Suicida: avaliação e manejo

Ana Elisa Bastos Figueiredo Sobre o autor
2015

O livro trata da crise suicida, sua avaliação e manejo. É direcionado a profissionais do campo da saúde, do direito, dos direitos humanos da suicidologia e a todos que se interessam pelo tema.

Na Introdução o autor delimita seu campo de estudo ao definir o que entende por crise e, especificamente, por crise suicida. Mostra que ao avaliar o risco de suicídio na prática clínica, o profissional e o paciente estão envolvidos em um “campo intersubjetivo”. Dependendo de como esse encontro se dá pode possibilitar uma boa avaliação clínica e o estabelecimento de uma aliança terapêutica. No item 1. Atitudes faz um percurso histórico de como o fenômeno suicídio foi compreendido desde os povos primitivos, passando pela antiguidade greco-romana, em que o suicídio era visto com tolerância, um ato de liberdade, honroso, pela Europa na Idade Média, o século XVII, onde busca Shakespeare com sua questão “ser ou não ser” como paradigma para suas reflexões, chegando aos tempos modernos, colocando como ponto de pauta a saúde pública. Nesse mesmo item apresenta a compreensão que as várias culturas e religiões construíram sobre o suicídio e a atitude dos profissionais de enfermagem em relação ao comportamento suicida. Para compreender a atitude dos profissionais de enfermagem aplicou um questionário com 317 participantes e os resultados desse estudo informaram que aqueles profissionais que participaram de treinamento passaram a reagir mais positivamente cada vez que se depararam com pacientes em risco de suicídio. A intenção é preparar os profissionais de enfermagem, fundamentais na prevenção do suicídio, para o manejo terapêutico. No item 2 é descrita a Magnitude do fenômeno suicídio, com ênfase no Brasil, levando em conta as questões relacionadas à diversidade regional, as variações por sexo e idade, os meios de suicídio, as tentativas e as ideações suicidas, analisando com um olhar crítico as estatísticas sobre suicídio. Apresenta ainda um mapeamento do suicídio na cidade de São Paulo e o suicídio entre os povos indígenas, traçando um panorama da questão no Brasil. No item 3 Entendimentos demonstra como algumas teorias científicas têm se ocupado do comportamento suicida sejam elas biomédicas, psicológicas, sociais ou filosóficas. Inicia pelas teorias biológicas, movidas pela genética combinada com fatores ambientais. Segue comentando as teorias psicológicas, entre elas a psicodinâmica, com foco na simbiose e individuação e ato-dor; a teoria cognitivo-comportamental, em que o suicídio “é concebido como uma forma extrema de comportamento de esquiva”. Comenta sobre as posições de autores como Shneidan, que compreende o suicídio como “uma dor insuportável, vivenciada como uma turbulência emocional interminável, uma sensação angustiante de estar preso em si mesmo, sem encontrar a saída”; Durkheim, que sob o ponto de vista da sociologia, mostra que a morte por suicídio “advém da pressão e tensão social”; Camus que em seu livro O Mito de Sísifo enfoca o suicídio como uma questão filosófica em que a essência é o viver ou não viver. No item 4 o autor nos levar a percorrer questões como os Fatores de risco para o suicídio: fatores sociodemográficos, mentais, psicossociais e outros como o acesso aos meios letais e sua incidência ao longo do tempo e os Fatores de proteção: personalidade e estilo cognitivo; estrutura familiar; fatores socioculturais e outros como gravidez, puerpério, boa qualidade de vida. Convém ressaltar que cada um desses fatores é discutido pelo autor, sendo que os destaques vão para o “paradoxo de gênero” e a “tentativa de suicídio no Hospital das Clínicas da UNICAMP”. O item 5 é dedicado aos Transtornos mentais como a depressão, o transtorno bipolar, os transtornos decorrentes do uso de álcool, os transtornos de personalidade, delirium, e outros: esquizofrenia, transtorno delirante, de ansiedade e anorexia nervosa. Interessante a forma de apresentação deste item pelo autor – quadros explicativos que facilitam ao leitor a visualização do que vai ser abordado. O exame do estado mental dos pacientes com risco de suicídio é tema de relevância, e o autor apresenta um modelo de exame psíquico que inclui aparência e postura, nível de consciência, orientação, atenção, memória, sensopercepção, pensamento, linguagem, juízo da realidade, vida afetiva, volição, psicomotricidade, inteligência, personalidade e os sentimentos contratransferenciais que incluem a capacidade de crítica e o desejo de ser ajudado. Por fim, apresenta uma Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD) e o Miniexame do Estado Mental (Mini-Mental), importantes de serem utilizados pelos profissionais de saúde ao lidarem com os pacientes. No item 6 é discutida a Avaliação de pacientes com crise suicida, em que são abordados os tipos de riscos – agudo, subagudo e crônico; as possibilidades de ocorrência; e os aspectos clínicos mais relevantes. Dando seguimento a este item, são tratados temas como: a sistematização da avaliação; o que está acontecendo com o paciente; o estado mental; a intencionalidade suicida e os principais fatores de risco e proteção para o suicídio, dentre eles os transtornos mentais, a tentativa de suicídio pregressa e o risco crônico de suicídio. Em todos os temas abordados neste item, como nos demais, o autor tem o cuidado de apresentar quadros e figuras onde as questões são colocadas de forma a permitir ao leitor a visualização imediata e a compreensão do que está sendo tratado. São apresentados também alguns lembretes para os profissionais de saúde no processo de avaliação: risco em quadros instáveis, internação psiquiátrica, falsas melhoras como o início de recuperação da depressão e quando a crise perdura e o paciente transmite calma repentina. Ao final deste item é comentada a Formulação do risco, isto é, as considerações do profissional sobre o risco de suicídio do paciente sob seus cuidados e o autor chama a atenção para o fato de que “a formulação de risco só é possível após uma avaliação clínica cuidadosa e sistemática. Basear-se apenas na intuição, após breve entrevista sem informações detalhadas é temerário”. Ainda nesse item Avaliação é descrito o risco de suicídio entre adolescentes, sendo enfatizados os sinais de alerta e os fatores de risco para o comportamento suicida. Ao final o autor apresenta um Roteiro para Avaliação do Risco de Suicídio, no sentido de orientar os profissionais de saúde a compreender e manejar a situação vivida pelo paciente. O item 7 é dedicado às Primeiras Providências a serem tomadas pelos profissionais. Na figura “Sequência de ações que compõem um plano terapêutico geral de amparo na crise suicida”, o autor esquematiza aspectos relevantes considerados como prioritários no contato com o paciente: 1. Manter o paciente seguro: impedir que se mate, afastando meios letais, proporcionando apoio emocional e vigilância e incentivando atividades programadas; utilizar psicofármacos para diminuir a ansiedade e garantir a noite de sono; e identificar pessoas significativas e obter apoio; 2. Esclarecer e apoiar os familiares; 3. Monitorar e obter colaboração: incrementar e facilitar contatos por meio de consultas frequentes e telefonemas periódicos; elaborar um plano de segurança identificando gatilhos para o suicídio, diminuindo estressores, aumentando o apoio social e viabilizando contatos emergenciais; repetir a avaliação do risco; 4. Discutir clinicamente o caso com a supervisão, revendo disponibilidade externa e interna tanto do paciente como do profissional. 5. Manter o paciente estável, diagnosticando e tratando transtornos mentais, lidando com estressores clínicos, abordando comportamentos disfuncionais, estimulando e encaminhando para a psicoterapia e cuidando da adesão ao tratamento. No item 8 é abordada a Psicoterapia de crise como um dos instrumentos importantes para abordagem dos pacientes que vivenciam a crise suicida. Esse item inclui o referencial teórico, os princípios da psicoterapia de crise, e as propostas de diálogo, lembrando que “é recomendável primeiro ouvir e acolher sem pressa”. E que as propostas sugeridas não devem ser tomadas como “receitas simplificadas”. Nos itens 9, 10 e 11 são discutidas questões relacionadas ao Cuidar, a Possibilidade de manter o paciente estável e O que fazer após um suicídio. Esses itens são ilustrados com casos clínicos e demonstram a atuação dos profissionais face ao paciente com risco de suicídio. Interessante o aspecto em que o autor comenta o dilema profissional de “estar no controle ou dar autonomia” ao paciente e o “impacto do suicídio” de um paciente no profissional que lhe dá assistência direta. No item 12 são descritos os Aspectos legais que envolvem o suicídio, inclusive a relação entre suicídio e eutanásia. No item 13 é abordada a Prevenção do suicídio em que são postos os marcos recentes na trajetória de prevenção do suicídio no Brasil, os níveis de prevenção – universal, seletiva e indicada, apresentando o público alvo e exemplos de ações e estratégias a serem desenvolvidas em cada um desses níveis –, as sugestões para as reportagens sobre suicídio, enfatizando que “em vez de manter o tabu de não noticiarem suicídios, os meios de comunicação devem fazê-lo com sensibilidade e ponderação” Ao final da leitura deste livro uma reflexão me acompanha: Ninguém pode saber de antemão que distúrbio, que sofrimento aflige o paciente; é preciso descobri-lo, desvendá-lo pouco a pouco e não produzi-lo1. Sábio foi Canguilhem ao nos apresentar esse princípio fundamental da clínica e que Botega, de forma magistral, nos apresentou em seu livro, tomando como cerne a crise suicida. Como relevante e que reafirma as colocações de Canguilhem, o mérito maior do livro está na possibilidade de prevenir e minimizar as crises suicidas, ao fornecer subsídios para a atenção em saúde, impedindo inclusive a distorção do acolhimento, da atenção e do manejo dos casos e os eventuais e possíveis atos iatrogênicos muitas vezes fatais.

Referências

  • 1
    Canguilhem G. Le normal e le pathologique Paris: Presses Universitaires de France; 1943.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2016
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br