et al., 2007CANÇADO, R. D. et al. Estudo das mutações C282Y, H63D e S65C do gene HFE em doentes brasileiros com sobrecarga de ferro. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, São Paulo, v. 29, n. 4, p. 351-360, 2007. DOI: 10.1590/S1516-84842007000400007
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; Olynyk et al., 1999OLYNYK, J. K. et al. A Population-Based Study of the Clinical Expression of the Hemochromatosis Gene. New England Journal of Medicine, Waltham, v. 341, n. 10, p. 718-724, 1999. DOI: 10.1056/nejm199909023411002
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). É a mutação mais frequente em indivíduos caucasianos do norte da Europa, da América do Norte, da Austrália e da Nova Zelândia. Já em populações asiáticas, africanas ou hispânicas, raramente é identificada (Adams et al., 2005ADAMS, P. C. et al. Hemochromatosis and Iron-Overload Screening in a Racially Diverse Population. New England Journal of Medicine, [s. l.], v. 352, n. 17, p. 1769-1778, 2005. DOI: 10.1056/NEJMoa041534
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; Crownover; Covey, 2013CROWNOVER, B. K.; COVEY, C. J. Hereditary hemochromatosis. American family physician, [s. l.], v. 87, n. 3, p. 183-190, 2013. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23418762>
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23418...
; Mclaren; Gordeuk, 2009MCLAREN, G. D.; GORDEUK, V. R. Hereditary hemochromatosis: insights from the Hemochromatosis and Iron Overload Screening (HEIRS) Study. Hematology. American Society of Hematology. Education Program, [s. l.], v. 2009, n. 1, p. 195-206, 2009. DOI: 10.1182/asheducation-2009.1.195
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; Rossi; Olynyk; Jeffrey, 2008ROSSI, E.; OLYNYK, J. K.; JEFFREY, G. P. Clinical penetrance of C282Y homozygous HFE hemochromatosis. Expert review of hematology, Abingdon, v. 1, n. 2, p. 205-216, 2008. DOI: 10.1586/17474086.1.2.205
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).

Entretanto, nem todos os indivíduos com mutações no gene HFE desenvolvem sobrecarga de ferro. Para que ocorram as manifestações clínicas da HH não é preciso apenas carregar a mutação, mas décadas de absorção excessiva desse metal. Caso a doença se manifeste, o acúmulo do ferro resulta em dano nos tecidos, principalmente nos cardiomiócitos, no tecido pancreático e no fígado, além do dano oxidativo provocado pelo ferro livre circulante em excesso por anos (Golfeyz; Lewis; Weisberg, 2018GOLFEYZ, S.; LEWIS, S.; WEISBERG, I. S. Hemochromatosis: pathophysiology, evaluation, and management of hepatic iron overload with a focus on MRI. Expert Review of Gastroenterology and Hepatology, Abingdon, v. 12, n. 8, p. 767-778, 2018. DOI: 10.1080/17474124.2018.1496016
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; Powell; Seckington; Deugnier, 2016POWELL, L. W.; SECKINGTON, R. C.; DEUGNIER, Y. Haemochromatosis. The Lancet, Amsterdam, v. 388, n. 10045, p. 706-716, 2016. DOI: 10.1016/S0140-6736(15)01315-X
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). As principais causas de morte nos doentes com HH são insuficiência cardíaca, arritmias, diabetes mellitus, insuficiência hepatocelular e carcinoma hepático (Cançado; Chiattone, 2010CANÇADO, R.D.; CHIATTONE, C.S. Visão atual da hemocromatose hereditária. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, São Paulo, v. 32, n. 6, p. 469-475, 2010. DOI: 10.1590/S1516-84842010000600011
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).

Antes da identificação do gene HFE e de suas mutações em 1996, o diagnóstico de HH era raro (Cançado et al., 2007CANÇADO, R. D. et al. Estudo das mutações C282Y, H63D e S65C do gene HFE em doentes brasileiros com sobrecarga de ferro. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, São Paulo, v. 29, n. 4, p. 351-360, 2007. DOI: 10.1590/S1516-84842007000400007
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). A partir dessa descoberta, foi possível identificar portadores das mutações e os principais grupos de risco (familiares de portadores e descendentes de europeus), estabelecendo o diagnóstico antes do surgimento das complicações da doença. Atualmente, é comum a suspeita da doença por meio de exames de rotina (alterações de enzimas hepáticas e hiperferritinemia) ou até mesmo pelo relato do paciente de história familiar positiva. A HH é raramente diagnosticada em indivíduos com idade inferior a 20 anos, quando os estoques de ferro ainda estão normais. A maioria dos pacientes tornam-se sintomáticos entre 40 e 50 anos, como consequência do aumento da absorção intestinal de ferro, muito superior às necessidades orgânicas. O gene defeituoso é igualmente distribuído entre homens e mulheres, contudo, a ocorrência da doença é menor em mulheres, o que pode ser explicado, provavelmente, pelas perdas fisiológicas durante a menstruação e gestação - fator que explica também o surgimento mais tardio dos sintomas (Cançado; Chiattone, 2010)CANÇADO, R.D.; CHIATTONE, C.S. Visão atual da hemocromatose hereditária. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, São Paulo, v. 32, n. 6, p. 469-475, 2010. DOI: 10.1590/S1516-84842010000600011
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.

Embora, em vários países, exista alta prevalência da HH, ainda são poucos os diagnósticos da doença no Brasil. Essa dificuldade pode ser decorrente dos sintomas inespecíficos da doença, como fraqueza, letargia, dores abdominais e artralgia, semelhantes ao de outras patologias. Por esse motivo, o diagnóstico é postergado pela peregrinação a diferentes especialistas sendo, muitas vezes, solicitados inúmeros exames desnecessários.

Para o diagnóstico, a integração da informação genética com marcadores de depósito de ferro nos tecidos é o padrão ouro. Quando o Índice de Saturação de Transferrina (IST) for superior a 45% para ambos os gêneros e a ferritina sérica (FS) for superior a 200 ng/ml em mulheres e acima de 300 ng/ml em homens, os exames deverão ser repetidos. Confirmado os valores a partir das duas análises alteradas, com níveis superiores aos de referência, o médico poderá solicitar o teste genético de hemocromatose com a pesquisa da mutação do gene HFE para definir diagnóstico. Testes genéticos podem confirmar mutações nos genes que tipicamente causam HH e, no caso da não identificação, o diagnóstico não pode ser descartado, já que mutações mais raras podem estar envolvidas (Pietrangelo, 2010PIETRANGELO, A. Hereditary hemochromatosis: Pathogenesis, diagnosis, and treatment. Gastroenterology, Amsterdam, v. 139, n. 2, p. 393-408.e2, 2010. DOI: 10.1053/j.gastro.2010.06.013
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).

Apesar de frequentemente solicitada em exames de rotina, a ferritina sérica sozinha não é um marcador confiável da patologia pois, normalmente, não se eleva na fase inicial da doença, além de sua baixa especificidade por ser um marcador de fase aguda de inflamação (Powell; Seckington; Deugnier, 2016POWELL, L. W.; SECKINGTON, R. C.; DEUGNIER, Y. Haemochromatosis. The Lancet, Amsterdam, v. 388, n. 10045, p. 706-716, 2016. DOI: 10.1016/S0140-6736(15)01315-X
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). Nesses casos, é essencial realizar o diagnóstico diferencial da HH, especialmente com doenças hepáticas crônicas e alcoolismo.

Com relação ao diagnóstico da sobrecarga de ferro, existem métodos diretos e indiretos para quantificar os depósitos de ferro no organismo. O método considerado padrão-ouro para análise do ferro não heme é a biópsia hepática com avaliação da concentração do ferro por espectroscopia de absorção atômica. É um método invasivo, indicado apenas nos casos em que há suspeita de lesão no fígado, sendo útil para quantificar o grau da fibrose e avaliar a gravidade da doença hepática. A Ressonância Nuclear Magnética (RNM) é um método não invasivo para diagnóstico da sobrecarga de ferro em diferentes órgãos, principalmente fígado, que tem se tornado o exame preferencial para o diagnóstico e o acompanhamento de pacientes com sobrecarga de ferro (Cançado; Chiattone, 2010CANÇADO, R.D.; CHIATTONE, C.S. Visão atual da hemocromatose hereditária. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, São Paulo, v. 32, n. 6, p. 469-475, 2010. DOI: 10.1590/S1516-84842010000600011
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).

Devido à intensa miscigenação étnica no Brasil, grande número populacional e distribuição irregular da população pelo território, a prevalência das mutações no gene HFE relacionadas à sobrecarga de ferro sofre variabilidade entre diferentes regiões do país. Em estudos de prevalência com brasileiros, Cançado e colaboradores descreveram mutação no gene HFE em 76% de uma população de 50 indivíduos já diagnosticados com sobrecarga de ferro na cidade de São Paulo, região Sudeste do país (Cançado et al, 2007)CANÇADO, R. D. et al. Estudo das mutações C282Y, H63D e S65C do gene HFE em doentes brasileiros com sobrecarga de ferro. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, São Paulo, v. 29, n. 4, p. 351-360, 2007. DOI: 10.1590/S1516-84842007000400007
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.

Na análise de prevalência dos genes realizada por Bittencourt e colaboradores em 2002BITTENCOURT, P. L. et al. Analysis of HLA-A antigens and C282Y and H63D mutations of the HFE gene in Brazilian patients with hemochromatosis. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, Ribeirão Preto, v. 35, n. 3, p. 329-335, 2002. DOI: 10.1590/S0100-879X2002000300007
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, também na região Sudeste, pelo menos 66% dos pacientes diagnosticados com HH carregavam alguma mutação no gene HFE (Bittencourt et al, 2002)BITTENCOURT, P. L. et al. Analysis of HLA-A antigens and C282Y and H63D mutations of the HFE gene in Brazilian patients with hemochromatosis. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, Ribeirão Preto, v. 35, n. 3, p. 329-335, 2002. DOI: 10.1590/S0100-879X2002000300007
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. Em 1999, Agostinho e colaboradores fizeram uma interessante análise quanto à frequência da mutação na população em geral, não incluindo aqueles diagnosticados com HH (Agostinho et al, 1999)AGOSTINHO, M. F. et al. Mutation analysis of the HFE gene in Brazilian populations. Blood cells, molecules & diseases, United States, v. 25, n. 6, p. 324-327, 1999. DOI: 10.1006/bcmd.1999.0260
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. Analisando o gene HFE na população em geral, o autor separou os indivíduos de acordo com suas origens étnicas no Brasil. No grupo em questão, a mutação H63D do gene HFE aparece mais frequentemente que a C282Y, tendo pelo menos o dobro de frequência na população caucasiana quando comparada à população com predominância de origem no continente africano. A população ameríndia, nessa análise, pareceu ser poupada da mutação. Além disso, um estudo realizado com uma amostra de 164 indivíduos do estado de Alagoas, separando indivíduos suspeitos ou não de HH, evidenciou a frequência das mutações C282Y e H63D (Goes, 2013GOES, L. F. V. Estudo das frequencias das mutaçoes C282Y e H63D do gene HFE e de moduladores de gravidade da hemocromatose hereditaria em uma amostra da populacao de Alagoas. 2013. 95 f. Dissertação (Pós-Graduação em Ciências da Saúde) - Universidade Federal de Alagoas, Alagoas, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.repositorio.ufal.br/handle/riufal/4534 > Acesso em: 31 out. 2023.
http://www.repositorio.ufal.br/handle/ri...
). Entre a população suspeita de HH, foi evidenciada alguma mutação no gene HFE em 38% dos 97 pacientes. Nesse estudo, assim como no anterior, a mutação mais prevalente na população em geral - não suspeita ou diagnosticada com HH - parece ser o H63D. Por último, no estado do Paraná, na região Sul do país, um estudo de 2004 analisou 289 indivíduos da população em geral, apontando a frequência de 3,5% para mutação C282Y no gene HFE (Jackowski; Rebello; Faucz, 2004JACKOWSKI, D.; REBELLO, E. S.; FAUCZ, F. R.Análise da frequência da mutação C282Y na população paranaense. Revista Estudos de Biologia, Curitiba, v. 26, n. 55, p. 11-18, 2004. DOI: 10.7213/reb.v26i55.21635
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).

Sobre faixa etária e etnia, um estudo realizado na macrorregião de Passo Fundo, em 2015, com 189 portadores de HH, mostrou que 79,7% eram do sexo masculino e 97,8% brancos de origem europeia (Araújo, 2015ARAÚJO, C. da S. R. de. Prevalência de hemocromatose hereditária em pacientes submetidos à sangria terapêutica. 2015. 150 f. Dissertação (Pós-Graduação em Envelhecimento Humano) - Universidade de Passo Fundo. Rio Grande do Sul, Passo Fundo, 2015. Disponível em:<Disponível em:http://tede.upf.br:8080/jspui/handle/tede/1150 > Acesso em: 31 out. 2023.
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). Em Minas Gerais, Ferreira e colaboradores relataram a prevalência dos casos de HH em adultos entre 41 e 60 anos (Ferreira et al, 2008)FERREIRA, A. C. S. et al. Prevalence of C282Y and H63D mutations in the HFE gene of Brazilian individuals with clinical suspicion of hereditary hemochromatosis. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, São Paulo, v. 30, n. 5, p. 379-383, 2008. DOI: 10.1590/S1516-84842008000500010
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Mesmo com tão poucas informações sobre a frequência de sobrecarga de ferro e a complexidade que é estimar a frequência da mutação, visto o grande contingente populacional de nosso país, existem alguns dados indiretos que poderiam estimar a população portadora dessa patologia. A Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID-10) poderia ser uma opção, todavia, há dificuldades para estimar a real prevalência de HH, pois a classificação determinada para HH inserida pelo código E-83.1 inclui todas as doenças de metabolismo do ferro. Nessa codificação, portanto, é possível apenas estimar a incidência de patologias com sobrecarga de ferro de uma forma global, sem diferenciar entre hemocromatose primária e as causas secundárias de sobrecarga de ferro. Apenas em novembro de 2013, essas doenças foram agrupadas parcialmente pelo código T-45.4 que representa intoxicação por ferro e seus compostos. Apesar disso, o sistema tem grande dependência da codificação correta desses pacientes dispersos pelo país, visto que, muitas vezes, os pacientes recebem o CID-10 de uma consequência do depósito de ferro, como outras formas de cirrose hepática.

O tratamento da HH consiste na realização de flebotomias, também denominada sangria terapêutica. Esse procedimento consiste na retirada de pequenas quantidades de sangue total em intervalos periódicos. É uma terapêutica amplamente utilizada, com eficácia comprovada, relativamente barata e com baixo índice de complicações, que é realizada em duas fases distintas: uma de indução e uma de manutenção. Na fase de indução, procede-se a retirada de sangue em intervalos semanais. As células vermelhas do sangue contêm hemoglobina, que tem o ferro como um de seus componentes principais. Aproximadamente 70% do ferro do organismo está concentrado na hemoglobina. Assim, cada 500 ml de sangue removido contém 200 mg a 250 mg de ferro (Cançado; Chiattone, 2010CANÇADO, R.D.; CHIATTONE, C.S. Visão atual da hemocromatose hereditária. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, São Paulo, v. 32, n. 6, p. 469-475, 2010. DOI: 10.1590/S1516-84842010000600011
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). Em pacientes com FS superior a 1.000 ng/ml, a retirada de apenas 300 a 500 ml (equivalente a uma bolsa de sangue) em intervalos semanais ou quinzenais é suficiente para o deslocamento do ferro depositado nos tecidos para a corrente sanguínea. Esse ferro deslocado será utilizado para a formação de novas moléculas de hemoglobina, até que os excessos de FS no organismo se extingam. Essa fase pode durar meses, dependendo da quantidade de ferro em excesso (Cançado; Chiattone, 2010)CANÇADO, R.D.; CHIATTONE, C.S. Visão atual da hemocromatose hereditária. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, São Paulo, v. 32, n. 6, p. 469-475, 2010. DOI: 10.1590/S1516-84842010000600011
https://doi.org/10.1590/S1516-8484201000...
. Na fase de manutenção, são realizadas novas flebotomias em intervalos menos frequentes, procurando manter o valor de FS menor ou igual a 50 a 100 ng/ml. Habitualmente, são necessárias três a quatro sessões anuais para atingir tal propósito. Durante esse processo, a anemia não é significativa e a evolução da hemocromatose é interrompida, bem como a progressão das lesões nos órgãos-alvo.

O diagnóstico precoce da HH, com a intervenção terapêutica por meio de flebotomias de indução e manutenção, é capaz de prevenir o aparecimento de complicações em órgãos vitais e, mesmo nos indivíduos com algum grau de comprometimento, pode haver reversão ou impedimento da progressão da doença. As flebotomias, se iniciadas antes da evolução para cirrose hepática, possibilitam aos pacientes com HH sobrevida semelhante à dos indivíduos saudáveis.

Políticas públicas da HH em outros países

Antes considerada uma doença rara, a HH hoje é reconhecida como uma das doenças genéticas mais comuns na Europa. Países que receberam grande quantidade de imigrantes europeus também possuem uma parcela significativa da população afetada. Apesar disso, mesmo sendo uma doença associada à alta morbidade em suas fases avançadas, já se sabe não ser custo eficiente o rastreio populacional para HH. A facilidade ao acesso a exames de DNA com mapeamento genético da HH recentemente proporcionou a percepção da alta prevalência da mutação, evidenciando, ao mesmo tempo, a baixa prevalência da doença quando comparada à frequência da presença da mutação do gene HFE. Dados recentes apontam a baixa probabilidade - aproximadamente 10% - do desenvolvimento de doença hepática severa em homens com dupla mutação para o C282Y. Viu-se, portanto, a grande quantidade de portadores assintomáticos da mutação dupla. Pensando nisso, a maior parte das autoridades sobre a doença em países de primeiro mundo não recomenda o rastreio da população em geral, visto que não foi possível confirmar qualquer benefício na identificação da presença da mutação em um indivíduo assintomático (Burke et al., 1998BURKE, W. et al. Hereditary hemochromatosis: Gene discovery and its implications for population-based screening. Journal of the American Medical Association, [s. l.], v. 280, n. 2, p. 172-178, 1998. DOI: 10.1001/jama.280.2.172
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).

De acordo com o Colégio Americano de Gastroenterologia, o rastreio na população de baixo risco não é recomendado, o que vai de encontro a dados da prevalência da mutação e, ao mesmo tempo, da penetração incompleta da mutação, visto que a maioria dos carregadores são assintomáticos. De acordo com os dados, o IST parece ser o melhor teste para rastreio, visto que valores acima de 45% identificam 97% a 100% dos pacientes homozigotos para o C282Y. Um ponto negativo é que o exame pode não ser tão sensível para jovens em estágio inicial da doença. A FS deve ser dosada em conjunto com o IST, uma vez que, isoladamente, tem baixa especificidade para HH já que a FS se eleva em diversas outras condições inflamatórias. O uso da Capacidade Total de Ligação do Ferro (TIBC) é uma alternativa, sendo o inverso do IST, também é um método com alta sensibilidade e especificidade. A associação recomenda o rastreio nos pacientes com sintomas típicos da doença, assintomáticos com elevação de enzimas hepáticas e o rastreio dos membros familiares em que parentes de primeiro grau foram diagnosticados com HH (Figura 1) (Kowdley et al., 2020KOWDLEY, K. V. et al. ACG Clinical Guideline: Hereditary Hemochromatosis. Clinical Liver Disease, [s. l.], v. 16, n. 5, p. 177, 2020. DOI: 10.1002/cld.987
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).

Figura 1
Fluxograma para rastreio da HH nos pacientes com sintomas típicos da doença, assintomáticos com elevação de enzimas hepáticas e com membros familiares em que parentes de primeiro grau foram diagnosticados com HH, 2020

A Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL) recomenda, em sua última atualização, o estudo dos valores de ferro apenas nos pacientes com suspeita de sobrecarga de ferro. Novamente, o IST é recomendado devido à sua alta especificidade e por estabelecer o rastreio com valores do ferro em irmãos de pacientes com HH. Além disso, a associação não recomenda o teste genético na população em geral, visto a baixa penetração da doença. Ou seja, a presença da mutação poucas vezes resulta em doença sintomática, apoiando-se em dados que apontam que aproximadamente 5% dos homens e menos de 0,5% das mulheres homozigotas para C282Y apresentavam cirrose hepática. O teste genético deve ser reservado para pacientes que apresentarem elevação no IST (EASL, 2010)EASL - EUROPEAN ASSOCIATION FOR THE STUDY OF THE LIVER. EASL clinical practice guidelines for HFE hemochromatosis. Journal of Hepatology, [s. l.], v. 53, n. 1, p. 3-22, 2010. DOI: 10.1016/j.jhep.2010.03.001
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.

Além disso, uma série de recomendações para o diagnóstico da HH foram publicadas no Jornal Britânico de Hematologia em 2017. O artigo reúne departamentos de hematologia de diversos hospitais do Reino Unido e estabelece o grupo alvo para rastreio e como deve ser feita a investigação para a doença. Pacientes com ancestralidade do norte da Europa e sinais clínicos sugestivos de HH devem ser submetidos a hemograma, enzimas hepáticas, FS e IST. A investigação genética deve ser realizada dependendo dos resultados obtidos na primeira avaliação e os especialistas também não recomendam o teste genético da população em geral. O rastreio dos familiares deve incluir irmãos, parceiros e prole. Caso o indivíduo seja heterozigoto para a mutação, não está recomendada a testagem dos familiares. O artigo menciona, também, que o teste isolado da FS é pouco específico. Sendo assim, a testagem conjunta do IST com a FS aumenta a probabilidade do diagnóstico de HH (Fitzsimons et al., 2018FITZSIMONS, E. J. et al. Diagnosis and therapy of genetic haemochromatosis (review and 2017 update). British Journal of Haematology, Hoboken, v. 181, n. 3, p. 293-303, 2018. DOI: 10.1111/bjh.15164
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). Ademais, a Associação Americana de Estudos das Doenças do Fígado (AASLD) e o Guideline canadense de British Columbia, também não recomendam o rastreio genético da HH para a população geral (Bacon et al., 2011BACON, B. R. et al. Diagnosis and management of hemochromatosis: 2011 Practice Guideline by the American Association for the Study of Liver Diseases. Hepatology, [s. l.], v. 54, n. 1, p. 328-343, 2011. DOI: 10.1002/hep.24330
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; Guidelines, 2021BC GUIDELINES. High Ferritin and Iron Overload - Investigation and Management. [s. l.], 2021.). A AASLD argumenta que modelos econômicos que incluíram testes genéticos sugerem que a triagem populacional para HH só seria eficiente se 20% dos pacientes desenvolvessem complicações com risco de vida.

Tendo em vista as recomendações das principais autoridades dos países de primeiro mundo, a testagem de pacientes assintomáticos, seja por meio de painéis de ferro ou genética, não deve ser realizada (Quadros 1 e 2). Isso se deve à descoberta da alta prevalência da mutação genética na população assintomática e da baixa chance de progressão para doença grave mesmo naqueles com mutação dupla. O rastreio inicial deve restringir-se à população sintomática com suspeita clínica, àqueles com valores de painel de ferro alterados que foram solicitados por outros motivos e aos familiares de primeiro grau de pacientes com HH. O teste de rastreio inicial deve incluir, além da FS, o IST, possibilitando, assim, a maior especificidade possível no rastreio da doença. Além disso, não há publicação com recomendações específicas de rastreio populacional publicadas oficialmente pelo Ministério da Saúde ou pela Sociedade Brasileira de Hepatologia, apenas diretrizes de diagnóstico e manejo.

Quadro 1
Recomendação de rastreio genético para HH proposto pelas sociedades internacionais, 2023

Quadro 2
Comparação entre as semelhanças e diferenças entre o cenário internacional atual e as políticas públicas nacionais do Ministério da Saúde, 2023

Políticas públicas da HH no Brasil

Em 1986, o tema da 8ª Conferência Nacional de Saúde (HNC) era “Democracia é saúde”. Em seu relatório final, foram concebidas as bases para fundação do Sistema Único de Saúde (SUS). Na Constituição Federal, o Estado brasileiro assume como princípios a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem-estar de todos e a construção de uma sociedade solidária sem qualquer forma de discriminação. Em 2006, foi elaborada uma Política Nacional de Promoção da Saúde no esforço de garantir os princípios do SUS, visando à efetivação das políticas públicas existentes, promoção da qualidade de vida e redução da vulnerabilidade e riscos à saúde, entre outras ações (Brasil, 2014)BRASIL, Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde: PNPS: revisão da Portaria MS/GM no 687, de 30 de março de 2006. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnps_revisao_portaria_687.pdf > Acesso em: 31 out. 2023.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
.

A importância do conhecimento das políticas públicas, assim como a instituição de regras e modelos que direcionam as decisões, a elaboração, a implementação, e a avaliação de condutas foram reafirmadas nas últimas décadas (Souza, 2006SOUZA, C. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, n. 16, p. 20-45, 2006. DOI: 10.1590/s1517-45222006000200003
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). O primeiro fator foi a adoção de políticas restritivas de gasto, enquanto o segundo foi a aquisição de novas visões sobre o papel do governo no contexto da política pública e do ajuste fiscal. Países em desenvolvimento, como o Brasil, ainda não conseguiram consolidar políticas públicas capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico e promover a inclusão social de grande parte da população (Souza, 2006)SOUZA, C. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, n. 16, p. 20-45, 2006. DOI: 10.1590/s1517-45222006000200003
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.

Tendo em vista a importância dos protocolos clínicos e dos procedimentos da diretriz terapêutica para o tratamento de pacientes com sobrecarga de ferro, incluindo a HH, o Ministério da Saúde, primeiramente, forneceu Consulta Pública nº 6, de 24 de julho de 2008, publicando documento que estabelece normas de diagnóstico e procedimentos terapêuticos para a sobrecarga de ferro. Em 25 de novembro de 2013, foi aprovada a Portaria nº 1324 - Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de Sobrecarga de Ferro. Essa portaria determinou que o SUS e os gestores municipais, de acordo com sua competência, criassem uma rede assistencial, definissem os serviços de referência e estabelecessem os fluxos de atendimento aos portadores de sobrecarga de ferro em todas as fases descritas (Brasil, 2008BRASIL, Ministério da Saúde. Consulta pública no 6, de 24 de julho de 2008: protocolo clínico e diretrizes terapêuticas sobrecarga de ferro desferroxamina, deferiprona e deferasirox. Brasília, DF, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2008/cop0006_24_07_2008.html#:~:text=A hemocromatose hereditária é uma,diabete mélito e doenças cardíacas > Acesso em: 31 out. 2023.
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, 2013BRASIL, Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Sobrecarga de Ferro. Portaria SAS/MS n 1324, de 25 de novembro de 2013. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Sobrecarga de Ferro. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2013/prt1324_25_11_2013.html > Acesso em: 31 out. 2023.
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).

Entre as diretrizes propostas nesse documento, destacou-se que as primeiras manifestações clínicas surgem com valor de ferro acumulado superior a 60 g. Entre os sinais, destacou-se a cor bronzeada da pele e a deposição em diversos tecidos, com evolução possível para doença hepática crônica, arritmia cardíaca, insuficiência cardíaca, entre outros. O rastreio restringiu-se a pacientes de alto risco, como aqueles com envolvimento orgânico suspeito, história familiar de HH e em que exames radiológicos ou bioquímicos sugerem anormalidades relacionadas à possível sobrecarga de ferro (Brasil, 2008BRASIL, Ministério da Saúde. Consulta pública no 6, de 24 de julho de 2008: protocolo clínico e diretrizes terapêuticas sobrecarga de ferro desferroxamina, deferiprona e deferasirox. Brasília, DF, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2008/cop0006_24_07_2008.html#:~:text=A hemocromatose hereditária é uma,diabete mélito e doenças cardíacas > Acesso em: 31 out. 2023.
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, 2013BRASIL, Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Sobrecarga de Ferro. Portaria SAS/MS n 1324, de 25 de novembro de 2013. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Sobrecarga de Ferro. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2013/prt1324_25_11_2013.html > Acesso em: 31 out. 2023.
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).

Em 2018, ocorreu a atualização do protocolo acima citado, sendo que as mudanças ficaram restritas ao tópico do tratamento de outras doenças que seguem com depósitos de ferro que não são HH (Brasil, 2018)BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria conjunta n° 7, de 23 de fevereiro de 2018: protocolo clínico e diretrizes terapêuticas da sobrecarga de. Brasília, DF, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2018/poc0007_01_03_2018.html > Acesso em: 31 out. 2023.
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. Esse protocolo considera a FS o melhor parâmetro para avaliação e monitoramento de pacientes com sobrecarga de ferro por ser um exame não invasivo, de baixo custo e com boa correlação aos estoques de ferro corporal. Segundo dados do Ministério da Saúde (MS), o IST acima de 50% apresenta sensibilidade de 52% e especificidade de 90,8% para o diagnóstico de homozigose para C282Y. A ferritina é uma proteína de fase aguda, que pode estar elevada em estados inflamatórios, devendo ser avaliada com cautela nessa situação, de preferência em conjunto com o IST (Brasil, 2018)BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria conjunta n° 7, de 23 de fevereiro de 2018: protocolo clínico e diretrizes terapêuticas da sobrecarga de. Brasília, DF, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2018/poc0007_01_03_2018.html > Acesso em: 31 out. 2023.
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.

O diagnóstico de HH baseia-se na documentação de aumento dos estoques de ferro em diversos sítios (Brasil, 2018)BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria conjunta n° 7, de 23 de fevereiro de 2018: protocolo clínico e diretrizes terapêuticas da sobrecarga de. Brasília, DF, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2018/poc0007_01_03_2018.html > Acesso em: 31 out. 2023.
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. Os exames para rastreio devem ser realizados nos pacientes que apresentam fatores de risco para HH. Entre eles, os exames de mais fácil acesso e realização, com razoável grau de especificidade e sensibilidade, são a dosagem de FS (valor de referência: mulheres de 11-306,8 ng/mL e homens de 23,9-336,2 ng/mL) e a mensuração do IST (valor de referência: 20%-50%) (Brasil, 2008BRASIL, Ministério da Saúde. Consulta pública no 6, de 24 de julho de 2008: protocolo clínico e diretrizes terapêuticas sobrecarga de ferro desferroxamina, deferiprona e deferasirox. Brasília, DF, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2008/cop0006_24_07_2008.html#:~:text=A hemocromatose hereditária é uma,diabete mélito e doenças cardíacas > Acesso em: 31 out. 2023.
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, 2018BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria conjunta n° 7, de 23 de fevereiro de 2018: protocolo clínico e diretrizes terapêuticas da sobrecarga de. Brasília, DF, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2018/poc0007_01_03_2018.html > Acesso em: 31 out. 2023.
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). Ambos os exames são contemplados pelo SUS, com um custo de realização de R$ 19,17 (IST - R$ 4,12 e FS - R$ 15,59) (Brasil, 2021)BRASIL, Ministério da Saúde. Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS. Brasília, DF, 2021. Disponível em: <Disponível em: http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/inicio.jsp > Acesso em: 31 out. 2023.
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.

A avaliação da concentração hepática de ferro - realizada por meio de biópsia - é o método quantitativo mais específico e sensível para determinar a sobrecarga de ferro, sendo comprovada quando os níveis estiverem elevados. O emprego da biópsia hepática, entretanto, não é passível de ampla realização, por ser um método invasivo, sendo reservada para avaliação de casos duvidosos ou para documentação da presença de fibrose hepática. Pacientes que têm diagnóstico de HH realizado por outros métodos - como a pesquisa da mutação genética - e que apresentam baixa probabilidade de apresentar fibrose hepática não necessitam de biópsia hepática (Brasil, 2018)BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria conjunta n° 7, de 23 de fevereiro de 2018: protocolo clínico e diretrizes terapêuticas da sobrecarga de. Brasília, DF, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2018/poc0007_01_03_2018.html > Acesso em: 31 out. 2023.
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.

Quando houver indicação para realização desse exame, uma concentração hepática de ferro acima de 3,2 mg/g de fígado seco é considerada diagnóstica para HH (Brasil, 2018)BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria conjunta n° 7, de 23 de fevereiro de 2018: protocolo clínico e diretrizes terapêuticas da sobrecarga de. Brasília, DF, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2018/poc0007_01_03_2018.html > Acesso em: 31 out. 2023.
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. A realização de procedimentos invasivos para diagnóstico, independentemente de o material ser coletado por punção ou cirurgia, tem o preço padronizado no SUS, em 2021, de R$ 40,78 (Brasil, 2021)BRASIL, Ministério da Saúde. Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS. Brasília, DF, 2021. Disponível em: <Disponível em: http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/inicio.jsp > Acesso em: 31 out. 2023.
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. O valor é aquém do custo real para a realização do procedimento, que varia entre regiões e complexidade de serviços, mas se situa em torno de R$ 2.000,00. A RNM T2, método de imagem com maior acurácia diagnóstica para a aferição da concentração de ferro hepático, é indicada para analisar a correlação da concentração hepática de ferro. O custo elevado impede a prescrição rotineira desse exame (Brasil, 2013)BRASIL, Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Sobrecarga de Ferro. Portaria SAS/MS n 1324, de 25 de novembro de 2013. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Sobrecarga de Ferro. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2013/prt1324_25_11_2013.html > Acesso em: 31 out. 2023.
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. O SUS oferece, para a realização do procedimento, o valor de R$ 268,75 (Brasil, 2021)BRASIL, Ministério da Saúde. Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS. Brasília, DF, 2021. Disponível em: <Disponível em: http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/inicio.jsp > Acesso em: 31 out. 2023.
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e o procedimento particular custa, em média, R$ 900,00. Nos casos suspeitos de HH, a pesquisa da mutação genética do gene HFE (homozigose C282Y ou heterozigose C282Y/H63T) só pode ser feita em laboratórios privados, com custo médio de R$ 200,00, não sendo disponibilizada no SUS. A pesquisa genética é feita quando houver ocorrência familiar de sobrecarga de ferro ou quando os exames laboratoriais forem sugestivos e não se queira, devido à invasividade dos métodos, realizar biópsia hepática, ou, pela dificuldade de acesso, solicitar a ressonância magnética por T2 (Brasil, 2008)BRASIL, Ministério da Saúde. Consulta pública no 6, de 24 de julho de 2008: protocolo clínico e diretrizes terapêuticas sobrecarga de ferro desferroxamina, deferiprona e deferasirox. Brasília, DF, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2008/cop0006_24_07_2008.html#:~:text=A hemocromatose hereditária é uma,diabete mélito e doenças cardíacas > Acesso em: 31 out. 2023.
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.

Quanto ao tratamento, o MS disponibilizou as últimas recomendações em 2008, sendo a flebotomia a terapêutica recomendada. O sistema paga R$ 4,69 pelo procedimento (Brasil, 2021)BRASIL, Ministério da Saúde. Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS. Brasília, DF, 2021. Disponível em: <Disponível em: http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/inicio.jsp > Acesso em: 31 out. 2023.
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. A maioria dos pacientes que têm o fenótipo consistente com HH, independentemente do seu genótipo, beneficia-se da terapia com flebotomia (Brasil, 2008BRASIL, Ministério da Saúde. Consulta pública no 6, de 24 de julho de 2008: protocolo clínico e diretrizes terapêuticas sobrecarga de ferro desferroxamina, deferiprona e deferasirox. Brasília, DF, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2008/cop0006_24_07_2008.html#:~:text=A hemocromatose hereditária é uma,diabete mélito e doenças cardíacas > Acesso em: 31 out. 2023.
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, 2018BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria conjunta n° 7, de 23 de fevereiro de 2018: protocolo clínico e diretrizes terapêuticas da sobrecarga de. Brasília, DF, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2018/poc0007_01_03_2018.html > Acesso em: 31 out. 2023.
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). Segundo dados do MS, a instituição precoce de flebotomia para que o paciente seja depletado de ferro, tão logo quanto possível, reduz morbimortalidade na HH, uma vez que o tratamento antes do desenvolvimento de cirrose mostrou ser capaz de melhorar sobrevida e prevenir o surgimento de neoplasia hepática, além de diminuir as chances de desenvolver diabetes (Brasil, 2008BRASIL, Ministério da Saúde. Consulta pública no 6, de 24 de julho de 2008: protocolo clínico e diretrizes terapêuticas sobrecarga de ferro desferroxamina, deferiprona e deferasirox. Brasília, DF, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2008/cop0006_24_07_2008.html#:~:text=A hemocromatose hereditária é uma,diabete mélito e doenças cardíacas > Acesso em: 31 out. 2023.
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, 2021BRASIL, Ministério da Saúde. Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS. Brasília, DF, 2021. Disponível em: <Disponível em: http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/inicio.jsp > Acesso em: 31 out. 2023.
http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unif...
; Cançado; Chiattone, 2010CANÇADO, R.D.; CHIATTONE, C.S. Visão atual da hemocromatose hereditária. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, São Paulo, v. 32, n. 6, p. 469-475, 2010. DOI: 10.1590/S1516-84842010000600011
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).

A tabela de procedimentos clínicos do SUS do Brasil é um elemento crucial na estrutura de financiamento do sistema de saúde pública do país. No entanto, têm ocorrido discussões contínuas sobre a atualização da tabela. A defasagem na tabela de procedimentos pode levar a uma série de problemas, incluindo a insuficiência de recursos para os provedores de saúde e potenciais barreiras para a introdução de novos e inovadores métodos de tratamento. Uma crítica comum à tabela de procedimentos clínicos do SUS é que ela não reflete adequadamente os custos reais de prestação de cuidados. Isto é, os valores reembolsados aos provedores de saúde por serviços e procedimentos podem não cobrir completamente o custo desses serviços, levando a problemas financeiros para hospitais e clínicas.

A suposta defasagem da tabela de procedimentos clínicos também pode provocar desafios para a introdução de novos métodos de tratamento. Inovações em saúde frequentemente vêm com custos mais altos - pelo menos inicialmente - e, se a tabela de procedimentos não for atualizada para refletir esses custos, pode haver poucos incentivos para os provedores de saúde adotarem essas inovações. Embora seja difícil avaliar a extensão da defasagem da tabela de procedimentos clínicos do SUS sem dados específicos e atualizados, é claro que qualquer defasagem pode ter implicações significativas para o sistema de saúde. É crucial que a tabela de procedimentos seja regularmente revista e atualizada para refletir os custos reais de prestação de cuidados de saúde e para permitir a introdução de inovações. A atualização da tabela de procedimentos também exigiria o acompanhamento de um financiamento adequado para garantir que os custos mais altos de tratamentos e procedimentos possam ser cobertos, mantendo a sustentabilidade do sistema de saúde pública. Isso destacaria a necessidade de uma discussão mais ampla sobre o financiamento e a sustentabilidade do SUS como um todo.

Protocolos inovadores na saúde pública

Introduzir protocolos inovadores na saúde pública é uma proposição complexa com uma série de custos e benefícios potenciais associados. Essas inovações podem variar desde novos métodos de diagnóstico e tratamento até sistemas de gestão de saúde e tecnologias de informação. Protocolos inovadores geralmente vêm com a promessa de resultados melhores em saúde, seja por meio de diagnósticos mais precisos, tratamentos mais eficazes ou uma combinação de ambos. Essas melhorias na qualidade do cuidado podem levar a uma maior qualidade de vida para os pacientes e, por consequência, a um aumento na produtividade econômica. Embora a implementação de novos protocolos possa exigir um investimento inicial considerável, ela frequentemente oferece economias a longo prazo. Por exemplo, uma nova técnica de diagnóstico que identifica uma doença em um estágio anterior pode permitir intervenções antecipadas, potencialmente evitando a necessidade de tratamentos mais caros ou extensivos no futuro. A implementação de novos protocolos geralmente requer investimento em novos equipamentos, treinamento de pessoal e possivelmente pesquisa adicional. Esses custos iniciais podem ser substanciais. Embora um novo protocolo tenha mostrado promessa em estudos clínicos, sua eficácia em uma configuração do mundo real pode variar. Além disso, pode haver incertezas em torno de efeitos colaterais ou complicações a longo prazo.

Para o SUS, a introdução de protocolos inovadores pode ajudar a lidar com alguns dos desafios do sistema. Em particular, novos protocolos que permitem o diagnóstico precoce ou o tratamento mais eficaz podem reduzir a carga sobre o sistema ao diminuir a necessidade de tratamentos caros a longo prazo. Por exemplo, a introdução de um novo protocolo de triagem para uma doença comum poderia identificar a doença em um estágio anterior em mais pacientes. Isso, por sua vez, permitiria o tratamento mais cedo, o que poderia ser mais eficaz e menos caro do que o tratamento em um estágio posterior. Assim, apesar dos custos iniciais de implementação do protocolo, o SUS poderia economizar dinheiro a longo prazo.

Há alguns anos, instituições de combate ao câncer vêm instituindo campanhas de conscientização sobre o rastreio precoce das patologias oncológicas mais prevalentes no nosso país. A exemplo do “Outubro Rosa”, para rastreio de câncer de mama, e o “Novembro Azul”, para rastreio do câncer de próstata, essas campanhas vêm ganhando visibilidade e trazem ao público informações sobre rastreio e diagnóstico precoce. Como a HH é raramente diagnosticada em adultos jovens e é mais comum em homens de regiões onde há prevalência de descendentes de europeus, sugere-se, nesta revisão, o acréscimo do rastreio com IST e FS em homens durante a campanha do “Novembro Azul”. Dessa forma, por meio de testes baratos, pode-se fazer o diagnóstico precoce dessa doença subnotificada no Brasil e evitar sua progressão.

Diferença entre o custo público e privado na saúde no Brasil

Os sistemas de saúde público e privado do Brasil têm estruturas de custo muito diferentes. Sem a capacidade de acessar ou fornecer dados em tempo real ou estatísticas atualizadas, não é possível apresentar estatísticas atuais ou específicas sobre essa diferença de custos ou um quadro sobre o custo atual de saúde pública contemplado pelo SUS em relação aos diagnósticos e tratamentos de doenças. O SUS é um sistema de saúde financiado publicamente que visa fornecer cuidados de saúde gratuitos a todos os residentes no Brasil, independentemente de sua situação socioeconômica. É financiado por impostos e é um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo. Por ser financiado publicamente, os custos de diagnóstico e tratamento para os usuários finais são, geralmente, mínimos ou inexistentes, sendo cobertos majoritariamente, senão totalmente, pelo governo.

O sistema de saúde privado no Brasil é composto por uma variedade de prestadores de serviços, incluindo hospitais e clínicas privadas. Esses serviços são geralmente pagos direta ou indiretamente pelos pacientes, muitas vezes por meio de seguros de saúde privados. Os custos desses serviços variam, mas geralmente são significativamente mais altos do que os do sistema público. Existem várias diferenças entre os custos no sistema de saúde público e privado no Brasil, principalmente:

  • Acessibilidade: como o SUS é financiado publicamente, os serviços são gratuitos na entrega, tornando-o acessível a todos, independentemente da capacidade de pagar. No entanto, o sistema privado é geralmente mais caro e, portanto, menos acessível para muitos.

  • Qualidade e eficiência: apesar da acessibilidade do SUS, a qualidade e a eficiência podem variar. Devido à alta demanda e ao subfinanciamento, os pacientes podem enfrentar longas esperas por tratamento. O sistema privado, com seu maior financiamento, muitas vezes pode fornecer tratamento mais rápido e de melhor qualidade, embora a um custo mais alto.

  • Variedade de tratamentos: o sistema privado, devido ao seu modelo de financiamento, pode oferecer uma gama mais ampla de tratamentos, incluindo os mais recentes e inovadores, que podem não estar disponíveis no SUS.

A Tabela 1 apresenta o relatório resumido da execução orçamentária de despesas com saúde contemplado pelo SUS.

Tabela 1
Relatório resumido da execução orçamentária de despesas com saúde contemplado pelo SUS por subfunção em 2020

O custo para o rastreio da HH com avaliação da saturação de transferrina e da ferritina pelo SUS é menor quando se compara com o custo para tratamento das complicações por excesso de ferro já estabelecido. A Tabela SUS indica que a dosagem de transferrina (código 02.02.01.066-0) tem valor unitário de R$ 4,12; já o valor unitário da dosagem de ferritina (código 02.02.01.038-4) é R$ 15,59.

Considerações finais

A HH é uma doença crônica e sem cura. Sendo assim, sua história natural implica diversas morbidades no indivíduo acometido. Apesar disso, tem tratamento estabelecido, de baixo custo e fácil acesso, o que torna seu diagnóstico precoce imperativo. O rastreamento ideal para a doença ainda não é um consenso, tornando desafiadora a implementação de políticas públicas adequadas ao sistema público de saúde do país. É de suma importância a investigação para hemocromatose nos grupos de risco, por meio de exames laboratoriais de baixo custo. Os exames de triagem para pacientes pertencentes ao grupo de risco, sintomáticos ou com alterações laboratoriais características da HH, são capazes de identificar a doença antes que surjam suas complicações. O valor gasto para o rastreio da HH, com avaliação da saturação de transferrina e da ferritina sérica, pelo SUS é muito menor do que os custos gerados quando o dano por excesso de ferro já está estabelecido ou quando há necessidade de tratamento específico para as complicações.

Nos casos suspeitos de HH, deveria ser viabilizada pelo SUS a pesquisa da mutação genética para o gene HFE, que atualmente só é possível realizar de forma privada, pois, mesmo assim, ela ainda é mais barata do que os custos gerados com a progressão da doença. O tratamento para a hemocromatose, sendo uma terapêutica de baixo custo, viabiliza o seu emprego a todos os acometidos, evitando-se, assim, as complicações futuras do depósito de ferro no organismo. Além disso, sugere-se o acréscimo do rastreio da HH em homens com fatores de risco durante a campanha nacional do “Novembro Azul”, já muito bem estabelecida, a fim de reduzir o número de diagnósticos tardios já com as complicações da doença. Com essas medidas, modifica-se por completo a sua história natural e permite-se, por meio do rastreio adequado, o envelhecimento saudável de todo um grupo familiar. Poucos dados são disponíveis acerca da sua prevalência no Brasil e os disponíveis são pouco confiáveis. Devido à falta de trabalhos na literatura brasileira abordando essa temática, há necessidade de novas pesquisas para se definir se há subnotificação do HH no Brasil ou se realmente sua prevalência é baixa na nossa população.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2023
  • Revisado
    15 Jun 2023
  • Aceito
    16 Jun 2023
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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