Repercussão da iniciação sexual na vida sexual e reprodutiva de jovens de capital do Nordeste brasileiro

Thatiana Araújo Maranhão Keila Rejane Oliveira Gomes Delvianne Costa de Oliveira José Machado Moita NetoSobre os autores

Resumo

Objetivou-se analisar a repercussão da iniciação sexual de jovens com antecedentes obstétricos no número de gestações e de parceiros, em Teresina (PI). Trata-se de estudo seccional, realizado com 464 jovens selecionadas por amostragem acidental, que finalizaram uma gravidez quando tinham idade de 15 a 19 anos, no primeiro quadrimestre de 2006, em seis maternidades do município. A coleta dos dados primários ocorreu de maio a dezembro de 2008, no domicílio das jovens, após sua localização nos registros hospitalares. As análises univariada e bivariada se deram por meio de estatística descritiva e Coeficiente de Correlação de Pearson ou Teste t, respectivamente. Empregouse ainda o Teste post hoc de Tukey e as variáveis significativas na análise bivariada (p < 0,05) foram incluídas no modelo de Análise de Variância Multifatorial. A escolaridade (p < 0,001) e a idade da menarca (p < 0,001) influenciaram a idade da iniciação sexual e, esta, por sua vez, apresentou correlação negativa significativa (p < 0,01) com o número de parceiros e de gestações das jovens. Assim, quanto mais cedo ela iniciou-se sexualmente, mais gestações teve até o momento de sua vida reprodutiva, bem como maior número de parceiros sexuais. Portanto, a iniciação sexual precoce repercutiu negativamente sobre estas variáveis.

Palavras-chave
Comportamento sexual; Gravidez na adolescência; Saúde sexual e reprodutiva

Introdução

A adolescência é uma fase da vida caracterizada pelo crescimento rápido, surgimento das características sexuais secundárias, estruturação da personalidade, adaptação ambiental e integração social. O adolescente tenta desvincular-se da fase infantil para assumir comportamentos que o transforme em adulto socialmente aceito. Nesse processo de transformação, ele passa a ter maior noção da própria sexualidade, a qual vem sendo construída ao longo da vida por meio das relações interpessoais estabelecidas entre o indivíduo e o ambiente em que ele vive como uma oportunidade para que seja desenvolvida a sua capacidade de interação sexual11. Ximenes Neto FRG, Dias MAS, Rocha J, Cunha ICKO. Gravidez na adolescência: motivos e percepções de adolescentes. Rev bras enferm 2007; 60(3):279-285.. No entanto, embora o desenvolvimento da sexualidade seja algo natural e esperado, os jovens têm se engajado cada vez mais em atividades sexuais prematuras e arriscadas22. Ryu E, Kim K, Kwon H. Predictors of sexual intercourse among korean adolescents. J Sch Health 2007; 17:615-622.,33. Melo Neto OC, Cerqueira-Santos E. Comportamento sexual e autoestima em adolescentes. 2012; Contextos Clínic 5(2):100-111..

Para muitos jovens que iniciam a vida sexual na adolescência, esse acontecimento é percebido como oportunidade para expressar o exercício da autonomia e da liberdade sexual, sensações essas que expressam um significado mais emocional que racional44. Krauss H, Bogdanski P, Szulinska M, Malewski M, Buraczynska-Andrzejewska B, Sosnowski P, Piatek J, Demont C, Kaczmarek E, Kaczmarek C, Szpakow A, Kleszczewska E, Maciorkowska E, Klimberg AJ, Mikrut K. Sexual initiation of youths in selected European countries compared with their sexual and contraceptive knowledge. Ann Agric Environ Med 2012; 19(3):587-592.. Entretanto, muitos adolescentes não compreendem que este acontecimento também representa a sua inserção mais intensa no grupo vulnerável às Infecções Sexualmente Transmitidas (ISTs), à gestação não planejada e ao aborto55. Stockl H, Kalra N, Jacobi J, Watts C. Is early sexual debut a risk factor for HIV infection among women in sub-Saharan Africa? A systematic review. Am J Reprod Immunol 2013; 69(Supl. 1):27-40.. Por não perceberem os riscos da prática sexual insegura, alguns adolescentes vivenciam essa experiência sem se preocupar com as possíveis consequências negativas que este evento pode ocasionar66. Moura LNB, Gomes KRO, Rodrigues MTP, Oliveira DC. Informação sobre contracepção e sexualidade entre adolescentes que vivenciaram uma gravidez. Acta Paul Enferm 2011; 24(3):320-326..

Evidências de inquéritos nacionais e internacionais mostram que o início da vida sexual ocorre frequentemente na adolescência77. Malta DC, Silva MAL, Mello FCM, Monteiro RA, Porto DL, Sardinha LMV, Freitas PC. Saúde sexual dos adolescentes segundo à Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(Supl. 1):147-156.,88. Sweeting H, Jackson C, Haw S. Changes in the socio-demographic patterning of late adolescent health risk behaviours during the 1990s: analysis of two West of Scotland cohort studies. BMC Public Health 2011; 11:1-15.. Os fatores que influenciam este evento estão relacionados à complexidade de determinantes que envolvem questões biopsicossociais. A antecipação do primeiro coito é frequentemente associada a modificações biológicas, como a menarca precoce99. Glynn JR, Kayuni N, Floyd S, Banda E, Francis-Chizororo M, Tanton C, Molesworth A, Hemmings J, Crampin AC, French N. Age at menarche, schooling, and sexual debut in Northern Malawi. PLoS One 2010; 5(12):1-8.. Em relação ao desenvolvimento psíquico, a busca pela definição da identidade sexual contribui para que jovens experimentem novas sensações por meio das práticas sexuais1010. Ma Q, Ono-Kihara M, Cong L, Xu G, Pan X, Zamani S, Ravari SM, Zhang D, Homma T, Kihara M. Early initiation of sexual activity: a risk factor for sexually transmitted diseases, HIV infection, and unwanted pregnancy among university students in China. BMC Public Health 2009; 9(1):1-9.. Do ponto de vista social, estudos têm mostrado que o engajamento precoce na vida sexual está relacionado ao nível econômico, escolaridade, religião, influência do grupo, modelos sociais de gênero e à violência em seus vários aspectos, ampliando a vulnerabilidade de jovens a fatores de risco à sua saúde1111. Hugo TDO, Maier VT, Jansen K, Rodrigues CEG, Cruzeiro ALS, Ores LC, Pinheiro RT, Silva R, Souza LDM. Fatores associados à idade da primeira relação sexual em jovens: estudo de base populacional. Cad Saude Publica 2011; 27(11):2207-2214.,1212. Berquó E, Garcia S, Lima L. Reprodução na juventude: perfis sociodemográficos, comportamentais e reprodutivos na PNDS 2006. Rev Saude Publica 2012; 46(4):685-693..

A adoção de comportamentos de risco que possam vir a prejudicar a saúde sexual e reprodutiva de jovens pode ser evidenciada desde o início da vida sexual, uma vez que os jovens têm na primeira relação sexual uma gama de fatores que os predispõem ao exercício inadvertido da sexualidade, tais como: início sexual precoce, uso inadequado de métodos contraceptivos, ausência de orientação sobre sexualidade, pouca habilidade para negociar o uso do contraceptivo, dentre outros1313. Gomes KRO, Speizer IS, Oliveira DC, Moura LNB, Gomes FM. Contraceptive method use by adolescents in Brazilian state capital. J Pediatr Adolesc Gynecol 2008; 11(4):213-219.1515. Moura LNB, Gomes KRO. Planejamento familiar: uso dos serviços de saúde por jovens com experiência de gravidez. Cien Saude Colet 2014; 19(3):853-863..

As consequências dos fatores anteriormente mencionados têm se manifestado nas taxas de fecundidade do país, que mesmo tendo caído de 18,8%, no ano 2000, para 17,7%, em 2010, entre adolescentes de 15 a 19 anos, ainda destaca a participação deste grupo etário1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico-2010. Brasília: IBGE; 2010.. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística1717. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Indicadores Sociodemográficos e de Saúde no Brasil 2009. Brasília: IBGE; 2009. mostram que, no ano de 2006, 21,5% de todos os partos realizados no Brasil foram feitos entre adolescentes de 10 a 19 anos, o que corresponde a uma a cada cinco gestantes. Por sua vez, no estado do Piauí, do total de partos ocorridos neste mesmo ano, 26,0% foi entre adolescentes, percentual superior à média nacional.

Além da gravidez precoce, outra questão preocupante é a vulnerabilidade dos adolescentes às ISTs. Em relação aos novos casos de pessoas vivendo com HIV/VIH, que foram notificados no ano de 2010, a taxa de incidência entre jovens de ambos os sexos de 15 a 24 anos foi de 9,5/100.000 habitantes, representando um valor significativo da taxa nacional para todas as faixas etárias que foi de 17,9/100.0001818. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Boletim epidemiológico–AIDS e DST. Brasília: MS; 2012..

Diante do exposto, observa-se que a problemática da exposição de jovens a múltiplos parceiros sexuais, neste estudo entendido como dois ou mais parceiros, aliado ao uso incorreto ou não uso de contraceptivos, se manifestam desde o início da vida sexual44. Krauss H, Bogdanski P, Szulinska M, Malewski M, Buraczynska-Andrzejewska B, Sosnowski P, Piatek J, Demont C, Kaczmarek E, Kaczmarek C, Szpakow A, Kleszczewska E, Maciorkowska E, Klimberg AJ, Mikrut K. Sexual initiation of youths in selected European countries compared with their sexual and contraceptive knowledge. Ann Agric Environ Med 2012; 19(3):587-592.,66. Moura LNB, Gomes KRO, Rodrigues MTP, Oliveira DC. Informação sobre contracepção e sexualidade entre adolescentes que vivenciaram uma gravidez. Acta Paul Enferm 2011; 24(3):320-326.. Esses comportamentos de risco podem comprometer o futuro dos jovens, trazendo-lhes repercussões negativas, dentre elas, a gestação precoce e indesejada para aquele momento que, por sua vez, pode causar a evasão escolar e limitar a entrada das jovens no mercado de trabalho66. Moura LNB, Gomes KRO, Rodrigues MTP, Oliveira DC. Informação sobre contracepção e sexualidade entre adolescentes que vivenciaram uma gravidez. Acta Paul Enferm 2011; 24(3):320-326.,1313. Gomes KRO, Speizer IS, Oliveira DC, Moura LNB, Gomes FM. Contraceptive method use by adolescents in Brazilian state capital. J Pediatr Adolesc Gynecol 2008; 11(4):213-219..

Assim, este estudo pretende contribuir para o esclarecimento dos fatores que predispõe a adolescente a iniciar-se sexualmente, as implicações da iniciação sexual precoce na sua vida reprodutiva, bem como as questões que envolvem a sua primeira experiência sexual como, por exemplo, o uso ou não de contracepção no primeiro coito e o método escolhido. Baseado nisso, este estudo tem por objetivo principal analisar a repercussão da iniciação sexual na vida sexual e reprodutiva de jovens com antecedentes obstétricos em Teresina (PI), caracterizada pelo número de parceiros e de gestações, respectivamente

Métodos

Trata-se de estudo seccional que compõe o projeto de pesquisa intitulado: “Gravidez na adolescência: fatores preditores da reincidência”, o qual foi desenvolvido pelo Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí. Os dados foram coletados de maio a dezembro de 2008, entre jovens residentes na zona urbana de Teresina, capital do Piauí, que finalizaram uma gravidez no primeiro quadrimestre de 2006, quando tinham idade de 15 a 19 anos.

Tendo em vista que o estudo que originou esta pesquisa pretendia analisar a reincidência de gravidez na adolescência, realizou-se a busca retrospectiva das jovens nos bancos de dados de seis maternidades do município, sendo cinco instituições públicas e uma privada, dois anos após a finalização da gravidez ocorrida em 2006. A justificativa para este prazo decorre da recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) que preconiza o intervalo interpartal ideal de no mínimo dois anos, quando a gestação anterior resultou em feto vivo1919. World Health Organization (WHO). Report of WHO technical consultation on birth spacing. Geneva: WHO; 2005..

De acordo com registros do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), em 2006 nasceram 2.852 crianças vivas de mães de 15 a 19 anos, correspondendo a 19,5% de todos os partos de mães com residência no município de Teresina. Desse total, a proporção calculada para os quatro primeiros meses do referido ano foi de 950 jovens (36,8%). Contudo, uma vez que seriam incluídas no estudo todas as formas de resolução da gravidez e que algumas delas não são conhecidas em toda a sua dimensão, devido a sua subnotificação como é o caso do abortamento, seria inviável o cálculo da amostra probabilística. Entretanto, a estimativa da amostra provável foi de cerca de 1000 casos, o que permitiu aos pesquisadores decidirem que esse número seria viável mediante os recursos disponíveis para a execução do estudo. Desse modo, tendo em vista a limitação de não se poder utilizar amostra probabilística, elegeu-se a amostragem acidental, que se constitui dos elementos que são possíveis de se localizar em um período de tempo pré-determinado2020. Downing D, Clarck J. Estatística aplicada. São Paulo: Editora Saraiva; 2000..

Inicialmente as jovens foram localizadas por meio da identificação delas nos registros das maternidades. Em seguida, procedeu-se ao contato telefônico para convidar as jovens a participarem da pesquisa. Quando não era possível o contato telefônico, devido este dado não estar contido nos registros hospitalares, mas o endereço disponível, duas entrevistadoras eram encaminhadas ao endereço de residência delas. Caso elas aceitassem participar da pesquisa, o formulário semiestruturado, pré-codificado e pré-testado era aplicado. Nos casos em que havia algum impedimento para a aplicação do formulário naquele momento, números de telefone eram solicitados, para posterior contato e agendamento de nova data e horário da visita das entrevistadoras.

As jovens não encontradas foram listadas para que, em momento posterior, fosse solicitado às enfermeiras da atenção básica que atuavam nas equipes correspondentes à área onde supostamente residia a jovem buscada, para que tentassem localizá-las junto ao Agente Comunitário de Saúde da respectiva microárea. Este mesmo procedimento foi realizado quando os vizinhos do endereço inicial da jovem informavam apenas o bairro para onde ela havia se mudado, sem dispor do novo endereço. Assim, era solicitado às enfermeiras da Unidade Básica de Saúde do bairro, para onde a jovem supostamente havia se mudado, que tentassem localizá-la.

Em virtude das buscas terem ocorrido por meio de dados secundários, oriundos das maternidades dois anos após o seu registro, esperava-se que muitos casos não fossem localizados. Outra limitação do estudo foi a impossibilidade de acesso aos casos de curetagem da instituição particular, em decorrência do sigilo que envolvia estas informações. Assim, entre a população de 632 jovens das quais se conseguiu localizar informações nos registros hospitalares, 464 responderam ao formulário e 168 foram considerados casos perdidos. As perdas ocorreram em virtude da não localização de 164 jovens, apesar de toda a estratégia utilizada para localizá-las, três recusas em participar do estudo e um óbito materno.

Para que os objetivos propostos para esse estudo fossem atingidos, o formulário continha questões que visavam caracterizar o perfil sociodemográfico, reprodutivo e sexual das jovens, tais como escolaridade, se trabalhava, se estudava, se residia com o companheiro, faixa-etária da menarca, número de gestações e de parceiros sexuais. Outras variáveis de caracterização da iniciação sexual também foram contempladas, entre elas destacavam-se a faixa etária da sexarca, a qual correspondia a primeira relação sexual44. Krauss H, Bogdanski P, Szulinska M, Malewski M, Buraczynska-Andrzejewska B, Sosnowski P, Piatek J, Demont C, Kaczmarek E, Kaczmarek C, Szpakow A, Kleszczewska E, Maciorkowska E, Klimberg AJ, Mikrut K. Sexual initiation of youths in selected European countries compared with their sexual and contraceptive knowledge. Ann Agric Environ Med 2012; 19(3):587-592.; tempo decorrido entre o começo do relacionamento com o parceiro e a sexarca; se recebeu orientação dos pais e na escola antes de iniciar-se sexualmente; se procurou o serviço de saúde para receber orientação sexual; se usou contraceptivo na primeira relação sexual e qual o método utilizado.

Após a coleta, os dados foram digitados no software Epi info 6.04d (U.S Center for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA), em dois bancos de dados, por pessoas diferentes, de modo a permitir a detecção de inconsistências e a realização das devidas correções. A análise estatística e inferencial foi feita por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 18.0 (SPSS Inc. Chicago, IL 60606, Estados Unidos, número de série: 10080970).

Para a análise univariada dos dados utilizouse estatística descritiva das variáveis relativas às características da iniciação sexual, sociodemográficas e reprodutivas. Na análise bivariada, foram utilizados os testes qui-quadrado de Pearson (χ2) ou teste t para amostras independentes, conforme adequação para testar possíveis associações entre a idade da primeira relação sexual (variável dependente) e variáveis sociodemográficas, reprodutivas e de caracterização da iniciação sexual (independentes)2020. Downing D, Clarck J. Estatística aplicada. São Paulo: Editora Saraiva; 2000..

As variáveis que tiveram associação significativa, na análise bivariada (p<0,05), com a idade à época da primeira relação sexual foram incluídas no modelo de Análise de Variância Multifatorial. Esse modelo é utilizado para identificar fatores preditores que poderiam influenciar na idade da primeira relação sexual2121. Ho R. Handbook of univariate and multivariate data analysis and interpretation with SPSS. London: Chapman & Hall, CRC; 2006.. Quando as médias da idade da iniciação sexual revelaram-se diferentes entre si, utilizou-se o teste post hoc de Tukey, para mostrar as diferenças significativas entre os valores testados, para mais de dois grupos2020. Downing D, Clarck J. Estatística aplicada. São Paulo: Editora Saraiva; 2000.. Abaixo da Tabela 3, encontram-se as possíveis comparações entre duas a duas das categorias envolvidas devidamente assinaladas às comparações em que há diferença significante.

Foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson, para avaliar possíveis repercussões da idade da iniciação sexual quanto ao número de parceiros e gestações das jovens até o momento da entrevista. Para tanto, estabeleceu-se como parâmetro valores de r = 1 ou r - = -1, assim, quanto mais próximo estiver dos valores extremos, maior é a associação linear entre as variáveis2222. Pestana MH, Gageiro JN. Análise de dados para ciências sociais: a complementaridade do SPSS. 3ª ed. Lisboa: Edições Sílabos; 2003..

Com o objetivo de cumprir todas as exigências éticas e legais das pesquisas com seres humanos, segundo determinação da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o projeto maior, ao qual corresponde este estudo, foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), da Universidade Federal do Piauí. Foi solicitada a todas as participantes dessa pesquisa a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A assinatura do TCLE era feita pelo responsável legal quando a jovem era menor de 18 anos. Ademais, antes da coleta de dados ser iniciada, foi solicitada autorização para o acesso aos dados das participantes aos gestores da instituição estadual, à Fundação Municipal de Saúde, gestora do Sistema Único de Saúde em Teresina e à diretoria da instituição hospitalar privada.

Resultados

A maioria das jovens morava com o companheiro (63,6%), declararam-se católicas (81,2%) e pertencia à faixa etária de 20 a 22 anos (69,8%), com média de idade de 20 anos (desvio-padrão = 1,31). No momento da entrevista, duas em cada três jovens não mais frequentavam a escola (69,6%) (Tabela 1). Este fato foi definido como abandono de estudos, sendo que, destas que abandonaram a escola, nenhuma ingressou na universidade e mais da metade (56,3%) interromperam os estudos quando ainda estavam no ensino fundamental (dados não mostrados em Tabelas). Quanto à situação ocupacional, 72,2% referiu não exercer atividade remunerada, destas jovens, 67,2% não trabalhava e nem estudava (dados não mostrados em Tabelas).

Tabela 1
Distribuição das jovens com antecedentes gestacionais segundo aspectos sociodemográficos, reprodutivos e sexuais em Teresina – PI, 2008.

A Tabela 1 mostra que 50,6% das participantes afirmaram ter menstruado pela primeira vez aos 12-13 anos, sendo a média de idade da menarca de 12,8 anos (Desvio Padrão = 1,49). Praticamente uma em cada cinco jovens tinha engravidado pelo menos três vezes (19,4%) e 49,1% eram primigestas. Quanto ao número de parceiros sexuais até o momento da entrevista, 42,2% das entrevistadas relataram que tiveram um único parceiro sexual.

A idade das jovens na primeira relação sexual variou de 9 a 19 anos, com média de 15,32 anos (Desvio-padrão = 1,59). O primeiro coito ocorreu na faixa-etária de 16-17 anos para 38,6% das jovens. O tempo de relacionamento com o primeiro parceiro sexual até o início das atividades sexuais foi superior a um ano para a maioria das participantes (53,8%). A orientação sobre como evitar gravidez e ISTs antes da primeira relação sexual, foi mais frequentemente dada na escola (72,2%) que pelos pais (42,5%). Mais da metade das jovens revelou não ter procurado orientações no serviço de saúde antes de ter a primeira relação sexual (78,0%), e utilizou algum contraceptivo no primeiro coito (55,6%), sendo o preservativo masculino o método mais usado (89,1%) (Tabela 2).

Tabela 2
Caracterização da iniciação sexual de jovens com experiência gestacional em Teresina-PI. 2008.

Na análise bivariada, as variáveis relativas à religião (p = 0,162), ao trabalho (p = 0,573), à presença de gravidez na adolescência entre os irmãos da participante (p = 0,483) e a orientação sexual recebida dos pais (p = 0,937), antes do início das atividades sexuais, não apresentaram associação estatística significativa com a idade da primeira relação sexual. No entanto, escolaridade (p < 0,001), idade da menarca (p = 0,0001), tempo de namoro com o primeiro parceiro sexual (p = 0,001), orientação sexual na escola (p = 0,001) e no serviço de saúde (p = 0,005) foram significativamente associados à idade da iniciação sexual (Dados não mostrados).

As variáveis que tiveram associação significativa (p < 0,05), na análise bivariada, com a idade à época da primeira relação sexual foram incluídas no modelo de análise de variância multifatorial, o qual identifica os fatores preditores que interferem na idade da primeira relação sexual. Tiveram significância para o início da vida sexual: a escolaridade (p < 0,001), a idade da menarca (p < 0,001), o tempo de namoro com o primeiro parceiro sexual (p = 0,046) e a orientação sexual da escola (p = 0,012). Todavia, a orientação sexual do serviço de saúde (p = 0,892) não apresentou associação significativa com o início das atividades sexuais (Tabela 3).

Tabela 3
Análise de variância multifatorial de fatores preditores associados à idade da iniciação sexual de jovens com antecedentes gestacionais. Teresina, 2008.

O teste post hoc de Tukey, aplicado à escolaridade, mostrou que a média de idade da sexarca é significativamente menor para participantes que à época da coleta de dados afirmaram ser analfabetas funcionais (13,83), sendo que a idade média do primeiro coito aumentou, progressivamente, à medida que a escolaridade da jovem também aumentava, atingindo 16,00 anos quando a participante referia o ensino superior completo ou não. O teste mostrou ainda que a menarca ocorrida nas duas faixas etárias iniciais (9-11/12-13) teve média de iniciação sexual significativamente diferente do grupo etário que informou menarca mais tardia (14-18). Além disso, a idade de início da vida sexual era superior entre as jovens cuja menarca ocorreu mais tardiamente, em comparação àquelas cuja primeira menstruação se deu em idades mais precoces (Tabela 3).

A idade da iniciação sexual apresentou correlação negativa significativa (p < 0,01) com o número de parceiros (Gráfico 1) e de gestações das jovens até o momento da entrevista (Gráfico 2). Isso demonstra que quanto mais precoce for a idade da iniciação sexual da jovem, maior é o número de gestações e de parceiros sexuais e viceversa. A média do número de parceiros sexuais e a média do número de gestações até o momento da entrevista apresentaram correlação estatisticamente significativa (p < 0,0001) (dados não mostrados em Gráficos). Embora todas as correlações tenham se mostrado significativas, o valor do coeficiente de correlação permaneceu distante dos valores extremos do coeficiente de correlação (r = -1 ou r = 1).

Gráfico 1
Coeficiente de correlação de Pearson entre a idade da iniciação sexual e a média de parceiros de jovens com antecedentes gestacionais. Teresina, 2008.
Gráfico 2
Coeficiente de correlação de Pearson entre a idade da iniciação sexual e a média de gravidez de jovens com antecedentes gestacionais. Teresina, 2008.

Discussão

Os resultados mostraram que as jovens com antecedentes gestacionais iniciaram sua vida sexual em idade precoce, o que resultou em maior exposição à múltiplos parceiros e gestações na adolescência. A antecipação da iniciação sexual tem sido apontada como fator relevante para uma série de implicações negativas na vida dos jovens, tais como a exposição às ISTs2323. Olesen TB, Jensen KE, Nygârd M, Tryggvadottir L, Sparén P, Hansen BT, Liaw KL, Kjaer SK. Young age at first intercourse and risk-taking behaviours: a study of nearly 65.000 women in four Nordic countries. Eur J Public Health 2012; 22(2):220-224., gestações não planejadas2424. Tenkorang Y, Maticka-Tyndale E. Factors influencing the timing of first sexual intercourse among young people in Nyanza, Kenya. Int Fam Plan Perspect 2008; 34(4):177-188., consumo excessivo de álcool e tabagismo2323. Olesen TB, Jensen KE, Nygârd M, Tryggvadottir L, Sparén P, Hansen BT, Liaw KL, Kjaer SK. Young age at first intercourse and risk-taking behaviours: a study of nearly 65.000 women in four Nordic countries. Eur J Public Health 2012; 22(2):220-224.. Tais implicações sugerem a necessidade da adoção de estratégias de educação em saúde para que os jovens sejam sensibilizados a adiar o início da vida sexual.

Tão importante quanto a problemática da iniciação sexual precoce e suas repercussões deletérias é se a adolescente utiliza algum método contraceptivo durante sua primeira experiência. Observou-se que parcela significativa das jovens deste estudo se absteve do uso do Método Anticoncepcional (MAC) na sua primeira relação sexual. Isso é particularmente preocupante, pois há quem afirme que as decisões sobre as práticas contraceptivas dos jovens são tomadas no início da vida sexual, uma vez que quem usou algum método no primeiro coito tem menos chances de ter uma gravidez indesejada e, portanto, mais propensa a estar usando MAC na última relação sexual2525. Li J, Li S, Yan H, Xu D, Xiao H, Cao Y, Mao Z. Early sex initiation and subsequent unsafe sexual behaviors and sex-related risks among female undergraduates in Wuhan, China. Asia Pac J Public Health 2015; 27(Supl. 2):21S-29S.. Além disso, pesquisa realizada nos Estados Unidos, com dados secundários da Pesquisa Nacional de Crescimento Familiar referentes aos anos de 1984 a 2010, mostrou que meninas que se iniciaram sexualmente aos 14 anos ou mais jovens são menos prováveis de terem usado contracepção na primeira relação sexual e tendem a demorar mais tempo para o início do uso2626. Finer LB, Philbin JM. Sexual initiation, contraceptive use, and pregnancy among young adolescents. Pediatrics 2013; 131(5):1-6..

A decisão em adiar ou antecipar o início da vida sexual nem sempre é fruto de vontade própria, muitas jovens baseiam-se em normas sociais vigentes que preconizam a iniciativa sexual como prerrogativa masculina, cabendo à mulher resistir pelo maior tempo possível para posteriormente ceder2727. Moreira MRC, Santos JFFQ. Entre a modernidade e a tradição. A iniciação sexual de adolescentes piauienses universitárias. Esc Anna Nery 2011; 15 (3):558-566.. Este fato poderia justificar o motivo pelo qual parcela significativa das jovens teve a primeira relação sexual com penetração após um ano de relacionamento com o parceiro. Em outras situações, a idealização da iniciação sexual como evento inevitável do relacionamento duradouro contribui para que jovens cedam o quanto antes por receio de perder o namorado devido a sua virgindade ou por medo de que este se engaje em outro relacionamento2828. Borges ALV, Nakamura E. Normas sociais de iniciação sexual entre adolescentes e relações de gênero. Rev. Latino-am. Enfermagem 2009; 17(1):58-76.. Logo, é fundamental que haja maior debate sobre questões relacionadas ao namoro para que este seja marcado por relações igualitárias entre o casal, de modo que eles possam decidir juntos o momento adequado para iniciarem as práticas sexuais.

A antecipação ou o adiamento do início da prática sexual entre as jovens do presente estudo sofreram interferência da escolaridade, da idade da menarca e do acesso a informações relativas a sexualidade na escola. As jovens de maior escolaridade adiaram o primeiro coito em pelo menos dois anos, em média, quando comparadas as de menor escolaridade. Estudo realizado no Rio Grande do Sul mostrou que quanto menor era a escolaridade, maior era o risco para início precoce da atividade sexual, uma vez que jovens que tinham até quatro anos de estudo apresentaram risco 41% maior de ter se iniciado precocemente em comparação àqueles com 12 anos ou mais de estudo1111. Hugo TDO, Maier VT, Jansen K, Rodrigues CEG, Cruzeiro ALS, Ores LC, Pinheiro RT, Silva R, Souza LDM. Fatores associados à idade da primeira relação sexual em jovens: estudo de base populacional. Cad Saude Publica 2011; 27(11):2207-2214.. Nessa perspectiva, o acesso ao sistema educacional permite ao jovem um espaço de obtenção de informações que contemple questões essenciais ao seu bem-estar, propiciando a adoção de comportamentos sexuais saudáveis2929. Ishida K, Stupp P, McDonald O. Prevalence and correlates of sexual risk behaviors among jamaican adolescents. Int Perspect Sex Reprod Health 2011; 37(1):6-15..

A ocorrência da menarca aumentou a probabilidade do início da prática sexual entre as jovens. Para algumas sociedades, a menstruação representa a maturidade física, a transição para a idade adulta e, em algumas culturas, é marcada por rituais de iniciação sexual99. Glynn JR, Kayuni N, Floyd S, Banda E, Francis-Chizororo M, Tanton C, Molesworth A, Hemmings J, Crampin AC, French N. Age at menarche, schooling, and sexual debut in Northern Malawi. PLoS One 2010; 5(12):1-8.. No entanto, a maturidade sexual adquirida nesse período não ocorre de forma concomitante à maturidade psicológica e social44. Krauss H, Bogdanski P, Szulinska M, Malewski M, Buraczynska-Andrzejewska B, Sosnowski P, Piatek J, Demont C, Kaczmarek E, Kaczmarek C, Szpakow A, Kleszczewska E, Maciorkowska E, Klimberg AJ, Mikrut K. Sexual initiation of youths in selected European countries compared with their sexual and contraceptive knowledge. Ann Agric Environ Med 2012; 19(3):587-592., motivo pelo qual a primeira menstruação em idade precoce tem sido associada à maior incidência de gravidez na adolescência3030. Viellas EF, Gama SGN, Theme Filha MM, Leal MC. Gravidez recorrente na adolescência e os desfechos negativos no recém-nascido: um estudo no Município do Rio de Janeiro. Rev bras epidemiol 2012; 15(3):443-454..

O recebimento de orientação sexual da escola mostrou-se como fator favorável ao adiamento da primeira relação sexual. Estudo evidenciou que adolescentes que receberam da escola as primeiras informações sobre gravidez e contracepção foram menos propensas a engravidarem3131. Goicolea I, Wulff M, Ohman A, Sebastian SM. Risk factors for pregnancy among adolescent girls in Ecuador's Amazon basin: a case-control study. Rev Panam Salud Publica 2009; 26(3):221-228., enquanto que as que receberam orientações sobre abstinência sexual e controle de natalidade eram significativamente mais propensas a usarem MAC na primeira relação sexual3232. Lindberg LD, Maddow-Zimet I. Consequences of sex education on teen and young adult sexual behaviors and outcomes. J Adolesc Health 2012; 51(4):332-338.. De modo contrário, adolescentes que não recebem educação sexual tendem a assumir comportamentos de risco, tais como a iniciação sexual precoce e a multiplicidade de parceiros sexuais3333. Esere MO. Effect of sex education programme on atrisk sexual behaviour of schoolgoing adolescents in Ilorin, Nigéria. Afr Health Sci 2008; 8(2):122-127., o que demonstra a extrema importância da escola no direcionamento de comportamentos benéficos entre os jovens.

No entanto, a escola não deve ser a única instituição responsável por estimular os jovens quanto a responsabilidade de ter uma vida sexual saudável, uma vez que a participação da família e dos serviços de saúde também são de fundamental importância. Lamentavelmente, esta parceria não foi evidenciada nesse estudo, pois além da pouca participação da família no debate de questões relacionadas à prevenção de ISTs e gravidez, muitas jovens também não utilizaram os serviços de saúde como fonte de informação. Tal fato contraria recomendações de pesquisas que afirmam que os profissionais de saúde devem orientar os adolescentes sobre o correto uso dos MACs antes que eles se tornem sexualmente ativos, como maneira eficaz de evitar a gravidez indesejada neste grupo etário1515. Moura LNB, Gomes KRO. Planejamento familiar: uso dos serviços de saúde por jovens com experiência de gravidez. Cien Saude Colet 2014; 19(3):853-863.,2626. Finer LB, Philbin JM. Sexual initiation, contraceptive use, and pregnancy among young adolescents. Pediatrics 2013; 131(5):1-6..

Embora seja reconhecida pelos pais a importância da abordagem de assuntos sobre sexualidade, o grau de desinformação deles acerca da temática ou o próprio desconhecimento da vida sexual ativa dos filhos contribuem para dificultar o diálogo entre o jovem e sua família3434. Palatni A, Seidman DS. Survey of opinions of mothers and teenage daughters on sexual behavior and contraception: descriptive study and literature review. Int J Womens Health 2012; 4(1):265-270.. A falta de abertura para falar sobre sexo com seus genitores pode influenciar os jovens na adoção de comportamentos de risco, pois quando não conseguem tirar dúvidas com os pais, tendem a procurar os amigos que, muitas vezes, dispõem de informações erradas ou incompletas66. Moura LNB, Gomes KRO, Rodrigues MTP, Oliveira DC. Informação sobre contracepção e sexualidade entre adolescentes que vivenciaram uma gravidez. Acta Paul Enferm 2011; 24(3):320-326.. Todavia, quando o acompanhamento dos pais é adequado, os filhos são mais propensos a adiarem o início das práticas sexuais, pois eles estarão melhor preparados para esse acontecimento3535. Manlove, J, Wildsmith E, Ikramullah E, Terry-Humen E, Schelar E. Family environments and the relationship context of first adolescent sex: Correlates of first sex in a casual versus steady relationship. Soc Sci Res 2012; 41(4):861-875..

A dificuldade em abordar a sexualidade dos jovens não está presente somente na família. Estudos evidenciam que o receio de julgamentos e da falta de confidencialidade das informações por parte dos profissionais de saúde3636. Carvacho IE, Mello MB, Morais SS, Silva JLP. Fatores associados ao acesso anterior à gestação a serviços de saúde por adolescentes gestantes. Rev Saude Publica 2008; 42(5):886-894., bem como a pouca habilidade destes em atender as necessidades dos jovens resulta no distanciamento deste grupo dos centros de saúde. A demora em procurar os serviços de saúde após o início da vida sexual pode representar um período de risco continuado, o qual interfere na saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes1515. Moura LNB, Gomes KRO. Planejamento familiar: uso dos serviços de saúde por jovens com experiência de gravidez. Cien Saude Colet 2014; 19(3):853-863..

Observou-se estreita relação entre a idade da iniciação sexual e a quantidade de gestações que ocorreram até o momento da entrevista. Quanto mais cedo a jovem deu início às atividades sexuais, mais vezes ela engravidou, resultado que corrobora com o encontrado por outras investigações2424. Tenkorang Y, Maticka-Tyndale E. Factors influencing the timing of first sexual intercourse among young people in Nyanza, Kenya. Int Fam Plan Perspect 2008; 34(4):177-188.,3737. Baumgatner JN, Gery CW, Wedderburn M. The influence of early sexual debut and sexual violence on adolescent pregnancy: a matched case-control study In Jamaica. Int Perspect Sex Reprod Health 2009; 35(1):21-28.. Para muitas jovens, a falta do uso de método contraceptivo ocorreu desde a primeira relação sexual, o que pode ter persistido nas relações subsequentes, em virtude de cerca da metade das participantes ter tido pelo menos uma recorrência de gravidez até o momento da entrevista. Esta constatação sugere que a atitude da mulher na primeira experiência sexual pode pôr em risco o comportamento sexual no decorrer de sua vida2525. Li J, Li S, Yan H, Xu D, Xiao H, Cao Y, Mao Z. Early sex initiation and subsequent unsafe sexual behaviors and sex-related risks among female undergraduates in Wuhan, China. Asia Pac J Public Health 2015; 27(Supl. 2):21S-29S.,2626. Finer LB, Philbin JM. Sexual initiation, contraceptive use, and pregnancy among young adolescents. Pediatrics 2013; 131(5):1-6..

A cada duas jovens participantes, uma era reincidente e uma em cada cinco havia tido pelos menos três gestações até o momento da entrevista. As gestações recorrentes nessa fase da vida é uma situação preocupante, tendo em vista que, a cada gravidez, são consideravelmente reduzidas as chances da jovem de concluir seus estudos, ter um emprego e ser economicamente independente. O não acesso às condições essenciais para o crescimento pessoal contribui para a exclusão social que pode se perpetuar por toda vida1313. Gomes KRO, Speizer IS, Oliveira DC, Moura LNB, Gomes FM. Contraceptive method use by adolescents in Brazilian state capital. J Pediatr Adolesc Gynecol 2008; 11(4):213-219.,1515. Moura LNB, Gomes KRO. Planejamento familiar: uso dos serviços de saúde por jovens com experiência de gravidez. Cien Saude Colet 2014; 19(3):853-863.,3838. Maranhão TA, Gomes KRO, Oliveira DC. Couple and family relationships of adolescents post-pregnancy. Acta Paul Enferm 2012; 25(3):371-377.,3939. Gomes KRO, Speizer IS. Longitudinal study on self-esteem among recently pregnant Brazilian adolescents. J Reprod Infant Psychol 2010; 28(1):1-13..

Evidenciou-se que a antecipação da iniciação sexual foi significativamente associada à maior quantidade de parceiros sexuais, bem como, ao maior risco para gravidez entre as jovens entrevistadas. Essa antecipação merece atenção visto que mais de um quarto das participantes deste estudo iniciou-se sexualmente até os quatorze anos de idade. Este resultado também foi observado em pesquisa que analisou a reincidência de gravidez na adolescência no estado do Ceará, em que a troca de parceiros esteve associada a uma condição de risco para gravidez subsequente, aumentando em cerca de 40% a chance de uma nova gestação4040. Bruno ZV, Feitosa FEL, Silveira KP, Morais AQ, Bezerra MF. Reincidência de gravidez em adolescentes. Rev Bras Ginecol Obstet 2009; 31(10):480-484.. Outro estudo, realizado com adolescentes de quatro países nórdicos, apontou que as chances de relatos de mais de dez parceiros sexuais, ao longo da vida, eram quatro vezes maior entre as mulheres que relataram precocidade de início das relações sexuais, em comparação àquelas que referiram idade superior a 14 anos na ocasião do primeiro coito2323. Olesen TB, Jensen KE, Nygârd M, Tryggvadottir L, Sparén P, Hansen BT, Liaw KL, Kjaer SK. Young age at first intercourse and risk-taking behaviours: a study of nearly 65.000 women in four Nordic countries. Eur J Public Health 2012; 22(2):220-224..

A associação entre a diversidade de parceiros e a exposição a gestações pode estar relacionada com a dificuldade de negociar o uso do contraceptivo a cada novo relacionamento. Tem sido mostrado que a falta de poder da mulher restringe sua capacidade de tomar decisões sobre a prática do planejamento familiar, bem como para ter um debate aberto com seus parceiros acerca desse assunto4141. Do M, Kurimoto N. Women's empowerment and choice of contraceptive methods in selected African countries. Int Perspect Sex Reprod Health 2012; 38(1):23-33.. A falta de confiança da mulher quanto ao seu poder de decisão contribui para que muitos relacionamentos sejam marcados por desigualdades de gênero, o que interfere na negociação do uso do contraceptivo, aumentando as chances de práticas sexuais inseguras1414. Bui TC, Markham CM, Ross MW, Williams ML, Beasley RP, Tran LTH, Nguyen HT, Le TN. Perceived gender inequality, sexual communication self-efficacy, and sexual behaviour among female undergraduate students in the Mekong Delta of Vietnam. Sex Health 2012; 9(4):314-322..

Dentre as jovens que referiram um único parceiro sexual, a maioria vivia em união estável. Isto significa que a primeira relação sexual ocorreu com o pai de seu filho. O estabelecimento de vínculo formal em decorrência da gravidez ainda é uma realidade na nossa sociedade. A existência de uma gravidez está associada a pressão familiar no sentido de consumar a união do casal4242. Lopes RCS, Lopes RCS, Menezes C, Santos GP, Piccinini CA. Ritual de casamento e planejamento do primeiro filho. Psicol estud 2006; 11(1):55-61.. Ao corresponder às expectativas da família, a jovem consegue amenizar o constrangimento da gravidez não planejada3939. Gomes KRO, Speizer IS. Longitudinal study on self-esteem among recently pregnant Brazilian adolescents. J Reprod Infant Psychol 2010; 28(1):1-13.. Nessa perspectiva, infere-se que a união conjugal precoce possa ter contribuído para a redução do número de parceiros sexuais.

Cabe ressaltar que, apesar da associação significativa entre o número de parceiros e de gestações, o coeficiente de correlação foi baixo. Isso significa que uma variável não explica sozinha a outra variável. Portanto, faz-se necessário melhor compreensão do contexto socioeconômico e cultural em que estas jovens estão inseridas, visto que esta realidade tem forte influência no seu modo de pensar e agir em relação à sua própria sexualidade.

A inclusão apenas de jovens com antecedentes obstétricos representou uma limitação do estudo por não haver a possibilidade de compará-las a jovens sem antecedentes gestacionais. No entanto, é importante verificar as várias diferenças existentes na história sexual de jovens que já engravidaram, pois, observou-se que, para algumas participantes as repercussões negativas da iniciação sexual nos primeiros anos de sua vida reprodutiva foram bem mais significativas, traduzidas pelo maior número de parceiros sexuais e de gestações.

Conclusão

Conclui-se que quanto mais precocemente se dava o início das relações sexuais, maior era a repercussão negativa sobre a vida reprodutiva e sexual da jovem, representada pelo maior número de gestações e de parceiros sexuais, respectivamente. Algumas variáveis apresentaram importantes influencias sobre o início das atividades sexuais das jovens. A menor escolaridade foi determinante para a ocorrência do primeiro coito em idades mais precoces, uma vez que aquelas que referiram ser analfabetas funcionais se iniciaram sexualmente mais cedo em comparação às jovens que referiram ter ensino superior completo ou não. De forma semelhante, a menarca ocorrida prematuramente, a ausência de orientação sexual recebida na escola antes da ocorrência do primeiro coito e o tempo de namoro com o primeiro parceiro sexual inferior a um ano também influenciaram a ocorrência da primeira relação sexual em faixas etárias mais precoces.

Os achados deste estudo sugerem a necessidade de adoção de estratégias que previnam o início precoce das atividades sexuais, prevenção da gravidez e de ISTs. O alcance deste objetivo será possível mediante a formulação de políticas públicas que considerem não apenas a ótica individual, mas o contexto biopsicossocial que estes jovens estão inseridos. É preciso oferecer condições necessárias para que jovens apresentem atitudes positivas quanto às práticas sexuais. Desta forma, espera-se que estas ações sejam inclusivas, com envolvimento da família e dos serviços de saúde, para que todos os jovens tenham acesso a informações de qualidade, bem como aos métodos contraceptivos. Assim, eles poderão exercer sua sexualidade com segurança, sem prejuízos para o futuro.

Cabe destacar ainda a importância do papel da escola na promoção da educação sexual dos jovens. No entanto, se observa com frequência a evasão das jovens do meio educacional, especialmente quando elas ficam grávidas e se tornam mães, o que as impedem de continuar usufruindo dessa importante fonte de informações. Nesse sentido, faz-se necessário garantir condições para que jovens com antecedentes gestacionais retornem, o quanto antes, ao meio escolar para que não seja ampliada a sua vulnerabilidade a comportamentos de risco marcados por práticas sexuais não seguras, favorecendo a recorrência de gravidez não desejada, o que poderá comprometer ainda mais o seu futuro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2015
  • Revisado
    15 Abr 2016
  • Aceito
    17 Abr 2016
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