Medeiros MS. Saúde Ambiental na Amazônia: desafios e perspectivas. Manaus: Edua; 2012

Solange Laurentino dos Santos Sobre o autor

O livro Saúde Ambiental na Amazônia: desafios e perspectivas, organizado por Marcílio Sandro de Medeiros apresenta uma coletânea de monografias resultado de trabalhos dos alunos do curso de especialização em Saúde e Ambiente na Amazónia. O conteúdo é repleto de temáticas que são o objeto de atuação da vigilância nos moldes do modelo estruturante da Vigilância em Saúde em nosso país. O livro traça um panorama da atual Politica de Saúde Ambiental no Brasil que traz no seu bojo os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde. É resultado das experiências no Amazonas e Roraima, duas regiões com características singulares no Norte do Brasil.

O organizador Marcílio Sandro de Medeiros possui graduação em geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (2000), mestre em Saúde Pública pelo Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (2003), especialista em Formação Docente na Área de Vigilância da Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (2011) e desde 2006, atua como docente e pesquisador assistente na área de ambiente do Instituto Leônidas e Maria Deane da Fundação Oswaldo Cruz na Amazônia (ILMD).

O tema tratado no livro reflete o trabalho de cinco anos da equipe de profissionais que atuam e atuarão nessa desafiadora tarefa de qualificação dos profissionais em uma das regiões de grande visibilidade internacional e interesse de grupos econômicos de várias partes do mundo. O desafio imposto está representado nos números da gestão da vigilância ambiental apresentado: em 2006, apenas 26 dos 62 municípios do Estado do Amazonas tinham implantado a Vigilância em Saúde Ambiental relacionado à qualidade da água para consumo humano, apesar do sistema de vigilância da qualidade da água já existir em nosso país desde 1975.

O livro é composto por cinco partes e na primeira são apresentados os resultados de três estudos relacionados à grave problemática da qualidade da água para consumo humano em populações específicas na região Norte. O artigo de Louzamira Araújo e Andréa Grava apresenta a análise microbiológica e físico-química da água de poço de consumo escolar em uma amostra de 128 escolas públicas da rede estadual na cidade de Manaus (AM) onde se observou que 23 amostras (18%) estavam impróprias para consumo humano e 19 delas foi reprovada nos parâmetros físico-químicos, principalmente, relacionados à presença de Amônia e Nitrato. Em outra avaliação da qualidade da água em escolas do setor da Zona Sul e Centro-Sul de Manaus realizada por Rita de Cássia Pereira da Silva, feita a partir de dados secundários gerados do "Projeto Visa na Escola", desenvolvido pela Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA), foram avaliados 131 laudos microbiológicos e 133 físico-químicos e os dados foram georeferenciados pela localização da escola, observou-se classificação imprópria em 13 escolas distribuídas em oito bairros da cidade.

O último estudo é de avaliação da potabilidade das águas pluviais utilizadas para o consumo em uma comunidade do município de Iranduba, no Amazonas, cuja utilização se faz diretamente do rio Solimões e /ou do lago do Ariaú, sem nenhum tipo de tratamento. Os autores, Antônio de Andrade e Evelyne Mainbourg, a partir da análise de 30 laudos de exames físico-químicos e microbiológico do Laboratório Central de Saúde Pública do Estado do Amazonas recomendaram que a água da chuva não fosse utilizada diretamente para consumo humano sem que receba tratamento adequado.

A segunda parte do livro inicia com o estudo de Nirvana Pinto da Silva que traça a rota de exposição em solo contaminado da população residente no bairro Novo Israel, situado na Zona Norte da cidade de Manaus, no local onde funcionava a antiga lixeira pública da cidade, desativada em 1986. Os cinco elementos constantes de cada Rota de Exposição ao solo contaminado e definidos pela Agência de Substâncias Tóxicas e Registro de Doenças (ATSDR) foram avaliados e as características evidenciadas do passivo ambiental no bairro de Novo Israel foram indicativos da Existência de Rota de exposição passada, presente e futura, demonstrando a necessidade de vigilância e monitoramento constantes para a população residente nessa região. Outra análise de resíduos sólidos urbanos poderá ser conhecida com a leitura do estudo realizado por Keila Santos Mota e Luciana Barreira no lixão Municipal Fonte Boa. Nessa pesquisa, as autoras caracterizaram a composição gravimétrica dos resíduos por meio de duas técnicas adaptadas, a amostragem de resíduos sólidos da norma técnica brasileira NBR 10007/2004 e o método do quarteamento.

Na última seção dessa parte, Maria Luiza Amorim e Marcilio Sandro mostram como foi possível caracterizar um risco relacionado a uma situação de morbidade por doenças respiratórias a partir da busca em base de dados secundários. O local da investigação foi no município da Boa Vista em Roraima onde as doenças respiratórias constituem uma das grandes preocupações para as autoridades sanitárias locais. Foi um estudo descritivo exploratório iniciado com um inquérito e complementado com a elaboração do cenário de percepção, finalizando com a construção de uma matriz de gestão no modelo de Força Motriz-Pressão-Estado-Exposição-Efeito-Ação (FPEEEA), desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde. Observou-se, dentre outras questões, a influência na estrutura fundiária e na estrutura econômica do estado de Roraima como pressões e exposições que concorrem com a saúde das pessoas.

A temática de Saúde do Trabalhador e as questões de adoecimento relacionado aos processos produtivos é o componente da terceira parte do livro, que inicia com a construção do perfil dos atendimentos do Centro de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador no Estado do Amazonas (Cerest - AM) escrito por Israel Brito de Souza e Idê Gurgel mediante a busca, em base de dados secundários, das comunicações de acidente de trabalho (CAT) existentes no Cerest (AM) no período de 2006 a 2007. Nesse período se evidenciou um total de 3.273 acidentes e doenças ocupacionais. A caracterização da principal doença que motivou o afastamento do posto de trabalho foi representada pela Bursite de Ombro (25,6%), além de sinovites e tenossinovites que são consideradas doenças de difícil diagnóstico e causam importantes sequelas para o trabalhador. O outro estudo dessa temática foi realizado por Cristine Ruwer e Renata Toledo abordando as condições de trabalho e potenciais riscos à saúde em cozinhas de escolas públicas municipais de Manaus. Apesar da pouca crítica sobre a determinação e condicionantes referente às desigualdades socioeconômicas e vulnerabilidades nesse grupo de mulheres trabalhadoras, uma das autoras traz a questão a partir de sua prática de inspeções realizadas nas escolas públicas da cidade no "Projeto Visa na Escola", possibilitando, assim, conhecer a condição de trabalho e de saúde das merendeiras.

A quarta parte trata dos determinantes relacionados a acidentes com produtos perigosos onde os autores Etienne Therese Cavalcante e Fernando Nogueira apresentam os resultados da análise dos transportes de combustíveis na cidade de Manaus. Uma importante reflexão dos desafios que estão impostos aos gestores no âmbito estadual e municipais da saúde. Neste estudo qualitativo, os autores observaram que apesar de existir regulamentação para o transporte de produtos perigosos, o controle e o monitoramento pelo poder público se revelam ineficientes, com ausência de informações básicas que permitam um diagnóstico real e avaliação dos impactos sobre a saúde humana e no ambiente.

Finaliza essa parte o estudo de Maria do Socorro Barbosa e Isaque dos Santos Souza sobre a exposição ocupacional aos campos eletromagnéticos (CEM) oriundos das estações Rádio-Base na cidade de Manaus, mostrando a situação de distribuição destas estações na Zona urbana de Manaus. A identificação da distribuição das fontes de emissão de telefonia móvel celular mostrou uma concentração maior na Zona Sul da cidade com 130. Entretanto, na distribuição por bairro o maior número foi identificado no centro da cidade. Concordando com as autoras na opinião de que esse trabalho poderá ser um passo inicial para as ações de Vigilância em Saúde Ambiental relacionada aos fatores físicos a serem desenvolvidos em Manaus.

A última parte, escrita por Katarina Freire de Paula, apresenta a perversa situação das terras indígenas e demonstra a importância de uma eficiente Política de Vigilância em Saúde Ambiental nas terras indígenas do Estado do Amazonas. A autora levanta questões importantes para reflexão sobre a manutenção dessas terras na preservação da saúde e da qualidade de vida dessas populações, descreve com detalhes a necessidade que ainda é premente para o cuidado com a saúde ambiental das populações que vivem em terras indígenas em nosso país. Ela buscou na análise de relatórios de três conferências de meio ambiente no Estado de Amazonas, junto com o relatório da primeira e quarta conferências dos povos uma clara e desafiante necessidade para a redução da vulnerabilidade desse grupo populacional.

A obra como é apresentada demonstra a grandeza e a capacidade crítica dos profissionais/ alunos que participam dessa desafiadora trajetória de busca por explicações e visibilizações para os problemas das exposições dos diferentes grupos populacionais do Estado do Amazonas e Roraima frente às exposições ambientais pouco valorizadas por grande parte dos profissionais e gestores públicos. De linguagem fácil, sem grandes rebuscamentos técnicos, apesar de todo o processo e respeito aos diferentes percursos metodológicos adotados, os resultados podem servir para a caracterização de uma linha de base da situação de saúde e ambiente nesse momento atual. Considero uma leitura recomendável aos estudantes, profissionais, gestores e aos interessados pelas questões da Saúde, Trabalho e Ambiente em nosso país.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2014
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