Configuração das práticas de inovação na atenção primária à saúde: estudo de caso

Cristine Hermann Nodari Maria Emilia Camargo Pelayo Munhoz Olea Eric Charles Henri Dorion Suzete Marchetto Claus Sobre os autores

Resumo

O objetivo do estudo foi identificar as práticas das inovações na atenção primária à saúde, no segundo maior município, em população, do Rio Grande do Sul, Brasil. O método de trabalho empregado foi o estudo de caso com unidades de análise múltiplas, em que vários estudos são conduzidos simultaneamente. Foram realizadas quarenta e cinco entrevistas semiestruturadas aplicadas aos gestores das unidades básicas de saúde, com posterior submissão à técnica de análise de conteúdo, a partir da construção de uma categorização, com base bibliográfica. Foram identificadas cinquenta e seis inovações no total, sendo que dezoito foram de produto (bem e/ou serviço), quinze de processo, onze inovações de marketing e doze inovações organizacionais. Estudos que destaquem e tenham como objeto a inovação na rede básica, potencializam mudanças, melhorias e alternativas na forma como o serviço é prestado à população, servindo de base para a formulação de políticas públicas de saúde. Destacaram-se, por fim, as limitações e as oportunidades de trabalhos futuros.

Palavras-chave
Inovação; Atenção Primária à Saúde; Gerência

Introdução

A análise da abordagem relacionada à inovação introduz elementos que estabelecem vantagens diferenciadas, no contexto organizacional. A inovação diz respeito à busca, à descoberta, à experimentação e à adoção de novos produtos, processos e formas organizacionais, a partir de novos conhecimentos, para ofertar o novo aos usuários. De acordo com o Manual de Oslo, um instrumento tem por objetivo fixar diretrizes para a coleta e a interpretação de dados sobre inovação, e esta pode ocorrer em qualquer setor da economia, incluindo serviços governamentais, como saúde e educação11. OECD, Eurostat. Oslo Manual: Guidelines for Collecting and Interpreting Innovation Data. 3ª ed. Paris: OECD Publishing; 2005..

A atenção primária à saúde (APS) compreende uma forma organizacional de reorientação e reestruturação de muitos sistemas de saúde22. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2011.. Atualmente, a principal tática condicionada à organização da APS, é a Estratégia da Saúde da Família (ESF) que tem recebido importantes incentivos financeiros visando à ampliação da cobertura populacional e à reorganização da atenção33. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: primary care assessment tool-PCATool-Brasil. Brasília: MS; 2010.,44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Relação Nacional dos Serviços em Saúde-RENASES. Brasília: MS; 2012..

Diante disso, ressaltamos três documentos atuais que consolidam o referencial do tema da APS e, também, as características específicas que nortearam esta análise, a partir do construto da inovação. O primeiro deles se refere ao Manual do Instrumento de Avaliação da APS, reconhecido pela Secretaria de Atenção Básica do Ministério da Saúde, como ferramenta de avaliação da qualidade e, a utilização do termo da APS como equivalente ao termo Atenção Básica, utilizado, historicamente, no contexto brasileiro33. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: primary care assessment tool-PCATool-Brasil. Brasília: MS; 2010.. O segundo documento se refere à publicação da relação nacional de ações e serviços de saúde (RENASES), apresentando uma lista de critérios ou regramentos de acesso aos serviços, de acordo com a complexidade dos níveis de atenção44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Relação Nacional dos Serviços em Saúde-RENASES. Brasília: MS; 2012., determinando uma identidade quanto à caracterização dos serviços prestados na saúde. Essas ações são transpostas para os serviços de saúde de acordo com a complexidade, identificando sua responsabilidade. O terceiro documento, publicado em 2011, pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Representação Brasil, se refere à preocupação com a estabilização das redes de atenção à saúde (RAS) com o foco de acesso pela APS, destacando seu papel fundamental no contexto de saúde22. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2011.. Além disso, evidências atuais estão presentes no contexto de saúde brasileiro, onde persiste a necessidade do encontro de elementos que possam definir e representar boas práticas de melhoria na produção dos serviços de saúde, com o objetivo final de prover acesso das populações, a partir da estrutura organizacional da APS22. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2011.,55. Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Sistema Único de Saúde. Brasília: CONASS; 2011.,66. Conill EM, Fausto MCR. Análisis de la problemática de la integración APS em el contexto actual: causas que inciden en la fragmentación de servicios y sus efectos en La cohesión social. Proyecto EUROsocial Salud, Intercambio "Fortalecimiento de la Integración de la Atención Primaria con otros Niveles de Atención". Documento técnico. Rio de Janeiro: IRD; 2007. [acessado 2013 jan 10]. Disponível em: http://www5.ensp.fiocruz.br/biblioteca/dados/arq6952.pdf.
http://www5.ensp.fiocruz.br/biblioteca/d...
.

Nesse sentido, considerando a importância da APS para a organização e deferimento nos serviços de saúde55. Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Sistema Único de Saúde. Brasília: CONASS; 2011.,66. Conill EM, Fausto MCR. Análisis de la problemática de la integración APS em el contexto actual: causas que inciden en la fragmentación de servicios y sus efectos en La cohesión social. Proyecto EUROsocial Salud, Intercambio "Fortalecimiento de la Integración de la Atención Primaria con otros Niveles de Atención". Documento técnico. Rio de Janeiro: IRD; 2007. [acessado 2013 jan 10]. Disponível em: http://www5.ensp.fiocruz.br/biblioteca/dados/arq6952.pdf.
http://www5.ensp.fiocruz.br/biblioteca/d...
, e, se a APS apresenta algo inovador na saúde, as teorias e abordagens conceituais sobre a inovação permitem uma aproximação rumo à busca de diferentes formas de construção do conhecimento acerca do fato. Em face desse contexto e tomando como base o referencial teórico sobre inovação, o objetivo da pesquisa foi identificar as inovações e suas repercussões na APS de um município do Rio Grande do Sul (RS). Para tanto, buscou-se identificar, inicialmente, as ações e serviços que eram consideradas práticas novas ofertadas a partir da unidade básica de saúde (UBS) para a população, ponderando, posteriormente, a sua relação com os documentos vigentes na literatura, estimulando, assim, o desenvolvimento de melhorias e percepções das configurações na forma como o serviço é prestado à população, e, consequentemente, na reflexão de alternativas para formulação de políticas públicas de saúde.

Métodos

A pesquisa foi caracterizada como exploratória e descritiva, no qual o método de trabalho escolhido foi o estudo de caso77. Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas; 2007. da APS, do segundo maior município em termos populacionais do RS88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Economia em Saúde. [página na internet]. [acessado 2012 dez 12]. Disponível em: http://downloads.ibge.gov.br/downloads_estatisticas.htm
http://downloads.ibge.gov.br/downloads_e...
, no qual representa um polo de referência no setor da saúde99. Claus SM, Capra MLP. Potencializando a Gestão para organizar o SUS a partir da Rede Básica. Porto Alegre: Dacasa; 2002..

A partir das 45 UBS, distribuídas pelo município, a rede atual permite o acesso a serviços de média e alta complexidade. Possui, ainda, 36 equipes de ESF em 22 UBS e 18 equipes de Estratégia de Saúde Bucal (ESB) em 10 UBS. A saúde pública constitui-se em um dos primeiros orçamentos do município1010. Prefeitura Municipal de Caxias do Sul. Secretaria do Desenvolvimento Econômico. [página na internet]. [acessado 2013 jan 12). Disponível em: http://www. caxias.rs.gov.br
http://www.caxias.rs.gov.br...
. Cada UBS possui um gerente responsável pela condução dos interesses de trabalho entre a SMS e a população adscrita da UBS. Em termos de características desta população, os gestores possuem formação em enfermagem, são estatutários, e 57,7 % (n = 26) correspondem ao período de mais de cinco anos e um mês no cargo de gerência de UBS, sendo, também, a média encontrada de permanência na função de gerência nas UBS do município. Ainda, 17,7 % (n = 8) possuem pós-graduação em nível de mestrado, 60% (n = 27) possuem pós-graduação em nível de especialização, e 22,2% (n = 10) correspondem a gestores com formação em graduação.

Foram realizadas 45 entrevistas individuais em profundidade a estes gestores, elencando a existência da inovação e de que forma, essa inovação, se desenvolvia para o entrevistado, considerando as dimensões de inovação de produto (bem ou serviço), de processo, de marketing e organizacional. Tendo em vista que os entrevistados poderiam não ter o pleno conhecimento dos conceitos referentes ao assunto pesquisado, foram elaborados cartões contendo as definições constantes no Manual de Oslo11. OECD, Eurostat. Oslo Manual: Guidelines for Collecting and Interpreting Innovation Data. 3ª ed. Paris: OECD Publishing; 2005., minimizando dispersões e suposições a respeito do assunto pesquisado. O instrumento de pesquisa foi aplicado e validado por especialistas na área de estudo1111. Nodari CH, Olea PM, Dorion, E, Severo EA. Innovations in primary care management: a Brazilian Experience. World Review of Entrepreneurship, Management and Sust. Development 2012; 8(2):165-180.. As entrevistas foram gravadas, a partir de prévia autorização, em dispositivo Gravador de Voz Philips® Modelo LFH-615/27.

Procedeu-se com a análise de conteúdo que se apresenta como uma técnica de investigação, que através de uma descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo aparente nas comunicações, tem por objetivo a explicação destas mesmas comunicações1212. Flick U, Gibbs G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Bookman; 2005.,1313. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2006.. A média comum é que uma transcrição de entrevista apresente entre quatro a seis vezes o tempo envolvido no discurso77. Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas; 2007.,1212. Flick U, Gibbs G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Bookman; 2005.. Foram transcritas 45 entrevistas, representando, aproximadamente sessenta e duas horas de gravação, em 312 páginas de texto, com espaçamento de 1,5, na fonte Times New Roman, tamanho 12, do Microsoft Office Word 2007, realizadas no período de setenta e três dias. Convém ressaltar, que a organização e seleção de UBS foram arranjadas de forma aleatória, tendo sua identificação para esse trabalho como UBS1, UBS2…, UBS45, a fim de preservar a identidade dos entrevistados da pesquisa e a confidencialidade das informações específicas de cada UBS, como informado a eles no momento da coleta de dados.

No exercício de reduzir uma grande quantidade de material em unidades significativas de análise, dispôs-se o material em modelo estrutural de codificação1212. Flick U, Gibbs G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Bookman; 2005.,1313. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2006.. No método de análise proposto, nem toda a mensagem foi considerada, apenas os trechos que se referiam a uma das categorias de análise. Os trechos que constituíam as unidades de registro foram assinalados por meio dos códigos, que serviam de índice para a ocorrência das categorias, conforme Quadro 1.

Quadro 1
Definição de Temas, Categorias de Análise e Códigos de Registro.

Nessa pesquisa utilizou-se a forma manual de codificação, estruturando, concomitante a um banco de dados relacional através da tabulação. Para essa atividade valeu-se do programa de computador Microsoft Office Excel 2007, onde se criou à base de dados, incluindo, assim, todas as unidades significativas identificadas nas entrevistas, como registros.

Salienta-se que na escolha de categorias na construção do esquema de análise que serviu para a avaliação, foi tomado o cuidado de se selecionar fatores representativos e confiáveis. Com isso, recorreu-se às categorias chamadas convenientes1414. Creswell J. Projeto de Pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre: Bookman; 2009., denominadas assim por simularem menor grau de incerteza, descartando-se, por vezes, outras dimensões mais complexas ou subjetivas. Por tratar-se de uma investigação exploratória, observou-se a necessidade de conduzir o controle de dados coletados de forma mais contundente, ou seja, com maior objetividade no agrupamento de diferentes etapas para a redução dos dados. Assim, as narrativas dos entrevistados seguiram uma estrutura proposta pelas orientações da técnica de pesquisa, mas não recorreram a verificação. Como reuniu-se uma quantidade de informação significativa, nesta análise qualitativa, identificou-se dificuldades de congregar todos os elementos, pois a característica de entrega de um serviço, no caso de saúde, comporta-se heterogeneamente, no seu resultado final.

Entretanto, cabe ressaltar que a aplicação do devido rigor científico independe da escolha do método utilizado, sendo que mesmo na adoção desta abordagem qualitativa, fez-se necessário atentar para os fundamentos que acompanham cada um dos métodos implicados1414. Creswell J. Projeto de Pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre: Bookman; 2009.; observando, inclusive, as questões relacionadas à ética na prática de pesquisa. Assim, durante todas as fases de desenvolvimento da pesquisa foram respeitados os preceitos de ética, com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Nossa Senhora de Pompeia, através da submissão à Plataforma Brasil, obedecendo à norma institucional da Universidade.

Resultados

Na Tabela 1, são apresentadas características e informações referentes às UBS do município. As UBS que compõem a APS de Caxias do Sul (RS) possuem uma estrutura física que compreende de 350m2 a 600m2 e horário de atendimento de 12 h por dia. Da população das UBS, do município, sete estão localizadas na zona rural e 38 unidades estão localizadas na zona urbana do município de Caxias do Sul. Atualmente, 22 UBS possuem ESF e 10 UBS possuem ESB. Pode-se identificar que aquelas UBS que contêm ESF e ESB detiveram a maior quantidade no total de inovações identificadas, entre produto, processo, marketing e organização, e, também, o maior investimento consolidado.

Tabela 1
Características das Unidades Básicas de Saúde.

Na Tabela 2, destacou-se os resultados referentes à identificação e classificação dos elementos propostos na metodologia. Identificou-se cinquenta e seis inovações no total, sendo que em relação ao tema inovação de produto, foram encontradas, no total, dezoito, representando 32% do total. Dessas, cinco inovações ocorreram em todas as UBS, e treze foram introduzidas em diferentes UBS. No tema inovação de processo, foram encontradas, quinze, representando 27% do total. Dessas, quatro inovações ocorreram em todas as UBS, e onze inovações foram introduzidas em diferentes UBS. Foram doze inovações de marketing, identificadas nas 45 UBS, representando 21,5% do total delas. Em relação ao tema inovação organizacional foram encontradas, no total, onze, representando 19,5% do total. Ressaltam-se que esses resultados foram identificados a partir da narrativa dos entrevistados, ou seja, dos gestores das UBS, conforme detalhamento de atividades, na seção de métodos. Entretanto, identificam-se as limitações da pesquisa, no que concerne sua verificação, numa perspectiva mais ampla, apesar do instrumento de pesquisa ter sido validado por especialistas1111. Nodari CH, Olea PM, Dorion, E, Severo EA. Innovations in primary care management: a Brazilian Experience. World Review of Entrepreneurship, Management and Sust. Development 2012; 8(2):165-180..

Tabela 2
Resumo de frequência de registros de códigos para categoria, na tipologia de inovação.

Discussão

Inovação de Produto e/ou Serviço

As inovações de produto estão distribuídas em três grandes grupos. O primeiro grupo correspondeu à introdução de produtos como exames, medicamentos e materiais, inseridos no contexto da prevenção, diagnóstico precoce e tratamento para a cobertura de saúde das populações. Assim, no caso dos exames, as principais mudanças aconteceram no sentido de disponibilizar em termos de acesso, exames que eram feitos em laboratório centralizado, como o da pesquisa de antígeno carcinoembrionário, espermograma, baciloscopia de diagnóstico e controle de tuberculose. Da mesma forma, a solicitação de exames de alta complexidade, disponibilizados a partir de uma hierarquia que, costumeiramente, era realizada somente através das consultas especializadas. Em relação à diversidade de medicamentos introduzidos, corresponderam a fármacos que não estão na Relação de Medicamentos Essenciais (Rename), oficializada pelo Ministério da Saúde2525. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria n° 533, de 29 de março de 2012. Diário Oficial da União 2012; 30 jul., como, por exemplo, a ampicilina 500mg em cápsula, o formoterol 12mcg em capsula inalante, a levomepromazina 25mg em comprimido, e a imipramina 25mg em comprimido, dentre outros. A introdução do tratamento de hepatite C estimulou a aderência do usuário à UBS, vinculando o médico infectologista, in loco, onde o controle é realizado, sistematicamente, na UBS. Da mesma forma a introdução de dietas parenterais para gastrostomia, financiadas, diretamente, com os recursos disponíveis para a UBS, a partir de prévia análise do usuário, pela equipe de profissionais da UBS.

O segundo grupo de inovação de produto, consistiu na introdução de novos serviços de acordo com as características sociais, culturais, econômicas e epidemiológica da população adscrita. Esses serviços foram ofertados a partir de parcerias com outras instituições, de natureza pública, privada e organizações não governamentais (ONG). Um exemplo dessa parceria é o programa de ginástica com a Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (SMEL), as capacitações dos usuários visando a empregabilidade, no mercado de trabalho. A ESB, foi considerada uma inovação em produto, visto que para aquele contexto das UBS que relataram, tratou-se de um novo serviço disponível para a população, caracterizando-se como uma inovação para o mercado. Ou seja, embora existisse a promulgação da ESB pelo Ministério da Saúde, para o município tratou-se de algo novo, com características, competências e habilidades diferentes e necessárias, disponibilizadas naquele contexto populacional2323. Chreim S, Williams BE, Janz L, Dastmalchian A. Change Agency in a Primary Health Care Context: The Case of Distributed Leadership. Health Care Manag Rev 2010; 35(2):187-199.,2626. Greenhalgh T, Robert G, Macfarlane F, Bate P, Kyriakidou O. Diffusion of innovations in service organizations: Systematic review and recommendations. Milbank Quarterly 2004; 82(4):581-629.,2727. Yarnall KSH, Pollak KI, Østbye T, Krause KM, Michener JL. Primary Care: Is there enough Time for Prevention? Am J Public Health 2003; 93(4):635-641..

O terceiro grupo de inovação de produto correspondeu a introdução de profissionais de nível superior, com diferentes tipos de formação, além de estagiários de nível acadêmico e técnico, provendo ingresso a novos serviços. No caso de estagiários de fisioterapia e nutrição, ambos se consolidaram a partir do vínculo com instituições de ensino do município, a fim de promoção de práticas de ensino. A partir desses estagiários, foram observadas diferentes iniciativas de propagação de serviços na aderência e tratamento com a população, como já observados em práticas consolidadas2828. Grumbach K, Bodenheimer T. Can Health Care Teams Improve Primary Care Practice? JAMA 2004; 291(10): 1246-1251.,2929. Parfitt BA, Cornish F. Implementing family health nursing in Tajikistan: From policy to practice in primary health care reform. Soc Sci Med 2007; 65(8):17201729.. Da mesma forma, a introdução de profissionais de saúde de diferentes formações, como a fonaudiologia, a psicologia e o serviço social, também possibilitaram o acesso a novos serviços na UBS, vinculados, anteriormente, em outros níveis hierárquicos, como nas consultas especializadas.

Analisando o documento do RENASES, algumas inovações de produto enquadram-se em ações e serviços dos componentes da APS44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Relação Nacional dos Serviços em Saúde-RENASES. Brasília: MS; 2012.. Porém, outras inovações de produto encontradas, classificam-se em outros componentes do RENASES. Embora o regramento de acesso do documento do RENASES não mencione a APS, como o serviço de acesso livre ao usuário, para a utilização das inovações identificadas, no 3° parágrafo, do 5° artigo do documento, identificouse a flexibilidade no que tange a oferta de ações e serviços. Ou seja, a possibilidade de incorporação e alteração de tecnologias em saúde à complementação do RENASES, devendo, assim, os estados e municípios alertarem a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde (Conitec) dos novos serviços ofertados em suas regiões.

Ao considerarmos os grupos de inovações de produto, podemos destacar que todos os códigos tiveram referência. O código de maior referência para o motivador dessas inovações foi o de gestão (GES), seguido de demanda da população (DMP). No segundo grupo de inovações de produto, relacionadas à introdução de serviços, obtivemos menção aos códigos de humanização (HZA), informação e conhecimento em saúde (INK) e gestão (GES). Esses serviços introduzidos acabavam por mobilizar os servidores da saúde, juntamente, aos aspectos das características de suas populações para promoção de inclusão social por meio de capacitações para o trabalho, o que, para os entrevistados, caracterizava-se como uma humanização, ou seja, a capacidade de criação de melhores condições de vida para a população3030. Barnett J, Vasileiou K, Djemil F, Brooks L, Young T. Understanding innovators experiences of barriers and facilitators in implementation and diffusion of healthcare service innovations: A qualitative study. BMC Health Services Research 2011; 11(2):987-1001.,3131. Roblin DW, Vogt TM, Fireman B. Primary health care teams: Opportunities and challenges in evaluation of service delivery innovations. J Ambul Care Manage 2003; 26(1):22-35..

O terceiro grupo, que correspondeu à introdução de profissionais com diferentes tipos de formação e também de estagiários, obteve uma menção significativa do código de gestão (GES), seguido de informação e conhecimento em saúde (INK). Pressupôs-se que o caráter de organização com instituições de ensino, a fim de estabelecerem uma prática de ensino e pesquisa sejam viabilizadas através da gestão da SMS. Além disso, é através da capacidade de recursos humanos e financeiros, escolhidos pela gestão da SMS, que se definem a alocação de profissionais de saúde de diferentes áreas, e, portanto, vinculados à menção do código de gestão1919. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2297-2305..

A categoria da análise de estado e condição, ou seja, como as inovações foram introduzidas, considerava os recursos utilizados para viabilização da mudança e melhoria. O código de maior menção para os três grupos que compõem as inovações de produto foi o da análise local a partir dos servidores e população (ANL), ampliação da estrutura física, material e pessoal (AES) e certificação em relação às leis, normas e portarias (CER). A unidade de atendimento que fica mais próxima da população, ou seja, o primeiro contato, estabelece vínculos e conhecimento acerca dos principais problemas de saúde que aquela população apresenta2020. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unesco, Ministério da Saúde (MS); 2002.,2121. Gauld R, Blank R, Burgers J, Cohen AB, Dobrow MK, Ikegami NKI, Kwon S, Luxford K, Milett C, Wendt C. The World Health report 2008-Primary healthcare: How wide is the gap between its agenda and implementation in 12 high-income health systems? Health Policy 2012; 7(3):38-58.. Assim, os recursos utilizados na mudança de um serviço ofertado parte da relação profissional e usuário.

Na categoria setores e locais na introdução dessas inovações de produto, ou seja, onde foram implantadas, a principal menção foi ao código para a população (POU), representando os maiores percentuais em dez das dezoito inovações de produto. Subsequentemente, o código de segunda maior menção de ocorrência foi na UBS (NAU) e, por último na SMS (SAU). Isso revela que, no aspecto de análise da produção do serviço, essa é determinada no contato entre o usuário e a organização, ou seja, no preciso momento em que o prestador do serviço e o usuário interagem, determinando, portanto, o local onde o serviço se consolida que, para essa análise, definiu-se com maior evidência, para a população1515. Ahmed PK. Benchmarking Innovation Best Practice. Europe Centre of Total Quality Management. Bradford: University of Bradford; 2001..

Identificou-se, ainda, a intensidade e a extensão da mudança causada para o alcance da inovação. Para todas as inovações encontradas e analisadas, obtivemos uma classificação a partir de incrementos gradativos e sequenciais, não encontrando menção ao código de extensão radical (RAD)1818. Tidd J, Bessant J, Pavitt K. Managing Innovation: Integrating Technological, Market and Organizational Change. England: John Wiley & Sons; 2005.,3232. Gallouj F. Innovation in the service economy. London: Edward Elgar Publishing; 2002.. Para o grau de novidade das inovações de produto, encontramos na análise do conjunto uma menção de resposta para o código de novidade para o mercado (MER), e para organização (ORG), no caso as UBS. Nessa categoria, mais uma vez, foi possível identificar evidências da indissociabilidade da produção e consumo do serviço3232. Gallouj F. Innovation in the service economy. London: Edward Elgar Publishing; 2002., ou seja, o usuário solicita a intervenção ativamente para que o prestador utilize suas capacidades em seu favor, determinando assim a natureza da análise da inovação no serviço de saúde.

Inovação de Processo

Ao considerarmos a definição de inovação de processo, com o que foi encontrado no material empírico, identificou-se elementos que mobilizam e modificam a coordenação da produção do serviço que incluem mudanças significativas, para o contexto da UBS, em relação a técnicas e equipamentos.

Um exemplo são as inovações que compreenderam a adição de um equipamento no método de produção de um serviço como a autoclave, que possibilitou as UBS assumirem a esterilização de todo o material utilizado, ao contrário do processo, realizado, anteriormente, onde esse material era coletado em cada UBS e encaminhado para local de esterilização, gerando atrasos de entrega e perdas de instrumentos e materiais.

As inovações de processo compreenderam mudanças significativas em técnicas no método de produção do serviço, deslocando atividades e funções para a UBS, local da consolidação efetiva do serviço prestado. Com isso, temos, como exemplo, o caso da coleta de exames laboratoriais, no domicílio, que conduziu toda a estrutura de coleta de materiais para casa do paciente, evitando o deslocamento do paciente para outros estabelecimentos, e minimizando o elevado absenteísmo, por razões financeiras atreladas ao deslocamento do usuário, e descontinuidade no tratamento de saúde. Outra inovação de processo encontrada foi a regulação de turnos adicionais de visitas domiciliares pela ESF, determinado um controle sistemático daquelas necessidades especiais da população da UBS, atualmente realizada com auxílio de cinco carros e um serviço de atendimento domiciliar (SAD) através de ambulância.

O matriciamento em saúde mental foi identificado por dez UBS como uma inovação de processo. Duas ou mais equipes de diferentes formações profissionais, na UBS, num processo de construção compartilhada, criaram uma proposta de intervenção pedagógico/terapêutica, numa espécie de projeto na abordagem com a família, acerca dos transtornos mentais do paciente. Costumeiramente, essa atividade era deslocada de forma individual, hierarquicamente, para as consultas especializadas do município. Em função dessa mudança, conforme a análise dos relatos da entrevista ocorreu uma aderência na participação recorrente do paciente, bem como, da família, responsável pela condução das ações no cotidiano.

Ao considerarmos os grupos de inovações de processo, podemos destacar que todos os códigos tiveram referência. O código de maior referência para o motivador dessas inovações, ou seja, a necessidade de mudança para determinada conduta, foi o da coordenação do serviço (COR), seguido da gestão (GES) e demanda da população (DMP). A categoria da análise de estado e condição, ou seja, como as inovações foram introduzidas, resultou na menção mais frequente do código análise local a partir dos servidores e população (ANL), presente em oito das quinze inovações, seguido por ampliação de estrutura física, material e pessoal (AES) e aquisição de tecnologia (AQT). Notou-se que a utilização dos recursos, elencados a partir dessa categoria, para resultar nas inovações de processo partiu, justamente, dos servidores e da população, que estão envolvidos na produção do serviço de saúde. Ou seja, a relação de serviço propicia o resultado em mudanças, melhorias e até mesmo em inovações, envolve as interações diretas que se dão ao longo do processo produtivo, o qual tem a participação do usuário como elemento essencial1515. Ahmed PK. Benchmarking Innovation Best Practice. Europe Centre of Total Quality Management. Bradford: University of Bradford; 2001.,1919. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2297-2305.,3232. Gallouj F. Innovation in the service economy. London: Edward Elgar Publishing; 2002..

Na categoria de onde essas inovações de processo ocorreram, observamos uma maior menção de incidência para a UBS (NAU) em dez das quinze inovações, seguidas por quatro menções que ocorreram na população (NAU). Ao considerarmos o conjunto de análise, em que grande parte das UBS apresentou como motivadores a coordenação do serviço (COR), tornou-se plausível identificar que o setor ou local de consolidação dessa melhoria tenha sido na UBS, embora, seja evidente que o objetivo final seja a qualidade do serviço prestado para a população. Identificou-se, ainda, a intensidade e a extensão da mudança causada para o alcance da inovação de processo, com menção de ocorrência de todas as inovações para incrementar (INC).

Para o grau de novidade das inovações de processo, encontramos apenas duas maiores menções de ocorrência para o código mercado (MER), que se referem às inovações de educação nutricional para merenda escolar com apoio da SME, e educação em fisioterapia nas ONG dos bairros para inclusão de tratamento em UBS de pacientes com déficits motores, que podem se beneficiar da manutenção em longo prazo de um tratamento. Duas inovações (Dispensação de medicamentos de uso contínuo, fracionada em sacos, para os pacientes hipertensos e diabéticos, com adesivos contendo quantidade e intervalo de dose, e Monitoração de diabético insulinodependente quanto à aplicação e descarte domiciliar adequado do material perfuro cortante) foram consideradas mudanças novas introduzidas para o mercado e para organização. As demais inovações tiveram a sua maior ocorrência para o código de novidade para organização (ORG), representando mudanças apenas no contexto institucional.

Inovação de Marketing

Na observação final dos resultados encontrados para as inovações de marketing, identificamos atividades sistemáticas de uma organização, no caso as UBS voltadas à busca e realização de trocas para com o seu meio ambiente, com a população, visando benefícios específicos, como o aumento na demanda por atendimento e consumo dos serviços. As inovações corresponderam a atividades realizadas pela UBS e voltadas para o público externo. Nesse sentido, podemos evidenciar a inovação de marketing para divulgação dos serviços, em associação com instituições religiosas, onde a partir do ambiente dos cultos religiosos, na aproximação com a comunidade local, ocorre a difusão de ações, campanhas e gerenciamento das necessidades da população para com a UBS. Nessa mesma linha de raciocínio, foi evidenciada a utilização de pesquisas com o Conselho Local de Saúde, buscando identificar e atuar nas deficiências e carências expostas pela população no contexto onde a UBS está inserida.

Outras inovações elencadas foram as atividades de educação em empresas do município. Decorrentes do atual ambiente de crescimento por mão de obra, na construção civil, do município, foi elaborada uma cartilha, visando a prevenção de acidentes nesse contexto e, consequentemente, a prevenção da incapacidade laboral. Profissionais de saúde se deslocam dentro dos seus territórios sanitários, desenvolvendo a educação e prevenção de fatores associados ao aumento do risco nessas atividades. Os custos destes acidentes são enormes, tanto para o indivíduo, como para as empresas e para a sociedade3333. Brasil. Ministério da Saúde (MS). More health: a right for everyone: 2008-2011. Brasília: MS; 2008.,3434. Canadian Health Services Research Foundation. Casebook of Primary Healthcare Innovations. Montréal: Government of Canada; 2010..

Identificou-se inovações relacionadas às atividades de criação, divulgação e comunicação dentro da estrutura da UBS, evidentemente, voltadas para seus usuários. Assim, citam-se as atividades de rádio, divulgação das ações, campanhas da UBS para a população, que está aguardando um atendimento, buscando um medicamento, a fim de que possa replicar aos demais usuários daquele ambiente. Além disso, foram evidenciadas atividades que estimulassem a população a manter a prevenção das condições de saúde, como no caso das campanhas "Sorriso 10" e "Bebê Nota 10".

Em relação ao resumo das frequências de registros da análise por códigos para primeira categoria, ou seja, o motivador do acontecimento dessas inovações de marketing, o de maior referência foi para a informação e conhecimento em saúde (INK), em um processo contínuo de atividades de criação, comunicação e distribuição do valor, entendido aqui, como os serviços ofertados.

Em relação a segunda categoria de análise, referente aos recursos utilizados para viabilizar a mudança, obtivemos menções ao código ANL para todas as inovações encontradas nesse tema. Dessa forma, as inovações de marketing implantadas partiram da identificação e visão dos servidores quanto às necessidades de novas abordagens em seus serviços, e de oportunidades para alavancar melhorias estabelecendo vínculos mais fortes com a população, conforme trabalho desenvolvido com idosos.

A terceira categoria de análise que objetivou identificar o local de ocorrência dessas inovações apresentou referências aos códigos para a população (POU) e para a UBS (NAU). Ao considerarmos que as inovações de marketing apresentadas são melhorias trabalhadas a partir da análise dos servidores com e para a população, é apropriado identificar que elas tenham sua ocorrência nessas unidades.

Quanto à quarta categoria de análise de extensão da mudança, todas as referências foram para o código correspondente à inovação incremental (INC). Na análise das transcrições, observam-se que os entrevistados, relatam a intensidade da mudança a partir de diversas etapas sequenciais, que culminaram com o processo de mudança consolidado1818. Tidd J, Bessant J, Pavitt K. Managing Innovation: Integrating Technological, Market and Organizational Change. England: John Wiley & Sons; 2005.,3232. Gallouj F. Innovation in the service economy. London: Edward Elgar Publishing; 2002., evidentemente, bem exemplificadas, como no caso das inovações "Sorriso 10," "Bebê Nota 10" e "Cartilha da Construção Civil - Prevenção de Riscos e Cuidados de Saúde". Por fim, na categoria novidade, as inovações de marketing apresentaram referências para os códigos de mercado (MER) para três inovações, na divulgação de serviços da UBS a partir da associação com instituições religiosas, e nas campanhas "Sorriso 10" e "Bebê Nota 10," onde na análise de transcrição foi observado pelos entrevistados que não existem práticas similares e melhoradas, nem mesmo no mercado privado de saúde do município, para esse tipo de ação. Como novidade para a organização (ORG), obtivemos referência em oito inovações.

Inovação Organizacional

Identificamos nas inovações organizacionais introduzidas, métodos de melhoria nas práticas de organização do seu local de trabalho e na gestão (OCDE, 2005). Aquelas relacionadas a melhorias organizacionais de seu local de trabalho, correspondem às inovações, como no exemplo da reestruturação provendo acessibilidade e espaço diferenciado a determinados grupos etários para o consumo dos serviços da UBS, estruturação de uma sala de observação para casos de maior fragilidade no estado de saúde e que necessitam de acompanhamento. A elaboração de procedimentos operacionais padrão (POP), também foi considerada inovação organizacional, pois estabeleceu uma padronização, equalizando o atendimento médico e de outros profissionais de nível superior que frequentavam diversas UBS, trazendo, por vezes, seus modelos mentais para o processo de trabalho.

O mapeamento de usuários das UBS por endereço consistiu na padronização a partir da determinação de ação por microáreas, de determinado grupo de usuários, contendo características de cuidados similares, para encaminhamento de equipes de ACS, de forma otimizada buscando rápida resolubilidade, entendido aqui, com princípios de eficiência e eficácia na qualidade de atenção à saúde3535. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria n° 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Diário Oficial da União 2010; 12 jan.. O prontuário de família também foi identificado como uma inovação organizacional em algumas UBS, onde foi elaborado um modelo de coleta de informações e controle de todas as informações referentes a família. Esse método permite compor estratégias de condução na proposta de serviços baseada no modelo da ESF, consolidando o vínculo dos usuários com as ações e serviços das UBS.

Outra inovação organizacional encontrada refere-se à informatização (SIS.SAP), para o módulo agenda e almoxarifado, presente em quarenta e uma UBS. Essa inovação foi classificada como organizacional, pois o processo de controle já existia, apenas ocorreu uma mudança de modelo mental na utilização de informações digitais. Essa foi uma mudança significativa, na concepção dos gestores, que trouxe como consequência uma melhoria em diversas dificuldades que a UBS enfrentava, como utilização indevida do cartão SUS, retirada em duplicidade de medicamentos mensais, dificuldade de agendamento com especialidades médicas, dentre outras.

A organização online do encaminhamento dos pacientes para o hospital, através da Central de Leitos, também, foi considerada uma inovação, pois permitiu transparência das ações, não só aos servidores que atuavam na UBS, mas também aos pacientes, que recorriam a UBS (primeiro contato) na busca de informações quanto ao processo de internação hospitalar. Por fim, a educação permanente em saúde, consolidada e efetuada semanalmente, pelos profissionais, propondo diferentes capacitações, visou a melhoria do desempenho no atendimento, na proposta de serviços e ações. Identificou-se que essas ações, permitiram estabelecer uma análise a partir de melhorias evidenciadas nas práticas de gestão das UBS com demais níveis hierárquicos na RAS, como já observado em trabalhos e práticas internacionais3131. Roblin DW, Vogt TM, Fireman B. Primary health care teams: Opportunities and challenges in evaluation of service delivery innovations. J Ambul Care Manage 2003; 26(1):22-35.,3636. Mitton C, Dionne F, Masucci L, Wong S, Law S. Innovations in health service organization and delivery in northern rural and remote regions. International Journal of Circumpolar Health 2011; 70(5):460-472.,3737. Charles-Jones H, May C, Latimer J, Roland M. Telephone triage by nurses in primary care: What is it for and what are the consequences likely to be? Journal of Health Services Research and Policy 2003; 8(3):154-159.. Ainda, como exemplo do município, citamos o fluxo de agendamento de grupos de risco, como hipertensos e diabéticos, facilitado via telefone da UBS, tendo esses pacientes, prioridade em termos de atendimento médico local.

Para o motivador das inovações organizacionais, encontramos uma maior frequência na referência ao código de coordenação do serviço (COR) para cinco inovações, seguidas do código agilidade no atendimento (AGA). Ao considerarmos que as atividades identificadas tiveram por objetivo potencializar os métodos organizacionais e da gestão, tornou-se adequado, aos entrevistados, considerar que essas mudanças foram motivadas pela necessidade de coordenação, facilitando o progresso do processo, que consiste no atendimento à população.

A análise da segunda categoria referente a como essas inovações ocorreram, ou seja, quais foram os recursos necessários para viabilizar a mudança, a menção mais frequente na análise da transcrição das entrevistas foi da análise local a partir dos servidores e da população (ANL) presente em sete inovações, seguida de ampliação física, material e pessoal (AES). Novamente, para esse tema, obtivemos uma identificação da necessidade de melhoria partindo da ótica dos atores envolvidos no processo de inovação do serviço de saúde.

Na categoria setores/local de ocorrência das mudanças, obtivemos maior menção para o NAU em seis inovações, e, para o código POU em quatro inovações. Todas as inovações foram consideradas incrementais pela análise da categoria extensão. Para o grau de novidade das inovações organizacionais, encontramos na análise do conjunto, seis inovações que obtiveram menção para os dois códigos propostos, porém, nenhuma inovação apresentou maior frequência de referência para o código MER, pressupondo que essas mudanças permaneceram novas para organização, requisito contemplado para caracterizá-las como uma inovação, conforme achados da literatura11. OECD, Eurostat. Oslo Manual: Guidelines for Collecting and Interpreting Innovation Data. 3ª ed. Paris: OECD Publishing; 2005.,1818. Tidd J, Bessant J, Pavitt K. Managing Innovation: Integrating Technological, Market and Organizational Change. England: John Wiley & Sons; 2005.,3232. Gallouj F. Innovation in the service economy. London: Edward Elgar Publishing; 2002..

Considerações Finais

Inovação é sinônimo de mudança, e, as organizações se desenvolvem, ofertando serviços e colocando em andamento novos processos. A APS representa uma das mais relevantes intervenções do SUS3838. Ohira RHF, Junior LC, Nunes EFPA. Análise das práticas gerenciais na Atenção Primária à Saúde nos municípios de pequeno porte do norte do Paraná, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4439-4448.,3939. Mitre SM, Andrade EIG, Cotta RMM. Avanços e desafios do acolhimento na operacionalização e qualificação do Sistema Único de Saúde na Atenção Primária: um resgate da produção bibliográfica do Brasil. Cien Saude Colet 2012; 17(8):2071-2085., em contextos de grande diversidade social, econômica e demográfica, mediadas por injunções técnicas, éticas e políticas, que viabilizam o sucesso organizacional e, em consequência, a efetividade da intervenção. Neste sentido, as diferentes formas na identificação das inovações estão de algum modo relacionadas com as características de sua produção. O estudo das inovações em produto e/ou serviço, processo organizacional e marketing, corrobora o entendimento das dinâmicas de inovação e interlocuções na trajetória da APS.

Conforme a pesquisa, as inovações ocorrem, principalmente, em nível organizacional, e nesse ambiente, as inovações se destacam devido a sua capacidade de encontrar as melhores formas de fazer as coisas, em assumir desafios, apesar de recursos muitas vezes limitados. A inovação na APS representa uma capacidade de adaptação, de desenvolvimento de uma cultura de excelência e de melhoria contínua em busca da qualidade2121. Gauld R, Blank R, Burgers J, Cohen AB, Dobrow MK, Ikegami NKI, Kwon S, Luxford K, Milett C, Wendt C. The World Health report 2008-Primary healthcare: How wide is the gap between its agenda and implementation in 12 high-income health systems? Health Policy 2012; 7(3):38-58.,3434. Canadian Health Services Research Foundation. Casebook of Primary Healthcare Innovations. Montréal: Government of Canada; 2010.. A análise da produtividade na APS é um fator determinante na evolução dos sistemas de saúde em nível local, regional e nacional.

Cabe ressaltar que na interpretação das inovações encontradas nas quatro dimensões propostas identificou-se o processo de inovação como contínuo, sendo constituído por uma série de mudanças incrementais no ambiente organizacional. Essas mudanças abarcam melhorias no comportamento pretendido, sendo uma disposição nova ou melhorada, um procedimento tecnológico, ou ferramenta administrativa que propiciou uma variação da produção, ou da prestação dos serviços de saúde, ou instrumentos necessários à sua prestação. Assim, qualquer caracterização do processo de inovação deve, inicialmente, partir da concepção da inovação como uma resposta da organização às pressões do ambiente onde elas atuam. Assim, a partir dos motivadores das inovações identificadas, encontramos elementos associados a essas respostas, tais como, a necessidade de gerenciamento local, coordenação, demanda da população e geração de informação e conhecimento. Embora, entenda-se que existam estruturas de APS, de outros municípios brasileiros, que já contemplem ações e serviços identificados nesta pesquisa, para o município pesquisado elas foram destacadas como diferenciais, além de, contrastadas frente à literatura e documentos oficiais como práticas inovadoras.

Portanto, estudos que destaquem e tenham como objeto a inovação na rede básica, podem potencializar mudanças na forma como o serviço é prestado à população, servindo de base para mudanças maiores na formulação de políticas públicas de saúde, e, principalmente, para indagações tão importantes na comunidade científica que poderá ser um agente de transformação na forma como esses serviços são pensados e planejados, impactando na melhoria da assistência à saúde. Este estudo produziu conhecimentos sobre um tema com escassos estudos empíricos, sob a ótica da inovação em APS, porém se limitou a apontar a possibilidade de identificação de condicionantes. Tendo em vista a relevância do tema, especialmente para aqueles responsáveis pela gestão do trabalho no SUS, fazem-se necessários estudos complementares, a fim de elucidar oportunidades e discutir tecnologias no processo de trabalho em saúde, especialmente na APS.

Apesar da pesquisa contemplar a população das UBS, que representam a APS do município, pode-se destacar que não comportam generalizações, pois os resultados evidenciados na pesquisa exploratória nem sempre são os mesmos obtidos em uma diferente situação de campo, onde há variáveis e elementos muitas vezes imprevisíveis que podem intervir nos resultados. Por esse motivo, as conclusões permanecem restritas ao ambiente da pesquisa, porém apresentam uma orientação na condução de trabalhos sobre os temas pesquisados, pelo rigor na descrição das etapas metodológicas na qual representam uma característica necessária nas pesquisas exploratórias e qualitativas.

Da mesma forma, embora os resultados empíricos deste artigo apresentem algumas limitações de extensão, uma vez que dizem respeito a um estudo exploratório na APS do município, suas evidências empíricas reforçam o pressuposto central da pesquisa: a de que são identificados serviços e ações que são considerados práticas novas ofertadas a partir da unidade básica de saúde para a população, constituindo-se, portanto, em inovações, e, consequentemente, um desenvolvimento local. Como proposta de trabalhos futuros baseados nos resultados, e, com o objetivo de aprimorar e complementar os achados, sugere-se ampliar a pesquisa para outros municípios do estado, visto que as características regulamentadas pelo governo são direcionadoras. Porém estabelecem que a execução local das ações em saúde encontra-se na municipalização e são de responsabilidade local, na tentativa de evidenciar informações, contribuindo para o desenvolvimento e incorporação destas ações em nível nacional.

Agradecimentos

Ao Programa Nacional de Pós-Doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (PNPD – CAPES) pelo financiamento da pesquisa.

Referências

  • 1
    OECD, Eurostat. Oslo Manual: Guidelines for Collecting and Interpreting Innovation Data 3ª ed. Paris: OECD Publishing; 2005.
  • 2
    Mendes EV. As redes de atenção à saúde Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2011.
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: primary care assessment tool-PCATool-Brasil Brasília: MS; 2010.
  • 4
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Relação Nacional dos Serviços em Saúde-RENASES Brasília: MS; 2012.
  • 5
    Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Sistema Único de Saúde Brasília: CONASS; 2011.
  • 6
    Conill EM, Fausto MCR. Análisis de la problemática de la integración APS em el contexto actual: causas que inciden en la fragmentación de servicios y sus efectos en La cohesión social. Proyecto EUROsocial Salud, Intercambio "Fortalecimiento de la Integración de la Atención Primaria con otros Niveles de Atención". Documento técnico. Rio de Janeiro: IRD; 2007. [acessado 2013 jan 10]. Disponível em: http://www5.ensp.fiocruz.br/biblioteca/dados/arq6952.pdf.
    » http://www5.ensp.fiocruz.br/biblioteca/dados/arq6952.pdf
  • 7
    Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social São Paulo: Atlas; 2007.
  • 8
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Economia em Saúde [página na internet]. [acessado 2012 dez 12]. Disponível em: http://downloads.ibge.gov.br/downloads_estatisticas.htm
    » http://downloads.ibge.gov.br/downloads_estatisticas.htm
  • 9
    Claus SM, Capra MLP. Potencializando a Gestão para organizar o SUS a partir da Rede Básica Porto Alegre: Dacasa; 2002.
  • 10
    Prefeitura Municipal de Caxias do Sul. Secretaria do Desenvolvimento Econômico. [página na internet]. [acessado 2013 jan 12). Disponível em: http://www. caxias.rs.gov.br
    » http://www.caxias.rs.gov.br
  • 11
    Nodari CH, Olea PM, Dorion, E, Severo EA. Innovations in primary care management: a Brazilian Experience. World Review of Entrepreneurship, Management and Sust. Development 2012; 8(2):165-180.
  • 12
    Flick U, Gibbs G. Análise de dados qualitativos Porto Alegre: Bookman; 2005.
  • 13
    Bardin L. Análise de conteúdo Lisboa: Edições 70; 2006.
  • 14
    Creswell J. Projeto de Pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto Porto Alegre: Bookman; 2009.
  • 15
    Ahmed PK. Benchmarking Innovation Best Practice Europe Centre of Total Quality Management. Bradford: University of Bradford; 2001.
  • 16
    Damanpour F, Szabat P, Evan CJ. The relationship between types of innovation and organizational performance. Journal of Management Studies1989; 26(6):4598.
  • 17
    Higgins JM. Innovate or evaporate: Test & Improve Your Organization's IQ: Its Innovation Quotient United States: New Management Pub. Co.; 1995.
  • 18
    Tidd J, Bessant J, Pavitt K. Managing Innovation: Integrating Technological, Market and Organizational Change England: John Wiley & Sons; 2005.
  • 19
    Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2297-2305.
  • 20
    Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia Brasília: Unesco, Ministério da Saúde (MS); 2002.
  • 21
    Gauld R, Blank R, Burgers J, Cohen AB, Dobrow MK, Ikegami NKI, Kwon S, Luxford K, Milett C, Wendt C. The World Health report 2008-Primary healthcare: How wide is the gap between its agenda and implementation in 12 high-income health systems? Health Policy 2012; 7(3):38-58.
  • 22
    Giovanella LA. Atenção Primária à Saúde nos países da União Européia: Configurações e Reformas Organizacionais na década de 1990. Cad Saude Publica 2006; 22(5):951-963.
  • 23
    Chreim S, Williams BE, Janz L, Dastmalchian A. Change Agency in a Primary Health Care Context: The Case of Distributed Leadership. Health Care Manag Rev 2010; 35(2):187-199.
  • 24
    Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Cadastro Nacional de Estabelecimentos em Saúde-CNESNet. [página na internet]. [acessado 2012 dez 8]. Disponível em: http://cnes.datasus.gov.br.
    » http://cnes.datasus.gov.br
  • 25
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria n° 533, de 29 de março de 2012. Diário Oficial da União 2012; 30 jul.
  • 26
    Greenhalgh T, Robert G, Macfarlane F, Bate P, Kyriakidou O. Diffusion of innovations in service organizations: Systematic review and recommendations. Milbank Quarterly 2004; 82(4):581-629.
  • 27
    Yarnall KSH, Pollak KI, Østbye T, Krause KM, Michener JL. Primary Care: Is there enough Time for Prevention? Am J Public Health 2003; 93(4):635-641.
  • 28
    Grumbach K, Bodenheimer T. Can Health Care Teams Improve Primary Care Practice? JAMA 2004; 291(10): 1246-1251.
  • 29
    Parfitt BA, Cornish F. Implementing family health nursing in Tajikistan: From policy to practice in primary health care reform. Soc Sci Med 2007; 65(8):17201729.
  • 30
    Barnett J, Vasileiou K, Djemil F, Brooks L, Young T. Understanding innovators experiences of barriers and facilitators in implementation and diffusion of healthcare service innovations: A qualitative study. BMC Health Services Research 2011; 11(2):987-1001.
  • 31
    Roblin DW, Vogt TM, Fireman B. Primary health care teams: Opportunities and challenges in evaluation of service delivery innovations. J Ambul Care Manage 2003; 26(1):22-35.
  • 32
    Gallouj F. Innovation in the service economy London: Edward Elgar Publishing; 2002.
  • 33
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). More health: a right for everyone: 2008-2011 Brasília: MS; 2008.
  • 34
    Canadian Health Services Research Foundation. Casebook of Primary Healthcare Innovations Montréal: Government of Canada; 2010.
  • 35
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria n° 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Diário Oficial da União 2010; 12 jan.
  • 36
    Mitton C, Dionne F, Masucci L, Wong S, Law S. Innovations in health service organization and delivery in northern rural and remote regions. International Journal of Circumpolar Health 2011; 70(5):460-472.
  • 37
    Charles-Jones H, May C, Latimer J, Roland M. Telephone triage by nurses in primary care: What is it for and what are the consequences likely to be? Journal of Health Services Research and Policy 2003; 8(3):154-159.
  • 38
    Ohira RHF, Junior LC, Nunes EFPA. Análise das práticas gerenciais na Atenção Primária à Saúde nos municípios de pequeno porte do norte do Paraná, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4439-4448.
  • 39
    Mitre SM, Andrade EIG, Cotta RMM. Avanços e desafios do acolhimento na operacionalização e qualificação do Sistema Único de Saúde na Atenção Primária: um resgate da produção bibliográfica do Brasil. Cien Saude Colet 2012; 17(8):2071-2085.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2014
  • Revisado
    15 Maio 2015
  • Aceito
    17 Maio 2015
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br