Fatores associados à autopercepção negativa da saúde bucal em idosos institucionalizados

Laércio Almeida de Melo Meily de Mello Sousa Annie Karoline Bezerra de Medeiros Adriana da Fonte Porto Carreiro Kenio Costa de Lima Sobre os autores

Resumo

Objetivou-se identificar a autopercepção da saúde bucal em idosos institucionalizados e investigar se aspectos sociodemográficos e clínicos estão associados à autopercepção negativa. Foram avaliados 166 idosos, os quais responderam a uma questão de autopercepção que prediz o GOHAI. Os dados sociodemográficos foram obtidos a partir de questionários previamente validados, assim como os clínicos, que se fundamentaram na ficha da OMS e no QST-DTM, utilizado para verificar a presença de DTM. Os dados obtidos foram submetidos aos testes de Mann-Whitney, Exato de Fisher e Qui-quadrado com nível de significância de 5%. Em média, os idosos tinham 80,5 anos e 75,9% eram do sexo feminino. O CPO-D médio foi de 28,9, tendo a maioria, 65%, relatado uma boa ou excelente condição de seus dentes, gengivas e próteses. Três questões do questionário QST-DTM se mostraram associadas à autopercepção negativa. Os que dizem que sempre sua mandíbula “trava” quando abre ou fecha a boca, sempre têm dor na fronte ou lateralmente a ela e sempre seus maxilares ficam cansados ao longo dia, estão mais insatisfeitos com a sua saúde bucal. Concluiu-se que a autopercepção em saúde bucal teve pouca influência das condições clínicas e sociodemográficas, provavelmente por ser a dor o principal fator associado à autopercepção desfavorável nestes indivíduos.

Autopercepção; Idoso; Saúde bucal

Introdução

Na atualidade, o envelhecimento populacional consiste em um fenômeno cada vez mais frequente no mundo, estando comumente associado às regiões mais desenvolvidas11. Del Duca GF, Silva MC, Hallal PC. Incapacidade funcional para atividades básicas e instrumentais da vida diária em idosos. Rev Saude Publica 2009; 43(5):796-805.. Ao contrário dos países desenvolvidos, os quais se tornaram economicamente estáveis antes de envelhecer, no Brasil, estamos envelhecendo sem tempo para uma reorganização social e econômica22. Lima-Costa MF, Veras R. Saúde pública e envelhecimento. Cad Saude Publica 2003; 19(3):700-701.,33. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Perfil dos idosos responsáveis pelos domicílios no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2002..

Paralelamente ao incremento da população idosa e do aumento da expectativa de vida, a demanda por instituições voltadas para o atendimento da população acima de 60 anos cresce proporcionalmente, o que tem aumentado significativamente a necessidade de cuidados em saúde44. Reis SCGB, Higino MASP, Melo HMDM, Freire MCM. Condição de saúde bucal de idosos institucionalizados em Goiânia-GO, 2003. Rev Bras Epidemiol 2005; 8(1):67-73.. A reduzida oferta de cuidadores familiares tem sido constantemente associada ao aumento da institucionalização do idoso em residências coletivas, conhecidas como Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), as quais prestam assistência nas atividades diárias e algum tipo de cuidado de saúde, quando necessário55. Camarano AA, Kanso S. As instituições de longa permanência para idosos no Brasil. Rev Bras Estud Popul 2010; 27(1):232-235..

Os estudos demonstram uma pior condição de saúde bucal em idosos institucionalizados, quando comparados aos não institucionalizados66. Colussi CF, Freitas SFT. Aspectos epidemiológicos da saúde bucal do idoso no Brasil. Cad Saude Publica 2002; 18(5):1313-1320.

7. Silva SRC. Avaliação das condições de saúde bucal dos idosos em um município brasileiro. Rev Panam Salud Publica 2000; 8(4):268-271.
-88. Ferreira RC. Saúde bucal de idosos residentes em instituições de longa permanência de Belo Horizonte [tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2007.. Em sua grande maioria, idosos residentes em ILPI constituem de uma população de desdentados, o que pode trazer consequências como restrições alimentares, perda no prazer em comer e, consequentemente, perda de peso e desnutrição99. Piuvezam G. Saúde Bucal de idosos Institucionalizados no Brasil [tese]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2011.,1010. Pucca Júnior GA. A política nacional de saúde bucal como demanda social. Cien Saude Colet 2006; 11(1):243-246..

É a partir da identificação de fatores determinantes envolvidos na autopercepção em saúde que podemos compreender e avaliar o comportamento e as necessidades individuais77. Silva SRC. Avaliação das condições de saúde bucal dos idosos em um município brasileiro. Rev Panam Salud Publica 2000; 8(4):268-271.. No caso da saúde bucal, a identificação de como os indivíduos percebem seu estado de saúde bucal é um requisito importante para aumentar a adesão aos comportamentos saudáveis, os quais podem ocasionar impactos positivos na qualidade de vida (QV)88. Ferreira RC. Saúde bucal de idosos residentes em instituições de longa permanência de Belo Horizonte [tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2007.,1111. Da Costa EHM, Saintrain MVL, Vieira APGF. Autopercepção da condição de saúde bucal em idosos institucionalizados e não institucionalizados. Cien Saude Colet 2010; 15(6):2925-2930.

12. Martins AMEB, Barreto SM, Pordeus IA. Objective and subjective factors related to self-rated oral health among elderly. Cad Saude Publica 2009; 25(2):421-435.
-1313. Benyaminy Y, Leventhal H, Leventhal EA. Self rated oral health as an independent predictor of self rated general health, self esteem and life satisfaction. Soc Sci Med 2004; 59(5):1109-1116..

A principal razão para os indivíduos na faixa etária com 60 anos ou mais não procurarem tratamento odontológico, é o reconhecimento deles próprios de que não necessitam de cuidados com a saúde bucal1414. Silva SRC, Fernandes RAC. Self-perception of oral health status by the elderly. Rev Saude Publica 2001; 35(4):349-355.. A literatura relata que as preocupações dos idosos com relação à saúde bucal se apresentam em décimo quarto lugar, em uma lista com vinte queixas mais comuns presentes nesses indivíduos1515. Marinelli RD, Sreebny LM. Perception of dental needs by the well elderly. Spec Care Dent 1982; 2(4):161-164..

Apesar de alguns estudos mostrarem uma associação entre autopercepção em saúde bucal com fatores sociodemográficos1414. Silva SRC, Fernandes RAC. Self-perception of oral health status by the elderly. Rev Saude Publica 2001; 35(4):349-355.,1616. Stahlnacke K, Söderfeldt B, Unell L, Halling A, Axtelius B. Perceived oral health: changes over 5 years in on Swedish age-cohort. Community Dent Oral Epidemiol 2003; 31(4):292-299. e aspectos clínicos1717. Locker D, Matear D, Lawrence H. General health status and changes in chewing ability in older Canadians over seven years. J Public Health Dent 2002; 62(2):70-77.,1818. Ekanayke L, Pereira I. Factors associated with perceived oral health status in older individuals. Int Dent J 2005; 55(1):31-37., essas associações continuam controversas na literatura1414. Silva SRC, Fernandes RAC. Self-perception of oral health status by the elderly. Rev Saude Publica 2001; 35(4):349-355.. Sendo assim, o objetivo do presente estudo é identificar a autopercepção da saúde bucal em idosos institucionalizados e investigar se aspectos sociodemográficos e clínicos estão associados à autopercepção negativa. Mediante tal conhecimento, é possível nortear políticas públicas que visam melhorar a saúde e a qualidade de vida desse segmento populacional.

Métodos

Trata-se de um estudo do tipo individuado, observacional e transversal, tendo o idoso como unidade de observação e análise. O referido estudo foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sendo aprovado.

A pesquisa foi desenvolvida no período de Agosto a Dezembro de 2013 nas instituições de longa permanência para idosos no município de Natal, estado do Rio Grande do Norte, cadastradas como tal na Vigilância Sanitária (VISA) da cidade do Natal. A população para o estudo compreendeu idosos de ambos os gêneros, residentes nessas instituições.

A definição de idoso para este estudo foi baseada na delimitação cronológica, ou seja, pessoas com 60 anos de idade ou mais foram selecionados, seguindo as normas legais estabelecidas pela Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa1919. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria n. 2528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Diário Oficial da União 2006; 19 out..

A população do estudo foi composta por 318 indivíduos, referentes ao total de idosos residentes nas 12 instituições presentes no atual momento da pesquisa. Do total da população, 166 idosos responderam como eles avaliam a sua condição de saúde bucal, caracterizando a amostra do estudo. Os demais, por apresentarem restrições físicas e mentais bastante acentuadas, tiveram apenas suas condições sociodemográficas coletadas, sendo assim excluídos do presente estudo.

Os procedimentos realizados durante a coleta dos dados constituíram na aplicação de um questionário sociodemográfico e avaliação das condições de saúde bucal do idoso. Tanto o exame intrabucal, quanto o questionário foram realizados por examinadores previamente treinados e calibrados.

As variáveis do questionário aplicado para a caracterização do perfil sociodemográfico dos indivíduos, “idade”, categorizada a partir da mediana oriunda dos dados, “sexo”, “tipo de instituição” e “grau de dependência para realizar atividades da vida diária”, foram provenientes do Projeto de Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (SABE)2020. Lebrao ML, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no Município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2005; 8(2):127-141. e do estudo realizado em Caxias do Sul, Institucionalização do idoso: identidade e realidade2121. Herédia VBM, Cortelletti IA, Casara MB. Institucionalização do idoso: identidade e realidade. In: Cortelletti IA, Casara MB, Herédia VBM, organizadores. Idoso asilado, um estudo gerontológico. Caxias do Sul: Educs/ Edipucrs; 2004. p. 13-60.. Os dados referentes às condições de saúde bucal fundamentaram-se na ficha clínica para avaliação bucal da Organização Mundial de Saúde (OMS), a qual para este estudo contemplou a presença ou ausência de cárie radicular, molares (nenhum molar ou pelo menos 1 molar), pares em oclusão (nenhum par ou pelo menos 1 par), lesão em boca (ausente ou presente), assim como o uso (sim ou não) e necessidade de prótese dentária (sim ou não). A autopercepção foi aferida a partir de uma questão: “Como você avalia seus dentes, gengivas ou próteses?”, com cinco respostas possíveis, “Péssimas”, “Ruins”, “Regulares”, “Boas” e “Excelentes”. Posteriormente, a autopercepção foi categorizada em “Regulares, ruins ou péssimas” e “Boas e excelentes” para a análise dos dados. Tal pergunta é capaz de predizer, individualmente, o Geriatric Oral Health Assessment Index (GOHAI)2222. Silva SRC. Autopercepção das condições bucais em pessoas com 60 anos e mais de idade [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1998., instrumento amplamente utilizado para avaliar se, nos últimos três meses, o idoso apresentou algum problema funcional, psicológico ou doloroso devido a problemas bucais.

Ademais, a fim de se aferir as Disfunções Temporomandibulares (DTM), para buscar sua associação com a autopercepção, foi aplicado um questionário simplificado para triagem de pacientes com disfunção temporomandibular (QST/DTM). Tal instrumento foi validado frente ao padrão ouro Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD), responsável pelo diagnóstico de DTM2323. Paiva AMFV. Construção e validação de questionário simplificado para triagem de pacientes com disfunção temporomandibular (QST/DTM) [tese]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2013.. O QST/DTM é composto por sete perguntas: “Você tem dor ou dificuldade para abrir a boca?”, “Você escuta estalos ou outros ruídos nas articulações?”, “Sua mandíbula trava quando você abre ou fecha a boca?”, “Você tem dor de ouvido ou em volta das orelhas?”, “Você tem dor na fronte ou lateralmente a ela?”, “Você tem dor na região das bochechas?” e “Seus maxilares ficam cansados ao longo do dia?”, com respostas “nunca”, “às vezes” ou “sempre”.

A análise dos resultados do questionário e do levantamento epidemiológico foi realizada pelo programa estatístico Statistical Package for the Social Science (SPSS) 20.0. Para a confecção das Tabelas, realizou-se a distribuição de frequência de todas as variáveis de estudo. E por fim, com o objetivo de verificar a associação entre as variáveis sociodemográficas e clínicas com a autopercepção da saúde bucal, foram utilizados os testes não paramétricos Exato de Fisher e Qui-quadrado. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar os grupos classificados com a autopercepção regulares, ruins ou péssimas e boas ou excelentes com os domínios do QST-DTM. O nível de significância para todos os testes foi de 5%.

Resultados

Foram avaliados 166 indivíduos residentes em 6 ILPI com fins lucrativos e 6 sem, com a idade média de 80,5 anos (DP ± 8,1), entre 63 e 98 anos. A maior participação entre os idosos no estudo foi de mulheres (75,9%). Houve uma predominância de indivíduos da cor branca (55,6%) e dependentes para realizar atividades da vida diária (AVD) (72,9%).

De acordo com os dados obtidos a partir do levantamento epidemiológico, as condições de saúde bucal encontram-se em estado precário. O valor médio de dentes cariados, perdidos e obturados (CPO-D) foi de 28,9 (DP ± 4,7), com apenas 6% dos indivíduos apresentando mais de 20 elementos dentários. No que se refere à necessidade de prótese dentária, 66,9% dos idosos necessitavam de prótese total em pelo menos um dos maxilares. Naqueles que usam algum tipo de prótese superior (40,9%) e inferior (20,1%), a maioria das peças protéticas superiores (64,1%) e inferiores (71,0%) apresentam algum tipo de deslocamento ou báscula.

Em relação aos dados subjetivos, a autopercepção da saúde bucal mostrou que a maioria, 65%, relatou uma boa ou excelente condição de seus dentes, gengivas e próteses, apesar das pobres condições orais.

Na Tabela 1, a amostra foi dividida segundo a categorização da autopercepção de saúde bucal. Dois grupos foram compostos, o primeiro que abrange as pessoas que avaliaram sua saúde bucal como regulares, ruins ou péssima, e um segundo grupo com indivíduos que avaliaram sua condição como boas ou excelentes.

Tabela 1
Descrição dos idosos segundo variáveis sociodemográficas e condições de saúde bucal e suas associações com a autopercepção em saúde bucal categorizada.

A análise dos dados mostrou que a autopercepção em saúde bucal teve pouca influência das condições clínicas e sociodemográficas nesta população. É possível observar que a idade dos indivíduos permaneceu no limiar de significância (p = 0,055) em sua associação com a autopercepção, com idosos mais velhos classificando 40% menos seus dentes, gengivas e próteses como regular, ruins ou péssimas que os idosos mais longevos.

Os resultados do presente estudo, apresentados na Tabela 2, mostram que três questões do questionário QST-DTM se mostraram diferentes significativamente (p < 0,05). Os que dizem que sempre sua mandíbula “trava” quando abre ou fecha a boca, sempre têm dor na fronte ou lateralmente a ela e sempre seus maxilares ficam cansados ao longo dia, estão mais insatisfeitos com a sua saúde bucal.

Tabela 2
Associação entre os domínios do QST-DTM e a autopercepção em saúde bucal categorizada.

Discussão

Este estudo transversal identificou a autopercepção em saúde bucal de idosos institucionalizados, buscando associação com as condições clínicas e sociodemográficas. Os resultados encontrados são representativos para a população idosa institucionalizada na cidade do Natal, RN, e seus dados podem ser generalizados no Brasil, uma vez que esse segmento populacional apresenta, em sua grande maioria, condições clínicas orais precárias, e características sociodemográficas semelhantes em todo país2424. Piuvezam G, Lima KC. Self-perceived oral health status in institutionalized elderly in Brazil. Arch Gerontol Geriatr 2011; 5(1):5-11..

Compreender a percepção da condição de saúde bucal é de grande relevância para orientar políticas públicas que visam melhorar o estado de saúde e a qualidade de vida1212. Martins AMEB, Barreto SM, Pordeus IA. Objective and subjective factors related to self-rated oral health among elderly. Cad Saude Publica 2009; 25(2):421-435.. No que se refere aos idosos institucionalizados, sua compreensão, torna-se ainda mais oportuno ressaltar, já que pelo caráter de fragilidade dos idosos residentes em ILPI, estes tendem a ser grandes consumidores dos serviços públicos de saúde2525. Shaughnessy PW, Kramer AM. The Increased Needs of Patients in Nursing Homes and Patients Receiving Home Health Care. N Engl J Med 1990; 322(1):21-27.,2626. Saliba D, Kington R, Buchanan J, Bell R, Wang M, Lee M, Herbst M, Lee D, Sur D, Rubenstein L. Appropriateness of the decision to transfer nursing facility residentes to the hospital. J Am Geriatr Soc 2000; 48(2):154-163.. Além disso, a maioria dos estudos epidemiológicos presentes refere-se à população idosa que reside sozinha ou com familiares, sobretudo, aqueles de grandes dimensões realizados pelo Ministério da Saúde, os quais foram de base domiciliar 2727. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Pesquisa nacional de saúde bucal 2010: nota para a imprensa. Brasília: MS; 2010.,2828. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002 – 2003. Brasília: MS; 2004..

No presente estudo, a caracterização da amostra estudada nos mostra idosos com precárias condições de saúde bucal. Metas preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Federação Dentária Internacional (FDI)2929. Fédération Dentaire Internationale (FDI). Global goals for oral health in 2000. Int Dent J 1982; 32(1):74-77. estimam que pelo menos 50% dos indivíduos entre 65 e 79 anos devem possuir no mínimo vinte dentes funcionais na cavidade bucal. No entanto, o percentual encontrado neste estudo foi bem abaixo do preconizado, apenas 6% da amostra apresentavam uma quantidade de vinte ou mais dentes funcionais na cavidade bucal, o que reflete uma prática odontológica mutiladora a qual os idosos foram submetidos no passado3030. Sá IPC, Junior LRA, Corvino MPF, Sá SPC. Condições de saúde bucal de idosos da instituição de longa permanência Lar Samaritano no município de São Gonçalo-RJ. Cien Saude Colet 2012; 17(5):1259-1265.,3131. Silva MES, Villaca EL, Magalhaes CS, Ferreira EF. Impacto da perda dentária na qualidade de vida. Cien Saude Colet 2010; 15(3):841-850..

Dados do ultimo levantamento epidemiológico realizado no país em 2010, SB Brasil2727. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Pesquisa nacional de saúde bucal 2010: nota para a imprensa. Brasília: MS; 2010., indicam que a média do CPO-D de idosos na faixa etária entre 65 e 79 anos é de 27,53, e no que se refere à necessidade de prótese dentária, 23,9% dos idosos necessitam de prótese total em pelo menos um dos maxilares. Quando comparamos com os resultados deste estudo, verificamos uma pior situação dos idosos institucionalizados, os quais apresentam um CPO-D médio de 28,9 e um percentual bem maior, 66,9%, que necessitavam de prótese total em pelo menos um dos maxilares. Os dados indicam que os idosos brasileiros, institucionalizados ou não, compreendem uma população de desdentados, os quais necessitam de uma atenção especial às suas condições de saúde bucal.

Com relação à autopercepção de saúde bucal em idosos, uma série de estudos relatam que sua avaliação pode prever a necessidade de cuidados. Além disso, pode ser um método de triagem e contribuir para o planejamento de serviços odontológicos3232. Pinzón-Pulido SA, Gil-Montoya JA. Validación del índice de valoración de salud bucodental en geriatría en una población geriátrica institucionalizada de Granada. Rev Esp Geriatr Gerontol. 1999; 34(5):273-282.. Com o intuito de facilitar o diagnóstico das condições de saúde bucal, a hipótese inicial do presente estudo era de que a autopercepção poderia preceder aos exames epidemiológicos, facilitando o diagnóstico.

No entanto, a saúde bucal referida pelos idosos não condiz com a realidade das condições clínicas apresentadas neste estudo. A maioria dos indivíduos, 65%, relatou uma boa ou excelente condição de seus dentes, gengivas ou próteses, apesar das pobres condições bucais. Tal resultado corrobora a literatura pré-existente. Estudos realizados em todo o país com idosos institucionalizados realizados por Piuvezam e Lima2424. Piuvezam G, Lima KC. Self-perceived oral health status in institutionalized elderly in Brazil. Arch Gerontol Geriatr 2011; 5(1):5-11. e Abud et al.3333. Abud MC, Santos JFF, Cunha VPP, Marchini L. TMD and GOHAI indices of Brazilian institutionalized and community-dwelling elderly. Gerodontology 2009; 26(1):34-39., mostram uma predominância de autopercepção positiva, contrapondo-se às condições de saúde bucal, as quais apresentaram-se em má estado.

Outro estudo, realizado em Hong Kong, observou baixos percentuais de autopercepção negativa em idosos institucionalizados, mesmo utilizando outro método de aferição, o índice Oral Health Impact Profile (OHIP). Os autores concluíram que outros fatores poderiam influenciar na percepção das condições de saúde bucal em idosos, como os sociais e culturais3434. McMillan AS, Wong MC, Lo EC, Allen PF. The impact of oral disease among institutionalized and non-institutionalized elderly in Hong Kong. J Oral Rehabil 2003; 30(1):46-54.. No intuito de verificar tais hipóteses, o presente estudo objetivou também verificar a associação entre a autopercepção em saúde bucal e as condições sociodemográficas em idosos institucionalizados. No entanto, assim como as condições clínicas, as sociodemográficas pouco influenciaram na autopercepção desses indivíduos. A idade dos idosos foi o único fator que permaneceu no limiar de significância (p = 0,055), com os mais velhos classificando 40% menos seus dentes, gengivas e próteses como regular, ruins ou péssimas que os mais jovens.

Diante do paradoxo presente entre as condições clínicas de saúde bucal e a autopercepção encontrada neste e em outros estudos prévios, sugere-se que a autopercepção referida seja insuficiente para predizer e identificar as condições de saúde bucal da população estudada. Uma das explicações para a fraca associação entre a percepção das condições de saúde bucal e as condições clínicas e sociodemográficas é a “secundarização dos problemas bucais” frente a outros problemas psicológicos, físicos e sociais99. Piuvezam G. Saúde Bucal de idosos Institucionalizados no Brasil [tese]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2011.. Os idosos residentes em ILPI são considerados pela Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI), como indivíduos mais fragilizados, os quais apresentam maiores riscos a determinados agravos à saúde e de exclusão social1919. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria n. 2528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Diário Oficial da União 2006; 19 out.. Sendo assim, diante de tantos outros problemas, a saúde bucal torna-se irrelevante para os idosos institucionalizados, o que pode levar a uma autopercepção positiva, mesmo apresentando condições clínicas e sociodemográficas desfavoráveis.

Outro fator a ser considerado é o fato de que os sujeitos investigados viveram em uma época em que a perda dentária, as condições de saúde baucal precárias e o fato de adoecer eram considerados naturais como parte do processo de envelhecimento2424. Piuvezam G, Lima KC. Self-perceived oral health status in institutionalized elderly in Brazil. Arch Gerontol Geriatr 2011; 5(1):5-11.. Além disso, a grande maioria das condições clínicas precárias são assintomáticas e desconhecidas pelos indivíduos. Os idosos tendem a referir-se mal quando experimentam manifestações bucais dolorosas ou limitantes, em vez de processos crônicos e irreversíveis que levam à perda do dente.

Tal fato pode ser verificado neste estudo a partir de um questionário simplificado, o QST-DTM, que é responsável em triar pacientes com DTM2323. Paiva AMFV. Construção e validação de questionário simplificado para triagem de pacientes com disfunção temporomandibular (QST/DTM) [tese]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2013.. Aqueles idosos que dizem que sempre sua mandíbula “trava” quando abre ou fecha a boca, sempre têm dor na fronte ou lateralmente a ela e sempre seus maxilares ficam cansados ao longo dia, estão mais insatisfeitos com a sua saúde bucal. Os resultados evidenciam que os idosos ao apresentarem situações dolorosas ou limitantes na cavidade bucal, referem uma percepção negativa de sua saúde bucal.

É importante ressaltar a relevância do uso de instrumentos simplificados em exames epidemiológicos para aferir a autopercepção em saúde bucal e a presença de DTM, principalmente em estudos que possuem idosos como unidade de observação e análise. Neste estudo utilizou-se para aferir a autopercepção uma questão: “Como você avalia seus dentes, gengivas ou próteses?”. Tal pergunta é capaz de predizer individualmente o GOHAI, de acordo com Silva2222. Silva SRC. Autopercepção das condições bucais em pessoas com 60 anos e mais de idade [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1998.. Para identificar os indivíduos que possuíam DTM foi utilizado um questionário com apenas sete questões, o QST-DTM, o qual corresponde a um instrumento validado frente ao padrão ouro (RDC/TMD)2323. Paiva AMFV. Construção e validação de questionário simplificado para triagem de pacientes com disfunção temporomandibular (QST/DTM) [tese]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2013.. A sensibilidade encontrada foi de 95% (IC 95%, 91 a 99) e especificidade de 87% (IC 95%, 81 a 93) na validação do questionário. O GOHAI e o RDC/TMD, quando aplicados juntos, tornam-se questionários grandes que quando utilizados em idosos podem gerar cansaço e consequentemente desistência ou efeito complacência e prejuízos nos estudos. Os resultados encontrados utilizando esses instrumentos corroboram a literatura em estudos semelhantes2424. Piuvezam G, Lima KC. Self-perceived oral health status in institutionalized elderly in Brazil. Arch Gerontol Geriatr 2011; 5(1):5-11.,3333. Abud MC, Santos JFF, Cunha VPP, Marchini L. TMD and GOHAI indices of Brazilian institutionalized and community-dwelling elderly. Gerodontology 2009; 26(1):34-39.,3434. McMillan AS, Wong MC, Lo EC, Allen PF. The impact of oral disease among institutionalized and non-institutionalized elderly in Hong Kong. J Oral Rehabil 2003; 30(1):46-54., o que demonstra uma confiabilidade e reprodutibilidade para serem utilizados em estudos posteriores.

De acordo com os resultados deste estudo, torna-se evidente que é necessário se trabalhar cada vez mais a fim de que haja políticas públicas que gerem uma reformulação no serviço público odontológico, e assim possibilitar condições bucais ideais na população idosa. Ademais, são necessárias, além de ações educativas e preventivas, medidas que objetivem a reabilitação desse segmento populacional. Finalmente, mediante um pequeno impacto das condições clínicas na percepção de saúde bucal referida, é recomendável que os profissionais da área avaliem cuidadosamente as queixas de pacientes idosos, levando, principalmente, sua fragilidade e comorbidades em consideração.

Conclusão

Apesar da maioria dos idosos avaliarem as condições de seus dentes, gengivas e próteses como boa ou excelente, concluiu-se que a autopercepção em saúde bucal teve pouca influência das condições clínicas e sociodemográficas nesta população, provavelmente por ser a dor o principal fator associado à autopercepção desfavorável nestes indivíduos.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2015
  • Revisado
    03 Set 2015
  • Aceito
    05 Set 2015
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