Excesso de peso e fatores associados em quilomboras do médio São Francisco baiano, Brasil

Ricardo Franklin de Freitas Mussi Bruno Morbeck de Queiroz Edio Luiz Petróski Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar a prevalência do excesso de peso e os fatores associados em adultos de comunidade quilombola do médio São Francisco baiano. Estudo transversal com amostra de 112 adultos. O excesso de peso foi avaliado pelo índice de massa corporal (IMC). A regressão linear foi usada para testar as associações, conforme modelo hierárquico de análise. A prevalência de excesso de peso foi de 27,7% (Intervalo de Confiança de 95% - IC95%: 19,3;36,1), com IMC médio de 23,1(± 3,8) Kg/m2, na análise múltipla permaneceram associados (p < 0,05) o sexo feminino, autoavaliação negativa de saúde e aumento da pressão arterial média (R2 ajustado 0,326). O aumento do IMC entre os quilombolas se associou com sexo feminino, autoavaliação negativa de saúde e maiores níveis pressóricos médios.

Palavras-chave
Grupo com ancestrais do continente africano; Estado nutricional; Índice de Massa Corporal; Antropometria; Estudos transversais

Introdução

O excesso de peso corporal representa um importante problema de saúde pública. Esta condição atinge países desenvolvidos e em desenvolvimento, influenciando na ampliação da morbimortalidade populacional11. Malik VS, Willett WC, Hu FB. Global obesity: trends, risk factors and policy implications. Nat Rev Endocrinol 2013; 9(1):13-27.. Suas principais causas podem ser resultantes da interação entre fatores biológicos e culturais, que se modificaram ao longo da história humana, tais como, o pertencimento a determinado grupo populacional e o estilo de vida22. Bellisari A. Evolutionary origins of obesity. Obes Rev 2008; 9(2):165-180..

Levantamentos nacionais alertam para o aumento das prevalências de excesso de peso na população adulta brasileira. Sua frequência elevou-se em média 1,3 ponto percentual entre os anos de 2006 e 2013, variou de 42,6% para 50,8% na última avaliação33. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Vigitel Brasil 2013: Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Brasília: MS; 2014.. Fatores sociodemográficos, como ser do sexo masculino e maior faixa etária, estiveram associados a esta condição na população brasileira no ano de 201333. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Vigitel Brasil 2013: Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Brasília: MS; 2014.. Além disso, existem evidências que o excesso de peso é um dos principais fatores determinantes da hipertensão na população em geral44. Kannel WB. Fifty years of Framingham Study contributions to understanding hypertension. J Human Hypertens 2000; 14(2):83-90..

Contudo, ainda são escassos estudos que avaliaram as alterações no estado nutricional realizados com grupos em vulnerabilidade social. Adultos quilombolas, assim como nos dados dos levantamentos nacionais, têm apresentado alta prevalência de excesso de peso, entre 42%55. Soares DA, Barreto SM. Sobrepeso e obesidade abdominal em adultos quilombolas, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2014; 30(2):341-354. e 42,8%66. Guerrero AFH. Situação nutricional de populações remanescentes de quilombos do município de Santarém – Pará, Brasil [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2010., no entanto, sinalizam diferentes fatores sociodemográficos, comportamentais e comorbidades associadas55. Soares DA, Barreto SM. Sobrepeso e obesidade abdominal em adultos quilombolas, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2014; 30(2):341-354.,66. Guerrero AFH. Situação nutricional de populações remanescentes de quilombos do município de Santarém – Pará, Brasil [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2010., o que dificulta a compreensão dos seus fatores predisponentes.

Os quilombos são caracterizados por serem comunidades étnico-raciais, de ancestralidade negra, ligadas aos trabalhos rurais ou culturas de subsistência, pelo seu isolamento geográfico e manutenção de suas manifestações culturais e religiosas77. Calheiros FP, Stadtler HHC. Identidade étnica e poder: os quilombos nas políticas públicas brasileiras. Rev Katálysis 2010; 13(1):133-139.. Contudo, essas comunidades têm sofrido com as mudanças ambientais e vêm enfrentando problemas fundiários que, somados às precárias condições de vida, indicam risco para a manutenção da saúde desta população66. Guerrero AFH. Situação nutricional de populações remanescentes de quilombos do município de Santarém – Pará, Brasil [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2010.,88. Silva JAN. Condições sanitárias e de saúde em Caiana dos Crioulos, uma comunidade quilombola do estado da Paraíba. Saúde Soc 2007; 16(2):111-124..

Ressalta-se que os quilombos contemporâneos diferem daqueles históricos. Os primeiros eram habitados por escravos fugidos, enquanto, os contemporâneos, apesar de formados por descendentes de negros escravizados, não são constituídos, necessariamente, pelos grupos de fugitivos99. Mussi RFF, Mussi LMPT, Bahia CS, Amorim AM. Atividades físicas praticadas no tempo livre em comunidade quilombola do alto sertão baiano. Licere 2015; 18(1):157-187..

Considerando a limitada disponibilidade de informações com este segmento populacional específico, e, para melhor compreensão e rastreio das condições de saúde desta população, o presente trabalho teve como objetivo analisar a prevalência do excesso de peso e os fatores associados em adultos de comunidade quilombola do médio São Francisco baiano, nordeste brasileiro.

Métodos

Estudo transversal, realizado na Comunidade Quilombola de Tomé Nunes, localizada no município de Malhada, região do Médio São Francisco baiano, Nordeste brasileiro, com índice médio de desenvolvimento humano (IDH) de 0,5621010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). IBGE cidades [internet]. 2014 [citado 2014 Jun 29]. Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=292020&search=bahia|malhada
http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/per...
. A comunidade investigada é reconhecida como quilombola rural, localizada à 12 km da área urbana, fixada na margem direita do Rio São Francisco, com acesso por estrada não asfáltica; sua atividade laboral fundamental é a agropecuária de subsistência99. Mussi RFF, Mussi LMPT, Bahia CS, Amorim AM. Atividades físicas praticadas no tempo livre em comunidade quilombola do alto sertão baiano. Licere 2015; 18(1):157-187..

Segundo informações ofertadas pela agente comunitária de saúde, com base em sua caderneta de acompanhamento, que atende 100% dos moradores do quilombo, no período da coleta de dados, verificou-se uma população de 201 adultos (> 18 anos). O cálculo amostral considerou correção para população finita, prevalência de 15% para obesidade em brasileiros adultos (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico - VIGITEL)1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Vigitel Brasil 2011: Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Brasília: MS; 2012., erro amostral de cinco pontos percentuais e nível de confiança de 95%, acrescidos de 10% para perdas e recusas, determinando amostragem mínima de 109 indivíduos. A seleção aleatória simples deuse por sorteio, incluindo os moradores presentes na página de abertura da caderneta contendo a listagem da agente comunitária de saúde, o que garantiu igual probabilidade de ser sorteado a todos os participantes.

Anteriormente as coletas, foi realizado agendamento da visitação por intermédio da associação de moradores. Para a ocorrência da coleta, foi realizada leitura do termo de consentimento livre e esclarecido com as informações da pesquisa, assinado pelos que aceitassem participar do estudo. Todos os participantes sabiam assinar seus nomes.

As entrevistas, parte inicial da coleta de dados, foram conduzidas por equipe treinada para testagem, refinamento e calibração de entrevistador. Esse procedimento contou com aplicação de questionário elaborado para a pesquisa, baseado no instrumento proposto para o VIGITEL1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Vigitel Brasil 2011: Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Brasília: MS; 2012. (contendo perguntas sobre questões sociodemográficas e estilo de vida), utilizado para população adulta brasileira.

As variáveis sociodemográficas estudadas foram: sexo (masculino e feminino), idade (anos completos), situação conjugal (com ou sem companheiro), escolaridade (alfabetizado ou analfabeto), situação laboral (trabalho remunerado ou não).

As variáveis relativas ao estilo de vida estudadas foram: tabagismo atual (fumante ou não fumante), etilismo atual (consome bebida alcoólica ou não consome bebida alcoólica), pratica regular de atividade física de tempo livre (AFTL) e atividade física de deslocamento (AFD) em minutos por semana, horas de televisão por semana.

As variáveis estudadas relativas às condições de saúde foram: as mensurações hemodinâmicas (pressão arterial) e da bioquímica sanguínea (glicemia), realizadas por único avaliador habilitado e experiente. Além da autoavaliação do estado de saúde (respostas: ‘excelente’ e ‘boa’, consideradas saúde positiva; e ‘regular’ e ‘ruim’, consideradas saúde negativa).

A pressão arterial, sistólica (PAS) e diastólica (PAD), foi aferida uma vez, em ocasião única, após as entrevistas (realizadas com participante permanecendo sentado em média 20 minutos). A mensuração ocorreu garantindo repouso mínimo de cinco minutos com os quilombolas sentados, com os pés plantados no chão, e com o braço direito apoiado sobre a mesa no nível cardíaco e a palma da mão voltada para cima1212. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Sociedade Brasileira de Hipertensão. Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol 2010; 95(Supl. 1):S1-51.. Durante as mensurações, foi utilizado um esfigmomanômetro, do tipo coluna de mercúrio (Mercurial Sphygmomanometer Premium, modelo CE 0483), com o manguito ajustado ao perímetro do braço do indivíduo. Posteriormente, foi calculada a pressão arterial média (PAM) [PAM = PAD + 1/3(PAS-PAD)]1313. Nora FS, Gropocopatel D. Métodos de aferição da pressão arterial média. Rev Bras Anestesiol 1996; 46(4):295-301..

O nível glicêmico sanguíneo foi verificado com o participante em jejum, por meio de monitor portátil validado1414. Vandresen LTS, Schneider DSLG, Batista MR, Crozatti MTL, Teixeira JJV. Níveis glicêmicos de pacientes diabéticos segundo estudo comparativo entre duas técnicas. Rev Ciênc Farm Básica Apl 2009; 30(1):111-113. da marca Roche®, modelo Accu-Chek Active e fitas reagentes para Accu-Chek, com o resultado sendo emitido em miligramas por mililitro (mg/ml). Para a mensuração, foi obtida uma gota de sangue por punção digital, utilizando-se lancetador Accu-ChekSoftclix® Pro e respectivas lancetas descartáveis. Para minimizar os riscos de infecção durante o procedimento de coleta, anteriormente a sua realização, ocorreu higienização do local de punção (dedo do avaliado) e o avaliador utilizou luvas cirúrgicas descartáveis, trocadas a cada verificação.

A massa corporal foi determinada com o avaliado, descalço e com o mínimo de vestimentas possível, sobre a balança em posição ortostática (ereto, pés afastados à largura do quadril e a massa distribuída igualmente entre os membros inferiores)1515. Lohman TG, Roche AF, Martorell R. Anthropometric Standardization Reference Manual. Champaign: Human Kinetics Books; 1988, valendo-se de balança eletrônica portátil (CamryEletronic, modelo EB9013, com capacidade de 150 kg e precisão de 100g). Para verificação da estatura o avaliado permaneceu em posição ortostática, cabeça orientada segundo o plano de Frankfurt, com os pés (descalços e unidos), glúteos, ombros e cabeça tocando a parede1515. Lohman TG, Roche AF, Martorell R. Anthropometric Standardization Reference Manual. Champaign: Human Kinetics Books; 1988, recorrendo-se a uma fita métrica fixada verticalmente na parede, permitindo medir a distância, em centímetros, entre o vértex (ponto mais superior da cabeça no plano mediano sagital) e o solo. Essas medidas permitiram a avaliação do estado nutricional pelo índice de massa corporal [IMC = massa corporal (kg) / estatura22. Bellisari A. Evolutionary origins of obesity. Obes Rev 2008; 9(2):165-180. (m)].

O IMC foi a variável dependente. A classificação quanto ao estado nutricional, obedeceu ao seguinte critério: baixo peso (≤ 18,5kg/m2), eutrofia (≥ 18,5 a < 25,0kg/m2), sobrepeso (≥ 25,0 a < 30 Kg/m2) e obesidade (≥ 30 kg/m2)1616. World Health Organization (WHO). Physical status: the use and interpretation of anthropometry. WHO Technical Report Series 1995; 854:1-33., foram considerados com excesso de peso aqueles que atenderam a classificação de sobrepeso e obesidade. Para as análises de regressão, esta variável foi tratada como contínua.

Para a análise descritiva das características da população foram calculadas as frequências, médias, valores mínimos e máximos e desvios padrão. A análise do gráfico de resíduos, que demonstrou distribuição normal e variâncias homogêneas, com poucos pontos discrepantes e influentes, definiu a aceitação da estatística inferencial baseada nos modelos de regressão linear simples e múltipla, conforme modelo hierárquico de análise1717. Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26(1):224-227. (Figura 1). Neste sentido, no bloco distal (nível 1), foram alocadas as variáveis sociodemográficas (sexo, idade, situação conjugal, escolaridade e situação laboral), seguida das relativas ao estilo de vida (nível 2) (tabagismo, etilismo, AFTL, AFD, horas de tv) e, finalmente, as variáveis relativas às condições de saúde, no nível proximal (autoavaliação de saúde, PAM, glicemia) (nível 3).

Figura 1
Modelo hierárquico para análise dos fatores associados ao excesso de peso em adultos quilombolas baianos.

Na análise ajustada, foram incluídas as variáveis que apresentaram significância estatística de, pelo menos, 10% (p ≤ 0,10) nas análises brutas e de importância teórica, seguindo a ordem de um modelo hierárquico para determinação dos desfechos. Neste sentido, as variáveis dos níveis mais superiores (distais) interagem entre si e determinam as variáveis dos níveis mais inferiores (proximais). O efeito de cada variável exploratória sobre o desfecho foi controlado para as variáveis do mesmo nível e de níveis superiores no modelo, sendo que o critério estatístico de permanência no modelo foi de 10% (p ≤ 0,10). O nível de significância adotado no estudo foi de 5%. Os dados foram tabulados e analisados no Statistical Package for the Social Sciences for Windows (SPSS) versão 22.

A presente investigação é recorte da pesquisa “Comunidades Negras Quilombolas Baianas: antropometria aumentada e atividades físicas reduzidas como fatores de risco à saúde”, autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, da Universidade Estadual de Feira de Santana (CEP/UEFS), e seguiu as normas brasileiras para pesquisas com seres humanos previstas pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) n° 466, de 12 de dezembro de 2012.

Resultados

A Tabela 1 apresenta a caracterização da população do estudo para as variáveis categóricas. Todos os convidados aceitaram participar, responderam todas as questões e permitiram todas as mensurações. Dos indivíduos que participaram do estudo, 55,4% eram mulheres. A maioria dos indivíduos relatou possuir um relacionamento conjugal (63,4%), serem alfabetizados (89,3%), possuir trabalho remunerado (66,1%) e consumirem bebida alcoólica (58,0%). Quanto ao estado de saúde, 58% avaliaram negativamente sua saúde. A prevalência de excesso de peso nos adultos foi de 27,7% (IC95% - 19,3: 36,1).

Tabela 1
Descrição das características sociodemográficas, estilo de vida e condições de saúde em amostra de adultos quilombolas. Tomé Nunes, Malhada, Bahia, Brasil, 2012. (n = 112).

Na Tabela 2 é possível verificar que o grupo apresentou média etária de 42,13(± 18,52) anos, massa corporal de 58,7(± 10,4) quilogramas, estatura de 1,60(± 0,09) metros. Os participantes ainda declararam estarem envolvidos em 84,12(± 141,77) minutos por semana em AFTL e 183,27(± 137,95) minutos de AFD. Quanto ao comportamento sedentário foram observados uma média de tempo gasto de 14,16(± 11,07) horas assistindo televisão por semana.

Tabela 2
Características da amostra de adultos quilombolas. Tomé Nunes, Malhada, Bahia, Brasil, 2012 (n = 112).

A Tabela 3 apresenta os resultados da análise de regressão linear bruta e múltipla. Neste sentido, a análise bruta indica que o aumento do IMC se associa ao sexo feminino, autoavaliação negativa de saúde, gastar menos tempo em atividades físicas de tempo livre e apresentar maior pressão arterial média. Durante a análise de regressão linear múltipla, foi verificada que permaneceu a associação, com à variável desfecho (IMC), o sexo feminino, a autoavaliação negativa de saúde e a pressão arterial média (PAM) aumentada. Houve uma correlação linear positiva do IMC com à pressão arterial média e a autoavaliação de saúde, e negativa com o sexo masculino.

Tabela 3
Associação entre excesso de peso e fatores socidemográficos, estilo de vida e condições de saúde em adultos quilombolas. Modelos de regressão linear bruta e ajustada. Tomé Nunes, Malhada, Bahia, Brasil, 2012 (n = 112).

Discussão

Os principais achados deste estudo indicam importante prevalência do excesso de peso, presente em, aproximadamente, um terço dos adultos quilombolas. Sexo feminino, possuir uma autoavaliação negativa do estado de saúde e fatores relacionados às condições de saúde, como maior pressão arterial média, estiveram associados ao aumento dos valores de IMC.

A prevalência de excesso de peso, nos adultos quilombolas avaliados, foi inferior aos valores encontrados para adultos brasileiros, considerando os dados referentes à Pesquisa de Orçamentos Familiares, de 2007-2008 (63,8%)55. Soares DA, Barreto SM. Sobrepeso e obesidade abdominal em adultos quilombolas, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2014; 30(2):341-354., e o VIGITEL, de 2013 (50,8%)33. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Vigitel Brasil 2013: Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Brasília: MS; 2014.. Os valores permaneceram inferiores mesmo quando comparados, exclusivamente, com os adultos da região nordeste do país (52,8%)55. Soares DA, Barreto SM. Sobrepeso e obesidade abdominal em adultos quilombolas, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2014; 30(2):341-354..

Estudo com adultos quilombolas do sudoeste baiano, realizado em 2011, constatou prevalência de excesso de peso de 42%, condição mais prevalente entre as mulheres55. Soares DA, Barreto SM. Sobrepeso e obesidade abdominal em adultos quilombolas, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2014; 30(2):341-354.. Em outro estudo com remanescentes quilombolas paranaenses, desenvolvido em 2006, o excesso de peso observado foi de 42,8% dentre os adultos66. Guerrero AFH. Situação nutricional de populações remanescentes de quilombos do município de Santarém – Pará, Brasil [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2010.. Embora em ambos os estudos mencionados o excesso de peso esteja presente em quase metade da população avaliada, este panorama não foi refletido nos adultos da presente investigação.

O aumento do peso foi associado positivamente com o sexo feminino. Diferenças entre os sexos, com maiores prevalências de excesso de peso para mulheres quilombolas55. Soares DA, Barreto SM. Sobrepeso e obesidade abdominal em adultos quilombolas, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2014; 30(2):341-354., ou entre mulheres africanas1818. Kruger A, Wissing MP, Towers GW, Doak CM. Sex differences independent of other psycho-sociodemographic factors as a predictor of body mass index in black South African Adults. J Health Popul Nutr 2012; 30(1):56-65., também foram documentadas; e estão de acordo com resultados de outros estudos populacionais em geral1919. Oliveira LPM, Oliveira LPM, Assis MO, Silva MCM, Santana MLP, Santos NS, Pinheiro SMC, Barreto ML, Souza CO. Fatores associados a excesso de peso e concentração de gordura abdominal em adultos na cidade de Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2009; 25(3):570-582.,2020. Tsai SA, Nan L, Xiao L, Ma J. Gender Differences in Weight-Related Attitudes and Behaviors Among Overweight and Obese Adults in the United States. Am J Mens Health 2015; 15:1557988314567223.. Mudanças hormonais e metabólicas entre as mulheres2121. Franklin RM, Ploutz-Snyder L, Kanaley JA. Longitudinal changes in abdominal fat distribution with menopause. Metab 2009; 58(3):311-315. podem contribuir para o excesso de peso neste grupo. Para além do mencionado, outros fatores comportamentais, como diferentes atividades laborais desenvolvidas, podem ter contribuído para esta associação.

No quilombo investigado, a autoavaliação de saúde negativa foi associada com aumento do IMC. Quadro que corrobora com os resultados de investigação em quilombolas do sudoeste baiano2222. Kochergin CN, Proietti FA, César CC. Comunidades quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil: autoavaliação de saúde e fatores associados. Cad Saude Publica 2014; 30(7):1487-1501.. Nesse sentido, é importante reconhecer que o conceito de saúde é reflexo da conjuntura social, econômica, política e cultural, e apresenta variações entre as comunidades e indivíduos segundo o momento histórico, localização e classe social, além dos valores individuais e das concepções científicas, religiosas, filosóficas2323. Scliar M. História do Conceito de Saúde. Physis 2007; 17(1):29-41.. Então, a autoavaliação negativa da saúde em indivíduos com excesso de peso é fator que representa um papel mediador para adoção de estilo de vida saudável2424. Backes V, Olinto MTA, Henn RL, Cremonese C, Patussi MP. Associação entre aspectos psicossociais e excesso de peso referido em adultos de um município de médio porte do Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(3):573-580..

Houve uma correlação linear positiva entre o IMC e à pressão arterial média para os adultos quilombolas. A relação entre excesso de peso e valores pressóricos aumentados tem sido amplamente reconhecida2525. Girotto E, Andrade SM, Cabrera MAS. Prevalence of Abdominal Obesity in Hypertensive Patients Registered in a Family Health Unit. Arq Bras Cardiol 2010; 94(6):754-762,2626. Vanecková I, Maletínská L, Behuliak M, Nagelová V, Zicha J, Kuneš J. Obesity-related hypertension: possible pathophysiological mechanisms. J Endocrinol 2014; 223(3):R63-R78.. Estudo conduzido em comunidades quilombolas do Nordeste brasileiro2727. Bezerra VM, Andrade ACS, César CC, Caiaffa WT. Comunidades quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil: hipertensão arterial e fatores associados. Cad Saude Publica 2013; 29(9):1889-1902. indica que a classificação dos indivíduos para o estado de sobrepeso e obesidade aumentaram em 1,22 (IC95% = 1,05:1,42) e 1,78 (IC95% = 1,33:2,37) a chance de serem classificados como hipertensos. O excesso de peso foi determinante proximal da hipertensão mesmo ajustado por fatores sociodemográficos e comportamentais.

Embora os mecanismos exatos da relação entre excesso de peso, obesidade e hipertensão não estejam totalmente compreendidos, postula-se que múltiplos mecanismos potenciais têm contribuído para o desenvolvimento de pressão arterial elevada em indivíduos obesos. Estes incluem desde a hiperinsulinemia, a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, estimulação do sistema nervoso simpático, além de concentrações inadequadas de certas adipocitocinas2828. Silva AA, Carmo J, Dubinion J, Hall JE. The role of the sympathetic nervous system in obesity-related hypertension. Curr Hypertens Rep 2009; 11(3):206-211.,2929. Lambert GW, Straznicky NE, Lambert EA, Dixon JB, Schlainch MP. Sympathetic nervous activation in obesity and the metabolic syndrome-causes, consequences and therapeutic implications. Pharmacol Ther 2010; 126(2):159-172.. Além disso, fatores genéticos têm sido investigados3030. Russo P, Lauria F, Siani A. Heritability of body weight: moving beyond genetics. Nutr Metab Cardiovasc Dis 2010; 20(10):691-697., configurando, desta maneira, esta relação como de características multifatoriais e poligênica.

O presente estudo apresenta algumas limitações que precisam ser consideradas. A primeira relaciona-se a característica de estudos transversais, por não permitirem estabelecer relação temporal entre exposição (variáveis sociodemográficas, do estilo de vida e das condições de saúde investigadas) e desfecho (excesso de peso). O tamanho da amostra pode ser insuficiente para detecção de associações de menor magnitude. Outra limitação incide na utilização de método duplamente indireto para avaliar o excesso de peso, relativo a gordura corporal, dos indivíduos, contudo salienta-se que o IMC representa indicador amplamente empregado em estudos populacionais. A realização de mensuração única para variáveis antropométricas e pressóricas, também pode ser considerada limitação, contudo o avaliador era habilitado e experiente.

Os principais achados deste estudo indicam que 1 em cada 3 quilombolas investigados apresentaram excesso de peso, o que sugere que esse grupo está menos exposto aos fatores de risco relacionados ao excesso de peso que adultos brasileiros e outros grupos com perfil populacional semelhante55. Soares DA, Barreto SM. Sobrepeso e obesidade abdominal em adultos quilombolas, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2014; 30(2):341-354.,66. Guerrero AFH. Situação nutricional de populações remanescentes de quilombos do município de Santarém – Pará, Brasil [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2010..

Esses resultados reforçam a necessidade de políticas públicas direcionadas à promoção de saúde, principalmente aquelas relacionadas aos reconhecidos fatores de combate ao excesso de peso, como o acesso a uma alimentação saudável. Adicionalmente, indicam a importância de políticas que considerem as especificidades da população quilombola nos determinantes do excesso de peso.

Agradecimentos

Agradecemos à Associação de Moradores da Comunidade Quilombola de Tomé Nunes pelo apoio logístico; a Sra. Joanita Dias de Brito, agente comunitária de saúde, pelo apoio durante as visitações.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2018

Histórico

  • Recebido
    12 Fev 2016
  • Revisado
    22 Jun 2016
  • Aceito
    24 Jun 2016
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