Viabilidade do uso de pergunta simplificada na avaliação da qualidade da dieta de adolescentes

Paulo Rogério Melo Rodrigues Regina Maria Veras Gonçalves-Silva Márcia Gonçalves Ferreira Rosangela Alves Pereira Sobre os autores

Resumo

Analisou-se a aplicabilidade de pergunta simplificada na avaliação da qualidade da alimentação de adolescentes em estudo transversal de base escolar, com estudantes do ensino médio. A autopercepção da qualidade da alimentação foi obtida ao inquirir o participante se considerava sua alimentação muito boa, boa, regular ou ruim. Foram avaliados os hábitos de refeições e o consumo alimentar por meio de questionário de frequência de consumo. Estimou-se o Índice de Qualidade da Dieta-Revisado (IQD-R) e foram identificados três padrões alimentares com o uso de análise fatorial. A autopercepção da qualidade da alimentação como “boa” foi referida por 56% dos adolescentes, associando-se ao consumo regular de frutas, hortaliças, das refeições principais e escores elevados do IQD-R. Contudo, o consumo de alimentos deletérios à saúde não foi percebido como característica que afeta a qualidade da dieta. A pergunta avaliada apresentou sensibilidade de 28% para detectar dietas de boa qualidade e especificidade de 79% para identificar dietas de baixa qualidade nutricional. O uso de pergunta simplificada para avaliar hábitos alimentares de adolescentes é limitada, dado que o consumo de alimentos com alto teor de gordura, açúcar e sódio não foi reconhecido como indicador de dieta de baixa qualidade.

Autopercepção da dieta; Qualidade da dieta; Hábitos alimentares; Adolescente

Introdução

Hábitos alimentares adotados na adolescência têm sido caracterizados pelo alto consumo de marcadores de alimentação não saudável, tais como bebidas com adição de açúcar, alimentos processados, ricos em gorduras saturadas, açúcar de adição e sódio, assim como baixa ingestão de frutas e hortaliças11. Toral N, Conti MA, Slater B. A alimentação saudável na ótica dos adolescentes: percepções e barreiras à sua implementação e características esperadas em materiais educativos. Cad Saude Publica 2009; 25(11):2386-2394.,22. Popkin BM. Contemporary nutritional transition: determinants of diet and its impact on body composition. Proc Nutr Soc 2011; 70(1):82-91.. Esses hábitos, característicos da transição nutricional contemporânea22. Popkin BM. Contemporary nutritional transition: determinants of diet and its impact on body composition. Proc Nutr Soc 2011; 70(1):82-91., estão associados ao aumento do risco de obesidade, doenças cardiovasculares e diabetes33. Popkin BM. Sugary beverages represent a threat to global health. Trends Endocrinol Metab 2012; 23(12):591-593.,44. Malik VS, Willett WC, Hu FB. Global obesity: trends, risk factors and policy implications. Nat Rev Endocrinol 2013; 9(1):13-27..

Considerando que a obesidade na infância e adolescência é um dos principais problemas de saúde pública no mundo55. World Health Organization (WHO). Noncommunicable Diseases Country Profile 2011. Geneva: WHO; 2011. torna-se necessária a implementação de indicadores simplificados visando monitorar esse quadro e seus principais determinantes, entre eles o consumo alimentar, uma vez que é sabido que os hábitos alimentares dos adolescentes incluem alimentos considerados não saudáveis e de alta densidade energética66. Velazquez CE, Pasch KE, Ranjit N, Mirchandani G, Hoelscher DM. Are adolescents’ perceptions of dietary practices associated with their dietary behaviors? J Am Diet Assoc 2011; 111(11):1735-1740..

De forma semelhante ao que ocorre com a autopercepção do estado de saúde, atributo para o qual estudos revelam associação significativa entre a autopercepção de boa saúde e comportamentos saudáveis relacionados ao estilo de vida dos adolescentes77. Tremblay S, Dahinten S, Kohen D. Factors related to adolescents’ self-perceived health. Health Rep 2003; 14(Supl.):7-16.,88. Piko BF. Self-perceived health among adolescents: the role of gender and psychosocial factors. Eur J Pediatr 2007; 166(7):701-708., a percepção em relação à qualidade da alimentação pode ser uma ferramenta útil em inquéritos epidemiológicos, fornecendo, por meio de uma pergunta simples, uma avaliação subjetiva e uma medida resumo da qualidade da dieta. Tal suposição se baseia no fato de que modelos teóricos para escolhas alimentares sugerem que características individuais como conhecimento e percepção da alimentação são determinantes chaves para a seleção dos alimentos11. Toral N, Conti MA, Slater B. A alimentação saudável na ótica dos adolescentes: percepções e barreiras à sua implementação e características esperadas em materiais educativos. Cad Saude Publica 2009; 25(11):2386-2394.,99. Furst T, Connors M, Bisogni CA, Sobal J, Falk LW. Food choice: A conceptual model of the process. Appetite 1996; 26(3):247-65..

A percepção da qualidade da alimentação pode estar relacionada a conhecimentos sobre nutrição, para os quais foi observada associação significativa com a qualidade da dieta1010. Rafferty AP, Anderson JV, McGee HB, Miller CE. A healthy diet indicator: quantifying compliance with the dietary guidelines using the BRFSS. Prev Med 2002; 35(1):9-15.

11. Strachan SM, Brawley LR. Healthy-eater identity and self-efficacy predict healthy eating behavior: a prospective view. J Health Psychol 2009; 14(5):684-695.
-1212. Fitzgerald A, Heary C, Nixon E, Kelly C. Factors influencing the food choices of Irish children and adolescents: a qualitative investigation. Health Promot Int 2010; 25(3):289-298.. Porém, a autopercepção da qualidade da alimentação ainda tem sido um indicador pouco explorado, apesar do seu potencial para identificar grupos alvo de intervenções, visando à promoção de estilo de vida saudável, similarmente ao que ocorre com o indicador de autopercepção da saúde.

O objetivo deste estudo foi avaliar a aplicabilidade de uma pergunta simplificada na avaliação da qualidade da alimentação de adolescentes, explorando a associação entre autopercepção da qualidade da alimentação e indicadores de hábitos alimentares.

Métodos

Trata-se de estudo transversal, de base escolar, com adolescentes de ambos os sexos, na faixa etária de 14 a 19 anos, regularmente matriculados na rede de ensino médio público e privado na área urbana do município de Cuiabá, Mato Grosso, no ano de 2008, cujo objetivo inicial foi avaliar comportamentos de risco para transtornos alimentares.

Para o cálculo do tamanho da amostra considerou-se nível de 95% de confiança, erro amostral de 3% e dado que não eram conhecidos estudos específicos sobre comportamentos de risco para transtornos alimentares em adolescentes no munícipio estudado, para efeito de cálculo da amostra, considerou-se prevalência de 0,50. O tamanho amostral foi estimado em 1067 adolescentes, sendo corrigido em 20% para considerar o efeito do desenho da amostra em conglomerados (deff = 1,2), totalizando 1280 adolescentes. Maiores detalhes estão descritos em Rodrigues et al.1313. Rodrigues PRM, Pereira RA, Cunha DB, Sichieri R, Ferreira MG, Vilela AA, Gonçalves-Silva RMV. Factors associated with dietary patterns in adolescents: a school-based study in Cuiabá, Mato Grosso. Rev Bras Epidemiol 2012; 15(3):662-674..

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller da Universidade Federal de Mato Grosso. Todos os adolescentes e/ou os seus pais/responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido firmando anuência em participar da pesquisa, sendo obtida também autorização dos diretores das escolas para a coleta de dados.

Coleta de dados

Foi realizado treinamento padronizado para a coleta de dados, a qual contou com a aplicação de um questionário autorrespondido, pré-testado, contendo questões sobre características demográficas, socioeconômicas, de estilo de vida, hábitos alimentares e Questionário de Frequência Alimentar (QFA) semiquantitativo. Para diminuir a taxa de não resposta, foram realizados pelo menos três retornos às escolas, com o intuito de encontrar os alunos faltosos nas visitas anteriores.

Autopercepção da qualidade da alimentação

A autopercepção da qualidade da alimentação foi obtida por meio da pergunta: “Em sua opinião, a qualidade da sua alimentação é?”, tendo como opções de resposta: “Ótima”, “Boa”, “Regular”, “Ruim” ou “Péssima”. Nas análises estatísticas as respostas foram agrupadas em: 1) Percepção da qualidade da alimentação como Boa (“Ótima” e “Boa”) e 2) Percepção da qualidade da alimentação como Ruim (“Regular”, “Ruim” e “Péssima”).

Informações sobre hábitos alimentares e conhecimentos sobre alimentação saudável

Para avaliar o consumo alimentar aplicou-se QFA modificado para adolescentes1313. Rodrigues PRM, Pereira RA, Cunha DB, Sichieri R, Ferreira MG, Vilela AA, Gonçalves-Silva RMV. Factors associated with dietary patterns in adolescents: a school-based study in Cuiabá, Mato Grosso. Rev Bras Epidemiol 2012; 15(3):662-674., composto por 76 itens alimentares, oito opções de resposta para relato da frequência de consumo, variando de mais de 3 vezes por dia até nunca ou quase nunca e até três opções de porções.

O hábito de consumir regularmente frutas e hortaliças foi avaliado por meio das perguntas: “Você costuma comer frutas pelo menos 5 vezes por semana? (não considerando sucos e refrescos)” e “Você costuma comer verduras e legumes pelo menos 5 vezes por semana? (não considerando batata, inhame, mandioca…)”, ambas tendo como opções de resposta: Sim ou Não.

De forma semelhante, o hábito de consumir pele de frango e gordura visível da carne foi avaliado utilizando as perguntas: “Quando você come frango, com que frequência come a pele?” e “Quando você come carne, com que frequência come a gordura visível?”, ambas tendo como opções de resposta: Nunca, Algumas vezes e Sempre, sendo para as análises agrupadas em “Sim” (Sempre e Algumas vezes) e “Não” (Nunca).

O conhecimento sobre alimentação saudável foi avaliado por meio da pergunta: “Você tem conhecimentos sobre uma alimentação saudável?”, tendo como opções de resposta: “Sim” ou “Não”.

Cabe destacar que, tanto essa pergunta sobre alimentação saudável quanto a questão referente à autopercepção da qualidade da alimentação estavam localizadas, no questionário aplicado na pesquisa, após o QFA, de modo a não influenciar o relato do consumo.

Foi utilizado o software Nutwin para avaliar o consumo alimentar dos adolescentes em relação ao seu conteúdo em nutrientes1414. Anção MS, Cuppari L, Tudisco ES, Draibe SA, Sigulem DM. Sistema de Apoio à Nutrição. NutWin [software] versão 2.5. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2002.. Os alimentos foram agrupados de acordo com os grupos apresentados no Guia Alimentar para População Brasileira1515. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: MS; 2006. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).. As preparações que envolviam mais de um grupo de alimentos, como sanduíches, pizzas, massas recheadas e outras misturas, foram desmembradas e seus ingredientes, classificados nos grupos correspondentes. Para os alimentos que não estavam disponíveis no banco de dados do programa, as informações foram obtidas do Nutrition Data System for Research - NDSR1616. Nutrition Coordinating Center. Nutrition Data System for Research (NDS-R). Minnesota: University of Minnesota; 2008. e da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos - TACO1717. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (NEPA/UNICAMP). Tabela de Composição de Alimentos - TACO. 4ª ed. Campinas: NEPA/UNICAMP; 2011..

Avaliação da qualidade da dieta

Foi utilizado o Índice de Qualidade da Dieta – Revisado (IQD-R)1818. Previdelli AN, Andrade SC, Pires MM, Ferreira SRG, Fisberg RM, Marchioni DM. A revised version of the Healthy Eating Index for the Brazilian population. Rev Saude Publica 2011; 45(4):794-798. para avaliar a qualidade da dieta dos adolescentes. Este índice é baseado em recomendações relacionadas com aspectos protetores da alimentação, principalmente no Guia Alimentar para População Brasileira1515. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: MS; 2006. (Série A. Normas e Manuais Técnicos)., sendo estimado por 12 componentes que caracterizam diferentes aspectos da dieta, como o consumo de vegetais, gorduras benéficas e calorias fornecidas por “gorduras sólidas, açúcar de adição e bebidas alcoólicas (componente “Calorias vazias”)”. Os componentes IQD-R são baseados em grupos de alimentos (frutas totais; frutas inteiras; vegetais totais; vegetais verdes-escuros e alaranjados e Leguminosas; cereais totais; grãos integrais; carnes, ovos e legumes, leite e derivados, óleos, oleaginosas e gordura de peixe), nutrientes (gordura saturada e sódio), e nutrientes combinados com alimentos (componente “Calorias vazias”). A pontuação atribuída a cada componente é expressa em três níveis: máximo, intermediário e mínimo. A pontuação total do IQD- R é de 100 pontos, e altos escores indicam uma dieta que está mais próxima do ideal, enquanto que pontuações baixas caracterizam uma dieta que está longe de ser ideal. No presente estudo, o IQD- R incluiu apenas 11 componentes, devido à falta de especificações sobre o tipo de cereais no QFA; assim, os pontos atribuídos ao componente “grãos integrais” foram adicionados ao componente “cereais totais”. A descrição detalhada dos critérios para pontuação mínima, intermediária e máxima de cada componente pode ser encontrada em Previdelli et al.1818. Previdelli AN, Andrade SC, Pires MM, Ferreira SRG, Fisberg RM, Marchioni DM. A revised version of the Healthy Eating Index for the Brazilian population. Rev Saude Publica 2011; 45(4):794-798..

No presente estudo, a pontuação total do IQD-R e de seus componentes foi dicotomizada em acima e abaixo do percentil 75 (P75). Valores iguais ou superiores ao P75 foram considerados elevados por representar o quartil com maior pontuação, indicando melhor qualidade da dieta, uma vez que o IQD-R avalia em que medida a dieta apresenta aderência às recomendações nutricionais.

Consumo de refeições

A frequência de consumo de refeições (desjejum, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar) foi obtida pela pergunta “Em média, com que frequência você fez estas refeições nos últimos seis meses” tendo como opções de resposta: todos os dias, 3-6 vezes/semana, 1-2 vezes/semana e nunca.

O perfil de consumo de refeições foi categorizado em quatro grupos: Desejável, Satisfatório, Irregular e Insatisfatório. O perfil Desejável foi considerado quando o adolescente referiu realizar as cinco refeições diariamente, conforme preconizado pelo Guia Alimentar1515. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: MS; 2006. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).. O perfil Satisfatório foi dado quando o adolescente realizava pelo menos as três refeições principais (desjejum, almoço e jantar) diariamente. O perfil Irregular foi considerado quando o adolescente realizava apenas uma ou duas das três refeições principais diariamente. O perfil Insatisfatório foi classificado quando o adolescente não realizava nenhuma das três refeições principais diariamente. Cabe destacar que, tanto o perfil Satisfatório quanto os Irregular e Insatisfatório podem incluir ou não um dos dois lanches diariamente.

Identificação dos padrões alimentares

A identificação dos padrões alimentares está descrita em Rodrigues et al.1313. Rodrigues PRM, Pereira RA, Cunha DB, Sichieri R, Ferreira MG, Vilela AA, Gonçalves-Silva RMV. Factors associated with dietary patterns in adolescents: a school-based study in Cuiabá, Mato Grosso. Rev Bras Epidemiol 2012; 15(3):662-674., mas de forma resumida foi baseada na frequência de consumo de 22 grupos alimentares, empregando-se a análise fatorial exploratória, e para a extração dos fatores procedeu-se a análise de componentes principais, seguida da rotação Varimax. A determinação do número de fatores a serem extraídos foi baseada no teste gráfico de Cattel (scree plot), sendo os padrões identificados nomeados com base na interpretabilidade e características dos itens retidos em cada padrão.

Os três padrões identificados foram classificados como: padrão “Ocidental”, contendo bolos e biscoitos, produtos industrializados, laticínios, carnes preservadas, bebidas adoçadas, fast-food, banana da terra frita e doces; padrão “Tradicional”, composto pelos itens arroz, feijão, pães, leite, carne bovina, café, manteiga e margarina, e padrão “Misto”, caracterizado pelo consumo de macarrão, tubérculos e raízes, outras carnes, peixes, ovos, frutas, legumes e verduras.

Dados demográficos e socioeconômicos

O nível socioeconômico das famílias foi avaliado utilizando-se os critérios da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa1919. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Critério de Classificação Econômica Brasil. São Paulo: ABEP; 2008. que considera a escolaridade do chefe da família, a presença de bens (eletrodomésticos e carros) e empregados domésticos mensalistas no domicílio, sendo as famílias classificadas em categorias que variaram de A (nível mais elevado) até E (nível mais baixo).

A idade foi obtida por meio do cálculo da diferença entre a data da aplicação do questionário e a data de nascimento, sendo o resultado expresso em anos completos de vida e classificada em 2 categorias: 14 e 15 anos e entre 16 a 19 anos. Foi avaliada também a característica escolar, considerando o tipo de escola (particular e pública estadual e federal).

Informações sobre estilo de vida e status de peso

A prática de atividade física foi investigada quanto ao tipo, frequência e duração de cada atividade praticada. Para classificar o nível de atividade física, estimou-se o tempo semanal dedicado às atividades físicas, multiplicando-se tempo diário (em minutos) pela frequência semanal com que as atividades eram realizadas. Adotou-se a categorização sugerida por Currie et al.2020. Currie C, Roberts C, Morgan A, Smith R, Settertobulte W, Samdal O, Rasmussen VB. Young people’s health in context. Health Behaviour in Schoolaged Children (HBSC) study: international report from the 2001/2002 survey. Copenhagen: WHO; 2004. (Health Policy Series: Health Policy for Children and Adolescents)., a qual define como fisicamente inativo o adolescente que não relata a pratica de atividade física, insuficientemente ativo, aquele que pratica até 299 minutos de atividade física por semana e ativo, o adolescente que pratica pelo menos 300 minutos de atividade física semanalmente.

Os dados sobre consumo de bebidas alcoólicas (cerveja, vinho e/ou destilados) foram obtidos por meio de questionário de frequência alimentar e eram relativos aos seis meses anteriores à pesquisa, sendo os adolescentes classificados de acordo com a ingestão ou não de bebida alcoólica, independente da quantidade, frequência e tipo relatado. O tabagismo foi avaliado segundo os critérios da World Health Organization2121. World Health Organization (WHO). Guidelines for controlling and monitoring the tobacco epidemic. Geneva: WHO; 1998., que considera fumante o indivíduo que referiu ter fumado pelo menos um dia nos últimos 30 dias.

O índice de massa corporal (IMC = kg/m22. Popkin BM. Contemporary nutritional transition: determinants of diet and its impact on body composition. Proc Nutr Soc 2011; 70(1):82-91.) foi estimado para classificar o perfil de peso dos adolescentes utilizando os escores Z do IMC2222. Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ 2007; 85(9):660-667., sendo categorizados como sem excesso de peso os que apresentaram IMC/idade ≤ +1 escore-Z; e com excesso de peso corporal aqueles que apresentaram IMC/idade > +1 escore-Z, englobando nessa categoria o sobrepeso e a obesidade. Cabe destacar que o IMC foi calculado com base nas medidas de peso e estatura autorreferidas pelos adolescentes e que o relato destas medidas foi validado por Rodrigues et al.2323. Rodrigues PRM, Gonçalves-Silva RMV, Pereira RA. Validity of self-reported weight and stature in adolescents from Cuiabá, Central-Western Brazil. Rev Nutr 2013; 26(3):283-290. para sua utilização em estudos epidemiológicos com adolescentes do município avaliado no presente estudo.

Análise dos dados

As análises estatísticas foram desenvolvidas considerando-se os fatores de ponderação e o desenho amostral, utilizando-se o comando weight cases do programa estatístico Statistical Package for Social Science versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, USA) e do software WIN PEPI versão 11.7.

As análises foram conduzidas separadamente por sexo devido às diferenças significativas no relato da autopercepção da qualidade da alimentação entre meninos e meninas. Na análise univariada foi utilizado o teste do qui-quadrado para avaliar a relação entre a autopercepção da qualidade da alimentação e as variáveis demográficas, socioeconômicas, de estilo de vida, perfil de peso, conhecimentos sobre alimentação saudável, hábitos alimentares e indicadores de qualidade da dieta.

Em seguida, foram desenvolvidos modelos de regressão logística multivariada, utilizando-se a Odds Ratio (OR) e os respectivos Intervalos de Confiança de 95% (IC95%) como medida de associação, considerando como variável desfecho a autopercepção da qualidade da alimentação como boa e testando como fatores preditivos as variáveis independentes com valor de p < 0,20 na análise univariada. Primeiramente foram desenvolvidos modelos brutos, ou seja, incluindo cada variável independente separadamente e posteriormente foi desenvolvido modelo ajustado por idade, nível de atividade física e tipo de escola.

Adicionalmente, desenvolveu-se análise de sensibilidade, especificidade e acurácia da pergunta avaliada na classificação da qualidade da dieta dos adolescentes considerando como referência de dieta de melhor qualidade, o IQD-R total acima do percentil 75.

Resultados

Dos adolescentes elegíveis para participar do estudo (n = 1344), foram entrevistados 1296 (96,4%), destes, 87 não foram incluídos na análise devido a informações incompletas e outros 70 adolescentes que reportaram consumo energético considerado pouco plausível (acima ou abaixo de 2 desvios-padrão da média) também não foram considerados. Dessa forma, as análises foram conduzidas com 1139 adolescentes (84,7% do total de adolescentes elegíveis).

Dentre os adolescentes avaliados, 56% eram do sexo feminino, 66% estavam na faixa etária de 16 a 19 anos, 77% eram estudantes de escolas da rede pública estadual e federal de ensino e 53% pertenciam às classes sociais mais favorecidas (Tabela 1).

Tabela 1
Autopercepção da qualidade da alimentação segundo características demográficas, socioeconômicas, de estilo de vida e o status de peso de adolescentes (n = 1.139). Cuiabá, Mato Grosso, 2008.

A autopercepção da qualidade da alimentação como boa foi relatada por 56% dos adolescentes (64% dos meninos e 50% das meninas; p < 0,01). Estudantes das escolas particulares e das escolas estaduais relataram dieta de boa qualidade em maior proporção quando comparados aos estudantes da escola pública federal (p = 0,06). A autopercepção da qualidade da dieta também foi associada com a atividade física, uma vez que dos adolescentes ativos 64% consideraram sua dieta de boa qualidade, enquanto que entre os insuficientemente ativos, 53% relataram dieta de boa qualidade, e entre os fisicamente inativos, essa proporção foi de 47% (p < 0,01) (Tabela 1).

Verificou-se que entre os adolescentes que referiram consumo de frutas ≥ 5 vezes/semana, a autopercepção da dieta como de boa qualidade foi observada em 63% dos adolescentes (p < 0,01) e para o consumo de hortaliças ≥ 5 vezes/semana, essa proporção foi de 62% (p < 0,01). Entre os adolescentes que referiram ter conhecimentos sobre alimentação saudável, 59% relataram dieta como de boa qualidade (p < 0,01). A autopercepção da dieta como boa foi observada em 69% dos adolescentes com perfil de refeições satisfatório, em 56% dos adolescentes daqueles com perfil de refeições irregular e em 31% dos que apresentavam perfil de refeição insatisfatório (p < 0,01). A autopercepção da qualidade da dieta também se associou com o padrão alimentar “Misto” (p < 0,01) (Tabela 2).

Tabela 2
Autopercepção da qualidade da alimentação segundo hábitos alimentares e conhecimento sobre alimentação saudável de adolescentes (n = 1.139). Cuiabá, Mato Grosso, 2008.

Contudo, não se observou associação entre autopercepção da qualidade da dieta com marcadores de alimentação não saudável, como o consumo de pele de frango (p = 0,79) e de gordura visível de carnes (p = 1,00) e nem com os padrões alimentares “Ocidental” e “Tradicional” (Tabela 2).

Os adolescentes com autopercepção da qualidade da alimentação como boa apresentaram pontuação mais elevada para os seguintes componentes do IQD-R: “Frutas totais”, “Frutas inteiras”, “Vegetais totais” e “Vegetais verdes-escuros e alaranjados e Leguminosas” (p ≤ 0,01) e para “Leite e derivados”, “Óleos, oleaginosas e gordura de peixe” e “Sódio” (p < 0,05) (Tabela 3). Porém, os componentes marcadores de alimentação de risco à saúde, tais como “Gordura saturada” e “Calorias vazias” não se associaram à autopercepção da qualidade da alimentação (Tabela 3).

Tabela 3
Autopercepção da qualidade da alimentação segundo Índice de Qualidade da Dieta e seus componentes de adolescentes (n = 1.139). Cuiabá, Mato Grosso, 2008

Nos modelos de regressão logística multivariada ajustados, para os meninos, a probabilidade de autoperceber a qualidade da alimentação como boa foi mais elevada para os adolescentes fisicamente ativos (Odds Ratio [OR] = 2,38), os que relataram consumo de hortaliças ≥5 vezes/semana (OR = 1,94), os que tinham conhecimentos sobre alimentação saudável (OR = 4,87), perfil de refeições satisfatório (OR = 5,15) e irregular (OR = 2,92) e os que tiveram escores acima do percentil 75 para o IQD-R total (OR = 1,59) (Tabela 4).

Tabela 4
Razão de chances (Odds Ratio [OR] e Intervalo de Confiança de 95% [IC95%]) entre características dos adolescentes e indicadores da qualidade da dieta e a autopercepção da qualidade da alimentação em adolescentes do sexo masculino (n = 501). Cuiabá, Mato Grosso, 2008.

Para as meninas, a chance de autopercepção da qualidade da alimentação como boa também foi mais elevada para aquelas que consumiam frutas (OR = 1,94) e hortaliças (OR = 1,74) ≥ 5 vezes/semana, tinham conhecimentos sobre alimentação saudável (OR = 1,78), perfil de refeições satisfatório (OR = 4,10) e irregular (OR = 2,73) e escores fatoriais acima do percentil 75 para o padrão alimentar “Ocidental” (OR = 1,47) e “Misto” (OR = 1,79). Além disso, a probabilidade de autopercepção da qualidade da alimentação como boa foi mais elevada para aquelas que apresentavam escores acima de percentil 75 para diversos componentes do IQD-R: Frutas totais (OR = 1,55), Frutas inteiras (OR = 1,77), Vegetais totais (OR = 1,71), Vegetais verdes-escuros e alaranjados e leguminosas (OR = 1,71), Carnes, ovos e leguminosas (OR = 1,55), Leite e derivados (OR = 1,80) e Óleos, oleaginosas e gordura de peixe (OR = 1,55) (Tabela 5).

Tabela 5
Razão de chances (Odds Ratio [OR] e Intervalo de Confiança de 95% [IC95%]) entre características dos adolescentes e indicadores da qualidade da dieta e a autopercepção da qualidade da alimentação em adolescentes do sexo feminino (n = 638). Cuiabá, Mato Grosso, 2008

Para detectar dietas de boa qualidade considerando o percentil 75 do IQD-R como referência, a pergunta simplificada apresentou sensibilidade de 28,1% (Intervalo de Confiança de 95% [IC95%] = 24,9; 31,7) e especificidade de 79,2% (IC95% = 75,4; 82,5). Diferenças sutis na sensibilidade e especificidade para meninos e meninas não foram estatisticamente significativas (Tabela 6).

Tabela 6
Sensibilidade e especificidade de pergunta simplificada empregada na avaliação da qualidade da alimentação de adolescentes. Cuiabá, Mato Grosso, 2008

Discussão

Entre os adolescentes estudados, a autopercepção da qualidade da alimentação associou-se aos hábitos alimentares, ao consumo de refeições e a diversos aspectos da qualidade da dieta, especialmente entre as meninas. O relato de ter conhecimentos sobre alimentação saudável foi fortemente associado ao autorrelato de boa qualidade da dieta. Os adolescentes que consideraram sua alimentação de boa qualidade apresentaram consumo de frutas, legumes e verduras mais elevado, consumo regular das refeições principais e melhor qualidade da dieta avaliada segundo diferentes componentes do IQD-R. Por outro lado, o consumo de gordura saturada, de pele do frango, de gordura visível da carne, de “Calorias vazias” e de alimentos como bolos e biscoitos, produtos industrializados, bebidas adoçadas, doces e fast-food, representados pelo padrão alimentar “Ocidental”, não foi percebido pelos adolescentes como característica de dietas de baixa qualidade. Adicionalmente, observou-se que a pergunta avaliada apresentou elevada especificidade para detectar adolescentes com dietas de baixa qualidade, facilitando a triagem para inclusão de adolescentes em propostas de intervenções nutricionais. Contudo, a baixa sensibilidade apresentada pela pergunta para detectar dietas de boa qualidade indica que elevada proporção dos adolescentes que relataram ter dietas de boa qualidade, na realidade apresentavam consumo alimentar inadequado, incompatível com percepção da sua alimentação.

De modo geral, apesar do limitado número de estudos avaliando a autopercepção da qualidade da alimentação em adolescentes, a associação entre o consumo de frutas e verduras e a percepção de boa alimentação tem sido consistentemente relatada, sendo verificada em crianças e adolescentes americanos66. Velazquez CE, Pasch KE, Ranjit N, Mirchandani G, Hoelscher DM. Are adolescents’ perceptions of dietary practices associated with their dietary behaviors? J Am Diet Assoc 2011; 111(11):1735-1740.,2424. Croll JK, Neumark-Sztainer D, Story M. Healthy Eating: What Does It Mean to Adolescents? J Nutr Educ 2001; 33(4):193-198., irlandeses2525. Stevenson C, Doherty G, Barnett J, Muldoon OT, Trew K. Adolescents’ views of food and eating: Identifying barriers to healthy eating. J Adolesc 2007; 30(3):417-434. e brasileiros11. Toral N, Conti MA, Slater B. A alimentação saudável na ótica dos adolescentes: percepções e barreiras à sua implementação e características esperadas em materiais educativos. Cad Saude Publica 2009; 25(11):2386-2394..

No presente estudo, o consumo satisfatório das refeições principais, foi positivamente associado à autopercepção de boa qualidade da alimentação. Contudo, a adesão ao padrão alimentar “Tradicional”, caracterizado pelo consumo de arroz e feijão, combinação típica das refeições brasileiras, não se associou à percepção da qualidade da alimentação como boa, evidenciando que, possivelmente, o consumo desses alimentos básicos não é percebido como componente de alimentação saudável. O consumo desses alimentos tem sido associado a desfechos positivos em estudos observacionais e de intervenção com adultos2626. Sichieri R. Dietary patterns and their associations with obesity in the Brazilian city of Rio de Janeiro. Obes Res 2002; 10(1):42-48.,2727. Cunha DB, Almeida RMVR, Sichieri R, Pereira RA. Association of dietary patterns with BMI and waist circumference in a low-income neighbourhood in Brazil. Br J Nutr 2010; 104(6):908-913. e adolescentes1313. Rodrigues PRM, Pereira RA, Cunha DB, Sichieri R, Ferreira MG, Vilela AA, Gonçalves-Silva RMV. Factors associated with dietary patterns in adolescents: a school-based study in Cuiabá, Mato Grosso. Rev Bras Epidemiol 2012; 15(3):662-674., porém, é possível que os adolescentes não associem o seu consumo à alimentação saudável.

Além disso, destaca-se a ausência de associação entre a autopercepção da qualidade da alimentação e a ingestão excessiva de componentes de risco, como as gorduras saturadas, açúcar e sódio. Deve ser ressaltado que tais componentes são encontrados em preparações que nem sempre são identificadas como “não saudáveis”, não sendo intuitivamente associadas a efeitos deletérios sobre a saúde. Para alimentos processados, é necessária a leitura das informações nos rótulos dos produtos, o que nem sempre é o hábito de muitos adolescentes; além disso, a compreensão das informações ali contidas não é simples2828. Pontes TE, Costa TF, Marum ABRF, Brasil ALD, Taddei JAAC. Orientação nutricional de crianças e adolescentes e os novos padrões de consumo: propagandas, embalagens e rótulos. Rev Paul Pediatr 2009; 27(1):99-105.. Assim, é compreensível que adolescentes deixem de associar o consumo de alimentos com excesso de gordura saturada, açúcar e sódio e a qualidade da alimentação. No entanto, esse achado indica a necessidade de reforçar tais aspectos nas propostas de promoção da alimentação saudável e nas atividades de educação nutricional, visando restringir a ingestão desses alimentos.

De forma semelhante ao observado entre os indivíduos deste estudo, Velazquez et al.66. Velazquez CE, Pasch KE, Ranjit N, Mirchandani G, Hoelscher DM. Are adolescents’ perceptions of dietary practices associated with their dietary behaviors? J Am Diet Assoc 2011; 111(11):1735-1740. ao avaliarem adolescentes do Texas, com idade média de 15 anos, verificaram que aqueles com autopercepção de hábitos alimentares saudáveis foram mais propensos a relatar maior consumo de alimentos como grãos, frutas, verduras e legumes. Por outro lado, o grupo que relatou ter conhecimento sobre o teor de gordura dos alimentos, não apresentou reflexo desse conhecimento nas escolhas alimentares, havendo preferência pelos alimentos menos saudáveis66. Velazquez CE, Pasch KE, Ranjit N, Mirchandani G, Hoelscher DM. Are adolescents’ perceptions of dietary practices associated with their dietary behaviors? J Am Diet Assoc 2011; 111(11):1735-1740..

Nesse contexto, Fitzgerald et al.1212. Fitzgerald A, Heary C, Nixon E, Kelly C. Factors influencing the food choices of Irish children and adolescents: a qualitative investigation. Health Promot Int 2010; 25(3):289-298. apontam que as preferências alimentares, particularmente o sabor, a textura e a aparência dos alimentos, foram fatores mais importantes na escolha dos alimentos consumidos por crianças e adolescentes galeses, entre 9 e 18 anos de idade, em substituição aos conhecimentos sobre alimentação saudável. Além disso, barreiras adicionais foram: disponibilidade de alimentos em casa, presença dos amigos, alimentação escolar, comer fora de casa, atividades extracurriculares e horário de trabalho dos pais1212. Fitzgerald A, Heary C, Nixon E, Kelly C. Factors influencing the food choices of Irish children and adolescents: a qualitative investigation. Health Promot Int 2010; 25(3):289-298..

Paquette2929. Paquette MC. Perceptions of healthy eating: state of knowledge and research gaps. Can J Public Health 2005; 96(Supl. 3):S16-21. aponta que a evolução da ciência nutricional tem tornado complexa a definição de alimentos saudáveis, como, por exemplo, a determinação do tipo de gordura. Essa complexidade pode dificultar o entendimento das recomendações nutricionais e, consequentemente, refletir na ausência de associação entre o que os jovens percebem como não saudável e o seu consumo habitual.

Dessa forma, seria importante fomentar iniciativas que proporcionem maior compreensão, por parte dos adolescentes, da importância da alimentação e seus efeitos sobre a saúde, como demonstrado por Cunha et al.3030. Cunha DB, Souza BS, Pereira RA, Sichieri R. Effectiveness of a randomized school-based intervention involving families and teachers to prevent excessive weight gain among adolescents in Brazil. PLoS One 2013; 8:e57498., que observaram redução significativa no consumo de bebidas adoçadas e biscoitos e aumento no de frutas em estudo de intervenção com adolescentes de escolas públicas de Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Adicionalmente, crianças e adolescentes do Distrito Federal, entre 10 e 19 anos de idade, relataram que materiais educativos para promoção de alimentação saudável devem reforçar os benefícios imediatos, utilizando mensagens alarmantes sobre os riscos à saúde advindos de uma alimentação inadequada11. Toral N, Conti MA, Slater B. A alimentação saudável na ótica dos adolescentes: percepções e barreiras à sua implementação e características esperadas em materiais educativos. Cad Saude Publica 2009; 25(11):2386-2394..

Algumas limitações do presente estudo podem ser destacadas, dentre elas, o instrumento utilizado para avaliar o consumo alimentar, o QFA, elaborado para estimar o consumo usual dos indivíduos, que apresenta vantagens para estudos epidemiológicos, tais como não estar sujeito ao efeito da variação intrapessoal e a praticidade e o baixo custo na coleta de dados. Todavia, esse método também apresenta limitações, especialmente as relacionadas à cognição, à memória e às preferências alimentares individuais3131. Drewnovski A. Diet image: a new perspective on the food-frequency questionnaire. Nutr Rev 2001; 59(11):370-372..

Outra limitação inerente ao QFA utilizado, é que o mesmo não apresentava questões sobre a ingestão de cereais integrais, impossibilitando a pontuação desse componente, como previsto por Previdelli et al.1818. Previdelli AN, Andrade SC, Pires MM, Ferreira SRG, Fisberg RM, Marchioni DM. A revised version of the Healthy Eating Index for the Brazilian population. Rev Saude Publica 2011; 45(4):794-798.. Dessa forma, a pontuação referente ao componente “grãos integrais” foi redistribuída para o componente “cereais totais”. Além disso, a própria complexidade e multidimensionalidade do constructo qualidade da alimentação são fatores que podem explicar a dificuldade de observar associação entre a autopercepção e o consumo de determinados alimentos, assim como, a influência a própria percepção do adolescente.

Cabe destacar como um aspecto favorável deste estudo que o IQD-R, considerado como referência na análise da capacidade diagnóstica da pergunta simplificada empregada para avaliar a qualidade da dieta, é indicador global que se baseia em componentes que caracterizam diferentes aspectos da dieta, tanto saudáveis como não saudáveis e é considerado um índice confiável e válido para avaliar e monitorar a qualidade da dieta de brasileiros3232. Andrade SC, Previdelli AN, Marchioni DML, Fisberg RM. Evaluation of the reliability and validity of the Brazilian Healthy Eating Index Revised. Rev Saude Publica 2013; 47(4):675-683..

Estudos que proporcionem melhor entendimento da percepção dos adolescentes em relação à qualidade da alimentação, buscando identificar até que ponto a compreensão dos conhecimentos adquiridos é refletida nas práticas alimentares, pode auxiliar na construção e validação de instrumentos simplificados, otimizando sua utilização em inquéritos alimentares, como uma medida resumo da qualidade da dieta. Destaca-se que são necessários estudos para compreender de forma mais adequada a associação entre a percepção dos adolescentes a respeito dos seus hábitos alimentares e o consumo alimentar.

Conclusão

Neste estudo, a autopercepção da qualidade da alimentação como boa associou-se a hábitos satisfatórios de realização de refeições, ao escore elevado do IQD-R e ao consumo regular de frutas e vegetais em adolescentes. No entanto, o consumo de componentes considerados deletérios à saúde como a ingestão de gordura saturada, adesão ao padrão “Ocidental” de dieta e à ingestão de calorias provenientes de gordura sólida, álcool e açúcar de adição não foi percebido pelos adolescentes como hábitos que caracterizam dieta de má qualidade. Dessa forma, a maioria dos adolescentes combina alimentos saudáveis e aqueles menos recomendados em sua alimentação e parece não haver compreensão completa dos efeitos deletérios do consumo excessivo de componentes como gorduras, açúcar e sódio.

A aplicação de pergunta simplificada para avaliar qualidade da dieta forneceu elevada proporção de falsos positivos na detecção de adolescentes com dieta de boa qualidade. Por outro lado, essa pergunta demonstrou ser capaz de diagnosticar dietas de baixa qualidade. A aplicação dessa pergunta em inquéritos dietéticos com adolescentes é limitada e deve ser utilizada com cautela, uma vez que fornece apenas uma avaliação parcial da qualidade da dieta desse grupo. Os resultados apresentados sugerem que são necessários estudos buscando aperfeiçoar instrumentos simplificados que permitam identificar de forma válida a qualidade da dieta de adolescentes, englobando o consumo de alimentos saudáveis e também daqueles que incluem componentes que, potencialmente, representam risco para a saúde.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Mato Grosso pela bolsa de doutorado de PRM Rodrigues.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2017

Histórico

  • Recebido
    20 Mar 2015
  • Revisado
    23 Out 2015
  • Aceito
    25 Out 2015
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