Abordagem grupal para avaliação de alterações de linguagem em crianças pequenas

Amanda Brait Zerbeto Cecilia Guarnieri Batista Sobre os autores

Resumo

O objetivo do presente estudo é descrever as contribuições de uma abordagem terapêutica grupal de enfoque sociointeracionista na avaliação de linguagem de crianças entre 1:9 e 3:0 anos. Participaram nove crianças, avaliadas em três grupos de três participantes (G1 e G2 – crianças com queixas de alterações de linguagem, G3 – crianças sem queixas de linguagem). Para cada grupo foram realizados quatro encontros videogravados, com duração entre 30 e 60 minutos cada. Os vídeos foram analisados juntamente com o diário de campo, com foco na participação das crianças e em sua produção oral e não oral. A análise detalhada de G2, apresentada no presente trabalho, indicou aumento de produção oral e ampliação das funções linguísticas ao longo das sessões. Os aspectos não verbais contribuíram para a identificação de elementos relevantes da linguagem, especialmente no nível pragmático. O contexto de brincadeira e interação no grupo, e mesmo de disputas por objetos, propiciou a detecção desses diferentes aspectos da linguagem. A proposta de avaliação descrita permitiu a observação da linguagem das crianças em seu exercício vivo e constituiu um modelo que abrange os diferentes aspectos da linguagem, em contextos significativos de interação.

Palavras-chave
Prática de grupo; Linguagem infantil; Saúde da criança; Fonoaudiologia

Introdução

Nas clínicas de Fonoaudiologia tem-se observado a crescente demanda de atendimento a crianças encaminhadas com queixas de alterações de fala e linguagem11. Wiethan FM, Souza APR, Klinger EF. Abordagem terapêutica grupal com mães de crianças portadoras de distúrbios de linguagem. Rev Soc Bras Fonoaudiol 2010; 15(3):442–451.22. Schirmer CR, Fontoura DR, Nunes ML. Distúrbios da aquisição da linguagem e da aprendizagem. J pediatr (Rio J.) 2004; 80(2):95–103.. E o primeiro procedimento realizado pelo fonoaudiólogo nessa situação é a avaliação, processo que permite caracterizar e analisar a linguagem da criança para a definição de condutas.

Na avaliação de linguagem devem ser adotados procedimentos capazes de fornecer suporte e subsídios para a conduta que o profissional assumirá33. Perissinoto J, Avila CRB. Avaliação e diagnóstico das linguagens oral e escrita. In: Fernandes FDM, Mendes BCA, Navas ALPGP, organizadores. Tratado de Fonoaudiologia. Roca: São Paulo; 2009. p. 275–280.. Dentre esses procedimentos estão a coleta de informações em entrevistas com os responsáveis pela criança; a observação, o registro e a análise de aspectos físicos, motores, relacionais, auditivos e linguísticos do indivíduo e do contexto em que está inserido; e comparação dos dados observados no sujeito com padrões estabelecidos com base em pesquisas e em análise do contexto sociocultural. Dessa forma, a avaliação de linguagem proporciona ao profissional a oportunidade de investigar as características do desenvolvimento e propor hipóteses sobre aspectos linguísticos do caso, de forma a delimitar o foco de sua intervenção.

A metodologia adotada na avaliação decorre da concepção teórica adotada pelo avaliador. O presente trabalho é fundamentado na concepção sociointeracionista, que considera que a linguagem se dá na interação social, nas trocas entre parceiros sociais e através de processos de mediação44. Vygotsky LS. A construção do pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes; 2001.66. Bakhtin M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes; 2003.. No que se refere à aquisição de linguagem, a perspectiva sociointeracionista considera que fatores sociais, comunicativos e culturais são fundamentais para a aquisição da linguagem77. Scarpa EM. Aquisição da linguagem. In: Mussalim F, Bentes AC, organizadores. Introdução à linguística 2: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez; 2003. p. 203–232.. E o processo de aquisição de linguagem é considerado uma consequência da relação dialógica entre o adulto e a criança88. Castro MFP, Figueira R A. Aquisição da linguagem. In: Nunes JH, Pfeiffer CC, organizadores. Introdução às ciências da linguagem—Linguagem, História e Conhecimento. Campinas: Pontes; 2006. p.73–102..

A abordagem sociointeracionista de aquisição de linguagem sugere metodologias de avaliação em que a observação da linguagem das crianças ocorra em contextos significativos de interação. Nesses contextos, são enfatizados os processos dialógicos e interativos e são propiciadas possibilidades de interação diversificada com adultos e crianças, preferencialmente em grupos. Dessa forma, a avaliação de linguagem em grupo torna-se interessante para uma abordagem sociointeracionista por ser um contexto em que pode ser observada a troca comunicativa entre diversos parceiros77. Scarpa EM. Aquisição da linguagem. In: Mussalim F, Bentes AC, organizadores. Introdução à linguística 2: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez; 2003. p. 203–232. e também por esta ocorrer em um ambiente de interação social99. Corrêa MB. Considerações sobre terapia de grupo na clínica fonoaudiológica. In: Lier-De-Vitto MF, organizadores. Fonoaudiologia: no sentido da linguagem. São Paulo: Cortez; 1994. p. 39–48. e de brincadeiras, situação a que as crianças estão constantemente expostas. Na área de Fonoaudiologia, tem predominado um modelo clínico, com relações unitárias terapeuta-paciente. Entretanto, experiências de atendimento com caráter grupal também têm sido utilizados desde a década de 1980. No Brasil, esse tipo de abordagem foi proposta nos serviços públicos devido ao aumento da demanda para atendimento nas Unidades Básicas de Saúde. Os grupos passaram a ser utilizados para terapia, de forma a assistir um número maior de pessoas99. Corrêa MB. Considerações sobre terapia de grupo na clínica fonoaudiológica. In: Lier-De-Vitto MF, organizadores. Fonoaudiologia: no sentido da linguagem. São Paulo: Cortez; 1994. p. 39–48.. Com o inicio da utilização desse recurso, os profissionais passaram a ver outros benefícios, os grupos passaram a ser vistos como uma importante oportunidade de trocas, de partilha de conhecimentos e sentimentos11. Wiethan FM, Souza APR, Klinger EF. Abordagem terapêutica grupal com mães de crianças portadoras de distúrbios de linguagem. Rev Soc Bras Fonoaudiol 2010; 15(3):442–451.,1010. Filho PPS, Massi GAA. A influência da estrutura de um grupo na linguagem escrita de idosos: um estudo de caso. Rev Soc Bras Fonoaudiol 2011; 16(3):350–355.. Além de atender a demandas econômicas e organizacionais, constitui uma forma de trabalho capaz de contribuir para a emergência da linguagem em todas as suas dimensões e que favorece a construção de processos facilitadores do desenvolvimento da linguagem e da subjetividade. O grupo proporciona diferentes possibilidades de relações, cujos participantes podem trocar informações, experiências e conhecimentos1111. Friedman S, Passos MC. O grupo terapêutico em fonoaudiologia: uma experiência com pessoas adultas. In: Santana AP, Berberian AP, Massi G, Guarinello AC, organizadores. Abordagens grupais em fonoaudiologia: contextos e aplicações. São Paulo: SUMMUS; 2007. p. 138–163.1212. Leite APD, Panhoca I, Zanolli ML. Distúrbios de voz em crianças: o grupo como possibilidade de intervenção. Disturb Comun 2008; 20(3):339–347.. Em relação ao papel do fonoaudiólogo no grupo, considera-se que este deve ser o mediador e o interlocutor, pois deve utilizar a linguagem como um recurso de expressão dos participantes e de suas necessidades1313. Machado MLCA, Berberian AP, Massi G. A terapêutica grupal na clínica fonoaudiológica voltada a linguagem escrita. In: Santana AP, Berberian AP, Massi G, Guarinello AC, organizadores. Abordagens grupais em fonoaudiologia: contextos e aplicações. São Paulo: SUMMUS; 2007. p. 58–79..

Mesmo com o reconhecimento dos aspectos positivos do grupo, essa modalidade de atendimento ainda é vista como um desafio da Fonoaudiologia1414. Panhoca I, Bagarollo MF. Sujeitos autistas em terapêutica fonoaudiológica grupal. In: Santana AP, Berberian AP, Massi G, Guarinello AC, organizadores. Abordagens grupais em fonoaudiologia: contextos e aplicações. São Paulo: SUMMUS; 2007. p. 121–137., que tem sido utilizada, entre outros, pelos profissionais que adotam uma perspectiva sociointeracionista1515. Albuquerque AG, Costa MLG, Sena EFC, Luz LMS. Análise da produção de sentidos em narrativas de afásicos participantes de grupo de convivência. Rev. CEFAC 2010; 12(1):51–56.. Ao conceberem que a linguagem se constitui e se manifesta nas interações sociais e nas relações dialógicas, esses profissionais optam pelo trabalho em grupo por ser um espaço em que os fenômenos que tanto caracterizam a linguagem estão presentes.

Com a construção do grupo e a identificação entre os participantes, um dos fenômenos estudados que geralmente é observado é o vínculo e a familiarização entre os participantes. O conceito de vínculo sempre é social e é concebido a partir do contato com as diferentes histórias das relações interpessoais dos participantes do grupo, formadas por vínculos de espaço e tempo1616. Pichon-Riviére E. Teoria dos vínculos.São Paulo: Martins Fontes; 2000.1717. Friedman S, Lopes JC, Ribeiro MG. O vínculo no trabalho terapêutico fonoaudiológico com grupos. Disturb Comun 2011; 23(1):59–70..

Em uma revisão de literatura sobre artigos que abordaram a terapia em grupo na Fonoaudiologia1818. Ribeiro VV, Panhoca I, Dassie-Leite AP, Bagarollo MF. Grupo terapêutico em fonoaudiologia: revisão de literatura. Rev CEFAC 2012; 14(3):544–552., a área em que mais trabalhos foram publicados foi a da linguagem. Com relação ao público atendido nos grupos, a maior parte era de adultos, seguida pelas crianças. No que se refere aos estudos de avaliação de linguagem de crianças, uma das críticas à abordagem tradicional é de que uma avaliação realizada nesses moldes tende a trazer informações parciais e incompletas sobre as capacidades da criança, que pode não se sentir à vontade diante de um adulto praticamente desconhecido1919. Palladino RRR. Reflexões sobre a investigação de linguagem em crianças pequenas. Distúrb Comun 1986; 1(1):1–11.. Por outro lado, considera-se que a avaliação em grupo permite a observação das manifestações da linguagem com diferentes interlocutores. Os encontros de grupos, repetidos por várias vezes, permitem entrosamento e formação de vínculo entre os integrantes e a possibilidade de a criança se sentir mais a vontade para mostrar seu potencial e sua linguagem.

Um dos trabalhos de avaliação de linguagem em que os aspectos grupais foram considerados no processo de avaliação é o de Laplane et al.2020. Laplane ALF, Batista CG, Botega MBS. Grupo de Avaliação e Prevenção de Alterações de Linguagem. In: Santana AP, Berberian AP, Massi G, Guarinello AC, organizadores. Abordagens grupais em fonoaudiologia: contextos e aplicações. São Paulo: SUMMUS; 2007. p. 164–187.. Foi relatada a experiência de um Estágio curricular de um curso de Fonoaudiologia, no qual funciona um Grupo de Linguagem. Nesse estágio, as crianças foram observadas em grupo durante o brincar, sendo essa a estratégia escolhida com a intenção de promover a interação e a emergência da linguagem.

Os estudos citados enfatizam a relevância do grupo como contexto para atuação em Fonoaudiologia, o que é especialmente relevante quando é adotada a concepção sociointeracionista de linguagem. Em consonância com esses princípios, o objetivo do presente estudo é descrever aspectos e contribuições de uma abordagem grupal na avaliação de linguagem de crianças na faixa etária de 18 a 36 meses.

Métodos

Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa2121. Serapioni M. Métodos qualitativos e quantitativos na pesquisa social em saúde: algumas estratégias para a integração. Cien Saude Colet 2000; 5(1):187–192.. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa de uma Universidade pública. Ao longo do trabalho, os nomes das crianças, quando citados, foram substituídos por nomes fictícios. Para todos os participantes para quem, durante a avaliação tivessem sido sugeridos encaminhamentos ou acompanhamento fonoaudiológico, foram tomadas providências para que tivessem o atendimento adequado após o término do estudo.

Participantes

Participaram da pesquisa nove crianças com idades entre 1:9 e 3:0 anos, divididas em três grupos. Os Grupos 1 e 2 foram formados por crianças com queixas de alterações de linguagem, e o Grupo 3 por crianças sem queixas de linguagem. O número de crianças com queixas e sem queixas de linguagem foram diferenciados, pois entre as crianças sem queixas de linguagem espera-se uma menor variabilidade nas respostas, o que não exige equilíbrio de participantes entre grupos. E a escolha de crianças com e sem queixas de alteração de linguagem se deu com o propósito de averiguar se a metodologia de avaliação proposta no presente trabalho seria aplicável e se permitiria a observar na interação social em todas as crianças, tendo elas queixas ou não.

As crianças dos Grupos 1 e 2 foram convocadas em um serviço de saúde universitário em que ocorrem parte dos estágios do curso de Fonoaudiologia da Unicamp. Parte das crianças apresentava histórico diversificado em relação a diagnóstico/queixas, incluindo síndromes genéticas, problemas neurológicos, sequelas da prematuridade, entre outros. Outras apresentavam apenas a queixa relativa a atraso e/ou dificuldade de linguagem identificadas pela família, escola ou serviço de saúde. Essas crianças foram selecionadas de acordo com a ordem em que se encontravam na lista de espera do serviço.

As crianças do Grupo 3 foram convocadas em uma escola pública de educação infantil do mesmo município. Constituiu requisito para a participação a ausência de queixas de linguagem e de histórico relacionado a problemas severos de saúde, especialmente os relacionados a possíveis fatores de risco para surdez e problemas neurológicos. Dentre essas crianças, foram selecionadas para o estudo aquelas cujos pais concordaram com o mesmo, e que eram bastante assíduas à escola.

O Quadro 1 traz uma breve caracterização dos participantes dos Grupos 1, 2 e 3. As informações obtidas por meio do relato dos responsáveis foram identificadas pela abreviação (R), e os dados obtidos a partir dos relatórios de serviços de saúde pela abreviação (S).

Quadro 1
Descrição dos participantes.

Coleta de dados

As crianças foram avaliadas em três grupos, cada um com três participantes. Para cada grupo de criança foram realizados quatro encontros, com duração entre 30 e 60 minutos.

A entrevista com os responsáveis deu-se de modo semiestruturado, com base em roteiro centrado nos seguintes aspectos: condições de nascimento da criança, constituição familiar, desenvolvimento neuropsicomotor, desenvolvimento linguístico e auditivo.

Nas salas, todos os participantes do grupo e a pesquisadora permaneceram sentados em colchonete no chão, onde aconteceram as atividades que propiciaram a observação da interação para avaliação de linguagem. Foram disponibilizados brinquedos, livros e materiais, habitualmente utilizados para a faixa etária das crianças participantes e provavelmente presentes no seu contexto domiciliar e/ou escolar. Os brinquedos ficaram localizados próximos às crianças, que poderiam pegá-los quando quisessem. Caso as crianças não apresentassem iniciativa para manuseá-los, a pesquisadora incentivava que a criança brincasse com ele. Em alguns momentos ocorreram atividades direcionadas pela pesquisadora para a observação de aspectos importantes para a caracterização da linguagem.

Todos os encontros foram videogravados com câmera digital (com apoio de tripé ou manipulada por estagiário de fonoaudiologia) e os dados das sessões também foram registrados em um Diário de Campo.

Análise de dados

As gravações foram examinadas repetidamente para possibilitar a descrição da participação da criança na sessão, e descrição da produção oral por sessão das crianças. Foram feitas transcrições de episódios significativos e anotações de toda a produção oral de cada criança. Buscou-se caracterizar a linguagem da criança e sua participação no grupo. A linguagem foi analisada em termos orais e não orais e a participação no grupo, em termos das formas de participação da criança, ao longo das quatro sessões.

Resultados

Como exemplo das análises realizadas nos Grupos, será descrita a avaliação das crianças participantes do Grupo 2. Kaio foi o participante que se manteve mais afastando do grupo, e que, em alguns momentos, aceitou a interação com outros. A participação de Eduardo se deu principalmente pelo olhar e sorriso durante as atividades, devido especialmente às suas limitações motoras nos membros superiores e inferiores. Murilo foi o que mais teve iniciativas de brincadeira conjunta, entregando objetos para Eduardo e Kaio.

Uma vez que a queixa central das crianças dos Grupos 1 e 2 era relativa ao atraso/dificuldade de linguagem, foi feito um levantamento das palavras e expressões vocais das crianças ao longo das sessões, e se buscou analisar seu contexto de produção, como parte da análise da participação da criança em cada sessão.

No Quadro 2 são reproduzidos todos os exemplos de linguagem oral das crianças do Grupo 2 em cada sessão de grupo. Em seguida, é feita descrição e análise do contexto em que foram produzidos, bem como das outras formas de participação e uso da linguagem não oral das crianças durante as sessões.

Quadro 2
Registro da linguagem oral por sessão – Grupo 2.

Observa-se, no Quadro 2, uma tendência de ampliação do uso da linguagem oral ao longo das sessões: Kaio apresentou um exemplo de linguagem oral na última sessão, Eduardo apresentou alguns exemplos linguagem oral nas sessões 3 e 4, e Murilo a apresentou em todas as sessões com ampliação das funções da linguagem ao longo dessas sessões.

A descrição mais detalhada do Quadro 2 é mostrada a seguir, na apresentação dos resultados por criança, que contém a síntese da entrevista realizada com seu responsável, a descrição da sua produção oral e das manifestações de linguagem não oral, e a conclusão da avaliação e proposta de conduta.

Kaio

Entrevista: a mãe informou que a criança foi encaminhada à fonoaudiologia pelo pediatra “por causa da fala, ele não fala ainda”. Ele não frequenta a escola e tem pouco contato com outras crianças, sendo que, quando está em companhia delas, prefere brincar sozinho.

Linguagem oral: na S4 foi observada a primeira produção oral da criança “áá!”. Murilo estava à frente de Kaio, bloqueando a passagem para a porta, e tinha sido anunciado o término da sessão. Kaio gritou “Áá”, provavelmente para que Murilo saísse do caminho e ele pudesse se retirar da sala. A produção teve intensidade e entonação característicos de uma ordem: prá lá. Kaio, que não produziu linguagem oral nas outras sessões, no final da última sessão produziu um enunciado vocálico com uma intenção clara, ao se deparar com uma situação de impedimento de sair da sala por outro participante do grupo.

Interação no grupo e manifestações de linguagem: durante as sessões, Kaio foi uma criança que na maior parte do tempo preferiu manusear os brinquedos em cantos da sala, e em poucas atividades interagiu com o adulto e as outras crianças. Seus contatos visuais foram raros e ocorreram de forma assistemática. Nos momentos em que olhou para seu interlocutor, poucas vezes respondeu à fala, seja com linguagem oral ou não oral. Um dos momentos em que foi possível observar a linguagem não oral ocorreu na S2. Neste episódio, Kaio, que na maior parte da sessão se manteve afastado do grupo, com o rosto voltado para a parede, mostrou-se interessado na atividade de guardar as peças do lego. A criança realizou contato visual com a pesquisadora (o adulto que propôs a atividade) ao guardar a peça dentro da caixa, observou o lugar e o modo como o adulto e as outras crianças guardaram as peças, e depois seguiu o modelo de como guardar esse material. Observa-se que o grupo despertou o interesse de Kaio para uma atividade diferente das que ele estava realizando. O envolvimento dos participantes nas atividades e o contexto grupal foram importantes para despertar o interesse da criança para a brincadeira, fazendo com que ele parasse de explorar outros objetos da sala e voltasse sua atenção na brincadeira em que os outros estavam envolvidos, e a realizando no mesmo modelo que observou nas outras crianças. Na S4, pôde-se observar um uso diferente da linguagem utilizada por Kaio. Além da utilização da linguagem não oral, ele falou “áá!” para que outra criança saísse do caminho, apresentando também uma iniciativa discursiva.

Conclusão da avaliação e conduta: pôde-se observar que as informações fornecidas pela mãe, como a de que Kaio preferia brincar sozinho mesmo na companhia de outras crianças, foram compatíveis com as observações realizadas nas sessões. O contato visual assistemático, o pouco uso de gestos pela criança, o léxico restrito a um som vocálico, e a dificuldade em saber se Kaio compreendeu o que foi dito ou demonstrado (por ele não apresentar uma ação ou resposta que mostrasse ao seu interlocutor o entendimento, não se sabe se a criança não fez a ação por não querer participar da brincadeira ou por não ter compreendido o pedido) indicam um desenvolvimento linguístico diferente do considerado típico para sua idade. Ao mesmo tempo, foram observados potenciais, como quando prestou atenção em como os outros participantes manusearam o objeto e reproduziu esse mesmo uso. Dessa forma, como conduta foi indicado o acompanhamento fonoaudiológico especializado na área de linguagem e o ingresso na escola, para que Kaio tenha mais oportunidades de interação com crianças de sua faixa etária.

Eduardo

Entrevista: Eduardo é filho único do casal, e em sua gestação a mãe da criança teve complicações. A gestação foi gemelar, mas devido às complicações, somente Eduardo sobreviveu. Atualmente a rotina da criança inclui atendimentos de fisioterapia motora (duas vezes na semana), fisioterapia respiratória (duas vezes na semana) e em breve iniciará atendimento com a terapia ocupacional. No momento não frequenta a escola, a família fez duas tentativas para que a criança participasse das aulas, porém por ter contraído viroses, os pais fizeram a escolha de retirá-lo da instituição. A criança apresenta um atraso no DNPM, não conseguindo sentar sem apoio e andar. Em relação ao desenvolvimento linguístico, a mãe relatou que ele fala duas palavras: “papa” (papai) e “boba” (se referindo à mãe) e acha que a criança compreende o que os outros dizem, sempre olhando e rindo com outras pessoas.

Linguagem oral: no inicio dos atendimentos foram raros os momentos em que Eduardo emitiu sons, conforme apontado no Quadro 2. Ao longo das sessões, com maior contato e interação com o grupo, a criança passou a mostrar maior iniciativa discursiva com sons ininteligíveis e algumas palavras. Em S3, Eduardo emitiu os primeiros sons, em contexto da brincadeira imaginativa de telefone: “papá” (papai) e “boba” (referente à mãe). “Papa” foi dito quando Eduardo estava com o telefone na mão, após uma brincadeira em que o adulto disse que ligaria para o pai dele. Ao falar “papá”, possivelmente, Eduardo se utilizou de um processo dialógico, a especularidade, em que a criança repetiu a fala do adulto, que acabara de falar “papai”. “Boba” foi dito durante a brincadeira com o telefone, após falar “papá”, Eduardo recomeçou a manusear o telefone e disse “boba”. Quando a pesquisadora perguntou se estava falando com a mãe, ele sorriu. Nesse episódio, o primeiro participante do grupo a participar do faz-de-conta foi Murilo, e Eduardo, após observá-lo durante um tempo, entrou na brincadeira também, produzindo inclusive suas primeiras palavras no contexto da avaliação. Em S4, quando a pesquisadora parou de fazer as bolas de sabão, Eduardo falou “boia”, como se pedisse para que ela recomeçasse a brincadeira. A criança utilizou assim a linguagem oral para regular a ação da pesquisadora, demonstrando também uma maior variedade de funções de linguagem ao longo das sessões com o grupo.

Interação no grupo e manifestações de linguagem: Eduardo foi uma criança muito sociável e observadora, sempre atenta às atividades que ocorreram a sua volta e às crianças que interagiram com ele. Em relação aos gestos, não descritos no quadro, mas de extrema importância para o caso, Eduardo os utilizou em vários momentos, especialmente os proto-imperativos (quando a criança usa o gesto para que o adulto faça alguma coisa para ela, como pegar um brinquedo). Nas S1 e S2, os gestos de apontar para solicitar e mostrar objetos ocorreram constantemente. Nas S3 e S4, apareceram os gestos sociais, quando a criança deu tchau com a mão e mandou beijo para o grupo, demonstrando assim uma familiarização com as outras crianças e a pesquisadora, e destacando competências sociais de Eduardo. No início dos atendimentos (S1 e S2), Eduardo se comunicou por meio de contato visual, sorrisos e gestos de apontar. Um exemplo desse tipo de participação ocorreu na S2, a criança que pelas suas dificuldades motoras sempre participava das brincadeiras através do contato visual e expressões faciais, aceitou a ajuda da pesquisadora para participar da atividade de guardar o lego. Eduardo não só aceitou a ajuda, mas depois quis realizar a tarefa sozinho, sendo que em uma das tentativas conseguiu colocar o lego na caixa. O envolvimento de outras crianças na atividade parece ter despertado o interesse de Eduardo em tentar movimentos diferentes e participar mais ativamente das brincadeiras.

Conclusão da avaliação e conduta: ao analisar os dados de Eduardo, considerou-se que a criança apresentou desenvolvimento diferente do que a literatura prevê como típico para a idade nos aspectos de linguagem observados, mas também apresentou indicadores de desenvolvimento nos mesmos. Devido às demandas individuais de linguagem, foi indicado a Eduardo acompanhamento fonoaudiológico. Também foram indicadas atividades em grupo, com poucas crianças, para que Eduardo tivesse maiores oportunidades de interagir com crianças de sua idade.

Murilo

Entrevista: Murilo é o único filho do casal. A criança nasceu com insuficiência renal, alterações no trato urinário baixo e no intestino grosso. Devido às alterações relatadas, Murilo passou por seis cirurgias e desde a última, há três meses, não necessita de nenhum meio artificial para urinar ou evacuar. Atualmente não faz uso de medicamentos e segundo relato materno “tem uma vida normal”. Seu contato com outras crianças é restrito, visitando poucas vezes um primo de idade semelhante à dele. Com relação à escola, uma das condições para que o aceitassem era a retirada da colostomia. Assim que a retirou, a mãe procurou uma creche pública para matriculá-lo, mas não encontrou uma vaga para o filho. Matheus começou a falar com 1:8 anos, mas segundo a mãe seu vocabulário é pouco abrangente, sendo por este motivo que procurou o serviço de Fonoaudiologia.

Linguagem oral: em S1 Murilo produziu linguagem oral para indicar a localização de objetos (aki ó) e chamar a atenção do adulto para brinquedos (oia). Em S2, disse “oia aki ó” e “oia aki” para requisitar a atenção da pesquisadora e das outras crianças. Outro processo observado em S2 foi a especularidade, imediatamente após a pesquisadora ter falado “do outro lado”, Murilo falou “co oto ado”, na brincadeira de encaixar as peças de lego. O enunciado de Murilo parece ter sido um “espelhamento” da fala do adulto, como ocorreu também quando a pesquisadora disse que a peça de lego “caiu”, e Murilo disse “aiu”. Em S3, na brincadeira em que o objetivo foi colocar peças de lego na caçamba do caminhão e dizer suas cores, a pesquisadora disse “azul” e Murilo especulou sua fala dizendo “aul”, a cor que disse sem ajuda foi “vermei” (vermelho). Na mesma sessão, também produziu um enunciado típico de brincadeira imaginativa com telefone “aô, quem é?” (S3). Em S4, disse “oia aki ó” para requisitar a atenção da pesquisadora, e diante de perguntas do adulto sobre o nome do objeto, cor e o que ele fazia, Murilo disse “kao” (carro), “vermei” e “koe” (corre). Foi possível observar assim um uso mais complexo da linguagem oral ao longo das sessões.

Interação no grupo e manifestações de linguagem: Murilo foi uma criança muito ativa, explorando todo o ambiente, brinquedos e interações, com adultos e crianças, inclusive ajudando Eduardo, que tinha dificuldades físicas, a manusear brinquedos, como colocar o telefone em sua orelha. Manteve contato visual com todos seus interlocutores, realizou alternância de turnos com a linguagem oral e usou gestos, mas o meio de comunicação mais frequente nas sessões foi o oral. Mostrou compreensão do contexto, das brincadeiras desenvolvidas e das falas dirigidas a ele. Em relação à sua produção, foram observadas a emissão de palavras e frases curtas, sendo estas sempre adequadas ao contexto e às brincadeiras desenvolvidas, como exemplo quando disse “aô, quem é?” ao colocar o telefone na orelha . O léxico foi utilizado para se referir a objetos, nomear cores, especular a fala do adulto, chamar a pesquisadora e participar de brincadeiras de faz-de-conta. Murilo também se utilizou de gestos convencionais, como movimentar a cabeça verticalmente para dizer “sim”; o apontar para requisitar a atenção do interlocutor para objetos distantes; e conforme um maior vínculo foi estabelecido com a pesquisadora, a criança passou a dar tchau e mandar beijos ao final dos atendimentos.

Conclusão da avaliação e conduta: Murilo apresentou um desenvolvimento linguístico apropriado para sua idade em quase todos os itens avaliados, fez trocas fonoarticulatórias esperadas para sua idade, e somente no aspecto que contemplou o léxico foi observada uma menor variedade de palavras. As últimas observações não justificariam um atendimento fonoaudiológico no presente caso, de forma que foram ressaltados os benefícios que a criança teria ao ingressar na escola, e marcado um retorno para uma nova reavaliação fonoaudiológica em seis meses.

A análise do Grupo 1 foi semelhante à do Grupo 2. No Grupo 1, a produção oral se ampliou ao longo das sessões, e também sua complexidade. A análise da produção da linguagem não oral permitiu a identificação de exemplos de capacidades linguísticas, e a interação entre crianças foi maior que a observada no Grupo 2.

No Grupo 3, as interações entre as crianças foram mais intensas e diversificadas que nos Grupos 1 e 2. A produção de linguagem oral foi mais ampla, desde a primeira sessão, e se modificou ao longo das sessões. Nos encontros finais, as crianças utilizaram a linguagem de forma mais complexa que nas sessões iniciais.

Discussão

A avaliação de linguagem em grupo permitiu observações que dificilmente seriam detectadas em situações com relação unitária (terapeuta-paciente individual). Um exemplo foi a iniciativa discursiva de Kaio ao gritar para que Murilo saísse da sua frente (S4). Outros exemplos envolveram situações em que Eduardo passou a participar de atividades depois que Murilo as executou. O grupo constituiu um espaço favorecedor da interação, possibilitando a identificação do potencial linguístico das crianças. A avaliação em grupo, envolvendo interação adulto-criança e criança-criança, e disponibilização de objetos para a interação, proporcionou a observação da linguagem em sentido amplo2222. Hage SRV, Pereira MB. Desempenho de crianças com desenvolvimento típico de linguagem em prova de vocabulário expressivo. Rev CEFAC 2006; 8 (4):419–428.,2323. Palladino RRR. A objetividade e a subjetividade na Fonoaudiologia. Disturb Comum 2000; 12(1):61–73..

Ao observar a criança em interação com outras da mesma faixa etária, foi possível notar a cooperação entre elas. As crianças com menor dificuldade auxiliaram outras, especialmente os participantes com dificuldades motoras, a manusear, entregar e posicionar objetos, como em uma situação em que Murilo levou o bloco de lego (que na brincadeira tinha a função de telefone) à orelha de Eduardo, que não tinha possibilidades físicas de pegar o objeto e levar à própria orelha. A observação da interação e cooperação entre os participantes é um indicativo de sociabilidade e do potencial de desenvolvimento da criança, tanto para a que ofereceu ajuda, como para a que aceitou a ajuda44. Vygotsky LS. A construção do pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes; 2001.. Em uma avaliação, a detecção desses eventos é relevante para a caracterização tanto da linguagem oral da criança como daquela no contexto das relações sociais.

No grupo também pôde ser notado que algumas crianças seguiram exemplos umas das outras, tanto no modo de uso de objetos como na reprodução de falas. Algumas crianças, ao observarem o uso que outra fez de um brinquedo, o repetiram, ao fazer isso as crianças mostraram habilidades de atenção ao outro, capacidade de entender o que o outro estava fazendo e de realizar a mesma ação do outro.

No grupo foi possível observar que algumas crianças buscaram contato com outras, por meio de vários recursos, e nem sempre utilizando linguagem oral, como foi o caso de Eduardo. A busca de interação com os pares constitui um importante marcador social2424. Carvalho AMA, Pedrosa MI, Rossetti-Ferreira MC. Aprendendo com a criança de zero a seis anos. São Paulo: Cortez; 2012., e é possível somente no contexto grupal. Por sua vez, no Grupo 3, em que a linguagem oral esteve bastante presente, também se constatou a relevância da avaliação em contexto grupal. Um exemplo envolveu as produções de linguagem oral de Anne, predominantemente dirigidas a Oscar, o que permitiu a observação e a caracterização de formas de linguagem na interação criança-criança, naturalmente diferente da relação com outros adultos2323. Palladino RRR. A objetividade e a subjetividade na Fonoaudiologia. Disturb Comum 2000; 12(1):61–73.. Ao relacionar esses achados com a abordagem de linguagem utilizada, em que se privilegia o social, elemento fortemente presente em um grupo, enfatiza-se o papel do outro e a mediação do adulto para a aquisição da linguagem e manifestação da mesma. A partir da interação com outro falante da língua, das trocas comunicativas entre eles, da significação da fala da criança pelo outro e da mediação que ocorre nas relações, a linguagem acontece77. Scarpa EM. Aquisição da linguagem. In: Mussalim F, Bentes AC, organizadores. Introdução à linguística 2: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez; 2003. p. 203–232.88. Castro MFP, Figueira R A. Aquisição da linguagem. In: Nunes JH, Pfeiffer CC, organizadores. Introdução às ciências da linguagem—Linguagem, História e Conhecimento. Campinas: Pontes; 2006. p.73–102.. Mesmo as situações de disputa entre crianças se revelaram importantes para a avaliação da linguagem. Em várias instâncias, foi observado que uma criança apontava para o brinquedo que outra manuseava. Caso estivesse só com pesquisadora, os brinquedos não teriam que ser divididos entre as crianças e a necessidade de indicar o objeto talvez não fosse criada. A disputa por objetos ocorreu em diversos momentos durante as sessões e foi um dos principais contextos em que as crianças produziram linguagem para manifestarem suas intenções de ter o objeto e/ou dialogarem com as outras e com adultos na intenção de consegui-los para si. O grupo, assim, pode gerar disputas, e estas por sua vez mostraram-se momentos interessantes para a observação da linguagem oral (como iniciativas comunicativas, alternância de turnos) e da não oral.

A possibilidade de interação com diferentes interlocutores e em diferentes contextos de brincadeiras fez com que a linguagem oral fosse produzida com diferentes finalidades e funções, como nomear, interagir socialmente, requisitar e indicar localização de objetos, entre outras. E para o profissional que avalia a linguagem de uma criança é importante conhecer como é sua linguagem e o vocabulário que ela utiliza nas situações de interação.

Ao avaliar as crianças em um maior número de sessões, pôde ser observado um aumento da complexidade nas funções de linguagem utilizadas pelas crianças. Nas sessões iniciais, a linguagem foi mais utilizada para requisitar objetos, e nas sessões finais, a essa função foram acrescentadas aquelas voltadas para a interação com os outros participantes. Um dos fatores que pode ter influenciado para a mudança na manifestação de linguagem foi a familiarização e o início de um estabelecimento de vínculo entre criança e pesquisadora e entre as crianças2525. Kaës R. O grupo e o sujeito do grupo. Elementos para uma teoria psicanalítica do grupo. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997.. A avaliação em grupo supõe um aspecto longitudinal, especialmente porque para que haja o estabelecimento da familiarização e do vínculo é necessário tempo, o qual foi importante para o aumento da interação social e para a manifestação da linguagem. Esses achados estão em consonância com a concepção sociointeracionista de linguagem77. Scarpa EM. Aquisição da linguagem. In: Mussalim F, Bentes AC, organizadores. Introdução à linguística 2: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez; 2003. p. 203–232.88. Castro MFP, Figueira R A. Aquisição da linguagem. In: Nunes JH, Pfeiffer CC, organizadores. Introdução às ciências da linguagem—Linguagem, História e Conhecimento. Campinas: Pontes; 2006. p.73–102.,2323. Palladino RRR. A objetividade e a subjetividade na Fonoaudiologia. Disturb Comum 2000; 12(1):61–73., em que a familiaridade com o contexto é essencial para a observação da linguagem em uma situação mais próxima do ambiente real de produção. E ao considerar que a linguagem é umas das principais demandas de crianças2626. Ribeiro DG, Perosa GB, Padovani FHP. Fatores de risco para o desenvolvimento de crianças atendidas em Unidades de Saúde da Família, ao final do primeiro ano de vida: aspectos sociodemográficos e de saúde mental materna. Cien Saude Colet 2014; 19(1):215–226., é preciso que os profissionais de saúde estejam atentos ao acolhimento, avaliação, encaminhamento e terapêutica utilizadas.

Conclusão

A avaliação em grupo permitiu que o fonoaudiólogo avaliasse a linguagem da criança durante a interação e proporcionou a observação das teias de relações entre criança-criança e criança-pesquisador; dos diferentes tipos de relações que a criança manteve com as outras crianças e com o adulto; da disputa por objetos, que muitas vezes motivou a produção de linguagem oral e não oral; da cooperação entre as crianças; do uso de diferentes funções da linguagem (nomear, requisitar objetos, informar ações, caracterizar objetos, interagir socialmente); e de aspectos linguísticos importantes, como iniciativa comunicativa e alternância de turnos. Dessa forma, a avaliação em grupo permitiu a observação da linguagem em seu exercício vivo, durante a interação social.

A concepção de linguagem adotada orientou a coleta de dados em situação naturalística, valorizou a interação no grupo e permitiu dar significado às manifestações de linguagem oral e não oral, especialmente no que se refere às crianças com alterações mais significativas. Em termos de modelo de avaliação a ser adotada em serviços de saúde, foi preconizado um número maior de sessões que o usual, mas o contexto grupal permitiu o atendimento simultâneo de várias crianças. Cabe lembrar que uma avaliação com estabelecimento de vínculos e com a possibilidade de identificar diferentes habilidades linguísticas da criança, tende a reduzir o risco de encaminhamentos desnecessários para diferentes serviços de saúde e educação especial.

Dessa forma, a proposta de avaliação de linguagem em grupo descrita permitiu a observação com diferentes interlocutores e em diversas sessões e abrangeu os diferentes aspectos em contextos significativos de interação.

Agradecimentos

Aos participantes da pesquisa e seus responsáveis. À CAPES, pelo financiamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2014
  • Revisado
    26 Jan 2015
  • Aceito
    28 Jan 2015
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