Investigação de surtos e epidemias: transformações na teoria, nos conceitos e nas práticas do século XVIII ao século XXI

Rita Barradas Barata Sobre o autor

Resumo

Este ensaio objetiva discutir as investigações de surtos e epidemias, desde os primeiros relatos disponíveis na literatura científica do século XVIII até o momento atual, utilizando para sua construção artigos científicos e livros sobre a temática. O principal argumento desenvolvido é a passagem de abordagens qualitativas da epidemiologia, predominantes nos períodos iniciais, para a abordagem quantitativa, que inicialmente convive com a qualitativa, mas se torna dominante a partir da segunda metade do século XIX. Conclui-se com uma breve reflexão sobre o momento atual de enfrentamento da epidemia da covid-19.

Palavras-chave:
Investigação Epidemiológica; Surtos; Epidemias; Abordagens Metodológicas; Perspectiva Histórica

Antecedentes

A transição do feudalismo para o capitalismo foi marcada pelo ressurgimento de grandes epidemias, tendo como principais fatores as rotas de comércio marítimo, o crescimento populacional, o adensamento urbano, o tráfico de escravos africanos, entre outros.

Durante o período do Renascimento, predominou a teoria do contágio como explicação para essas ocorrências. O contágio era concebido como a passagem direta de alguma influência física ou química, de uma pessoa doente para um suscetível, por contato ou pela atmosfera, por meio de fômites. As epidemias eram vistas como resultado da importação, isto é, os doentes chegavam de outros lugares, introduzindo a doença em áreas em que elas não ocorriam ou não apresentavam a forma epidêmica. As medidas de controle estavam baseadas no estabelecimento de cordões sanitários que pretendiam isolar áreas afetadas e de quarentena, habitualmente nos portos, para evitar a passagem dos doentes (Ackerknecht, 2009ACKERKNECHT, E. H. Anticontagionism between 1821 and 1867: the Fielding H. Garrison lecture. 1948. International Journal of Epidemiology, London, v. 38, n. 1, p. 7-21, 2009. DOI:doi.org/10.1093/ije/dyn254=
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).

A partir do iluminismo, a teoria miasmática foi ganhando corpo entre engenheiros e médicos, baseada na ideia contrária: de que as doenças eram produzidas localmente e decorriam dos fatores climáticos, meteorológicos e topográficos, bem como das transformações químicas decorrentes da putrefação e deterioração de vegetais e tecidos animais mortos, que alteravam a qualidades do ar e assim afetavam a população. Os períodos epidêmicos eram, então, desencadeados por mudanças bruscas nesses constituintes. De modo geral, ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, a teoria miasmática associou as doenças à sujeira e à imundice que dominavam os grandes aglomerados urbanos e as principais cidades portuárias, na Europa e nas Américas (Ackerknecht, 2009ACKERKNECHT, E. H. Anticontagionism between 1821 and 1867: the Fielding H. Garrison lecture. 1948. International Journal of Epidemiology, London, v. 38, n. 1, p. 7-21, 2009. DOI:doi.org/10.1093/ije/dyn254=
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).

As investigações de epidemias ocorriam antes mesmo da constituição da epidemiologia como disciplina científica, valendo-se exclusivamente de descrições qualitativas das diversas condições ambientais e dos habitantes dos lugares afetados, ocasionalmente se preocupando em contar os óbitos de que os médicos tinham conhecimento.

Tanto contagionistas quanto anticontagionistas se empenhavam em reunir dados e fatos que confirmassem suas teorias, muitas vezes analisando os mesmos dados sob diferentes prismas. Normalmente, os contagionistas eram maioria entre os médicos militares e a burocracia estatal, enquanto os anticontagionistas contavam em suas fileiras com médicos de prática liberal, defensores do livre comércio e circulação das pessoas, opondo-se às quarentenas e aos cordões sanitários por considerá-los medidas inúteis e equivocadas. O principal argumento contra os contagionistas era que existiam motivos suficientes nos locais afetados para que as epidemias ali se desenvolvessem, não havendo necessidade de buscar sua explicação na importação dos doentes. Consequentemente, as medidas de controle deveriam ser baseadas na melhoria das condições de urbanização, saneamento básico, higiene pessoal, isolamento dos doentes e desinfecção domiciliar.

O objetivo principal deste ensaio é destacar as características vigentes antes da constituição da epidemiologia como disciplina científica e as transformações ocorridas no final do século XIX, com as contribuições da microbiologia, que levaram aos desenvolvimentos que vieram a constituir a epidemiologia das doenças transmissíveis ao longo do século XX. Como a literatura sobre o tema é muito vasta, a seleção dos textos para a construção desta investigação foi baseada em escolhas do autor no sentido de, dentro dos limites de tamanho do artigo, tipificar os diferentes momentos e as principais mudanças nas práticas epidemiológicas.

Século XVIII: alguns exemplos

Durante a epidemia de febre amarela na Filadélfia em 1793, houve grande disputa de narrativas, com ambos os lados acumulando diversas evidências favoráveis a seus respectivos pontos de vista. Do ponto de vista dos contagionistas, a epidemia era atribuída a vários fatores, todos eles externos: chegada em grande número de fazendeiros brancos que fugiram do Haiti em decorrência da revolta da população negra, desembarque de pessoas enfermas da tripulação de navios provenientes da Jamaica, aumento expressivo da densidade de mosquitos em um verão muito quente e com poucas chuvas torrenciais etc. (Middleton, 1928MIDDLETON, W. S. The Yellow Fever epidemic of 1793 in Philadelphia. Annals of Medical History , New York, v. 10, n. 4, p. 434-450, 1928. Disponível em: <Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33943599/ >. Acesso em: 8 jan. 2024.
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).

Do lado anticontagionista, diversos médicos com prática clínica privada advogavam que a epidemia tinha causas locais, decorrentes tanto do apodrecimento de uma carga de café no distrito portuário quanto de processos de apodrecimento vegetal nos pântanos, lagos e remansos do rio Delaware durante o verão intenso, além da passagem de um cometa meses antes do surgimento dos primeiros casos comunitários (Middleton, 1928MIDDLETON, W. S. The Yellow Fever epidemic of 1793 in Philadelphia. Annals of Medical History , New York, v. 10, n. 4, p. 434-450, 1928. Disponível em: <Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33943599/ >. Acesso em: 8 jan. 2024.
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).

As investigações reuniam dados qualitativos relativos a aspectos ambientais ou ao deslocamentos populacional, não havendo um modo sistemático de sintetizar dados nem a preocupação em descrever a distribuição de casos e óbitos. Não havia o registro sistemático de eventos de saúde, e cada médico tentava obter informações com seus pares para decidir se havia ou não uma epidemia em curso. Não era raro que profissionais duvidassem da presença de epidemias, atribuindo os casos de doença a ocorrências habituais e variações sazonais. Middleton (1928MIDDLETON, W. S. The Yellow Fever epidemic of 1793 in Philadelphia. Annals of Medical History , New York, v. 10, n. 4, p. 434-450, 1928. Disponível em: <Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33943599/ >. Acesso em: 8 jan. 2024.
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) refere a ocorrência de cerca de 4 mil óbitos e o declínio da epidemia após ações de saneamento, como a drenagem de pântanos, o plantio de árvores e a limpeza do porto e das ruas da cidade.

O relato de um médico militar francês sobre a epidemia de febre amarela em Gibraltar em 1828 apresenta, em defesa da teoria do contágio, tanto argumentos favoráveis a essa hipótese quanto argumentos desfavoráveis à hipótese anticontagionista. O relatório é escrito de maneira objetiva, argumentando que as áreas nas quais a divisão estava acantonada compartilhavam das mesmas condições climáticas predominantes em Gibraltar, sem que os soldados franceses tivessem sido afetados. A cidade de Gibraltar era bastante limpa, situada em uma elevação do terreno e bem ventilada, não apresentando a sujeira e a imundice normalmente reclamadas pelos anticontagionistas como desencadeantes das epidemias. Por outro lado, havia muitos navios provenientes das Índias Ocidentais (Caribe) que cruzavam o estreito, dos quais desembarcavam tripulantes doentes que então introduziam a doença, não apenas a Gibraltar, mas a partir de lá para outras localidades da Península Ibérica. Esse relatório exemplifica uma forma mais objetiva de análise epidemiológica, que se baseia em comparações para a tirada de conclusões e não apenas uma peça argumentativa unilateral (Guyon, 1830GUYON, M. Remarks on the origin of the Gibraltar Fever of 1828. Journal Complémentaire, Paris, p. 286-292, 1830.).

Os relatos de Middleton (1928MIDDLETON, W. S. The Yellow Fever epidemic of 1793 in Philadelphia. Annals of Medical History , New York, v. 10, n. 4, p. 434-450, 1928. Disponível em: <Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33943599/ >. Acesso em: 8 jan. 2024.
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) e Guyon (1830GUYON, M. Remarks on the origin of the Gibraltar Fever of 1828. Journal Complémentaire, Paris, p. 286-292, 1830.), escolhidos pelo contraste na forma de argumentação que apresentam, são exemplares dos inúmeros relatos produzidos sobre epidemias no século XVIII e início do XIX. Todos eles se utilizam de relatos circunstanciados, sem preocupação com a quantificação do fenômeno nem com sua distribuição populacional. O que diferencia as várias narrativas é o maior ou menor uso de argumentos lógicos e comparativos que vão além da simples descrição.

Século XIX

Na passagem do século XVIII para o XIX, Charles Maclean, um médico escocês que havia estado na Índia e em outras partes da Ásia, ao retornar para a Inglaterra, passou a ativamente deslocar o lócus da discussão epidemiológica dos colégios médicos e das sociedades de especialistas para a arena pública, por meio de um debate feito em jornais para a população leiga. Ao mesmo tempo, ele passou a pressionar o Parlamento para constituir comissões de inquérito com o objetivo de discutir as causas das epidemias e rever a adoção de quarentenas e cordões sanitários (Kelly, 2008KELLY, C. “Not from the College but through the public and the legislature”: Charles Maclean and the relocation of medical debate in the early nineteenth century. Bulletin of the History of Medicine, Baltimore, v. 82, n. 3, p. 545-569, 2008. DOI: 10.1353/bhm.0.0078
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).

Apesar da popularidade das teses que Maclean difundia pela imprensa ter sido suficiente para a convocação das comissões parlamentares, o resultado delas não foi o esperado. Na primeira comissão, constituída em 1819, o Parlamento concluiu que não havia evidências suficientes para abandonar de maneira definitiva a teoria do contágio. Entretanto, a comissão instaurada em 1824 concluiu que as quarentenas eram de fato muito onerosas para a Inglaterra e que seu uso deveria ser mais parcimonioso, com menor duração e redução na aplicação de penalidades para os casos em que houvesse o descumprimento das normas.

A atuação de Maclean explicita de forma clara a politização das epidemias e surtos, bem como a preocupação com as consequências econômicas das medidas de controle. As disputas entre contagionistas e anticontagionistas não ocorriam apenas no campo científico, mas sofriam a “contaminação” da vida real com seus interesses econômicos e políticos.

No período de 1820 a 1867, a teoria miasmática foi se tornando dominante na América e na Europa, havendo cada vez menos defensores da teoria do contágio. A investigação da epidemia de tifo na Silésia, conduzida por Rudolf Virchow em 1848, é um exemplo das investigações propostas pelos defensores da teoria miasmática que se alinhavam com a medicina social.

Contando com apenas 15 dias de permanência na área, o relatório de Virchow (2006VIRCHOW, R. Report on the typhis epidemic in Upper Silesia [Archiv für Pathologische Anatomie und Physiologie und für Klinische Medizin, 1848 vol II, n.1 e 2.] Reprint Social Medicine, [s.l.], v. 1, n. 1, p. 11-27, 2006.) analisa as condições históricas, culturais, socioeconômicas e políticas dos habitantes da Alta Silésia, descrevendo a história da região, as guerras e trocas de domínio até a subordinação à Prússia. São expostas as condições geográficas e geológicas do território, a composição da população, que engloba poloneses, alemães e sérvios. Virchow (2006VIRCHOW, R. Report on the typhis epidemic in Upper Silesia [Archiv für Pathologische Anatomie und Physiologie und für Klinische Medizin, 1848 vol II, n.1 e 2.] Reprint Social Medicine, [s.l.], v. 1, n. 1, p. 11-27, 2006.) caracteriza as vítimas do tifo como uma população pobre, sem alternativas reais para a obtenção do sustento econômico, sujeita a fomes constantes, subjugada pela religião católica, com péssimos hábitos de higiene, habitações precárias e alta frequência de alcoolismo.

Virchow (2006VIRCHOW, R. Report on the typhis epidemic in Upper Silesia [Archiv für Pathologische Anatomie und Physiologie und für Klinische Medizin, 1848 vol II, n.1 e 2.] Reprint Social Medicine, [s.l.], v. 1, n. 1, p. 11-27, 2006.) conclui que a epidemia de tifo foi causada pela extrema pobreza, aglomeração em recintos fechados, exalação dos excrementos dos animais abrigados nos mesmos locais e a putrefação das carnes animais, originando o miasma pestilento, o que, segundo ele, diferenciava os casos epidêmicos daqueles observados sob a forma endêmica.

Uma importante mudança na forma de conduzir as investigações de epidemias ocorre na Inglaterra, com a nomeação de William Farr para o Registro Geral. A Inglaterra possuía um sistema de notificação de doenças epidêmicas, criado por determinação real em 1603. Durante os séculos XVII e XVIII, esses registros foram usados apenas para a contagem de casos ou óbitos, não produzindo análises, além das de tendência, sobre o impacto das epidemias nas estatísticas de mortalidade.

William Farr introduziu o uso sistemático do cálculo de taxas de mortalidade e, na epidemia de cólera de 1831 em Londres, analisou a distribuição espacial dos óbitos, identificando nove áreas de maior concentração de casos, a maioria em bairros localizados ao longo das margens do rio Tâmisa. Farr acreditava que as epidemias, assim como as doenças em geral, eram fenômenos sociais que poderiam ser evitados e controlados com melhorias do ambiente urbano. Ele realizou uma análise ecológica, demonstrando que havia uma proporcionalidade inversa entre a mortalidade por cólera e a altitude dos bairros londrinos, fato que interpretou como confirmatório da teoria miasmática, uma vez que os bairros localizados às margens do rio eram mais sujeitos aos miasmas, que permaneciam mais estagnados nessas localidades (Eyler, 1973EYLER, J. M. William Farr on the cholera: the sanitarian’s disease theory and the statistician’s method. Journal of History of Medicine and Allied Sciences, Oxford, v. 28, n. 2, p. 79-100, 1973. DOI: 10.1093/jhmas/xxviii.2.79
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).

Com a publicação do trabalho de John Snow sobre a epidemia de 1848-1849, que sugeria que a cólera era uma doença contagiosa e que o “veneno” responsável por sua produção era ingerido por meio de alimentos e água contaminados pelos dejetos dos doentes, Farr decidiu analisar as áreas de maior risco em relação à fonte de abastecimento de água, uma vez que várias companhias privadas atuavam nesse setor na cidade de Londres. Ele analisou a mortalidade em bairros nos quais apenas uma companhia era responsável pelo abastecimento de todos os domicílios, excluindo as áreas nas quais havia participação de mais de uma entidade no provimento de água. Nessa análise, Farr não encontrou diferenças nas taxas de mortalidade entre bairros abastecidos por diferentes companhias (Eyler, 1973EYLER, J. M. William Farr on the cholera: the sanitarian’s disease theory and the statistician’s method. Journal of History of Medicine and Allied Sciences, Oxford, v. 28, n. 2, p. 79-100, 1973. DOI: 10.1093/jhmas/xxviii.2.79
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).

Em seu trabalho, Snow apresentou dados descritivos mostrando que os intervalos de tempo entre a chegada da cólera no continente europeu, seu deslocamento para a Inglaterra e seu espalhamento para o interior, a partir das cidades portuárias, nunca eram menores que o tempo dos deslocamentos humanos, sugerindo que os doentes eram os responsáveis pela introdução da doença. Finalmente, ele relatou algumas investigações em clusters de casos, nas quais era evidente a contaminação da água pelo conteúdo das fossas (Underwood, 1948UNDERWOOD, E. A. The history of cholera in Great Britain. Proceedings of the Royal Society of Medicine, London, v. 41, n. 5, p. 338, 1948. Disponível em: <Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2184374/pdf/procrsmed00524-0035.pdf >. Acesso em: 8 jan. 2024.
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; Eyler, 2001EYLER, J. M. The changing assessment of John Snow’s and William Farr’s cholera studies. Sozial und Praventivmedizin, Zürich, v. 46, n. 4, p. 225-232, 2001. DOI: 10.1007/BF01593177
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).

As evidências reunidas por Snow não foram consideradas suficientes pelos membros da Sociedade Real de Medicina, nem convenceram as autoridades sanitárias locais. Na epidemia seguinte, a de 1853-1854, influenciado pelos dados produzidos por William Farr - que mostraram maior risco de infecção na área do distrito Sul, que era abastecido por duas companhias, uma das quais havia modificado o local de captação para uma área menos poluída -, Snow conduziu um inquérito casa a casa, evidenciando assim um risco maior nas casas atendidas pela companhia que captava água na área mais poluída. Além disso, os dados recolhidos no surto da Broad Street, no Soho, também foram mais sólidos que os anteriormente apresentados. Essa nova publicação de Snow praticamente inverteu o jogo, tornando muitos anticontagionistas partidários da teoria do contágio no caso da cólera (Eyler, 1973EYLER, J. M. William Farr on the cholera: the sanitarian’s disease theory and the statistician’s method. Journal of History of Medicine and Allied Sciences, Oxford, v. 28, n. 2, p. 79-100, 1973. DOI: 10.1093/jhmas/xxviii.2.79
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; Underwood, 1948UNDERWOOD, E. A. The history of cholera in Great Britain. Proceedings of the Royal Society of Medicine, London, v. 41, n. 5, p. 338, 1948. Disponível em: <Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2184374/pdf/procrsmed00524-0035.pdf >. Acesso em: 8 jan. 2024.
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; Snow, 1990SNOW, J. Sobre a maneira de transmissão do cólera. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1990.).

Tanto os trabalhos de Farr quanto os de Snow mostram que a epidemiologia forneceu às investigações de surtos e epidemias uma metodologia de análise e ferramentas de quantificação dos riscos que não haviam sido utilizadas anteriormente. Farr, em seus trabalhos iniciais, utilizou as ferramentas da epidemiologia descritiva para analisar a distribuição dos óbitos no tempo, no espaço e segundo características populacionais, enquanto Snow buscou caracterizar cada um dos surtos por meio da análise de informações individualizadas, mapeando as residências dos casos e óbitos, investigando a fonte da água de abastecimento em cada caso e analisando situações que fugiam do esperado, como a cervejaria e a workhouse não afetadas durante o surto da Broad Street, ambas abastecidas por poços artesianos (Underwood, 1948UNDERWOOD, E. A. The history of cholera in Great Britain. Proceedings of the Royal Society of Medicine, London, v. 41, n. 5, p. 338, 1948. Disponível em: <Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2184374/pdf/procrsmed00524-0035.pdf >. Acesso em: 8 jan. 2024.
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; Snow, 1990SNOW, J. Sobre a maneira de transmissão do cólera. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1990.).

A observação epidemiológica em 1831, 1848 e 1853 permitiu aos sanitaristas ingleses perceber que as epidemias se moviam em etapas sucessivas, seguindo rotas comerciais e linhas de comunicação, chegando à Inglaterra sempre um ano depois de chegar ao continente europeu. Entre 1857 e 1866, houve considerável melhoria na organização sanitária inglesa, com controle da qualidade da água de abastecimento e controle dos portos para impedir o desembarque de doentes. Foram adotadas medidas de vigilância sanitária, isolamento de doentes e desinfecção (Underwood, 1948UNDERWOOD, E. A. The history of cholera in Great Britain. Proceedings of the Royal Society of Medicine, London, v. 41, n. 5, p. 338, 1948. Disponível em: <Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2184374/pdf/procrsmed00524-0035.pdf >. Acesso em: 8 jan. 2024.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; Hardy, 1993HARDY, A. Cholera, quarantine and the English preventive system, 1850-1895. Medical History, London, v. 37, n. 3, p. 250-259, 1993. DOI:10.1017/s0025727300058440
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).

Em 1851, foi realizada em Paris a Primeira Conferência Sanitária Internacional, para examinar a posição europeia contra a cólera. No continente, predominava a defesa da quarentena e dos cordões sanitários, à qual a Inglaterra se opunha frontalmente.

Aos poucos, a experiência inglesa, baseada na vigilância e monitoramento das notificações, isolamento dos doentes, desinfecção domiciliar e melhorias urbanas foi se impondo, passando a ser amplamente aceita no continente. Na Sétima Conferência Sanitária Internacional, ocorrida em Veneza, no ano de 1892, prevaleceu a posição inglesa do abandono das quarentenas e adoção das medidas de vigilância sanitária, aprimoramento dos sistemas de abastecimento de água e medidas de vigilância epidemiológica, como isolamento dos casos sintomáticos e desinfecção domiciliar (Hardy, 1993HARDY, A. Cholera, quarantine and the English preventive system, 1850-1895. Medical History, London, v. 37, n. 3, p. 250-259, 1993. DOI:10.1017/s0025727300058440
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).

Nas últimas décadas do século XIX, as descobertas de Louis Pasteur e Robert Koch, que deram início à microbiologia, modificam o sentido dos surtos e epidemias de doenças contagiosas, acelerando a identificação das etiologias específicas e deixando de lado a preocupação anterior de caracterizar o contexto local.

Portanto, a emergência da epidemiologia como disciplina científica no âmbito da saúde pública modificou a maneira de abordar os surtos e epidemias, fornecendo uma metodologia de análise que permitia considerar as distribuições temporal, espacial e segundo pessoas afetadas, que auxiliavam a identificação dos modos de transmissão e orientavam a investigação de hipóteses sobre o processo.

Século XX

No início do século XX, há, por parte de alguns epidemiologistas, a preocupação em não perder de vista os determinantes sociais das doenças epidêmicas diante da avalanche das descobertas microbiológicas, que ameaçavam isolar completamente os aspectos contextuais tanto do conhecimento quanto da prática da saúde pública.

Logo na primeira década no século XX, a investigação da pelagra na Carolina do Sul constituiu um exemplo da preservação dos princípios da medicina social na investigação das doenças. Os casos de pelagra eram considerados infeciosos e tentou-se encontrar o agente etiológico da doença. É importante destacar que não se conheciam as vitaminas, nem os efeitos perniciosos da sua falta. Joseph Goldberger logo descartou a hipótese de doença infecciosa, observando que, nos orfanatos e outras instituições de longa permanência, apenas os internados eram afetados, não havendo casos entre os profissionais nem entre os funcionários em geral (Goldbergerg; Wheeler; Sydenstricker, 1920GOLDBERGER, J.; WHEELER, G. A.; SYDENSTRICKER, E. A study of the relation of family income and other economic factors to pellagra incidence in seven cotton-mill villages of South Carolina in 1916. Public Health Reports, Washington, DC, v. 35, n. 46, p. 2673-2714, 1920. DOI: 10.2307/4575780
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).

Para investigar as possíveis causas da pelagra, Goldberger planejou uma ampla investigação com o auxílio de Edgar Sydenstricker, economista e estatístico com experiência em inquéritos domiciliares. Foram estudadas sete vilas dedicadas à indústria do algodão na Carolina do Sul. O inquérito populacional incluiu características demográficas, sociais e econômicas, além de busca ativa de casos, de casa em casa, a cada duas semanas. Foram usadas taxas padronizadas por idade e sexo para comparação de resultados entre as vilas. A análise da prevalência pelos níveis de renda mostrou risco inversamente proporcional (Goldberger; Wheeler; Sydenstricker, 1920GOLDBERGER, J.; WHEELER, G. A.; SYDENSTRICKER, E. A study of the relation of family income and other economic factors to pellagra incidence in seven cotton-mill villages of South Carolina in 1916. Public Health Reports, Washington, DC, v. 35, n. 46, p. 2673-2714, 1920. DOI: 10.2307/4575780
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).

Assim, a conclusão principal da investigação foi que havia uma variedade evidente de fatores de natureza econômica que, por meio da influência sobre a dieta da população, condicionavam a incidência da pelagra nas comunidades estudadas (Goldberger; Wheeler; Sydenstricker, 1920GOLDBERGER, J.; WHEELER, G. A.; SYDENSTRICKER, E. A study of the relation of family income and other economic factors to pellagra incidence in seven cotton-mill villages of South Carolina in 1916. Public Health Reports, Washington, DC, v. 35, n. 46, p. 2673-2714, 1920. DOI: 10.2307/4575780
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).

Entretanto, o grande acontecimento em termos de doenças infecciosas nas primeiras décadas do século XX foi a pandemia de influenza de 1918, conhecida como “gripe espanhola”. Em todo lugar afetado pela pandemia, cerca de 25 a 40% da população foi infectada e a letalidade entre os casos sintomáticos foi maior do que 2,5% (Morabia, 2021MORABIA, A. The US public health service house-to-house canvass survey of the morbidity and mortality of the 1918 Influenza pandemic. American Journal of Public Health, New York, v. 111, n. 3, p. 438-445, 2021. DOI:10.2105/AJPH.2020.306025
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).

O serviço de saúde pública dos Estados Unidos da América (EUA) realizou um inquérito de base populacional para estimar a taxa de incidência e de mortalidade da pandemia de influenza em 18 cidades do país. O inquérito foi coordenado por Wade Hampton Frost, primeiro titular de epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins, e Edgar Sydenstricker, da Oficina Nacional de Estatística (Morabia, 2021MORABIA, A. The US public health service house-to-house canvass survey of the morbidity and mortality of the 1918 Influenza pandemic. American Journal of Public Health, New York, v. 111, n. 3, p. 438-445, 2021. DOI:10.2105/AJPH.2020.306025
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).

Foram entrevistados pouco mais de 146 mil moradores das cidades incluídas no inquérito. Sydenstricker desenhou uma amostra por conglomerados, sorteando 10 distritos nos quais todos os domicílios foram investigados. Assim, cada cidade produziu uma amostra de pelo menos 5 mil moradores. As taxas ajustadas por idade foram de 30 casos por 100 habitantes, 4,3 óbitos por mil habitantes e 1,7 óbitos por 100 casos clínicos. A incidência foi mais alta em crianças de cinco a nove anos e adultos jovens de 25 a 29 anos. Embora não tenha havido diferença na incidência entre os gêneros, a letalidade foi mais alta para os homens. Houve nítido gradiente da incidência, da mortalidade e da letalidade, inversamente proporcional ao nível socioeconômico (Tabela 1). O mesmo excesso de casos e óbitos foi observado na população negra (Morabia, 2021MORABIA, A. The US public health service house-to-house canvass survey of the morbidity and mortality of the 1918 Influenza pandemic. American Journal of Public Health, New York, v. 111, n. 3, p. 438-445, 2021. DOI:10.2105/AJPH.2020.306025
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).

Tabela 1
Incidência, mortalidade e letalidade por influenza segundo nível socioeconômico, EUA, 1918-1919

As medidas adotadas para a contenção da pandemia de influenza foram o distanciamento social, o uso obrigatório de máscaras, o isolamento de todos os casos clínicos, a notificação compulsória, a desinfecção e regras de higiene respiratória (Morabia, 2021MORABIA, A. The US public health service house-to-house canvass survey of the morbidity and mortality of the 1918 Influenza pandemic. American Journal of Public Health, New York, v. 111, n. 3, p. 438-445, 2021. DOI:10.2105/AJPH.2020.306025
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). É interessante comparar o nível de organização do serviço de saúde pública norte-americano com as descrições feitas por Lilia Schwarcz e Heloisa Starling (2020SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. A bailarina da morte: a gripe espanhola no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.) sobre a ocorrência da pandemia no Brasil. A forma como a pandemia foi encarada por aqui remete às investigações de epidemias descritas no século XVIII, ou seja, um conjunto de suposições sem muito fundamento prático ou científico, com tentativas das autoridades de negar as evidências, dificuldade em implementar medidas de controle e comportamento fatalista das autoridades e da população.

Na investigação do serviço nacional de saúde pública norte-americano, é possível identificar os métodos de análise da epidemiologia descritiva que, de modo geral, permanecem até hoje como os principais fundamentos das investigações de surtos e epidemias. O inquérito domiciliar é projetado para avaliar uma amostra representativa do país; as taxas ajustadas por idade são utilizadas para evitar vieses de seleção nas estimativas; e o comportamento da doença é descrito em relação a sua distribuição populacional segundo tempo, lugar e características das pessoas afetadas, enfatizando as desigualdades socioeconômicas, demográficas e étnicas.

Durante a primeira metade do século XX, houve uma profusão de pesquisas destinadas à compreensão do processo de transmissão de doenças e sua dinâmica populacional, o que estabeleceria as novas formas de realizar investigações. Aos poucos, foram sendo elaborados conhecimentos essenciais sobre modos de transmissão, período de incubação, período de transmissibilidade, fontes de infecção e suscetibilidade dos hospedeiros, todos eles necessários para a proposição de medidas de controle.

Em meados do século passado, com a urbanização e o crescimento das populações urbanas, os casos de poliomielite em sua forma paralítica passaram a produzir epidemias, principalmente nos meses de verão. O acometimento agudo de crianças pré-escolares ou escolares e as sequelas permanentes que a doença gerava caracterizaram-na como um problema prioritário. Os esforços para produzir vacinas eficazes resultaram na produção da vacina Salk, de vírus inativados, e da vacina Sabin, com vírus vivos atenuados (Oshinsky, 2005OSHINSKY, D. M. Polio: an American story. New York: Oxford University Press, 2005.).

O licenciamento da vacina Salk em 1958 possibilitou a realização de vacinação em larga escala, com a redução dos casos notificados, que no período de 1951 a 1954 tinham alcançado 24 mil casos ao ano, para cerca de mil casos em 1961. Vários pesquisadores consideravam que a vacina Salk, por ser uma vacina de vírus inativado, só seria capaz de proteger as crianças vacinadas e, portanto, a incidência só cairia se as coberturas alcançadas fossem muito altas. Outros pesquisadores, entretanto, esperavam que, se as coberturas fossem altas, poderia ocorrer um efeito de tamponamento que protegeria também os não vacinados, levando à eventual supressão da infecção na população (Stickle, 1964STICKLE, G. Observed and expected poliomyelitis in the US, 1958-1961. American Journal of Public Health and the Nation’s Health, New York, v. 54, n. 8, p. 1222-1229, 1964. DOI: 10.2105/ajph.54.8.1222
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). O conceito de imunidade de rebanho já havia sido formulado teoricamente com base em modelos aritméticos de exposição e suscetibilidade, mas não havia sido demonstrado empiricamente.

Em 1961, cerca de 78% da população menor de 20 anos estava vacinada com as três doses da vacina Salk, permitindo assim que fosse avaliada a existência ou não da imunidade de rebanho. Gabriel Stickle (1964STICKLE, G. Observed and expected poliomyelitis in the US, 1958-1961. American Journal of Public Health and the Nation’s Health, New York, v. 54, n. 8, p. 1222-1229, 1964. DOI: 10.2105/ajph.54.8.1222
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), médico e estatístico, desenvolveu um estudo capaz de responder a essa pergunta. Ele calculou o número de casos esperados de poliomielite, levando em conta o crescimento populacional e a eficácia segundo o número de doses recebidas, projetando a ocorrência de 8.471 casos em 1961. Comparando esse número ao que havia ocorrido no período pré-vacina, estimou uma redução de 65% na incidência da doença, que poderia ser atribuída ao uso da vacina. Entretanto, os casos notificados em 1961 foram apenas mil, mostrando redução efetiva de 96% na incidência. Desse modo, o autor pôde demonstrar empiricamente que a vacina, mesmo com vírus inativado, era capaz de produzir imunidade de rebanho, ou seja, uma proteção indireta aos não vacinados, por meio da redução de pessoas suscetíveis na população.

Ao longo do século XX, a investigação de surtos e epidemias foi importante instrumento tanto da produção de conhecimentos sobre a dinâmica das doenças transmissíveis quanto da intervenção prática com vistas ao seu controle, eliminação ou erradicação.

Com a criação da Organização Mundial da Saúde (OMS), vários programas verticais, destinados ao controle de determinadas doenças, haviam sido instituídos nos países membros, com maior ou menor sucesso, a depender da estrutura e do funcionamento dos sistemas de saúde pré-existentes. Exatamente pela precariedade de condições na maioria dos países, localizados fora do continente europeu e da América do Norte anglo-saxã, foram propostos programas verticais, instalados com auxílio técnico e, em parte, financiados com recursos dos organismos internacionais. No início da década de 1960, já haviam sido instituídos programas de erradicação da malária, da febre amarela, da ancilostomíase e da framboesia, todos sem grande sucesso, e os programas verticais passaram a ser criticados e vistos como prejudiciais ao desenvolvimento de uma rede de serviços de atenção básica (Henderson; Klepac, 2013HENDERSON, D. A.; KLEPAC, P. Lessons from the eradication of smallpox: an interview with D.A. Henderson. Philosophical Transactions of the Royal Society of London. Series B, Biological Sciences, London, v. 368, n. 1623, p. 20130113, 2013. DOI: 10.1098/rstb.2013.0113
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).

Apesar disso, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1958, e o governo dos Estados Unidos, em 1965, solicitaram à OMS que a Assembleia Geral discutisse uma proposta para a erradicação da varíola. Segundo os proponentes, a varíola apresentava algumas características que favoreceriam as iniciativas de erradicação: doença exclusivamente humana, vírus que não apresentava variações importantes, quadro clínico evidente, período de incubação com variação pequena e uma vacina eficaz, aplicável em dose única, estável e não necessitando de refrigeração no campo, capaz de ser aplicada com a chamada agulha bifurcada, que não exigia prática na utilização. Cada vacinador poderia aplicar até 500 doses de vacina diariamente e a imunidade conferida era duradoura, além de produzir uma cicatriz que permitiria verificar quem havia sido vacinado (Henderson; Klepac, 2013HENDERSON, D. A.; KLEPAC, P. Lessons from the eradication of smallpox: an interview with D.A. Henderson. Philosophical Transactions of the Royal Society of London. Series B, Biological Sciences, London, v. 368, n. 1623, p. 20130113, 2013. DOI: 10.1098/rstb.2013.0113
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).

Em 1966, a Assembleia Geral aprovou a proposta da campanha de erradicação, com duração estimada de 10 anos, calcada em dois componentes principais: vacinação sistemática de toda a população e vigilância epidemiológica ativa. A identificação de casos novos promovia o isolamento dos doentes e vacinações de bloqueio na área de residência, visando interromper a cadeia de transmissão. Havia 31 países com ocorrência endêmica de varíola quando o programa foi aprovado (Henderson; Klepac, 2013HENDERSON, D. A.; KLEPAC, P. Lessons from the eradication of smallpox: an interview with D.A. Henderson. Philosophical Transactions of the Royal Society of London. Series B, Biological Sciences, London, v. 368, n. 1623, p. 20130113, 2013. DOI: 10.1098/rstb.2013.0113
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).

Em 1973, restavam apenas cinco países endêmicos para varíola no mundo: Índia, Paquistão, Bangladesh, Nepal e Etiópia. Nesses países, foram instituídas atividades mais intensivas, incluindo a busca ativa de casos e a vacinação casa a casa, até que o último caso de varíola foi registrado na Somália em 1977.(Henderson; Klepac, 2013HENDERSON, D. A.; KLEPAC, P. Lessons from the eradication of smallpox: an interview with D.A. Henderson. Philosophical Transactions of the Royal Society of London. Series B, Biological Sciences, London, v. 368, n. 1623, p. 20130113, 2013. DOI: 10.1098/rstb.2013.0113
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). Todo o conhecimento que havia sido acumulado nas investigações de surtos e epidemias pôde ser colocado à disposição desse esforço mundial para a erradicação da varíola, o único caso de erradicação de uma doença, decorrente da intervenção humana.

A expertise acumulada na primeira metade do século XX foi de grande ajuda na investigação das doenças emergentes que se sucederam ao longo da segunda metade do século. As profundas e constantes transformações sociais têm sido acompanhadas da emergência de novas doenças transmissíveis, desafiando o conhecimento epidemiológico e a suposição de que a humanidade poderia viver sem elas. Na segunda metade do século XX, a população mundial experienciou a emergência da aids como a mais letal das doenças sexualmente transmissíveis, além de diversas febres hemorrágicas originadas em diferentes continentes (Barata, 1997BARATA, R. de C. B. O desafio das doenças emergentes e a revalorização da epidemiologia descritiva. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 31, n. 5, p. 531-537, 1997. DOI:10.1590/S0034-89101997000600015
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).

A epidemia de aids é emblemática para compreender a importância da investigação epidemiológica, capaz de orientar os serviços de saúde mesmo antes da identificação do agente etiológico, permitindo conhecer formas de transmissão, progressão e disseminação dos casos e grupos mais atingidos pela doença. A suspeita da presença de uma nova doença surgiu da observação de clusters de casos de imunodeficiência aguda em jovens que não apresentavam problemas imunológicos prévios ou a ocorrência de sarcoma de Kaposi em grupo etário e étnico distinto do habitual.

A partir da constatação de que algo fora do habitual estava acontecendo, o Centro de Controle de Doenças (CDC) passou a investigar os casos suspeitos para identificar o comportamento epidemiológico da doença e formular hipóteses sobre causas, modos de exposição, disseminação e grupos sob maior risco. A observação dos primeiros mil casos notificados identificou características importantes: tratava-se realmente de uma nova doença, com aumento acelerado de incidência desde o registro do primeiro caso em 1981, afetando indivíduos com idades entre 10 e 73 anos, com concentração no grupo de 30 a 39 anos, predominantemente do sexo masculino (99,9%). Os casos já haviam sido detectados em 32 estados estadunidenses, com maior concentração das notificações nas áreas metropolitanas de São Francisco, Los Angeles, Houston, Miami, Chicago, Newark, Boston e Nova York. Quase metade dos casos tinha pneumonia por Pneumocystis carinii, cerca de 25% tinham sarcoma de Kaposi, 10% dos casos apresentava ambas as manifestações e o restante exibia diferentes doenças oportunistas. Dos primeiros 269 casos conhecidos, 73% já haviam morrido no momento da análise dos dados, demonstrando alta letalidade (Jaffe; Bregman; Selik, 1983JAFFE, H. W.; BREGMAN, D. J.; SELIK, R. M. Acquired immune deficiency syndrome in the United States: the first 1,000 cases. The Journal of Infectious Diseases, Chicago, v. 148, n. 2, p. 339-345, 1983. DOI: 10.1093/infdis/148.2.339
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).

Havia várias hipóteses sobre as causas da nova doença, predominando suspeitas de intoxicação química ou doença infecciosa. As primeiras entrevistas com pacientes e seus contatos mais próximos parecia sugerir a possibilidade de uma doença de transmissão sexual, o que veio a se confirmar por meio da análise da rede de contato entre dezenas de pacientes e um comissário de bordo, denominado de paciente zero para sinalizar o nó principal da rede (Auerbach et al.,1984AUERBACH, D. M. et al. Cluster of cases of the acquired immune deficiency syndrome. Patients linked by sexual contact. The American Journal of Medicine, New York, v. 76, n. 3, p. 487-492, 1984. DOI: 10.1016/0002-9343(84)90668-5
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). Houve a ocorrência de muitos mal-entendidos acerca dessa designação, embora em nenhum momento os profissionais do CDC considerassem que esse fosse o caso índice da epidemia.

Os grupos que se mostravam sob maior risco eram homossexuais masculinos, bissexuais, hemofílicos, usuários de drogas e haitianos, conforme a classificação criada pelo CDC naquele momento. A presença dos hemofílicos e dos usuários de drogas entre os grupos mais afetados levantou a suspeita de que poderia haver transmissão através do sangue e hemoderivados. Houve muita resistência em aceitar essa possibilidade, antes da identificação de que de fato a doença era causada por um agente infeccioso, capaz de ser transmitido por meio de transfusões de sangue ou agulhas contaminadas, embora o CDC considerasse haver evidências suficientes de contaminação de usuários de drogas pelo compartilhamento de seringas e de hemofílicos pelo uso de fatores de coagulação obtidos de pool de doadores que incluía pessoas que desenvolveram aids (Curran et al., 1984CURRAN, J. W. et al. Acquired immunodeficiency syndrome (aids) associated with transfusions.The New England Medical Journal, Boston, v. 310, n. 2, p. 69-75, 1984. DOI:10.1056/NEJM198401123100201
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).

Todas essas investigações conduzidas pelo CDC permitiram avançar o conhecimento sobre a nova doença antes mesmo da identificação do seu agente causal, o que só ocorreu no final de 1984, pela equipe do Instituto Pasteur em Paris. O isolamento do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) permitiu o desenvolvimento de testes diagnósticos, fornecendo assim novas técnicas para a investigação da infecção.

Na investigação da epidemia de aids, além dos recursos tradicionais da epidemiologia descritiva, foram utilizados métodos de inquéritos sociológicos, como as redes sociais de relacionamento, e recursos laboratoriais que, após a identificação do vírus, puderam estender o escopo para os indivíduos infectados assintomáticos. Recursos semelhantes foram utilizados na investigação de inúmeras outras doenças emergentes, como o ebola vírus e outras viroses.

A emergência de novas doenças infecciosas epidêmicas com consequências relevantes para a sociedade, a economia e a segurança da população mundial renovou o interesse na epidemiologia de doenças transmissíveis, que ficara obscurecido por boa parte da segunda metade do século XX, quando muitos acreditaram que as epidemias e surtos eram coisas do passado, amplamente suplantadas pelas doenças crônicas no perfil epidemiológico em todo o mundo. Aas doenças emergentes nas últimas décadas do século XX produziram o renascimento intelectual dessa temática (Reingold, 1998REINGOLD, A. Outbreak investigations - a perspective. Emerging Infectious Diseases, Atlanta, v. 4, n. 1, p. 21-27, 1998. DOI:10.3201/eid0401.980104
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).

Ao longo da maior parte do século XX, as investigações de surtos e epidemias foram conduzidas com base na abordagem quantitativa da ocorrência e distribuição de eventos, definindo uma metodologia própria e combinando os conceitos relacionados à cadeia do processo infeccioso, da epidemiologia descritiva e dos inquéritos populacionais, ao laboratório de saúde pública e aos aspectos práticos das intervenções disponíveis para a interrupção do processo de transmissão.

Século XXI

Os processos de globalização que se intensificaram nas últimas décadas do século XX permaneceram atuantes no início do século XXI, conservando as condições propícias ao aparecimento de novas doenças que, com o potencial de mobilização das populações mundialmente e o encurtamento relativo das distâncias - resultando na intensificação do tráfego aéreo internacional -, representam um desafio constante para a saúde global.

Um episódio no qual o Brasil foi protagonista, a emergência das grandes epidemias de zika vírus nos países latino-americanos, marcou uma nova etapa nas investigações de surtos e epidemias, na qual, além dos recursos normalmente mobilizados pela epidemiologia, redes de pesquisadores de diferentes disciplinas do campo biológico e da saúde foram rapidamente mobilizadas.

O vírus zika havia sido identificado em 1947 nas florestas de Uganda, produzindo casos esporádicos oligossintomáticos sem demonstrar potencial epidêmico. A primeira manifestação epidêmica foi observada na Micronésia em 2007, seguida de epidemia na Polinésia Francesa em 2013, na qual houve alta taxa de ataque viral e casos de Guillain-Barré (acometimento reversível do sistema nervoso periférico) posteriormente associados à doença. Aparentemente, nesse mesmo ano o vírus chegou ao Brasil, trazido por uma equipe de jogadores de futebol do Taiti que participaram da Copa das Confederações em Recife, além de outros viajantes provenientes de áreas de circulação do vírus (Vogel, 2016VOGEL, G. Don’t blame sports for Zika’s spread. Science, Washington, DC, 2016. DOI: 10.1126/science.aaf9828
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).

Cerca de um ano depois, em novembro de 2014, ocorre uma epidemia de doença exantemática no Nordeste brasileiro, caracterizada por exantema, artralgia, edemas articulares e conjuntivite, sem febre alta e com exames negativos para dengue e chikungunya. Alguns médicos do Rio Grande do Norte suspeitam de zika vírus e, em fevereiro de 2015, é reconhecida oficialmente a epidemia da doença no país (Zanluca et al., 2015ZANLUCA, C. et al. First report of autochthonous transmission of Zika virus in Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 110, n. 4, p. 569-572, 2015. DOI: 10.1590/0074-02760150192
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). Em Pernambuco, começa a ser notada a ocorrência de casos de acometimento do sistema nervoso em alguns pacientes (Guillain-Barré, meningoencefalite e encefalomielite). Em agosto de 2015, duas neuropediatras de hospitais públicos em Recife observam o aumento de casos de microcefalia de causa desconhecida em recém-nascidos.

As equipes de investigação epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde de Pernambuco iniciam a busca ativa de casos de microcefalia nas maternidades de referência para gestações de alto risco, detectando 29 casos. Nesse momento, é formulada a hipótese de associação entre microcefalia e infecção materna pelo zika vírus, baseada na observação do cluster espaço-temporal, nas alterações neurológicas comuns aos casos, nos relatos de sintomas compatíveis com infecção pelo zika vírus no primeiro trimestre da gestação e na demonstração laboratorial de tropismo do vírus por células do sistema nervoso central. A confirmação do RNA viral no líquido amniótico de duas parturientes em que se constatou microcefalia nos fetos reforçou ainda mais as suspeitas clínicas e epidemiológicas (Calvet et al., 2016CALVET, G. et al. Detection and sequencing of Zika virus from amniotic fluid of fetuses with microcephaly in Brazil: a case study. Lancet Infectious Diseases , New York, v. 16, n. 6, p. 653-660, 2016. DOI:10.1016/S1473-3099(16)00095-5
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).

Diante disso, o Ministério da Saúde declarou emergência de saúde pública, instituindo um sistema de notificação de microcefalias e uma força tarefa para investigar a associação. As controvérsias entre especialistas começam a surgir já na definição de casos suspeitos baseada no perímetro craniano, com discordâncias entre grupos que pretendem definir uma única medida e aqueles que defendem o uso das curvas de crescimento para diferenciar situações, além do debate em torno dos pontos de corte a serem adotados.

Outra controvérsia importante surge entre a Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM) e os membros do Estudo Colaborativo Latino-Americano de Malformações Congênitas (ECLAMC). A SBGM defende a associação entre a infecção pelo zika vírus e a ocorrência de microcefalia, elencando as evidências disponíveis em janeiro de 2016: os dois casos mencionados de identificação do vírus no líquido amniótico, 35 casos nos quais as mães haviam vivido ou estado em áreas epidêmicas durante o início da gestação, e 74% de mães com sintomas compatíveis nos dois primeiros trimestres da gestação, informações estas de estudo caso-controle conduzido no processo de investigação da epidemia (Schuler-Faccini et al., 2016SCHULER-FACCINI, L. et al. Possible association between zika virus infection and microcephaly - Brazil, 2015. Morbidity and mortality weekly report, Atlanta, v. 65, n. 3, p. 59-62, 2016. DOI: 10.15585/mmwr.mm6503e2
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). Já os membros do ECLAMC alegam que o aumento dos casos de microcefalia pode ser apenas resultado de uma melhora no registro dos eventos, sem qualquer conexão com a epidemia, uma vez que, até então, não havia registro dessa ocorrência em epidemias anteriores. Nesse episódio, é nítida a diferença entre o raciocínio epidemiológico de base populacional e o raciocínio clínico baseado em observações individuais. Os membros do ECLAMC não levaram em consideração o fato de que até então as epidemias ocorridas em ilhas e arquipélagos com populações pequenas não haviam atingido proporções que possibilitassem o registro de eventos relativamente raros, como a microcefalia.

Para investigar a relação de causalidade entre exposição ao vírus da zika durante a gestação e a ocorrência de microcefalia, pesquisadores de diversas instituições de pesquisa de Pernambuco realizaram um estudo caso-controle, que demonstrou maior risco presente entre mães pretas ou pardas (OR=3,5), fumantes (OR=3,2) e expostas ao vírus. Todos os casos e nenhum dos controles tinham confirmação laboratorial para infecção pelo zika vírus. Não houve associação entre a microcefalia e as vacinas recebidas pelas mães durante a gestação, exposição a larvicidas usados no controle vetorial (na água de abastecimento ou em outro local do domicílio), uso diário de repelentes ou exposição ocupacional a pesticidas (Araujo et al., 2016ARAÚJO, T. V. B. et al. Association between zika virus infection and microcephaly in Brazil, January to May, 2016: preliminary report of a case-control study. Lancet Infectious Diseases, New York, v. 16, n. 12, p. 1356-1363, 2016. DOI:10.1016/S1473-3099(16)30318-8
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).

A zika pode ser considerada como a primeira pandemia de malformações congênitas produzidas por um agente infeccioso transmitido por vetor. Além disso, sua ocorrência constitui o primeiro relato de transmissão congênita de uma arbovirose em humanos, e também a primeira constatação de transmissão sexual de uma arbovirose (Paixão et al.,2016PAIXÃO, E. S. et al. History, epidemiology, and clinical manifestations of Zika: a systematic review. American Journal of Public Health , New York, v. 106, n. 4, p. 606-612, 2016. DOI:10.2105/AJPH.2016.303112
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).

No entanto, o século XXI está apenas começando, e parece que não vamos deixar de nos assombrar com as surpresas que ele nos reserva. Ainda estamos vivendo a pandemia da covid-19, que alterou a vida em todos os continentes de um modo inesperado e avassalador.

O que mais chama a atenção no episódio que estamos vivendo é uma aparente volta ao final do século XIX, em que a identificação rápida e pronta do agente etiológico substituiu os esforços de investigação epidemiológica capazes de responder perguntas relativas ao comportamento populacional da doença. Os argumentos apresentados giravam em torno da impossibilidade de identificar os processos de disseminação, dado que não se tratava de um surto restrito, mas de uma ampla pandemia com transmissão comunitária. Felizmente, isso nunca impediu, em epidemias anteriores, que a epidemiologia providenciasse sua contribuição na compreensão dos fenômenos e pudesse ampliar o conhecimento e capacidade de intervenção.

Não está muito claro em que momento se passou a achar que modelos matemáticos imperfeitos, baseados em dados escassos e muito desconhecimento, poderiam substituir a investigação de epidemias em sua ocorrência real, com todas as imperfeições que sempre marcaram essa tarefa ao longo dos séculos.

Mais recentemente, têm sido produzidos alguns estudos de epidemiologia descritiva sobre a pandemia da covid-19, o que tem nos ajudado a entender sua dinâmica e distribuição populacional. Na cidade de São Paulo, um grupo de pesquisadoras analisou os óbitos por covid-19 registrados entre março e setembro de 2020, durante a primeira onda da pandemia, apontando maior risco para homens (RR=1,84), pretos (RR=1,77) e pardos (RR=1,42), residentes de áreas com menor proporção de pessoas com educação superior, maior aglomeração intradomiciliar, menor renda familiar e maior concentração de favelas (Ribeiro et al., 2021RIBEIRO, K. B. et al. Social inequalities and covid-19 mortality in the city of São Paulo, Brazil. International Journal of Epidemiology , London, v. 50, n. 3, p. 732-742, 2021. DOI: 10.1093/ije/dyab022
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). Como é comum em todas as epidemias, a incidência e a mortalidade não foram iguais para todos os grupos sociais, afetando de modo desproporcional aqueles grupos em maior desvantagem social ou pertencentes às classes sociais com pior inserção na sociedade.

Neste breve recorrido histórico, procurou-se retratar como as investigações de surtos e epidemias foram se modificando ao longo dos séculos, incorporando diferentes saberes disciplinares do campo da saúde - especialmente da saúde pública e da saúde coletiva - e buscando sempre identificar agentes etiológicos, fontes de infeção, modos de transmissão e grupos mais afetados, a fim de propor e instituir medidas de controle e contenção da disseminação dos casos.

Finalizo este ensaio com uma citação, de Michel Foucault (1977FOUCAULT, M. O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1977., p. 27), que retrata bem o desafio das investigações de surtos e epidemias:

[…] A epidemia tem uma espécie de individualidade histórica. Daí a necessidade de usar com ela um método complexo de observação. Fenômeno coletivo, ela exige um olhar múltiplo; processo único, é preciso descrevê-la no que tem de singular, acidental e imprevista.

Referências

  • ACKERKNECHT, E. H. Anticontagionism between 1821 and 1867: the Fielding H. Garrison lecture. 1948. International Journal of Epidemiology, London, v. 38, n. 1, p. 7-21, 2009. DOI:doi.org/10.1093/ije/dyn254=
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  • ARAÚJO, T. V. B. et al. Association between zika virus infection and microcephaly in Brazil, January to May, 2016: preliminary report of a case-control study. Lancet Infectious Diseases, New York, v. 16, n. 12, p. 1356-1363, 2016. DOI:10.1016/S1473-3099(16)30318-8
    » https://doi.org/10.1016/S1473-3099(16)30318-8
  • UNDERWOOD, E. A. The history of cholera in Great Britain. Proceedings of the Royal Society of Medicine, London, v. 41, n. 5, p. 338, 1948. Disponível em: <Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2184374/pdf/procrsmed00524-0035.pdf >. Acesso em: 8 jan. 2024.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2023
  • Aceito
    22 Ago 2023
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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