Dislipidemia familiar e fatores associados a alterações no perfil lipídico em crianças

Natália Aparecida de Souza Sarah Aparecida Vieira Poliana Cristina de Almeida Fonsêca Cristiana Santos Andreoli Silvia Eloiza Priore Sylvia do Carmo de Castro Franceschini Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste artigo é avaliar a prevalência de dislipidemia e os fatores associados em crianças de 4 a 7 anos de idade. Estudo transversal, realizado com 402 crianças de 4 a 7 anos de idade, acompanhadas por um Programa de Apoio a Lactação nos primeiros seis meses de vida. Foram dosados colesterol total, triglicerídeos e lipoproteínas de alta (HDL) e baixa densidades (LDL). Selecionou-se variáveis que poderiam estar associadas ao perfil lipídico, como o histórico familiar de dislipidemia, estado nutricional e o consumo alimentar das crianças. Realizou-se análise de Regressão de Poisson com variância robusta. O nível de significância adotado foi de p < 0,05. Observou-se valores aumentados da LDL em 46,8% (188), colesterol total em 37,6% (151), triglicerídeos em 10,4% (42) e HDL abaixo do desejável em 33,8% (136) das crianças. Houve associação estatisticamente significativa entre o histórico familiar de dislipidemia com colesterol total, LDL e triglicerídeos (p < 0,05 e p < 0,001, respectivamente); Desmame precoce com LDL (p < 0,05); Sedentarismo com LDL e triglicerídeos (p < 0,05 e p < 0,001, respectivamente); bem como HDL com o consumo de bala (p < 0,05). Houve importante prevalência de alterações no perfil lipídico das crianças. São necessárias atividades de educação nutricional e programas voltados para esse grupo.

Palavras-chave
Dislipidemias; Criança; Nutrição da criança

Introdução

Mudanças no estilo de vida ao longo do tempo propiciaram a ascensão da transição epidemiológica e nutricional.11. Reuter EM, Reuter CP, Burgos LT, Reckiziegel MB, Nedel FB, Albuquerque IM, Pohl HH, Burgos MS. Obesidade e hipertensão arterial em escolares de Santa Cruz do Sul – RS, Brasil. Rev Assoc Med Bras 2012; 58(6):666-672. Esse fenômeno é caracterizado pela redução da desnutrição e o aumento do sobrepeso e obesidade em todas as faixas etárias, sendo relacionado também ao aparecimento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), com destaque para as doenças cardiovasculares, que possuem as dislipidemias como principal fator de risco para o seu desenvolvimento22. Goldani MZ, Mosca PRF, Portella AK, Silveira PP, Silva CH. O impacto da transição demográfico-epidemiológica na saúde da criança e do adolescente do Brasil. Rev HCPA 2012; 32(1):49-57.,33. Santos MG, Pegoraro M, Sandrini F, Macuco EC. Risk factors for the development of atherosclerosis in childhood and adolescence. Arq Bras Cardiol 2008; 90(4):301-308..

As dislipidemias são definidas como distúrbios no metabolismo das lipoproteínas, como o aumento do colesterol total, da lipoproteína de baixa densidade (LDL) e dos triglicerídeos, e diminuição da lipoproteína de alta densidade (HDL), sendo desenvolvidas de acordo com a exposição a fatores genéticos e/ou ambientais44. Nobre LN, Lamounier JA, Franceschini SCC. Sociodemographic, anthropometric and dietary determinants of dyslipidemia in preschoolers. J Pediatr 2013; 89(5):462-469.,55. Barbosa L, Chaves OC, Ribeiro RCL. Anthropometric and body composition parameters to predict body fat percentage and lipid profile in schoolchildren. Rev Paul Pediatr 2012; 30(4):520-528..

Essas alterações no perfil lipídico contribuem para o desenvolvimento da doença arterial coronariana (DAC), aterosclerose e hipertensão arterial sistêmica (HAS), sendo também secundárias à obesidade, podendo surgir durante a infância e se potencializar durante a vida, de acordo com a combinação de outros fatores, como o estilo de vida, hábitos alimentares e histórico familiar.66. Silva RA, Kanaan S, Silva LE, Peralta RHS. Estudo do perfil lipídico em crianças e jovens do ambulatório pediátrico do Hospital Universitário Antônio Pedro associado ao risco de dislipidemias. J Bras Patol Med Lab 2007; 43(2):95-101.

A aterosclerose como consequência das dislipidemias, ocorre por meio da formação de placas lipídicas aterogênicas, que são depositadas na parede arterial, podendo causar obstrução do fluxo sanguíneo.77. Honorato ASD, Bando E, Uchimura TT, Junior MM. Perfis antropométrico, lipídico e glicêmico em adolescentes de uma instituição filantrópica no noroeste do Paraná. J Bras de Patol Med Lab 2010; 46(1):7-15. Essas placas lipídicas podem aparecer na superfície capilar da aorta a partir dos 3 anos de idade e nas coronárias durante a adolescência.88. Franca E, Alves JGB. Dislipidemia entre Crianças e Adolescentes de Pernambuco. Arq Bras Cardiol 2006; 87(6):722-727.

Estudos têm demonstrado que as crianças podem apresentar alterações relevantes no perfil lipídico.77. Honorato ASD, Bando E, Uchimura TT, Junior MM. Perfis antropométrico, lipídico e glicêmico em adolescentes de uma instituição filantrópica no noroeste do Paraná. J Bras de Patol Med Lab 2010; 46(1):7-15.

8. Franca E, Alves JGB. Dislipidemia entre Crianças e Adolescentes de Pernambuco. Arq Bras Cardiol 2006; 87(6):722-727.
-99. Ramos AT, Carvalho DF, Gonzaga NC, Cardoso AS, Noronha JAF, Cardoso MAA. Lipid profile in overweight children and adolescentes. Journal of Human Growth and Development 2011; 21(3):780-778. Assim, torna-se importante avaliar o perfil lipídico dessa população, a fim de prevenir a precocidade dos processos ateroscleróticos e outras alterações cardiometabólicas relacionadas.1010. Giuliano ICB, Coutinho MSSA, Freitas SFT, Pires MMS, Zunino JN, Ribeiro RQC. Lípideos Séricos em Crianças e Adolescentes de Florianópolis, SC – Estudo Floripa Saudável 2040. Arq Bras Cardiol 2005; 85(2):85-91. Diante disso, o objetivo do presente estudo foi avaliar a prevalência de dislipidemia e os fatores associados em crianças de 4 à 7 anos de idade.

Métodos

Trata-se de um estudo do tipo transversal, que avaliou o perfil lipídico e fatores relacionados em crianças com idade entre 4 e 7 anos, acompanhadas pelo Programa de Apoio à Lactação (PROLAC) nos primeiros seis meses de vida.

O PROLAC é um Programa de Extensão da Universidade Federal de Viçosa (UFV) em parceria com o Hospital São Sebastião e o Banco de Leite Humano do município de Viçosa, que tem como principais atividades a realização de orientações e acompanhamento das mães no pós-parto com o objetivo de incentivar e promover o aleitamento materno, além de proporcionar o acompanhamento mensal do binômio mãe-filho durante o primeiro ano de vida do bebê.

Foram obtidas nos prontuários do PROLAC informações sobre a localização das crianças acompanhadas entre agosto de 2003 (início do Programa) à agosto de 2010, período considerado limite para que elas apresentassem idade entre 4 e 7 anos no momento do estudo.

Como critério de não inclusão no estudo considerou-se o uso de medicamentos ou alterações de saúde apresentadas pela criança que interferisse em sua alimentação e exames bioquímicos. Após, pelo menos, 3 tentativas de contato domiciliar com os responsáveis pelas crianças, a amostra final foi constituída por 402 crianças.

Baseando-se nas médias e desvios-padrão do colesterol LDL no grupo de crianças com e sem histórico de dislipidemia familiar (106,42±25,27mg/dL; 97,49±23,31mg/dL, respectivamente), a amostra apresentou poder igual a 87,41% para um nível de significância de 5%. Foi utilizado para análise o software OpenEpi online.

As variáveis explicativas do estudo foram referentes ao estado nutricional, hábitos alimentares, estilo de vida, histórico familiar de dislipidemia, tempo de amamentação exclusiva (no mínimo quatro meses), condição sociodemográfica e de nascimento.

As análises bioquímicas do perfil lipídico foram realizadas no período da manhã, no Laboratório de Análises Clínicas da Divisão de Saúde - UFV, após jejum de 12 horas, por punção venosa, com seringas descartáveis. Foram obtidas dosagens de colesterol total, HDL, LDL e triglicerídeos. O colesterol total, HDL e triglicerídeos foram dosados pelo método colorimétrico enzimático, com automação pelo equipamento Cobas Mira Plus (Roche Corp.). As concentrações de LDL foram calculadas pela fórmula de Friedwald.99. Ramos AT, Carvalho DF, Gonzaga NC, Cardoso AS, Noronha JAF, Cardoso MAA. Lipid profile in overweight children and adolescentes. Journal of Human Growth and Development 2011; 21(3):780-778. O perfil lipídico foi classificado de acordo com a I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência, publicada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.1111. Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência. Arq Bras Cardiol 2005; 85(Supl. 6):1-36.

O peso e a estatura das crianças foram aferidos durante avaliação na Divisão de Saúde – UFV, respectivamente, em balança digital eletrônica com capacidade máxima de 150 kg e sensibilidade de 50g, e em estadiômetro vertical fixado a parede com extensão de 2 metros, dividido em centímetros e subdividido em milímetros, sendo as técnicas de acordo com as preconizadas por Jelliffe.1212. Jelliffe DB. Evaluación del estado de nutrición de la comunidad. Ginebra: Organización Mundial de La Salud; 1968. O estado nutricional foi avaliado pelos índices estatura/idade (E/I) e Índice de Massa corporal/idade (IMC/I), segundo o sexo e de acordo com as referências antropométricas da Organização Mundial da Saúde (OMS)1313. World Health Organization (WHO). Training course on child growth assessment. Geneva: WHO; 2008.,1414. World Health Organization (WHO) [página na Internet]. Growth Reference 5–19 Years [acessado 2015 Ago 12]. Disponível em: http://www.who.int/growthref/en/.
http://www.who.int/growthref/en/...
. O perímetro da cintura foi aferido por meio de uma fita métrica flexível e inelástica, com extensão de 2 metros, dividida em centímetros ao nível da cicatriz umbilical. A partir dessa medida e da estatura, obteve-se a relação cintura-estatura (RCE) das crianças, determinada pelo quociente da medida da cintura (cm), pela medida da estatura (cm)1515. Asayama K, Oguni T, Hayashi K, Dobashi K, Fukunaga Y, Kodera K, Tamai H, Nakazawa S. Critical value for the index of body fat distribution based on waist and hip circumferences and stature in obese girls. J Obes Relat Metab Disor 2000; 24(8):1026-1031..

Foi aplicado um questionário de frequência alimentar (QFA) construído pelos pesquisadores desse estudo, contendo informações referentes à frequência de consumo de alguns alimentos como balas, biscoito recheado, achocolatado em pó, refrigerante, frutas e hortaliças.

As variáveis como tempo de aleitamento materno (exclusivo por quatro meses) e peso ao nascer foram obtidas nos prontuários de atendimento do PROLAC. As demais variáveis tais como: sexo e idade da criança, escolaridade materna, renda familiar, trabalho materno, estado civil, histórico familiar de dislipidemia, tempo em frente à televisão (TV), tempo em atividades sedentárias e prática de atividade física, foram obtidas através da aplicação de questionários semiestruturados aos responsáveis pelas crianças.

As análises estatísticas dos dados foram conduzidas nos programas Social Package Statistical Science (SPSS) for Windows versão 17.0 e STATA versão 13.0. A caracterização da amostra foi realizada através da distribuição de frequências e a normalidade das variáveis avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Na análise bivariada, estimou-se a razão de prevalência e intervalo de confiança pela Regressão de Poisson, sendo as variáveis que apresentaram valor de p < 0,20 consideradas para inclusão no modelo múltiplo com variância robusta. A significância estatística considerada foi α ≤ 0,05.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viçosa. As crianças somente foram incluídas no estudo mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), pelos pais ou responsáveis. Todos os voluntários foram convidados para atendimento nutricional individualizado com orientações e entrega dos resultados encontrados nas avaliações realizadas. As crianças que apresentaram alterações no perfil lipídico tiveram acompanhamento nutricional e foram encaminhadas para consultas com pediatra, quando a mãe e/ou responsável tinham interesse.

Resultados

Foram avaliadas 402 crianças, sendo 55% (221) do sexo masculino e 45% (181) do sexo feminino. Observou-se que 79,2% (317) das mães viviam com companheiro, 70,8% (283) trabalhavam e 65,3% (260) tinham mais de oito anos de estudo. Destaca-se que 25,1% (88) das crianças apresentaram histórico familiar de dislipidemia e 84,3% (339) não praticavam atividade física regular. O baixo peso ao nascer foi encontrado em 30,8% (123) e a amamentação por menos que quatro meses em 39,2% (155). Em relação ao estado nutricional, encontrou-se excesso de peso em 25,4% (102) das crianças e estatura inadequada em 2% (8).

A Figura 1 demonstra a caracterização do perfil lipídico das crianças. Observou-se valor limítrofe/aumentado do colesterol total em 37,6% (141), LDL em 46,8% (158), triglicerídeos em 10,4% (42) e HDL abaixo do desejável em 33,8% (136) crianças.

Figura 1
Classificação do perfil lipídico das crianças de 4 a 7 anos de idade.

LDL = Lipoproteína de baixa densidade; HDL = Lipoproteína de alta densidade


Dados numéricos figura 1: Classificação do perfil lipídico das crianças de 4 a 7 anos de idade.

As Tabelas 1 e 2 apresentam os resultados de razão de prevalência entre as variáveis independentes e o perfil lipídico das crianças. Pode ser observado que houve associação estatisticamente significativa entre o histórico familiar de dislipidemia com colesterol total (p < 0,05), LDL (p < 0,05) e triglicerídeos (p < 0,001). Crianças com histórico familiar de dislipidemia demonstraram prevalência aproximadamente 1,3 vezes maior de colesterol total e LDL alterados em comparação às crianças que não possuíam histórico familiar de dislipidemia, enquanto o resultado para triglicerídeos mostrou prevalência 2,2 vezes maior.

Tabela 1
Características sociodemográficas, de nascimento, estilo de vida, histórico familiar e estado nutricional de crianças de 4 a 7 anos de idade.
Tabela 2
Prevalência de alterações no perfil lipídico e razões de prevalência brutas, de acordo com variáveis sociodemográficas, de nascimento, estilo de vida, histórico familiar e estado nutricional de crianças de 4 a 7 anos de idade.

Em relação ao tempo de aleitamento materno, notou-se que houve associação estatisticamente significativa entre aleitamento materno exclusivo menor que quatro meses e LDL (p < 0,05). As crianças que foram amamentadas por tempo menor que quatro meses apresentaram prevalência 1,26 vezes maior de LDL alterado em comparação àquelas que foram amamentadas por tempo maior que quatro meses. Além disso, as crianças que não praticavam atividade física apresentaram prevalência 1,24 vezes maior de LDL alterado (p < 0,05) e 2,22 vezes maior de triglicerídeos alterado (p < 0,001), em comparação às crianças que praticavam.

Não houve associação estatisticamente significativa entre as variáveis de consumo e o perfil lipídico das crianças (Tabela 3).

Tabela 3
Prevalência de alterações no perfil lipídico e razões de prevalência brutas, de acordo com as variáveis de consumo alimentar de crianças de 4 a 7 anos de idade.

A Tabela 4 apresenta o modelo final da análise de regressão. O colesterol total, LDL e triglicerídeos, após ajuste por outras variáveis, mantiveram associação estatisticamente significativa com a presença de dislipidemia familiar (p < 0,05). O colesterol LDL também manteve a associação com o tempo de aleitamento materno (p < 0,01). Na análise de regressão houve associação estatisticamente significativa entre HDL e o consumo de bala (p < 0,05). Crianças que consumiam bala mais que sete vezes na semana apresentaram prevalência 1,54 vezes maior de alteração no HDL em comparação às crianças que consumiam com menor frequência.

Tabela 4
Modelo final da análise de Regressão de Poisson para as variáveis de associadas ao perfil lipídico de crianças de 4 a 7 anos.

Discussão

O presente estudo demonstrou elevada prevalência de alterações no perfil lipídico das crianças, com destaque principal para o colesterol LDL (46,8%). A alteração dos valores desta lipoproteína pode induzir os processos aterogênicos mesmo em idade precoce, e a HDL quando em níveis reduzidos aumenta o risco para as doenças cardiovasculares (DCV), uma vez que previne a oxidação e agregação da LDL nas artérias.33. Santos MG, Pegoraro M, Sandrini F, Macuco EC. Risk factors for the development of atherosclerosis in childhood and adolescence. Arq Bras Cardiol 2008; 90(4):301-308.

Em um estudo realizado em Belém-PA com crianças e adolescentes na faixa etária de 6 a 19 anos, observou-se alterações no colesterol total em 33,4%, LDL em 18,6%, HDL em 29,5% e triglicerídeos em 15,8%, valores que se aproximam aos encontrados no presente estudo, exceto a LDL1616. Ribas AS, Silva LCS. Dislipidemia em Escolares na rede Privada de Belém. Arq Bras Cardiol 2009; 92(6):446-451.. Estudo realizado em Campina Grande-PB, na faixa etária de 2 a 9 anos, notou-se alterações na LDL em 47,1% das crianças, e colesterol total em 37,8%, resultado semelhante ao deste estudo1717. Barros VO, Silva ML, Gonçalves CC, Tavares JS, Silva ME, Guedes ATL, et al. Perfil alimentar de crianças com excesso de peso atendidas em Unidades Básicas de Saúde da Família em Campina Grande-PB. Alim Nutri 2011; 22(2):239-245..

Resultados diferentes foram encontrados em estudo realizado em Campinas-SP com crianças e adolescentes entre 2 a 19 anos, com colesterol total alterado em 44%, LDL em 36%, HDL em 44% e triglicerídeos em 56%, na faixa etária de 2 a 9 anos1818. Faria EC, Dalpino FB, Takata R. Serum Lipids and lipoproteins in children and adolescents from a public university hospital outpatient clinic. Rev Paul Pediatr 2008; 26(1):54-58.. Franca & Alves88. Franca E, Alves JGB. Dislipidemia entre Crianças e Adolescentes de Pernambuco. Arq Bras Cardiol 2006; 87(6):722-727., em um estudo com crianças e adolescentes de Pernambuco, encontraram alterações no colesterol total em 29,7%, LDL em 25,4% e triglicerídeos em 18,9%, em crianças menores de 10 anos, sendo colesterol total o resultado que mais se aproxima deste estudo.

O histórico de dislipidemia familiar foi o principal fator associado à dislipidemia das crianças. São poucos estudos na literatura que relacionam o perfil lipídico de crianças com o histórico familiar de dislipidemia. Santos et al.33. Santos MG, Pegoraro M, Sandrini F, Macuco EC. Risk factors for the development of atherosclerosis in childhood and adolescence. Arq Bras Cardiol 2008; 90(4):301-308. ressaltaram que o histórico familiar de dislipidemia aumenta a probabilidade do desenvolvimento da aterosclerose e outras DCV, que podem ter origem ainda durante a infância, demonstrando a importância de intervenção precoce, uma vez que a combinação de fatores genéticos e ambientais pode potencializar esse processo. Em um estudo realizado com adolescentes, filhos de portadores de DAC, verificou-se maiores concentrações de colesterol total, LDL e menores concentrações de HDL em comparação àquelas que não tinham histórico familiar1919. Mendes GA, Martinez TL, Izar MC, Amancio OM, Novo NF, Matheus SC, Bertolami MC, Fonseca FAH. Perfil Lipídico e Efeitos da Orientação Nutricional em Adolescentes com História Familiar de Doença Arterial Coronariana Prematura. Arq Bras Cardiol 2006; 86(5):361-365..

No presente estudo houve associação entre o desmame precoce das crianças (< 4 meses) e as concentrações de LDL. De acordo com um estudo observacional realizado em Pelotas-RS, os bebês amamentados exclusivamente com o leite materno por um período maior, desenvolveram melhor inteligência (QI) e renda e escolaridade na vida adulta, em comparação àqueles não amamentados, devido ao leite materno apresentar em sua composição ácidos graxos saturados de cadeia longa que contribuem para o desenvolvimento neuronal2020. Victora CG, Horta BL, Loret de Mola C, Quevedo L, Pinheiro RT, Gigante DP, Gonçalves H, Barros FC.Association between breastfeeding and intelligence, educational attainment, and income at 30 years of age: a prospective birth cohort study from Brazil. Lancet Glob Health 2015; 3(4):199-205.. Outro fator a se considerar, é que o aleitamento materno exclusivo demonstra ser um fator de proteção contra o excesso de peso.2121. Simom VGN, Souza JMP, Souza SB. Aleitamento materno, alimentação complementar, sobrepeso e obesidade em pré-escolares. Rev Saude Publica 2009; 43(1):60-69.,2222. Siqueira RS, Monteiro CA. Amamentação na infância e obesidade na idade escolar em famílias de alto nível socioeconômico. Rev Saude Publica 2007; 41(1):5-12. A presença de sobrepeso e obesidade está associada, muitas vezes, às alterações no perfil lipídico66. Silva RA, Kanaan S, Silva LE, Peralta RHS. Estudo do perfil lipídico em crianças e jovens do ambulatório pediátrico do Hospital Universitário Antônio Pedro associado ao risco de dislipidemias. J Bras Patol Med Lab 2007; 43(2):95-101..

A prática regular de atividade física também esteve relacionada aos níveis de LDL e triglicerídeos das crianças. De acordo com Fagundes et al.2323. Fagundes ALN, Ribeiro DC, Naspitz L, Garbelini LEB, Vieira JKP, Silva AP, Lima VO, Fagundes DJ, Compri PC, Juliano Y. Prevalência de sobrepeso e obesidade em escolares da região de Parelheiros do município de São Paulo. Rev Paul Pediatr 2008; 26(3):212-217., a prática regular de atividade física é capaz de melhorar o perfil lipídico, provocando aumento no HDL (4,6%) e diminuição de triglicerídeos (3,7%) e LDL (5%). Nesse mesmo estudo foi verificado que adultos que praticavam atividade física durante a infância e adolescência tiveram 83% menos chance de apresentar dislipidemia. No estudo de Ribeiro et al.2424. Ribeiro RQC, Lotufo PA, Lamounier JA, Oliveira RG, Soares JF, Botter DA. Fatores adicionais de risco cardiovascular associados ao excesso de peso em crianças e adolescentes. O estudo do coração de Belo Horizonte. Arq Bras Cardiol 2006; 86(6):408-418. com escolares de 6 a 18 anos, foi verificado que os estudantes menos ativos apresentaram 3,8 vezes mais chance de colesterol total aumentado em comparação aos mais ativos, sendo também correlacionado ao excesso de peso. Em vista desses resultados, a atividade física deve ser cada vez mais incentivada, com início precoce e manutenção durante a adolescência e vida adulta.1919. Mendes GA, Martinez TL, Izar MC, Amancio OM, Novo NF, Matheus SC, Bertolami MC, Fonseca FAH. Perfil Lipídico e Efeitos da Orientação Nutricional em Adolescentes com História Familiar de Doença Arterial Coronariana Prematura. Arq Bras Cardiol 2006; 86(5):361-365.

Com relação ao consumo alimentar das crianças, verificou-se associação significativa entre o consumo de bala maior ou igual a sete vezes na semana e HDL. Esse resultado reflete ao consumo alimentar inadequado, pois provavelmente essas crianças que consomem bala excessivamente, não têm uma alimentação nutricionalmente adequada. Estudos com crianças demonstram o aumento do consumo de alimentos de baixo teor nutritivo, ricos em calorias, açúcares e gorduras, assim como o baixo consumo de alimentos ricos em fibras, vitaminas e minerais, como hortaliças e frutas por essa população66. Silva RA, Kanaan S, Silva LE, Peralta RHS. Estudo do perfil lipídico em crianças e jovens do ambulatório pediátrico do Hospital Universitário Antônio Pedro associado ao risco de dislipidemias. J Bras Patol Med Lab 2007; 43(2):95-101.,1717. Barros VO, Silva ML, Gonçalves CC, Tavares JS, Silva ME, Guedes ATL, et al. Perfil alimentar de crianças com excesso de peso atendidas em Unidades Básicas de Saúde da Família em Campina Grande-PB. Alim Nutri 2011; 22(2):239-245.,2525. Bortoline GA, Gubert MB, Santos LMP. Consumo alimentar entre crianças brasileiras com idade de 6 a 59 meses. Cad Saude Publica 2012; 28(9):1759-1771.,2626. Farias Junior G, Osório MM. Padrão alimentar de crianças menores que cinco anos. Rev Nutr 2005; 18(6):793-802.. A alimentação inadequada, favorece as alterações no perfil lipídico e contribui para o excesso de peso, sendo importante o incentivo à prática de uma alimentação saudável desde a infância, para prevenção de tais alterações1717. Barros VO, Silva ML, Gonçalves CC, Tavares JS, Silva ME, Guedes ATL, et al. Perfil alimentar de crianças com excesso de peso atendidas em Unidades Básicas de Saúde da Família em Campina Grande-PB. Alim Nutri 2011; 22(2):239-245..

Apesar deste estudo não demonstrar associação significativa entre o estado nutricional e o perfil lipídico das crianças, destaca-se que 25,4% das crianças apresentavam excesso de peso. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009, crianças entre 5 a 9 anos de idade, apresentam uma menor prevalência para a desnutrição e maior para a obesidade, sendo o déficit de peso diagnosticado em 4,1% e o excesso de peso em 33,5% das crianças brasileiras.2727. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009. Antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2010. O aumento da adiposidade corporal pode contribuir para alterações no perfil lipídico e risco cardiovascular na vida adulta.2828. Pizzi J, Silva LR, Moser D, Leite N. Relação entre aterosclerose subclínica, pressão arterial e perfil lipídico em crianças e adolescentes obesos: uma revisão sistemática. Arq Bras Endocrinol Metab 2013; 57(1):1-6.

Apesar de encontrar associação significativa entre o consumo de bala e HDL, muitos alimentos não apresentaram associação significativa com o perfil lipídico. Um fator limitante é que a alimentação das crianças foi avaliada por meio de registros alimentares e QFA, que mesmo sendo esclarecidas as formas de preenchimento pode ter levado a uma subestimação e/ou superestimação das quantidades, tipos de alimentos que foram consumidos e oferecidos às crianças, assim como viés de memória pelas mães e/ou responsáveis.

Outra limitação deste estudo foi que nem todas as mães e/ou responsáveis souberam responder a respeito das variáveis escolaridade materna, renda familiar, histórico familiar de dislipidemia, trabalho materno, aleitamento materno, peso ao nascer e tempo diário da criança em frente à TV, por isso houveram perdas na amostra quanto às informações das mesmas.

Diante disso, conclui-se que as crianças apresentaram elevada prevalência de alterações no perfil lipídico, e que este está diretamente relacionado a fatores como desmame precoce, histórico familiar de dislipidemia, sedentarismo e consumo alimentar inadequado.

Portanto, são necessárias atividades de educação nutricional e programas voltados para esse grupo, que contemplem a prática de atividade física, aleitamento materno exclusivo e a alimentação saudável, a fim de prevenir tais alterações, uma vez podem permanecer durante a adolescência e a vida adulta.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2019

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2016
  • Revisado
    20 Mar 2017
  • Aceito
    22 Mar 2017
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