A intersetorialidade no Programa Saúde na Escola: avaliação do processo político-gerencial e das práticas de trabalho

Marta Caires de Sousa Monique Azevedo Esperidião Maria Guadalupe Medina Sobre os autores

Resumo

Este estudo analisa a ação intersetorial desenvolvida entre os setores saúde e educação no processo de implementação do Programa Saúde na Escola em município de região metropolitana do Nordeste brasileiro. As dimensões de análise foram o processo político-gerencial, as práticas dos profissionais e a compreensão dos sujeitos sobre intersetorialidade. Os resultados apontaram que os sujeitos definem intersetorialidade como parceria e trabalho conjunto. No que diz respeito à tomada de decisão e à mobilização de recursos, na implementação do Programa notou-se liderança do setor Saúde, tendo o setor Educação uma atuação periférica. As atividades de saúde nas escolas possuem uma abordagem biomédica e são efetivadas através de palestras. Considera-se, que o programa fortaleceu a relação entre os dois setores, entretanto, aspectos da articulação intersetorial no processo político-gerencial e nas práticas mostraram fragilidades e limitações.

Intersetorialidade; Saúde na escola; Implementação de programa

Introdução

A intersetorialidade tem sido defendida como uma iniciativa de oposição à fragmentação das políticas sociais, fundamental na superação de iniquidades em saúde e melhoria da qualidade de vida de populações, especialmente em países de baixa e média renda per capita11. Public Health Agency of Canada (PHAC). Health Equity Through Intersectoral Action: An Analysis of 18 Country Case Studies. 2008. [site da internet]. [acessado 2016 ago 14]. Disponível em: http://www.who.int/social_determinants/resources/health_equity_isa_2008_en.pdf
http://www.who.int/social_determinants/r...
.

As discussões em torno dos seus significados e atribuições são vastas e, ao mesmo tempo, genéricas. Dentre os vários conceitos de intersetorialidade, há convergência de que pode ser compreendida como a articulação entre diferentes setores e atores, compartilhamento de poderes e de saberes com o objetivo de atuar de forma integrada sobre problemas e demandas em busca de melhoria na qualidade de vida22. Junqueira LAP. A gestão intersetorial das políticas sociais e o terceiro setor. Saúde Soc. 2004; 13(1):25-36.,33. Buss PM. Promoção da Saúde e Qualidade de Vida. Cien Saude Colet 2000; 5(1):163-177..

O debate internacional sobre intersetorialidade no campo da saúde tem enfatizado as intervenções sobre seus determinantes sociais44. Jackson SF, Perkins F, Cordwell L, Hamann S, Buasai S. Integrated health promotion strategies: a contribution to tackling current and future health challenges. Health Promotion International 2007; 21(1):75-83.

5. Lawless A, Williams C, Hurley C, Wildgoose D, Sawford A, Kickbusch I. Health in All Policies: Evaluating the South Australian Approach to Intersectoral Action for Health. Can J Public Health 2012; 103 (Supl. 1):15-19.
-66. EvciKiraz ED, Filiz E, Orhan O, Gulnur S, Erdal B. Local decision makers’ awareness of the social determinants of health in Turkey: across-sectional study. BMC Public Health 2012; 12(1)., bem como o estabelecimento de parcerias e alianças no processo de implementação77. O’neill M, Lemieux V, Le Groleau G, Fortin JP, Lamarche P. Coalition theory as a framework for understanding and implementing intersectoral health-related interventions. Health Promotion International 1997; 12(1):79-87.,88. Gillies P. Effectiveness of alliances and partnerships for health promotion. Health Promotion International 1998; 13(2):99-120.. Ainda, apontam que as intervenções em nível local têm maiores chances de obter resultados satisfatórios e sustentáveis99. Spiegel J, Alegret M, Clair V, Pagliccia N, Martinez B, Bonet M, Yassi A. Intersectoral action for health at a municipal level in Cuba. Int J Public Health 2012; 57(1):15-23.,1010. Panader AT, Agudelo CNA, Bolívar SY, Cárdenas CLM. Tobacco control: an intersectorial experience in Tunja (Colombia). Gac Sanit 2014; 28(6):508-510..

No Brasil, a intersetorialidade é valorizada no discurso de diversas políticas públicas, a exemplo da Educação, Saúde e Assistência Social. Na Educação, está associada à ideia de parceria e colaboração entre instituições governamentais, não governamentais e a sociedade, como uma alternativa para melhoria dos processos educacionais1111. Brasil. Ministério da Educação. Plano Nacional da Educação – PNE 2014-2024. Brasília, DF; 2014. [site da internet]. [acessado 2016 mar 10]. Disponível em: http://pne.mec.gov.br
http://pne.mec.gov.br...
. No campo da Saúde, tem sido considerada como elemento fundamental para a mudança no modelo de atenção e reorganização do sistema1212. Andrade LOM. A saúde e o dilema da intersetorialidade. São Paulo: Editora Hucitec; 2006., sendo referida em muitos trabalhos no campo da Promoção da Saúde como estratégia de ação que incida sobre seus determinantes sociais33. Buss PM. Promoção da Saúde e Qualidade de Vida. Cien Saude Colet 2000; 5(1):163-177.,1212. Andrade LOM. A saúde e o dilema da intersetorialidade. São Paulo: Editora Hucitec; 2006.. A parceria entre os setores Saúde e Educação, especialmente no que diz respeito à implementação de programas de assistência à saúde do escolar, existem desde o início do século XX1313. Figueiredo TAM, Machado VLT, Abreu MMS. A Saúde na Escola: Um breve resgate histórico. Cien Saude Colet 2010; 15(2):397-402.,1414. Silva CS, Bodstein RCA. Referencial teórico sobre práticas intersetoriais em Promoção da Saúde na Escola. Cien Saude Colet 2016; 21(6):1777-1788.. Os estudos que discutem tais políticas e ações têm indicado muitas fragilidades e desafios na implementação de ações intersetoriais, tais como ausência de comprometimento igualitário entre os setores, fragmentação das ações e predomínio de abordagens setorizadas e biomédicas1515. Santos DS. Ações Intersetoriais de Educação e Saúde: Entre Teoria e Prática [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2005.

16. Villardi ML. A Equipe da Saúde da Família e a atenção à saúde da criança em idade escolar: um desafio social [dissertação]. Botucatu: Faculdade de Medicina de Botucatu; 2011.
-1717. Sousa MC. Saúde na escola: analisando os caminhos da intersetorialidade [dissertação]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2014.. Experiências promissoras como as Escolas Promotoras da Saúde1818. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Escolas Promotoras de Saúde: experiências no Brasil. Brasília: OPAS; 2007. trouxeram novas abordagens, priorizando a promoção da saúde e a intersetorialidade, todavia, na prática os avanços foram limitados e incapazes de gerar ações integradas1414. Silva CS, Bodstein RCA. Referencial teórico sobre práticas intersetoriais em Promoção da Saúde na Escola. Cien Saude Colet 2016; 21(6):1777-1788..

No ano de 2007 foi lançado o Programa Saúde na Escola (PSE)1919. Brasil. Decreto Presidencial nº 6.286, 5 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2007; 6 dez. como uma estratégia para a integração e a articulação permanente entre as políticas de educação e de saúde. Seu propósito é ampliar as ações de saúde dirigidas aos alunos da rede pública de ensino, articulando as redes públicas básicas de saúde e da educação, contribuindo para a formação integral dos estudantes e desenvolvendo ações de prevenção, promoção e assistência à saúde. Além dos setores educação e saúde, o PSE prevê a participação de outros setores e atores, conforme a organização de cada território. A integralidade, a territorialidade e a intersetorialidade são princípios que fundamentam o Programa.

Poucos municípios no Brasil aderiram à implementação do Programa na sua fase inicial. Na ocasião, eram critérios de elegibilidade dos municípios ter 100% de cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) (2,69), ou ter em seus territórios escolas participantes do programa Mais Educação.

Na Bahia, entre os municípios que atendiam aos critérios, 65 (63%) realizaram adesão. No processo de expansão do Programa, no ano de 2011, houve mudanças nos critérios: a cobertura da ESF passou a ser de 70% e o IDEB 3,1. Como consequência, a adesão no estado aumentou de 65 para 282 municípios. Posteriormente, em 2013, os critérios de elegibilidade foram eliminados e qualquer município passou a ser apto2020. Brasil. Ministério da Saúde (ME). Ministério da Educação. Portaria Interministerial nº 1.413, de 10 de julho de 2013. Diário Oficial da União 2013; 11 jul.. Além disso, creches e pré-escolas foram incluídas e foram estabelecidos indicadores de monitoramento e metas de desempenho. Atualmente, 397 (95%) municípios baianos participam do PSE2121. Bahia. Secretaria Estadual da Saúde. Diretoria da Atenção Básica. [site da internet]. [acessado 2016 jul 15]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/dab
http://www.saude.ba.gov.br/dab...
.

Vale mencionar que o PSE é o principal programa voltado para atenção à saúde dos estudantes das escolas públicas. Considerando-se que cerca de 85% dos estudantes brasileiros da educação básica se encontravam, no ano de 2015, vinculados a instituições públicas de ensino2222. Brasil. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo escolar da Educação Básica 2015. Brasília; 2013. [site da internet]. [acessado 2015 jul 16]. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_censo_educacao_basica_2012.pdf
http://download.inep.gov.br/educacao_bas...
, é perceptível sua importância e alcance potencial.

A realização de pesquisas sobre o PSE ainda é escassa, com poucos trabalhos publicados1414. Silva CS, Bodstein RCA. Referencial teórico sobre práticas intersetoriais em Promoção da Saúde na Escola. Cien Saude Colet 2016; 21(6):1777-1788.,2323. Vieira MEM. Programa Saúde na Escola: A Intersetorialidade em Movimento [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013.

24. Ferreira IRC, Moysés SJ, França BHS, Carvalho ML, Moysés ST. Percepções de gestores locais sobre a intersetorialidade no Programa Saúde na Escola. Revista Brasileira de Educação 2014; 19(56):60-76.
-2525. Ferreira IRC, Vosgerau DSR, Moyses SJ, Moyses ST. Diplomas Normativos do Programa Saúde na Escola: análise de conteúdo associada à ferramenta ATLAS TI. Cien Saude Colet 2012; 17(12):3385-3398. e três deles se debruçaram sobre o tema da gestão intersetorial2323. Vieira MEM. Programa Saúde na Escola: A Intersetorialidade em Movimento [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013.

24. Ferreira IRC, Moysés SJ, França BHS, Carvalho ML, Moysés ST. Percepções de gestores locais sobre a intersetorialidade no Programa Saúde na Escola. Revista Brasileira de Educação 2014; 19(56):60-76.
-2525. Ferreira IRC, Vosgerau DSR, Moyses SJ, Moyses ST. Diplomas Normativos do Programa Saúde na Escola: análise de conteúdo associada à ferramenta ATLAS TI. Cien Saude Colet 2012; 17(12):3385-3398.. Os resultados têm apontado como possíveis dificuldades na implementação do Programa a diversidade de concepções sobre intersetorialidade entre gestores locais que compõem os grupos de trabalhos2323. Vieira MEM. Programa Saúde na Escola: A Intersetorialidade em Movimento [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013.,2424. Ferreira IRC, Moysés SJ, França BHS, Carvalho ML, Moysés ST. Percepções de gestores locais sobre a intersetorialidade no Programa Saúde na Escola. Revista Brasileira de Educação 2014; 19(56):60-76., a predominância do setor Saúde nas tomadas de decisão2323. Vieira MEM. Programa Saúde na Escola: A Intersetorialidade em Movimento [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013.,2424. Ferreira IRC, Moysés SJ, França BHS, Carvalho ML, Moysés ST. Percepções de gestores locais sobre a intersetorialidade no Programa Saúde na Escola. Revista Brasileira de Educação 2014; 19(56):60-76. e na emissão de portarias e normas2525. Ferreira IRC, Vosgerau DSR, Moyses SJ, Moyses ST. Diplomas Normativos do Programa Saúde na Escola: análise de conteúdo associada à ferramenta ATLAS TI. Cien Saude Colet 2012; 17(12):3385-3398.. Vale ressaltar que nenhum dos estudos identificados investigou a articulação das práticas dos setores saúde e educação.

Com o propósito de investigar como a intersetorialidade se operacionaliza, o presente estudo buscou avaliar os processos político-gerenciais e as práticas vinculadas ao PSE, bem como as concepções dos profissionais envolvidos com o Programa, em um município que aderiu precocemente ao Programa no Estado da Bahia.

Estratégia metodológica

Trata-se de um estudo avaliativo, realizado em um município de região Metropolitana do Nordeste brasileiro que implantou o PSE no ano de 2008, considerado exitoso por informantes-chave da gestão estadual.

Para a compreensão do processo político-gerencial, o estudo se ancorou nas contribuições de Teixeira2626. Teixeira CF, organizadora. Planejamento em Saúde: conceitos, métodos e experiências. Salvador: Editora EDUFBA; 2010. e Junqueira22. Junqueira LAP. A gestão intersetorial das políticas sociais e o terceiro setor. Saúde Soc. 2004; 13(1):25-36. no que diz respeito à tomada de decisão e à mobilização de recursos. A tomada de decisão é aqui compreendida como processo que consiste em realizar escolha compartilhada a partir de distintos olhares, conhecimentos e experiências22. Junqueira LAP. A gestão intersetorial das políticas sociais e o terceiro setor. Saúde Soc. 2004; 13(1):25-36.,2626. Teixeira CF, organizadora. Planejamento em Saúde: conceitos, métodos e experiências. Salvador: Editora EDUFBA; 2010.. A mobilização de recursos envolve o conjunto de atividades planejadas, incluindo recursos financeiros, materiais, instituições e pessoas22. Junqueira LAP. A gestão intersetorial das políticas sociais e o terceiro setor. Saúde Soc. 2004; 13(1):25-36.,2626. Teixeira CF, organizadora. Planejamento em Saúde: conceitos, métodos e experiências. Salvador: Editora EDUFBA; 2010..

Para a compreensão das práticas, nos embasamos teoricamente nas contribuições de Mendes-Gonçalves2727. Mendes-Gonçalves RB. Tecnologia e Organização Social das Práticas de Saúde: Características tecnológicas do processo de trabalho na rede estadual de centros de saúde em São Paulo. São Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec, Abrasco; 1994. sobre o processo de trabalho em saúde e seus elementos constituintes: a) sujeito: agente que realiza intervenções sobre o objeto e interage com outros sujeitos; b) objeto: elemento a qual se dirige determinada atividade; c) instrumento: tecnologia material e não material para intervenção sobre o objeto; d) atividade: características do trabalho em si; e, e) relações técnicas e sociais: relações estabelecidas entre os agentes e sua atuação sobre o objeto.

Neste estudo, adotou-se como conceito de intersetorialidade a articulação de diferentes setores, atores e de saberes no planejamento, realização e avaliação de ações com o objetivo de atuar de forma integrada sobre os problemas e demandas em busca da melhoria na qualidade de vida22. Junqueira LAP. A gestão intersetorial das políticas sociais e o terceiro setor. Saúde Soc. 2004; 13(1):25-36.,33. Buss PM. Promoção da Saúde e Qualidade de Vida. Cien Saude Colet 2000; 5(1):163-177..

Foi elaborado o modelo lógico do Programa Saúde na Escola, com a identificação dos objetivos, ações e resultados esperados (Figura 1), com base no seu marco normativo1919. Brasil. Decreto Presidencial nº 6.286, 5 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2007; 6 dez.,2828. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Ministério da Educação. Manual Instrutivo. Programa Saúde na Escola. Brasília: MS; 2013..

Figura 1
Modelo lógico do Programa Saúde na Escola.

No modelo lógico, foram considerados dois componentes: o primeiro relacionado ao processo político-gerencial, em que a articulação intersetorial representa uma inovação do programa, com o fortalecimento das redes locais de saúde e de educação. A instituição do Grupo de Trabalho Intersetorial (GTI) mostra-se fundamental no processo de articulação saúde-educação, sendo que ações integradas, processos de formação e inclusão do PSE nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) das unidades escolares são considerados resultados esperados, com vistas à articulação e interação entre as redes.

O segundo componente é relacionado às práticas, e nestas verificam-se ações coordenadas de atenção à saúde e o enfrentamento das vulnerabilidades. Nas atividades previstas destacam avaliações clínicas, atualização do calendário vacinal e estabelecimento de ações integradas de acordo com as necessidades identificadas no território, tendo em vista a integralidade do cuidado e a melhoria dos indicadores relacionados à saúde e à educação.

Os dados da pesquisa foram produzidos a partir de análise documental, observação sistemática e entrevistas semiestruturadas com secretários municipais da educação e da saúde, integrantes do GTI municipal, profissionais de três escolas públicas (duas municipais e uma estadual) e profissionais de duas Unidades de Saúde da Família (USF). No total, participaram do estudo 23 sujeitos, sendo cinco gestores das duas secretarias e 18 trabalhadores das unidades escolares e das unidades de saúde.

Para a análise do processo político-gerencial foram considerados critérios indicativos, tais como:

  1. processos decisórios: como, quais e por quem são tomadas as decisões; o modo como o planejamento, o monitoramento e a avaliação são realizados; a representatividade dos setores no GTI e as atribuições do GTI.

  2. mobilização de recursos: formas de apropriação e alocação dos recursos financeiros e materiais do programa e de mobilização e envolvimento de outros setores.

Para análise das práticas, os critérios considerados foram:

  1. sujeitos: profissionais das USF e das escolas, alunos, pais e comunidade.

  2. objetos: as doenças, os riscos e os determinantes sociais da saúde.

  3. atividades: ações de promoção da saúde, prevenção e assistência.

  4. instrumentos: articulação entre os diferentes saberes técnicos, científicos e metodológicos, elaboração de estratégias, e materiais utilizados para o desenvolvimento das atividades.

  5. relações técnicas e sociais: articulação entre os profissionais das USF e das escolas no planejamento, programação e execução das atividades, relações de poder e de conflitos evidenciadas.

As informações obtidas da análise documental, das entrevistas e das observações foram trianguladas e analisadas. A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética do Instituto de Saúde Coletiva, da Universidade Federal da Bahia.

Resultados e discussão

Concepções sobre intersetorialidade

O Quadro 1 apresenta o perfil dos 23 sujeitos que foram entrevistados neste estudo. Pode-se observar que em sua maioria eram adultos jovens (todos com menos de 50 anos), com predominância do sexo feminino e em sua quase totalidade eram profissionais de nível superior.

Quadro 1
Perfil dos entrevistados que atuam no Programa Saúde na Escola.

Ao serem interrogados sobre a compreensão acerca da intersetorialidade, verifica-se que os entrevistados não dão uma definição estruturada ou precisa, mas compartilham da ideia que envolve um trabalho conjunto. É notável que o termo intersetorialidade seja compreendido com maior domínio entre os membros do setor saúde. No setor educação, o termo é visto com certa estranheza, mas atribui-se à noção de parceria.

Entre os documentos analisados, como Plano Municipal de Saúde, Projetos Político Pedagógico das escolas e Relatórios de Gestão, observa-se, também, que não fica explícito o conceito de intersetorialidade. Os documentos do setor da educação não fazem nenhuma menção ao termo, todavia, há destaque para o termo parceria. Compreende-se que os documentos afirmam a importância da ação conjunta e da necessidade de constituição de trabalhos colaborativos, embora sem uma definição conceitual sobre o que é intersetorialidade e como esta deve ser operacionalizada.

O entendimento de que a intersetorialidade trata de um trabalho conjunto foi um achado uniforme entre os gestores e os trabalhadores sem diferenças significativas em função do nível de escolaridade. Os entrevistados apontaram a necessidade do trabalho em parceria entre as instituições, diante da complexidade dos problemas sociais existentes e também como uma maneira de otimizar os resultados.

No contexto que vivemos hoje, principalmente na educação, não temos como trabalhar sem parceria, separadamente, porque precisamos totalmente um do outro, não temos como trabalhar sem os dados da saúde e a saúde não pode trabalhar sem os dados da educação, sem os dados da segurança publica. [...] Nesses tempos de turbulência, de violência, sem esse apoio, sem essa orientação, sem essa aproximação, não acontece a prevenção, essa atuação conjunta é importante. (Gestor da Educação)

Dentre os diversos relatos, se expressa uma compreensão, sobretudo entre os profissionais do setor educação, que na parceria é importante envolver a família e a comunidade. A “parceria com a família e a comunidade” é considerada um fator importante para aprimorar a ação intersetorial do PSE. Nessa parceria, poder-se-ia superar alguns desafios, tais como aproximar a escola e a comunidade na qual ela se encontra inserida2929. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Programa Saúde na Escola. Cadernos da Atenção Básica. Brasília: MS; 2009.. Ao considerar a participação da família e da comunidade como dimensões importantes nas políticas intersetoriais, torna-se oportuno dar maior visibilidade aos fatores que colocam a saúde em risco e ao mesmo tempo traçar estratégias conjuntas para superar os problemas e as adversidades identificados e vivenciados pela comunidade intra e extraescolar.

As concepções dos entrevistados aproximam do conceito de intersetorialidade adotado nesse estudo ao se referir a “trabalho em conjunto”, “colaborativo” e “parceria” entre as instituições e entre os diferentes sujeitos. Entretanto, não tematizam o compartilhamento de poder, o diálogo, as decisões horizontais e as ações integradas como dimensões da pratica intersetorial. A ausência dessas questões na compreensão da intersetorialidade pode favorecer práticas setorizadas e hierarquizadas, comprometendo decisões coletivas e a efetividade das ações. Silva e Rodrigues3030. Silva KL, Rodrigues AT. Ações intersetoriais para promoção da saúde na Estratégia Saúde da Família: experiências, desafios e possibilidades. Rev Bras Enferm 2010; 63(5):762-769. assumem que um dos desafios de operacionalizar a intersetorialidade reside justamente na superação das hierarquias institucionais e nas relações de poder estabelecidos entre diferentes setores e diferentes segmentos profissionais.

Para Akerman et al.3131. Akerman M, Franco de Sá R, Moyses S, Rezende R, Rocha D. Intersectoriality? IntersectorialitieS!. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4291-4300., a intersetorialidade ainda se mostra como um tema polissêmico, o que gera dificuldades em elegê-la como categoria de pesquisa e avaliação. Assim, essa polissemia resulta em ausência de clareza na sua definição, tanto do ponto de vista teórico, bem como para os atores responsáveis pela gestão de ações intersetoriais.

Processos político-gerenciais intersetoriais

Pudemos identificar neste estudo que apesar de existente o GTI atuava informalmente, uma vez que não houve portaria da sua instituição e nomeação dos seus membros. No grupo, havia ausência de processos formais de planejamento, bem como inexistência de procedimentos formais de monitoramento e de avaliação. O monitoramento consistiu apenas em preencher os sistemas de informação: e-SUS do Ministério da Saúde (MS) e o Sistema Integrado de Monitoramento e Controle (SIMEC) do Ministério da Educação (MEC), carecendo de valor de uso das informações sistematizadas na tomada de decisão das ações do Programa.

Vilasbôas e Paim3232. Vilasbôas ALQ, Paim JS. Práticas de planejamento e implementação de políticas no âmbito municipal. Cad Saude Publica 2008; 24(6):1239-1250. ressaltam que o planejamento pode ser entendido como uma forma de orientação da ação humana, dirigida para o alcance de uma dada finalidade e se constitui em uma ação social. Ainda, segundo os autores, as práticas de planejamento são consideradas estruturadas quando lançam mão de procedimentos formalizados e análise de situações com base na coerência, suficiência e viabilidade das propostas, enquanto o planejamento informal é considerado não estruturado, pois não dispõe de uma estrutura metodológica definida. Nessas prerrogativas, o planejamento do GTI ocorre de modo informal, portanto, não estruturado.

A análise do GTI permitiu identificar que esta instância não era a responsável por gerir o recurso financeiro do PSE. O recurso financeiro do Programa limitava-se àquele recebido via piso da atenção básica variável que é disponibilizado pelo MS e que os gestores consideram como insuficientes. Segundo os informantes, o município não recebeu os materiais clínicos e didáticos que são fornecidos pelo MEC. A falta de recursos financeiros e materiais são considerados fatores que dificultavam a realização de algumas atividades do programa.

Quanto à participação no GTI, apenas as secretarias de educação e saúde fazem parte, com a participação de três representantes de cada uma delas. Não houve evidências de estratégias para envolver outros representantes na gestão do PSE. Os entrevistados apresentaram uma visão divergente com relação à importância da participação da sociedade civil organizada e convergiram sobre a necessidade da participação de representantes da Secretaria de Assistência Social.

A mobilização social, integração entre instituições e participação comunitária em instâncias de decisão são fatores que fortalecem as ações intersetorias55. Lawless A, Williams C, Hurley C, Wildgoose D, Sawford A, Kickbusch I. Health in All Policies: Evaluating the South Australian Approach to Intersectoral Action for Health. Can J Public Health 2012; 103 (Supl. 1):15-19.,88. Gillies P. Effectiveness of alliances and partnerships for health promotion. Health Promotion International 1998; 13(2):99-120.,1010. Panader AT, Agudelo CNA, Bolívar SY, Cárdenas CLM. Tobacco control: an intersectorial experience in Tunja (Colombia). Gac Sanit 2014; 28(6):508-510.,3333. Magalhães R, Bodstein R. Avaliação de iniciativas e programas intersetoriais em saúde: desafios e aprendizados. Cien Saude Colet 2009; 14(3):861-868.. Entretanto, apesar de estas concepções permearem a opinião de alguns membros, não foi identificada ação para contemplar tais fatores. Cabe ressaltar que no modelo lógico do programa está prevista a participação comunitária no GTI.

Nos processos decisórios, as ações imediatas do Programa, tais como elaboração de calendário de atividades, definição de temáticas a serem abordadas e alimentação dos sistemas de informação ficam a cargo da coordenação do PSE nas respectivas secretarias. Decisões mais complexas e políticas como gerenciamento e alocação dos recursos financeiros, indicação para participar de eventos externos, compor o GTI, escolha das unidades de saúde e unidades escolares participantes do Programa ficam a cargo dos secretários municipais de saúde e de educação. Demais decisões são realizadas no coletivo do GTI, segundo os entrevistados, conforme relato a seguir:

Existe o GTI e seus membros são representantes das duas secretarias. As atividades do PSE são trabalhadas no grupo, decidimos o que vamos trabalhar de acordo com as necessidades [...] decidimos o que fazer, juntamente com os professores e os profissionais das unidades e sempre decidimos juntos, conversamos sobre o que é necessário e definimos as prioridades. (Gestor da Saúde)

Houve indícios de que as decisões são centralizadas pelo setor saúde. Como, por exemplo, a citação de um dos gestores o qual afirmou que “os recursos financeiros entram na conta da saúde, então existe mais um olhar da saúde sobre o que é necessário para se realizar” e “há maior mobilização do setor saúde”.

Verificou-se que o planejamento, as atividades e as avaliações, mesmo informais, são protagonizadas pelo setor saúde, o que gerou desigualdade no comprometimento, nas responsabilidades e nas decisões tomadas. A liderança do setor saúde na execução das ações intersetorias já foi identificada em outros estudos1515. Santos DS. Ações Intersetoriais de Educação e Saúde: Entre Teoria e Prática [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2005.,1616. Villardi ML. A Equipe da Saúde da Família e a atenção à saúde da criança em idade escolar: um desafio social [dissertação]. Botucatu: Faculdade de Medicina de Botucatu; 2011.,3434. Carvalho MF, Barbosa MI, Silva ET, Rocha DG. Intersetorialidade: diálogo da política nacional da promoção da saúde com a visão dos trabalhadores da atenção básica em Goiânia. Tempus - Actas de Saúde Coletiva 2009; 3(3):44-55.,3535. Lima EC, Vilasbôas ALQ. Implantação das ações intersetoriais de mobilização social para o controle da dengue na Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(8):1507-1519., assim como nos trabalhos dirigidos ao PSE1717. Sousa MC. Saúde na escola: analisando os caminhos da intersetorialidade [dissertação]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2014.,2323. Vieira MEM. Programa Saúde na Escola: A Intersetorialidade em Movimento [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013.,2424. Ferreira IRC, Moysés SJ, França BHS, Carvalho ML, Moysés ST. Percepções de gestores locais sobre a intersetorialidade no Programa Saúde na Escola. Revista Brasileira de Educação 2014; 19(56):60-76.. Esse protagonismo pode estar associado à compreensão de que a questão saúde não trata apenas em ausência de doenças, portanto, são necessárias ações que ultrapassem esse setor. De outra maneira, o maior envolvimento de um setor em um programa intersetorial, pode levar o programa a ganhar contornos setoriais. Além disso, a maior responsabilização da saúde pela condução das ações do PSE pode ser um indicativo de um olhar já enviesado e fragmentado sobre práticas de saúde na escola.

Operacionalização do programa

Quanto à realização das atividades práticas relacionadas ao Programa, os resultados demonstraram que as atividades foram formuladas e executadas pelos sujeitos da saúde, em sua maioria, tiveram como público alvo (sujeitos) os estudantes e eventualmente, envolveram os pais e os responsáveis.

A participação dos profissionais das escolas na condução das atividades era eventual e esporádica, quando existiam, a sua atuação era auxiliar no desenvolvimento das atividades executadas pelas equipes de saúde. Observou-se que, mesmo de forma não estruturada, os profissionais das USF se organizavam para desenvolver as atividades propostas pelo Programa, como destaca uma das entrevistadas.

A cada ano fazemos uma programação de datas para não interferir no ano letivo deles (dos alunos), a gente sempre faz visita à escola, pois é muito perto, fazemos orientação sobre educação em saúde bucal e escovação, todas as escolas têm sua data, vamos lá, entregamos sua escova, aplica o flúor e agora já estou fazendo algo maior ainda, estou indo de sala em sala fazendo avaliação da saúde bucal das crianças e incentivando para manter-se sempre saudável. (Cirurgiã-Dentista)

Não constava dos projetos político pedagógico das escolas uma menção formal ao PSE. Logo, subtende-se que o Programa ainda não fazia parte das ações pedagógicas das diferentes unidades escolares. A maioria das ações do Programa era estabelecida através de um calendário temático elaborado pelo GTI que, em grande parte, teve como objeto de intervenção a doença, conforme a análise das temáticas constantes no calendário, e nos relatórios das atividades que foram disponibilizados pelas USF, onde constavam palestras sobre “escabiose”, “pediculose”, “DST”, “obesidade” e “violência”. Contudo, temáticas sobre “saúde bucal”, “alimentação saudável” e “práticas de atividades físicas” foram também evidenciadas.

Ao considerar o objeto como um dos elementos do processo de trabalho, Mendes-Gonçalves2727. Mendes-Gonçalves RB. Tecnologia e Organização Social das Práticas de Saúde: Características tecnológicas do processo de trabalho na rede estadual de centros de saúde em São Paulo. São Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec, Abrasco; 1994. afirma que a apreensão desse objeto consiste na identificação de suas características que permitem a visualização do produto final. O objeto corresponde então, a um “olhar já enviesado que nele discrimina a potencialidade do produto”. Na referente análise, as atividades desenvolvidas nas diferentes unidades escolares estavam voltadas para a prevenção e identificação de doenças, organizadas sob o formato de palestras e de avaliação clínica. O trecho a seguir evidencia o foco adotado:

O foco do PSE é na prevenção de doenças, fazemos palestra, muitas ações de avaliação e de educação em saúde [...]. O PSE já vem com o projeto pronto, e mesmo assim, quando a gente precisa direcionar para algum tipo de atividade dentro da nossa realidade nós fazemos. Pois, aqui os alunos apresentam diversas doenças, desde resfriados até outras mais graves. (Enfermeira)

Ao adotar a doença e não a saúde como objeto principal das ações, o PSE não supera o desafio de inovar as práticas de saúde destinadas aos escolares.

Embora as unidades de saúde e as escolares tenham sido localizadas em distintos territórios e representarem realidades epidemiológicas e sociais bastante diferentes, conforme afirmado pelos gestores e evidenciado durante as observações, no presente estudo não foram identificadas ações diferenciadas para o combate aos problemas e iniquidades de acordo com as demandas locais de cada território.

Os achados sugerem que os profissionais não utilizavam como instrumentos o conhecimento epidemiológico para identificar riscos e propor intervenções. Paim3636. Paim JS. Desafios para a Saúde Coletiva no século XXI. Salvador: EDUFBA; 2006. ressalta que ao reduzir as necessidades de saúde aos problemas de saúde, o saber epidemiológico e não a clínica seria a opção mais coerente para atuação sobre o objeto.

Em síntese, os instrumentos, tais como indicadores de saúde e da educação não eram utilizados no planejamento das ações, os recursos didáticos limitaram-se ao uso de cartilhas e cartazes sobre prevenção de doenças, e a palestra foi a opção metodológica mais utilizada.

Nota-se que as ações do PSE eram priorizadas nas escolas municipais. Na escola estadual, as ações eram esporádicas e chama a atenção a pouca participação das equipes escolares, seja do corpo diretivo, seja dos professores. Não houve evidência de participação ativa em nenhuma ação de coordenação e/ou mobilização. Observou-se que, em alguns momentos, as direções das escolas sugeriam alguma ação “da” equipe de saúde, quando o esperado seria “com” a equipe de saúde, distanciando-se da sua corresponsabilização com a condução do Programa no que diz respeito à participação ativa dos profissionais da educação. Percebe-se que “a saúde vai à escola” ao invés de a escola promover saúde.

A participação efetiva das equipes escolares poderia colocar em evidência temas que levam a uma consciência mais crítica e participativa dos alunos, uma vez que se espera do profissional da educação a expertise de uma educação emancipadora. A discussão de temas, que podem ser considerados próprios do campo da Educação, como cidadania, participação, autonomia e empoderamento não foram evidenciadas entre as atividades executadas pelo PSE.

Dessa forma, na análise dos saberes envolvidos nas atividades do PSE, notou-se predominância do conhecimento relativo ao setor saúde. Este concentra os saberes que são repassados aos estudantes, bem como a forma escolhida para mediar esse conhecimento, ao realizar as atividades nas escolas, o conhecimento não é construído, problematizado e reflexivo, os professores, com pouca participação, na maioria das vezes são reprodutores dos ensinamentos e das instruções da saúde. O trecho da narrativa expressa essa evidência:

A equipe (de saúde) faz palestras sobre alimentação saudável com os alunos, sobre piolhos e outras doenças, a equipe atualizou o cartão de vacina, sempre estão aqui fazendo alguma coisa, nos dando apoio e informações [...] mas, em minha opinião, esse apoio poderia ser mais constante, talvez seja a questão da amplitude da comunidade, por ter poucos médicos, e pouca disponibilidade deles [...] quando eles veem são bem aceitos pelos meninos. (Professora)

Eu conversei com a diretora sobre o que mais estava precisando para conversar com alunos e professores. Ela pediu para fazer um planejamento, trabalhar com sexualidade e a partir da solicitação dela fez a atividade [...] levamos alguns brindes para motivar a participação dos alunos, se assim não for, nada sai. (Enfermeira)

Diante dos relatos e das observações, conclui-se que as práticas de saúde nas escolas continuam com forte viés biomédico, preventivo e fragmentado. O foco é voltado para a avaliação clínica e realização de palestras sobre prevenção de doenças. Todavia, com base nas observações, é possível inferir que as necessidades de saúde dos escolares são muitas, e que as ações realizadas por meio do PSE, mesmo não causando grandes transformações, contribuem para melhoria da sua saúde e consequentemente da educação, conforme o trecho da fala de uma gestora escolar:

Aqui na escola tem muitas doenças sexualmente transmissíveis. Gravidez e aborto são constantes, e às vezes o colégio é o único local que os alunos têm liberdade para discutir esses assuntos [...] por um motivo ou por outro nem conversam com os pais, então fazer atividades aqui como palestras e exames já ajudam muito. (Diretora)

O PSE pode ser considerado como um programa importante para realizar ações de promoção da saúde, de acordo com a portaria que o instituiu e documentos referenciais é concebido como uma política pública saudável1919. Brasil. Decreto Presidencial nº 6.286, 5 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2007; 6 dez.,2828. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Ministério da Educação. Manual Instrutivo. Programa Saúde na Escola. Brasília: MS; 2013.,2929. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Programa Saúde na Escola. Cadernos da Atenção Básica. Brasília: MS; 2009., entretanto, ações de promoção da saúde foram pouco manifestas no presente estudo. A integralidade do cuidado é um dos resultados esperados, conforme o modelo lógico do programa, e mesmo sendo relatado pelos profissionais (da saúde) ser de suma importância, é algo em incipiente construção.

A proposta do PSE enquanto programa intersetorial continua fortemente com ações setorizadas. O diálogo, a troca de saberes, de experiências, o trabalho conjunto e a articulação entre outras estruturas sociais do território seriam estratégias importantes para conectar diferentes iniciativas, potencializando a sinergia das ações sobre os eventuais problemas identificados. Compreende-se que o desenvolvimento de ações locais, envolvendo os sujeitos diretamente afetados, tem maiores chances em obter resultados positivos e duradouros77. O’neill M, Lemieux V, Le Groleau G, Fortin JP, Lamarche P. Coalition theory as a framework for understanding and implementing intersectoral health-related interventions. Health Promotion International 1997; 12(1):79-87.,99. Spiegel J, Alegret M, Clair V, Pagliccia N, Martinez B, Bonet M, Yassi A. Intersectoral action for health at a municipal level in Cuba. Int J Public Health 2012; 57(1):15-23.,1010. Panader AT, Agudelo CNA, Bolívar SY, Cárdenas CLM. Tobacco control: an intersectorial experience in Tunja (Colombia). Gac Sanit 2014; 28(6):508-510..

Sobre os fatores que dificultam o desenvolvimento do PSE no município selecionado, os entrevistados destacaram excessivo número de famílias a serem acompanhadas pelas ESF, comprometendo a frequência e a qualidade das visitas às escolas, além do fato de muitos estudantes residirem em outros territórios, o que gerava dificuldades no seu acompanhamento, visto que, ao detectar algum problema de saúde, outra equipe seria a responsável pela assistência e não havia um processo eficiente de comunicação entre diferentes equipes.

Ainda como dificuldades, foram referidas a falta de recursos financeiros e materiais e a escassez de tempo entre os profissionais para realizar o planejamento e as atividades de forma conjunta. Diante dos achados, a ausência no GTI de um planejamento estruturado e compartilhado pode configurar como um fator limitante à implementação do PSE e da intersetorialidade.

Todos os envolvidos com o PSE afirmaram que após a implementação do Programa houve maior aproximação e diálogo entre as equipes dos dois setores. Esse maior entrosamento foi citado como fator facilitador que permitiu o desenvolvimento de diversas atividades. Ainda, consideram como facilitadores a proximidade física entre a unidade de saúde e a escolar, bem como a existência de escolas que ofertam o ensino em tempo integral.

A ausência de processos de capacitação de todos os profissionais para a prática intersetorial, bem como para atuar no PSE, são fatores observados que dificultaram a operacionalização da intersetorialidade. Em contrapartida, a predisposição de muitos profissionais em consolidar o PSE é um fato que pode proporcionar melhor efetividade do Programa.

Considerações finais

Este estudo buscou contribuir com a discussão sobre intersetorialidade na gestão e a sua operacionalização nas práticas de saúde voltadas a escolares. De modo geral, os resultados demonstraram que existe uma baixa apropriação do conceito de intersetorialidade, porém é reconhecida a ideia de trabalho conjunto e parceria, tendo em vista alcançar melhores resultados das políticas públicas. Os achados permitiram refletir que apesar de o PSE inovar na proposta da intersetorialidade, as ações desenvolvidas encontram-se ainda fortemente atribuídas apenas ao setor saúde. A participação do setor educação é tida como periférica, o que certamente restringe a potencialidade do Programa, em especial no que se refere à perspectiva da promoção da saúde e do desenvolvimento da cidadania entre os escolares.

Como limitações do estudo, podemos apontar para a existência de poucas atividades relacionadas ao PSE no período da sua realização, limitando assim a potencialidade das observações in loco e a não inclusão dos estudantes como sujeitos entrevistados.

Como sugestão de melhoria do Programa no âmbito municipal, recomenda-se a institucionalização do GTI, maior envolvimento do setor educação no processo político-gerencial e nas práticas e a realização de processos de capacitação para o trabalho intersetorial para todos os atores envolvidos. Finalmente, sugere-se ainda a realização de novos estudos avaliativos, complementares ao ora apresentando, que permitam destacar aspectos relacionados aos resultados do PSE, considerando seus efeitos para os escolares, a família e a comunidade.

Referências

  • 1
    Public Health Agency of Canada (PHAC). Health Equity Through Intersectoral Action: An Analysis of 18 Country Case Studies. 2008. [site da internet]. [acessado 2016 ago 14]. Disponível em: http://www.who.int/social_determinants/resources/health_equity_isa_2008_en.pdf
    » http://www.who.int/social_determinants/resources/health_equity_isa_2008_en.pdf
  • 2
    Junqueira LAP. A gestão intersetorial das políticas sociais e o terceiro setor. Saúde Soc 2004; 13(1):25-36.
  • 3
    Buss PM. Promoção da Saúde e Qualidade de Vida. Cien Saude Colet 2000; 5(1):163-177.
  • 4
    Jackson SF, Perkins F, Cordwell L, Hamann S, Buasai S. Integrated health promotion strategies: a contribution to tackling current and future health challenges. Health Promotion International 2007; 21(1):75-83.
  • 5
    Lawless A, Williams C, Hurley C, Wildgoose D, Sawford A, Kickbusch I. Health in All Policies: Evaluating the South Australian Approach to Intersectoral Action for Health. Can J Public Health 2012; 103 (Supl. 1):15-19.
  • 6
    EvciKiraz ED, Filiz E, Orhan O, Gulnur S, Erdal B. Local decision makers’ awareness of the social determinants of health in Turkey: across-sectional study. BMC Public Health 2012; 12(1).
  • 7
    O’neill M, Lemieux V, Le Groleau G, Fortin JP, Lamarche P. Coalition theory as a framework for understanding and implementing intersectoral health-related interventions. Health Promotion International 1997; 12(1):79-87.
  • 8
    Gillies P. Effectiveness of alliances and partnerships for health promotion. Health Promotion International 1998; 13(2):99-120.
  • 9
    Spiegel J, Alegret M, Clair V, Pagliccia N, Martinez B, Bonet M, Yassi A. Intersectoral action for health at a municipal level in Cuba. Int J Public Health 2012; 57(1):15-23.
  • 10
    Panader AT, Agudelo CNA, Bolívar SY, Cárdenas CLM. Tobacco control: an intersectorial experience in Tunja (Colombia). Gac Sanit 2014; 28(6):508-510.
  • 11
    Brasil. Ministério da Educação. Plano Nacional da EducaçãoPNE 2014-2024 Brasília, DF; 2014. [site da internet]. [acessado 2016 mar 10]. Disponível em: http://pne.mec.gov.br
    » http://pne.mec.gov.br
  • 12
    Andrade LOM. A saúde e o dilema da intersetorialidade São Paulo: Editora Hucitec; 2006.
  • 13
    Figueiredo TAM, Machado VLT, Abreu MMS. A Saúde na Escola: Um breve resgate histórico. Cien Saude Colet 2010; 15(2):397-402.
  • 14
    Silva CS, Bodstein RCA. Referencial teórico sobre práticas intersetoriais em Promoção da Saúde na Escola. Cien Saude Colet 2016; 21(6):1777-1788.
  • 15
    Santos DS. Ações Intersetoriais de Educação e Saúde: Entre Teoria e Prática [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2005.
  • 16
    Villardi ML. A Equipe da Saúde da Família e a atenção à saúde da criança em idade escolar: um desafio social [dissertação]. Botucatu: Faculdade de Medicina de Botucatu; 2011.
  • 17
    Sousa MC. Saúde na escola: analisando os caminhos da intersetorialidade [dissertação]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2014.
  • 18
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Escolas Promotoras de Saúde: experiências no Brasil. Brasília: OPAS; 2007.
  • 19
    Brasil. Decreto Presidencial nº 6.286, 5 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2007; 6 dez.
  • 20
    Brasil. Ministério da Saúde (ME). Ministério da Educação. Portaria Interministerial nº 1.413, de 10 de julho de 2013. Diário Oficial da União 2013; 11 jul.
  • 21
    Bahia. Secretaria Estadual da Saúde. Diretoria da Atenção Básica. [site da internet]. [acessado 2016 jul 15]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/dab
    » http://www.saude.ba.gov.br/dab
  • 22
    Brasil. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo escolar da Educação Básica 2015 Brasília; 2013. [site da internet]. [acessado 2015 jul 16]. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_censo_educacao_basica_2012.pdf
    » http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_censo_educacao_basica_2012.pdf
  • 23
    Vieira MEM. Programa Saúde na Escola: A Intersetorialidade em Movimento [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013.
  • 24
    Ferreira IRC, Moysés SJ, França BHS, Carvalho ML, Moysés ST. Percepções de gestores locais sobre a intersetorialidade no Programa Saúde na Escola. Revista Brasileira de Educação 2014; 19(56):60-76.
  • 25
    Ferreira IRC, Vosgerau DSR, Moyses SJ, Moyses ST. Diplomas Normativos do Programa Saúde na Escola: análise de conteúdo associada à ferramenta ATLAS TI. Cien Saude Colet 2012; 17(12):3385-3398.
  • 26
    Teixeira CF, organizadora. Planejamento em Saúde: conceitos, métodos e experiências Salvador: Editora EDUFBA; 2010.
  • 27
    Mendes-Gonçalves RB. Tecnologia e Organização Social das Práticas de Saúde: Características tecnológicas do processo de trabalho na rede estadual de centros de saúde em São Paulo São Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec, Abrasco; 1994.
  • 28
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Ministério da Educação. Manual Instrutivo. Programa Saúde na Escola Brasília: MS; 2013.
  • 29
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Programa Saúde na Escola. Cadernos da Atenção Básica Brasília: MS; 2009.
  • 30
    Silva KL, Rodrigues AT. Ações intersetoriais para promoção da saúde na Estratégia Saúde da Família: experiências, desafios e possibilidades. Rev Bras Enferm 2010; 63(5):762-769.
  • 31
    Akerman M, Franco de Sá R, Moyses S, Rezende R, Rocha D. Intersectoriality? IntersectorialitieS!. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4291-4300.
  • 32
    Vilasbôas ALQ, Paim JS. Práticas de planejamento e implementação de políticas no âmbito municipal. Cad Saude Publica 2008; 24(6):1239-1250.
  • 33
    Magalhães R, Bodstein R. Avaliação de iniciativas e programas intersetoriais em saúde: desafios e aprendizados. Cien Saude Colet 2009; 14(3):861-868.
  • 34
    Carvalho MF, Barbosa MI, Silva ET, Rocha DG. Intersetorialidade: diálogo da política nacional da promoção da saúde com a visão dos trabalhadores da atenção básica em Goiânia. Tempus - Actas de Saúde Coletiva 2009; 3(3):44-55.
  • 35
    Lima EC, Vilasbôas ALQ. Implantação das ações intersetoriais de mobilização social para o controle da dengue na Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(8):1507-1519.
  • 36
    Paim JS. Desafios para a Saúde Coletiva no século XXI Salvador: EDUFBA; 2006.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2016
  • Revisado
    23 Nov 2016
  • Aceito
    25 Nov 2016
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br