Barreiras e facilitadores do enfrentamento de HIV/aids e sífilis por venezuelanas residentes no Brasil

Barriers and facilitators to confronting HIV/aids and syphilis experienced by Venezuelan women living in Brazil

Factores facilitadores y barreras que tienen las mujeres venezolanas residentes en Brasil respecto de la infección por el VIH/sida y la sífilis

Helaine Jacinta Salvador Mocelin Sonia Vivian de Jezus Leticya dos Santos Almeida Negri Bárbara Juliana Pinheiro Borges Adriana Ilha da Silva Ethel Leonor Noia Maciel Sobre os autores

RESUMO

Objetivo.

Descrever a percepção de mulheres venezuelanas sobre o acesso aos serviços de saúde, ao diagnóstico e ao tratamento de HIV/aids e sífilis no Brasil.

Métodos.

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa, realizado no período de fevereiro a maio de 2021 nos municípios de Manaus, estado do Amazonas, e Boa Vista, estado de Roraima. As entrevistas com as participantes foram transcritas na íntegra, com levantamento de temas a partir de análise de conteúdo.

Resultados.

Foram entrevistadas 40 mulheres (20 em Manaus e 20 em Boa Vista). A partir da transcrição e tradução das falas, foram identificadas duas categorias de análise de conteúdo: barreiras de acesso aos serviços de saúde, com quatro subcategorias — idioma, custos com saúde, reações adversas ao medicamento e pandemia de covid-19; e facilitadores do acesso, com quatro subcategorias — Sistema Único de Saúde, Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, Política Nacional de Assistência Social e relação entre profissional de saúde e usuária do Sistema Único de Saúde.

Conclusão.

Os resultados mostraram a necessidade de elaborar estratégias para mitigar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres migrantes da Venezuela residentes no Brasil quanto ao diagnóstico e tratamento de HIV/aids e sífilis, indo além do amparo à saúde garantido pela lei.

Palavras-chave
Infecções sexualmente transmissíveis; migrantes; acesso universal aos serviços de saúde; saúde da mulher; Brasil

ABSTRACT

Objective.

To describe the perception of Venezuelan women regarding access to health care, diagnosis, and treatment of HIV/aids and syphilis in Brazil.

Method.

This is a descriptive, exploratory study employing a qualitative approach, performed from February to May 2021 in the municipalities of Manaus, state of Amazonas, and Boa Vista, state of Roraima. The interviews with participants were fully transcribed, with identification of themes based on content analysis.

Results.

Forty women were interviewed (20 in Manaus and 20 in Boa Vista). Following transcription and translation of the accounts, two analytical categories were identified: barriers to healthcare access, with four subcategories — language, cost, adverse drug reactions, and COVID-19 pandemic; and facilitators of healthcare access, again with four subcategories — Unified Health System (SUS), National Policy of Comprehensive Women’s Health, National Social Assistance Policy, and relationship between healthcare professionals and SUS users.

Conclusion.

The results showed the need to design strategies to mitigate the difficulties faced by migrant women from Venezuela living in Brazil regarding the diagnosis and treatment of HIV/aids and syphilis, going beyond the healthcare support guaranteed by law.

Keywords
Sexually transmitted diseases; transients and migrants; universal access to health care services; women’s health; Brazil

RESUMEN

Objetivo.

Describir la percepción de las mujeres venezolanas sobre el acceso a los servicios de salud, al diagnóstico y al tratamiento de la infección por el VIH/sida y la sífilis en Brasil.

Métodos.

Se trata de un estudio descriptivo y exploratorio, con enfoque cualitativo, realizado entre febrero y mayo del 2021 en los municipios de Manaos, estado de Amazonas, y Boa Vista, estado de Roraima. Las entrevistas con las participantes se transcribieron en su totalidad, y se exploraron los puntos de interés según el análisis del contenido.

Resultados.

Se entrevistaron 40 mujeres (20 en Manaos y 20 en Boa Vista). A partir de la transcripción y la traducción de las conversaciones, se establecieron dos categorías para el análisis del contenido: las barreras de acceso a los servicios de salud (subcategorías: idioma, costos relacionados con la salud, reacciones adversas a los medicamentos y pandemia de COVID-19); y los factores facilitadores del acceso (cuatro subcategorías: Sistema Único de Salud, Política nacional de Atención Integral a la Salud de la Mujer, Política Nacional de Asistencia Social y relación entre los profesionales de salud y las usuarias del Sistema Único de Salud).

Conclusión.

Los resultados mostraron la necesidad de formular estrategias para mitigar las dificultades que enfrentan las mujeres migrantes de Venezuela residentes en Brasil en relación con el diagnóstico y el tratamiento de la infección por el VIH/sida y la sífilis, más allá de la protección de la salud garantizada por la ley.

Palabras clave
Enfermedades de transmisión sexual; migrantes; acceso universal a los servicios de salud; salud de la mujer; Brasil

Entre os diversos fenômenos migratórios que ocorrem globalmente, destaca-se a dispersão massiva da população venezuelana (11. Crasto TC, Álvarez MR. Percepciones sobre la migración venezolana: causas, España como destino, expectativas de retorno. Migr. 1970;41:133-63. doi: 10.14422/mig.i41.y2017.006
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, 22. Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Os Warao no Brasil: contribuições da antropologia para a proteção de indígenas refugiados e migrantes. Genebra: ACNUR; 2021. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2021/04/WEB-Os-Warao-no-Brasil.pdf Acessado em 2 de março de 2022.
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), decorrente de uma grave crise humanitária motivada por questões políticas, econômicas e sociais naquele país. Um dos destinos dessa população é o Brasil, devido à proximidade da fronteira da Venezuela com os estados de Roraima e Amazonas (22. Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Os Warao no Brasil: contribuições da antropologia para a proteção de indígenas refugiados e migrantes. Genebra: ACNUR; 2021. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2021/04/WEB-Os-Warao-no-Brasil.pdf Acessado em 2 de março de 2022.
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, 33. Simões GF. Perfil sociodemográficos e laboral da imigração venezuelana no Brasil. Curitiba: Editora CRV; 2017.). Dados fornecidos pela Organização Internacional para as Migrações estimam que mais de 5 milhões de venezuelanos tenham deixado a Venezuela até 2020, e que cerca de 262 500 tenham ingressado no Brasil, inclusive mulheres e crianças (44. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Crise migratória venezuelana no Brasil. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/crise-migratoria-venezuelana-no-brasil Acessado em 2 de fevereiro de 2022.
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5. Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Documento de orientação sobre migração e saúde. 2019.
-66. Organização Internacional do Trabalho. Relatório sobre migração de palavras 2018. 2018;1:364. Disponível em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/dados_anuais/RELATORIO_ANUAL_2018.pdf Acessado em 8 de fevereiro de 2022.
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).

No percurso migratório, fatores socioculturais e econômicos e barreiras de acesso aos cuidados de saúde contribuem para o desamparo das mulheres quanto à saúde sexual e reprodutiva (SSR) (77. Metusela C, Ussher J, Perz J, Hawkey A, Morrow M, Narchal R, et al. “In my culture, we don't know anything about that”: sexual and reproductive health of migrant and refugee women. Int J Behav Med. 2017;24(6):836-45. doi: 10.1007/s12529-017-9662-3
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). A baixa utilização de serviços de SSR pode tornar as mulheres vulneráveis a gravidez indesejada, HIV/aids e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), com aumento de morbidade e mortalidade materna e violência sexual (88. Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Manual de procedimentos e critérios para a determinação da condição de refugiado de acordo com a convenção de 1951 e o protocolo de 1967 relativo ao estatuto dos refugiados. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2018/02/Manual_de_procedimentos_e_crit%C3%A9rios_para_a_determina%C3%A7%C3%A3o_da_condi%C3%A7%C3%A3o_de_refugiado.pdf Acessado em 21 de fevereiro de 2022.
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9. Ward J, Marsh M. Sexual violence against women and girls in war and its aftermath: realities, responses, and required resources. Bruxelas: Symposium on Sexual Violence in Conflict and Beyond; 2006. Disponível em: https://www.svri.org/sites/default/files/attachments/2016-01-15/CCEF504C15AB277E852571AB0071F7CE-UNFPA.pdf Acessado em 9 de maio de 2021.
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10. Jamieson DJ, Meikle SF, Hillis SD, Mtsuko D, Mawji S, Duerr A. An evaluation of poor pregnancy outcomes among Burundian refugees in Tanzania. JAMA. 2000;283(3):397-402. doi: 10.1001/jama.283.3.397
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-1111. McGinn T, Austin J, Anfinson K, Amsalu R, Casey SE, Fadulalmula SI, et al. Family planning in conflict: results of cross-sectional baseline surveys in three African countries. Confl Health. 2011;5:11. doi: 10.1186/1752-1505-5-11
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).

Estima-se que aproximadamente 37,6 milhões de pessoas em todo o mundo vivam com HIV/aids e que 12 milhões de pessoas em todo o mundo vivam com sífilis. No Brasil, estima-se que 330 mil mulheres vivam com HIV/aids e aproximadamente 31 mil, com sífilis (1212. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS). Communities at the centre: defending rights, breaking barriers, reaching people with HIV services. Genebra: UNAIDS; 2019. Disponível em: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/2019-global-AIDS-update_en.pdf Acessado em 29 de setembro de 2022.
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, 1313. Brasil, Ministério da Saúde. Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br Acessado em 23 de fevereiro de 2022.
https://www.gov.br/aids/pt-br...
). As mulheres migrantes estão expostas a um conjunto de fatores que as tornam mais vulneráveis às ISTs, entre eles a exposição a ambientes propícios a comportamentos de alto risco, o exercício de trabalho como profissional do sexo e a exposição à violência sexual (1414. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS). UNAIDS e OIM promovem acesso a serviços de HIV para migrantes. 2017. Disponível em: https://unaids.org.br/2017/12/unaids-e-oim-promovem-acesso-servicos-de-hiv-para-migrantes-e-populacoes-afetadas-por-crises/ Acessado em 12 de janeiro de 2022.
https://unaids.org.br/2017/12/unaids-e-o...
). Soma-se a isso o acesso limitado a serviços e informações de saúde devido à condição migratória. Diante desse cenário, o objetivo deste estudo foi investigar e descrever a percepção de mulheres venezuelanas migrantes e residentes no Brasil sobre as barreiras e os facilitadores de acesso aos serviços de saúde, ao diagnóstico e ao tratamento de HIV/aids e sífilis no Brasil.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foi realizado um estudo descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa, nos municípios de Manaus, no estado do Amazonas, e Boa Vista, no estado de Roraima. A cidade de Boa Vista foi selecionada devido à proximidade da sua fronteira com a Venezuela e por ser o principal ponto de entrada de venezuelanos no Brasil desde 2017. Manaus foi selecionada pelo número expressivo de venezuelanos que se instalaram no município, o que levou à implementação de um plano de atenção à saúde das famílias indígenas venezuelanas que estavam em situação de rua. Posteriormente, o plano foi estendido a todos os venezuelanos, visto que o número de imigrantes aumentou consideravelmente (1515. Prefeitura Municipal de Manaus, Secretaria Municipal de Saúde. Plano de ação anual/2019: atenção primária em saúde aos migrantes venezuelanos em Manaus. Manaus: Prefeitura Municipal de Manaus; 2019.).

O recrutamento de participantes ocorreu por intermédio de profissionais de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), que abordaram venezuelanas elegíveis para o estudo atendidas nos serviços de saúde pública dos municípios participantes durante a consulta para o diagnóstico e/ou tratamento. As mulheres que demonstraram interesse em participar foram posteriormente contatadas pelos pesquisadores para confirmação dos critérios de inclusão: ser mulher venezuelana com HIV/aids e/ou sífilis, residente em Manaus ou Boa Vista e assinar um termo de consentimento livre e esclarecido e de aceitação. Foram excluídas do estudo as participantes cujas condições de saúde impossibilitaram a entrevista ou cujos contatos telefônicos ou endereços não foram encontrados.

O critério para definir o número de participantes da pesquisa se deu pelo método de saturação de dados. Nesse método, a coleta de dados é interrompida quando se constata que elementos novos para subsidiar a teorização almejada não são mais depreendidos a partir do campo de observação, ou seja, considera-se haver saturação empírica quando o pesquisador estabelece quais dados são necessários e suficientes para responder às questões norteadoras da pesquisa (1616. Minayo MCS, Deslandes SF, Neto OC, Gomes R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 21ª ed. Petrópolis: Editora Vozes; 2002.). A partir disso, foram incluídas 40 mulheres venezuelanas diagnosticadas com HIV/aids e/ou sífilis.

A equipe de pesquisa contou com 10 pesquisadores do centro coordenador, no Laboratório de Epidemiologia (LABEPI) da Universidade Federal do Espírito Santo, duas pesquisadoras de Manaus e duas pesquisadoras de Boa Vista. Todos os pesquisadores seguiram as recomendações internacionais e realizaram cursos de metodologia científica on-line (como redigir um protocolo de pesquisa e um artigo científico) e um curso de boas práticas clínicas. Além disso, foi realizado treinamento anterior ao início da coleta de dados. Os entrevistadores dominavam a língua espanhola.

Os supervisores de campo receberam treinamento prévio dos pesquisadores e assistentes do estudo. Esse treinamento uniformizou a abordagem dos participantes, reduzindo vieses, garantindo que a equipe conhecesse os métodos aplicados no estudo e os motivos de sua aplicação.

Durante o período de convite e inclusão de participantes na pesquisa, algumas mulheres venezuelanas recusaram a participação por motivos como preconceito e estigma. Para as que aceitaram participar, antes de ser iniciada a entrevista, foram explicados os termos de consentimento e coletadas as assinaturas.

Para a coleta de dados, as entrevistas foram realizadas por meio de um roteiro semiestruturado, incluindo as seguintes questões norteadoras: a) fale sobre a sua saúde até o momento do diagnóstico e tratamento de HIV/aids e/ou sífilis antes de chegar no Brasil; e b) fale sobre o serviço de atenção primária à saúde (APS) para o diagnóstico e tratamento da doença atual (HIV/aids e/ou sífilis) no Brasil. Também foram coletados dados sociodemográficos.

As entrevistas foram realizadas individualmente, no período de fevereiro a maio de 2021, em local conveniente para as participantes. A duração de cada entrevista foi de aproximadamente 5 a 15 minutos. Garantiram-se proteção da privacidade e confidencialidade, com áudio gravado somente após autorização das entrevistadas. As entrevistas foram conduzidas no idioma de melhor entendimento das participantes, nesse caso o espanhol, e posteriormente traduzidas para português. O anonimato das participantes foi garantido pela substituição das informações pessoais por um código composto pelas iniciais AMV, para as residentes de Manaus, e RRV, para as de Boa Vista, seguidas de três dígitos (iniciando em 001 e alcançando 020 em cada cidade).

Devido ao contexto da pandemia de covid-19, foi reservado para a entrevista um ambiente arejado, com distanciamento seguro, e foram disponibilizadas máscaras de proteção e álcool gel para a higienização das mãos. A equipe de pesquisa fez uso de equipamento de proteção individual, conforme protocolos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, para evitar a disseminação da covid-19 (1717. Agência Nacional de Vigilância Epidemiológica (ANVISA). Nota técnica GVIMS/GGTES/ANVISA nº 07 de 2020: orientações para prevenção e vigilância epidemiológica das infecções por SARS-CoV-2 (COVID-19) dentro dos serviços de saúde. Brasília: ANVISA; 2020. Disponível em: http://covid19.cff.org.br/wp-content/uploads/2022/03/NT-07-2020_COVID-em-servicos-saude_atualizada-em_09.03.2022.pdf Acessado em 10 de março de 2022.
http://covid19.cff.org.br/wp-content/upl...
).

Plano de análise

As entrevistas foram transcritas na íntegra e analisadas manualmente pela técnica de análise de conteúdo temática, que consiste na categorização, inferência, descrição e interpretação dos dados. A categorização requer conhecimento para estabelecer um plano de classificação adequado; a inferência ocorre quando há dedução lógica do conteúdo analisado; a descrição consiste nas características presentes no texto, resumidas após o tratamento analítico; e a interpretação é o significado atribuído a essas características (1616. Minayo MCS, Deslandes SF, Neto OC, Gomes R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 21ª ed. Petrópolis: Editora Vozes; 2002.). Os resultados foram agrupados em duas categorias analíticas empíricas que emergiram a partir da leitura e avaliação dos dados coletados, não tendo sido definidas a priori.

Aprovação ética

O estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (CONEP) sob o parecer nº 4.692.127 (CAAE 28963120.4.0000.5060) e pelo Comitê de Revisão de Ética (PAHOERC) da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) (número de referência PAHOERC 0217.02).

RESULTADOS

Foram entrevistadas 40 mulheres venezuelanas, com o seguinte perfil socioeconômico: 32 mulheres (80%) se autodeclararam pretas e pardas, 22 (55%) tinham idade entre 20 e 30 anos e 18 (45%) possuíam ensino médio completo, sendo que apenas uma mulher possuía ensino superior completo.

FIGURA 1.
Matriz de análise de barreiras e facilitadores do acesso a serviços de saúde por venezuelanas residentes no Brasil, 2021

A análise das falas revelou duas categorias: barreiras e facilitadores (figura 1). A categoria “barreiras” diz respeito às dificuldades e aos obstáculos que as mulheres encontraram no serviço de saúde ao buscar tratamento para HIV/aids e sífilis e compreende quatro subcategorias: idioma, custos com saúde, reações adversas ao tratamento e pandemia de covid-19. Por sua vez, a categoria “facilitadores” representa as experiências positivas, também analisadas em quatro subcategorias: SUS, Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, Política Nacional de Assistência Social e relação entre profissional de saúde e usuária.

Barreira do idioma

O idioma é um dos fatores que dificulta o acesso aos serviços de saúde, ao diagnóstico e ao tratamento de HIV/aids e sífilis.

Quando cheguei aqui eu não procurei logo por conta do idioma, os médicos não entendem. (AMV013, 34 anos)

Quando eu procurei por atendimento, o idioma dificultou... na Venezuela nós usamos a nomenclatura “VIH” e aqui no Brasil é HIV, então quando eu falava VIH ninguém entendia. (AMV006, 49 anos)

Eu sei que eu preciso de um psicólogo..., mas como falar se o idioma é o pior intermédio de tudo isso? Eu posso até falar, ela entende um pouco do idioma, mas jamais será igual a ser atendida por alguém que consegue entender de fato o que você está falando. (AMV007, 26 anos)

Barreira de custos

Entre os custos que dificultam o acesso, o deslocamento até o serviço de saúde é uma importante barreira:

Gasto com deslocamento... Pago Uber quando vou pro Cosme Silva [clínica de saúde]. (Mulher RRV010, 65 anos)

Apesar de a saúde ser um direito de todos e dever do Estado, sabe-se que o serviço está sobrecarregado, fazendo com que os usuários busquem alternativas para o atendimento, como evidenciado na fala a seguir:

Gastei dinheiro porque tive que fazer exame no particular, senão ia demorar muito para receber o resultado. (AMV012, 21 anos)

Barreiras relativas a reações adversas ao tratamento

Reações adversas ao uso do medicamento também foram barreiras para a realização do tratamento.

Eu interrompi o tratamento porque comecei a me sentir mal... só parei de me sentir mal quando eu vomitava a pílula de volta... ela vinha numa cor amarelada e amargava muito. (AMV013, 34 anos)

O meu diagnóstico foi na Venezuela quando eu tava grávida da minha filha... já faz cerca de 5 anos. Comecei o tratamento lá, mas comecei a me sentir mal do estômago e aí parei o tratamento... Não me sentia mal... Quando a minha filha tinha 2 anos, vim para o Brasil e também não busquei tratamento. (RRV018, 26 anos)

Barreira da pandemia de covid-19

Outra barreira mencionada nas falas foi a pandemia de covid-19.

Não estou levando o meu bebê para fazer o acompanhamento, porque a UBS mais próxima está fechada por conta da covid, não está realizando atendimento e eu não conheço muito bem Manaus e eu não sei onde ir. (AMV017, 32 anos)

Abandonei o tratamento pela outra doença que surgiu... Eu queria que tirassem de mim... procurei resolver, fui encaminhada para inúmeros lugares, não consegui resolver e, por estresse e cansaço, abandonei tudo. (AMV016, 19 anos)

Facilitadores: Sistema Único de Saúde

Mesmo com algumas fragilidades, o SUS garante acesso à saúde, ao diagnóstico e ao tratamento de sífilis e HIV/aids. Entre esses benefícios, a gratuidade do SUS foi destaque nas falas das mulheres venezuelanas:

As condições de saúde aqui no Brasil e os serviços de saúde são bons. Eu consigo os atendimentos e o tratamento... ele é feito de maneira gratuita né. (RVV010, 65 anos)

O serviço de saúde aqui no Brasil é uma benção porque, em outros países quando você chega com essa doença, você é colocado de lado, você não é vista e aqui não, quando fui informado já fui atendida... fizeram raio X de tórax, fizeram todos os exames sanguíneos, tive um atendimento e uma atenção excepcional que eu não tenho o que reclamar. (AMV009, 48 anos)

Agradeço muito por não pagar nada pela saúde, porque na Venezuela se paga em dólar e é muito caro. (AMV019, 21 anos)

Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher

Observou-se que as consultas de pré-natal funcionavam como facilitadores para os diagnósticos e tratamentos de HIV/aids e sífilis.

Eu fui diagnosticada quando eu estava gestante aqui no Brasil e comecei o pré-natal e foi então que eu descobri que tinha a sífilis. (RRV004, 24 anos)

Fui diagnosticada com sífilis na unidade básica enquanto eu estava grávida... Fiz os exames e descobri que estava reagente... Senti medo, tristeza né, a angústia por saber esse diagnóstico, porque eu não imaginava. (RRV008, 25 anos)

O tratamento foi muito bom... foi feito todo o processo, busca do diagnóstico, busca do tratamento, houve a aplicação do tratamento e agora já vou finalizar. (AMV014, 27 anos)

Política Nacional de Assistência Social

Para as mulheres que conseguiram acessá-los, os auxílios oferecidos pelo Estado foram parte fundamental do suprimento das necessidades das famílias venezuelanas:

Eu recebo a cesta básica da família e o auxílio emergencial. (RRV005, 27 anos)

O único benefício que eu recebi foi o auxílio emergencial, que foi de grande ajuda... comprei o fogão, a máquina de lavar, então foi de muita ajuda [risos], foi de muita ajuda. (AMV011, 54 anos)

Aspectos positivos da relação entre profissional de saúde e usuária

A relação entre os profissionais e as usuárias foi exaltada quanto à efetividade da comunicação e continuidade do cuidado:

Os profissionais de saúde no Brasil são bons, são bem atenciosos... Quando falta alguma coisa ou quando eu não apareço na consulta, eles vêm fazer a visita domiciliar para entender o que aconteceu. (RVV004, 24 anos)

O suporte recebido dos médicos e do sistema de saúde daqui é perfeito... não tem o que reclamar, o enfermeiro que me acompanha sempre pergunta como estou. (AMV004, 60 anos)

Sou muito bem recebida pelos profissionais da policlínica... todos me conhecem e me acompanham desde que eu cheguei aqui, inclusive acompanham o crescimento dos meus dois filhos. Eles fazem o agendamento dos exames, entram em contato comigo... toda comunicação entre enfermeiro, médico e paciente acontece de fato, e tem aquela busca ativa para verificar como é que está a minha situação e da minha família. (AMV002, 30 anos)

DISCUSSÃO

Sabe-se que, no processo migratório, há vários desafios a serem enfrentados, que podem ser culturais, linguísticos, econômicos e sociais, entre outros. No que tange à saúde, as pessoas migrantes no Brasil enfrentam dificuldade de acesso aos serviços, apesar da garantia constitucional de direito à saúde. As diferenças culturais e linguísticas podem ser fonte de estigmatização nos países de acolhimento, e as vulnerabilidades sociais decorrentes do status indeterminado de cidadão funcionam como barreiras ao acesso ao sistema de saúde (1818. Santos FV. A inclusão dos migrantes internacionais nas políticas do sistema de saúde brasileiro: o caso dos haitianos no Amazonas. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2016;23(2):477–94. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-59702016000200008
https://doi.org/10.1590/S0104-5970201600...
, 1919. Jezus SV, Silva AI, Arcêncio RA, Terena NFM, Santos JP, Sacramento DS, et al. Local action plan to promote access to the health system by indigenous Venezuelans from the Warao ethnic group in Manaus, Brazil: analysis of the plan’s development, experiences, and impact through a mixed-methods study (2020). PLoS ONE. 2021;16(11):e0259189. doi: 10.1371/journal.pone.0259189
https://doi.org/10.1371/journal.pone.025...
).

De acordo com a pesquisa Migrantes, apátridas e refugiados, cerca de 16,8% dos recém-chegados ao Brasil apontaram a língua como uma barreira à compreensão nas instituições públicas. O índice vale tanto para o fato de o próprio imigrante não saber português quanto para a falta de domínio de outros idiomas por parte dos serviços de atendimento e recepção brasileiros (2020. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Fundação João Pinheiro. Ranking. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil; 2020. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/ranking Acessado em 13 de fevereiro de 2022.
http://www.atlasbrasil.org.br/ranking...
). A barreira linguística para todos os atores – profissionais e pacientes – pode prejudicar a educação em saúde, uma das principais estratégias para a promoção da saúde e a prevenção de agravos. Profissionais da linha de frente de cuidado aos imigrantes devem ser capacitados para garantir que a comunicação sobre saúde seja plena e eficiente (2121. Arruda-Barbosa L, Sales AFG, Souza ILL. Reflexos da imigração venezuelana na assistência em saúde no maior hospital de Roraima: análise qualitativa. Saude Soc. 2020;29(2):e190730. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-12902020190730
https://doi.org/10.1590/S0104-1290202019...
).

Outro dificultador apontado pelas venezuelanas foi o custo extra para o tratamento de saúde. No Brasil, os tratamentos de HIV/aids e sífilis são gratuitos e disponibilizados pelo SUS. Na Venezuela, os tratamentos também se davam de forma gratuita até meados de 2016. Porém, a partir da maior crise da sua história, relatada como crise política e econômica, agravada no ano de 2017, a Venezuela extinguiu a gratuidade, levando a população a procurar recursos em países fronteiriços como o Brasil (2222. Roa AC. Sistema de salud en Venezuela: ¿un paciente sin remedio? Cad Saude Publica. 2018;34(3):e00058517. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00058517
https://doi.org/10.1590/0102-311X0005851...
).

Apesar da gratuidade de tratamento no Brasil, o desafio é garantir o acesso à saúde pública por meio do SUS, que é regulado pela Lei Orgânica nº 8080/90, promovendo a assistência humanitária e incentivando o uso da APS, conforme previsto na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Migração, que regulamenta os direitos e deveres dos migrantes e garante o acesso à saúde a todos os residentes no território nacional. Entretanto, foi possível observar, nas falas das venezuelanas, que, mesmo com o amparo da lei, há entraves importantes a serem superados, como gastos indiretos com o deslocamento até o local de tratamento e custos com exames e profissionais especializados, quando o sistema público é lento, que impactam a renda familiar, aumentando as disparidades e dificuldades ao acesso e à adesão ao diagnóstico e tratamento propostos (2323. Silva EN, Silva MT, Pereira MG. Identificação, mensuração e valoração de custos em saúde. Epidemiol Serv Saude. 2016;25(2):437-9. doi: 10.5123/S1679-49742016000200023
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201600...

24. Brasil. Lei nº 8080, de 19 de setembro de 1990. Brasília, DF: Diário Oficial da União; 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm Acessado em 12 de fevereiro de 2022.
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-2525. Brasil. Lei nº 13 455, de 24 de maio de 2017. Brasília, DF: Diário Oficial da União; 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm Acessado em 12 de fevereiro de 2022.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
). Somados a outros entraves, os eventos adversos aos medicamentos, como mal-estar após a utilização, configuram-se como dificultadores (2626. Ikeuchi K, Fukushima K, Tanaka M, Yajima K, Imamura A. Clinical efficacy and tolerability of 1.5 g/day oral amoxicillin therapy without probenecid for the treatment of syphilis. Sex Transm Infect. 2022;98(3):173-7. doi: 10.1136/sextrans-2020-054823
https://doi.org/10.1136/sextrans-2020-05...
).

Para além dos aparatos governamentais e de dispositivos legais, a formação de vínculo e a construção de uma relação entre profissional da saúde e usuária também fortalecem as boas práticas de saúde e têm papel de destaque no tratamento das doenças (2727. Rede Humaniza SUS. Relação profissional x paciente. 2019. Disponível em: https://redehumanizasus.net/relacao-profissional-x-paciente/ Acessado em 25 de fevereiro de 2022.
https://redehumanizasus.net/relacao-prof...

28. Schimith MD, Simon BS, Brêtas ACP, Budó MLD. Relações entre profissionais de saúde e usuários durante as práticas em saúde. Trab Educ Saude. 2011;9(3):479-503. doi: 10.1590/S1981-77462011000300008
https://doi.org/10.1590/S1981-7746201100...
-2929. Galvan T, Lill S, Garcini LM. Another brick in the wall: healthcare access difficulties and their implications for undocumented Latino/a immigrants. J Immigr Minor Health. 2021;23(5):885-94. doi: 10.1007/s10903-021-01187-7
https://doi.org/10.1007/s10903-021-01187...
). Para os imigrantes, a formação desse vínculo é ainda mais importante, pois requer, do profissional e do usuário, momentos de conversação, escuta, acolhimento, trocas e responsabilização. Esses momentos estabelecem confiança e segurança, transmitidas pelo profissional que acompanha o usuário, minimizando as barreiras de acesso ao serviço de saúde e aumentando o sucesso no tratamento (2828. Schimith MD, Simon BS, Brêtas ACP, Budó MLD. Relações entre profissionais de saúde e usuários durante as práticas em saúde. Trab Educ Saude. 2011;9(3):479-503. doi: 10.1590/S1981-77462011000300008
https://doi.org/10.1590/S1981-7746201100...
).

Por fim, as venezuelanas também citaram como uma barreira importante ao acesso aos serviços de saúde a pandemia de covid-19, que amplificou a dificuldade para os atendimentos em saúde, o diagnóstico e o tratamento, visto que os meios de transporte se tornaram mais precários e menos frequentes e as unidades de saúde estavam superlotadas, além das restrições de contato social impostas pela pandemia (2929. Galvan T, Lill S, Garcini LM. Another brick in the wall: healthcare access difficulties and their implications for undocumented Latino/a immigrants. J Immigr Minor Health. 2021;23(5):885-94. doi: 10.1007/s10903-021-01187-7
https://doi.org/10.1007/s10903-021-01187...
).

No que se refere aos facilitadores de acesso aos serviços de saúde, destacam-se os princípios basilares do SUS, que dão direitos aos usuários do sistema e tensionam a sociedade a se tornar equânime e inclusiva. O SUS compreende serviços de atenção primária, secundária e terciária. É na APS, no entanto, que a maior parte das ações voltadas à saúde do imigrante é promovida, pois é a porta de entrada dos usuários no sistema (2424. Brasil. Lei nº 8080, de 19 de setembro de 1990. Brasília, DF: Diário Oficial da União; 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm Acessado em 12 de fevereiro de 2022.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). Nesse escopo, a Política Nacional de Saúde da Mulher, por meio da realização do pré-natal, citado pelas mulheres como o principal meio de detecção das ISTs, tem um papel fundamental em termos de prevenção e/ou detecção precoce de patologias tanto maternas quanto fetais, permitindo medidas de tratamento que evitam prejuízos e proporcionam um desenvolvimento saudável ao recém-nascido (3030. Brasil, Ministério Da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2004. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nac_atencao_mulher.pdf Acessado em 16 de fevereiro de 2022.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
).

O diagnóstico precoce de HIV/aids e sífilis é fundamental para melhorar a qualidade de vida e interromper a cadeia de transmissão dessas infecções. O Ministério da Saúde do Brasil vem incentivando a realização do teste rápido como importante estratégia de saúde pública na ampliação do diagnóstico, inclusive durante o pré-natal (3030. Brasil, Ministério Da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2004. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nac_atencao_mulher.pdf Acessado em 16 de fevereiro de 2022.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
). No âmbito da saúde, o SUS se tornou o principal instrumento para o enfrentamento da pandemia de covid-19 no Brasil, mesmo diante de todas as dificuldades decorrentes do desmonte das políticas públicas de saúde. Paralelamente, as políticas de proteção social representam um instrumento de sua sobrevivência durante a pandemia e um facilitador para o tratamento (3131. Silva AI, Jezus SV, Maciel ELN, Reflexões sobre a proteção social durante a pandemia da COVID-19 no Brasil. Em: Nogueira MO, Figueiredo CD, Caus ROM, Rocha RG, editores. Direitos sociais em perspectiva. Vitória: LEX Editora; 2021. Pp. 67–82.).

Entendendo a Política de Assistência Social como fortalecedora dos princípios do SUS, no contexto de vulnerabilidade das famílias e dos indivíduos com direito a eventuais benefícios, as ofertas socioassistenciais (benefícios, serviços e programas) devem ser garantidas de forma integral àqueles que buscam assistência em solo brasileiro, de modo que a capacidade protetiva do Estado seja efetivada, fortalecendo a autonomia das famílias e garantindo os encaminhamentos necessários (3232. Brasil, Ministério do Desenvolvimento Social, Secretaria Nacional de Assistência Social. Benefícios eventuais no SUAS: orientações técnicas. Documento sob consulta pública. 2018. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/assistencia_social/consulta_publica/Benef%C3%ADcios%20Eventuais%20no%20SUAS.pdf Acessado em 23 de fevereiro de 2022.
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). Desse modo, o sistema de saúde local tem o desafio de efetivar a universalização do acesso à saúde de qualidade ao imigrante e de impactar o mínimo possível nas condições de acesso e eficiência dos serviços já recebidos por brasileiros.

Até onde foi possível verificar, este foi o primeiro estudo que entrevistou mulheres venezuelanas residentes no Brasil para compreender as barreiras enfrentadas no acesso aos serviços de saúde, ao diagnóstico e ao tratamento de HIV/aids e sífilis. Apesar de os direitos sexuais e reprodutivos serem preconizados pelo SUS e ancorados na constituição, eles seguem ameaçados. Inúmeras barreiras que interferem na consolidação desses direitos são enfrentadas pelas mulheres venezuelanas. Por outro lado, o estudo também tem limitações, entre elas a dificuldade de recrutamento, pelo estigma relacionado às ISTs, pela dificuldade de contato telefônico, pela alteração de endereços e pelo agravamento da pandemia de covid-19 nos locais de estudo.

Ainda assim, este estudo proporcionou subsídios para discussões sobre políticas públicas que sustentam a garantia de direitos, e serve como incentivo para novas pesquisas e para a elaboração de estratégias para mitigar as lacunas relatadas pelas venezuelanas. Almeja-se também a sensibilização da sociedade e de profissionais da saúde quanto ao acolhimento e à escuta qualificada da mulher venezuelana com HIV/aids e/ou sífilis, garantindo-lhe os mesmos direitos de uma cidadã brasileira. As principais barreiras relatadas pelas venezuelanas residentes no Brasil em relação ao enfrentamento de HIV/aids e sífilis foram o idioma, os custos com a saúde, as reações adversas ao tratamento e a situação pandêmica imposta pela covid-19. No que tange aos facilitadores, destacaram-se o SUS, a Política Nacional de Atenção à Mulher, a Política Nacional de Assistência Social e a relação entre profissionais de saúde e usuárias do SUS. Finalmente, o estudo revelou a necessidade de elaborar e aprimorar políticas que evitem que as barreiras citadas pelas mulheres venezuelanas sejam um impedimento para o acesso aos serviços de saúde no Brasil.

Declaração.

As opiniões expressas no manuscrito são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem necessariamente a opinião ou política da RPSP/PAJPH ou da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Agradecimentos.

As autoras agradecem à Subsecretária de Gestão da Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, Adriana Lopes Elias; aos Técnicos do Programa Municipal de Controle das IST; aos profissionais dos Serviços de Atenção Especializada ao HIV (SAE) e da Atenção Primária à Saúde de Manaus; à Secretaria Municipal de Saúde de Boa Vista, Roraima; aos profissionais dos Serviços de Atenção Especializada (SAE), do Centro de Testagem e Acolhimento (CTA) e da Atenção Básica em Saúde de Boa Vista; e à organização não governamental Associação de Bem com a Vida (ABV). Todos foram imprescindíveis para a realização deste estudo.

  • Contribuição das autoras.
    Todas as autoras conceberam a ideia original, planejaram os experimentos, coletaram os dados, analisaram os dados, contribuíram para os dados ou ferramentas de análise, interpretaram os resultados e escreveram o artigo. Todas as autoras revisaram e aprovaram a versão final.
  • Financiamento.
    Este estudo foi financiado pela HRP Alliance, parte do Programa Especial de Pesquisa, Desenvolvimento e Pesquisa em Reprodução Humana (HRP) do PNUD/UNFPA/UNICEF/OMS/Banco Mundial, um programa copatrocinado e executado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Este trabalho também recebeu apoio da Alliance for Health Policy and Systems Research, Science Division, da OMS; do Centro de Perinatologia, Saúde da Mulher e Reprodução (CLAP) da Organização Pan-Americana da Saúde; e do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas (CEMICAMP).
  • Conflito de interesses.
    Nada declarado pelas autoras.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2022
  • Aceito
    06 Jul 2022
Organización Panamericana de la Salud Washington - Washington - United States
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