Saúde e Democracia: A luta do CEBES

1997

O livro Saúde e Democracia: A Luta do CEBES, organizado por Sônia Fleury, é um destes documentos raros que devemos ler e reler, e preservar na estante para que as futuras gerações de profissionais, estudiosos e outros leitores conheçam o que foram os sonhos e as realizações em saúde nas décadas de 70, 80 e boa parte da década de 90.

Reúne quinze textos de vinte e dois autores, oriundos das mais diferentes instituições que estiveram e continuam envolvidas com a construção da saúde pública e da democracia em nosso país nas últimas décadas. Eles mesmos, como pesquisadores e ativistas, estiveram na linha de frente da análise e das proposições relacionadas ao sistema de saúde, suas vicissitudes, virtudes e desafios. Como um mergulho e um quebra-cabeças, ao terminarmos a leitura dos ensaios vemos delinear-se, de diferentes pontos de vista, os últimos 20 a 30 anos na área da saúde no Brasil.

Como afirma a organizadora na Introdução, "este não é um livro de memórias e nem sequer a história oficial do CEBES (...) e, sim, a reafirmação, na conjuntura atual de revitalização das ideologias e políticas conservadoras, não apenas das bandeiras que foram empunhadas durante estes anos, mas também das conquistas".

O livro divide-se em quatro seções: saúde como paradigma; condições de vida; reforma do Estado e desafios. Na primeira, Sônia Fleury e Jairnilson Paim analisam respectivamente o paradigma sanitário e o paradigma político da reforma sanitária, reafirmando linhas ensaísticas que vêm praticando ao longo de suas vidas acadêmicas. O texto de Maurício Barreto e cols. - contribuição isolada na segunda seção - trabalha as transformações do perfil epidemiológico dos últimos 20 anos no Brasil, destacando as impressionantes desigualdades existentes e indagando sobre os principais determinantes daquelas condições.

A terceira seção, sobre reforma do Estado, é a mais povoada de artigos, talvez pela própria natureza exuberante da atuação política do CEBES, que centrou-se na crítica a um Estado excludente e elitizado, que marcou, em última instância, a história recente do país. Eleutério Rodrigues Neto relata todo o longo processo constituinte, no qual foi um dos atores mais ativos, mas também propõe uma agenda para os tempos vindouros no que se refere à luta política em termos de Congresso Nacional. Por sua vez, Antônio Ivo de Carvalho privilegia a análise dos Conselhos de Saúde, pois considera que "um dos feitos mais notáveis da reforma sanitária no Brasil foi a institucionalização, no interior do aparelho estatal, de um formidável sistema nacional de órgãos colegiados, dotados de um conjunto razoável de poderes legais".

A contribuição da saúde coletiva à organização das práticas de saúde no SUS, sobretudo ao nível dos municípios, é o texto de Gastão Campos, que reflete dos lugares de pesquisador e gestor que intercalou ao longo de sua vida até aqui. Com quatro "evidências", discute ele a pobreza das práticas vis-à-vis ao que o autor denomina de onipotência discursiva da saúde coletiva, embora também critique a simplificação do processo saúde-enfermidade-atenção no próprio discurso da saúde coletiva. Emerson Merhy discute no seu artigo a gestão e as lógicas do processo de trabalho em saúde, enquanto Pedro Barbosa debruça-se sobre a gestão dos hospitais, indicando-os como referência para inovações em todo o sistema de saúde.

A reforma psiquiátrica brasileira, seus conceitos e estratégias, percursos e atores é o tema do artigo de Paulo Amarante, que percorre os últimos 20 anos do movimento da reforma psiquiátrica brasileira, cotejando-o com o processo italiano, onde aquela teve inspiração ideológica e bases técnicas e conceituais. Sueli Dallari e Paulo Antonio Fortes discutem o direito sanitário como inovação teórica e novo campo de trabalho na área da saúde, discutindo sua construção, conceitos e evolução, bem como o ensino, a pesquisa e a prática vigentes.

A seção intitulada "Desafios" abre com um balanço da relação biológico-social na produção teórica e na prática política, que é o objeto do curto e instigante artigo de Ricardo Lafetá, cujos ensaios neste campo, aliás, têm trazido, ao longo dos últimos anos, uma contribuição consistente ao debate da saúde coletiva. Já Roland Schramm analisa a trajetória da bioética no último quarto de século, apontando para a passagem de uma fase pioneira privada para uma fase pública, que corresponderia "ao momento de aceitação da pertinência teórica para a abordagem de conflitos morais e à sua consolidação disciplinar".

Lenir Santos debate as questões relacionadas com o poder regulador do Estado sobre as ações e os serviços de saúde, produzindo uma análise minudente sobre a ampla legislação sobre saúde disponível em diversos textos de diferentes autores. Os dois últimos artigos referem-se, respectivamente, a uma análise dos estudos mais recentes sobre recursos humanos em saúde no Brasil e a necessidade de uma nova agenda de estudos sobre o tema (Lilia Schraiber e Maria Helena Machado); e à necessidade de um novo padrão de intervenção estatal na produção farmacêutica e de imunobiológicos no Brasil (Carlos Gadelha e José G. Temporão).

Como se vê, além de uma revisão sobre as políticas de saúde nas últimas décadas e, dentro delas, a atuação da entidade, o livro Saúde e Democracia quer e consegue, mais uma vez, pela qualidade dos seus artigos, colocar o CEBES e os seus autores na vanguarda dos debates que se fazem necessários nesta confusa conjuntura de final de século em que transitamos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 1998
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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