Aspectos nutricionais de pessoas acometidas por hanseníase, entre 2001 e 2014, em municípios do semiárido brasileiro

Camila Silveira Silva Teixeira Danielle Souto de Medeiros Carlos Henrique Alencar Alberto Novaes Ramos Júnior Jorg Heukelbach Sobre os autores

Resumo

O estudo buscou caracterizar a insegurança alimentar, o estado nutricional e os hábitos alimentares de pessoas acometidas por hanseníase. Trata-se de um estudo transversal descritivo, de população censitária, em que foram avaliados 276 casos, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, entre 2001 e 2014, nos municípios de Vitória da Conquista e Tremedal, Bahia. Na análise foi empregada a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar. Foram coletadas medidas de peso e altura, frequência alimentar, variáveis domiciliares, socioeconômicas, psicossociais e clínicas. A prevalência de insegurança alimentar foi de 41,0% na população; sendo 28,3% leve, 8,0% moderada e 4,7% grave. O sobrepeso/obesidade foi estimado em 60,1% das pessoas avaliadas e o consumo excessivo de sal foi relatado por 8,6%. O feijão e a carne vermelha foram os alimentos mais regularmente consumidos e houve baixo consumo de leite, hortaliças cruas e cozidas e frutas. A insegurança alimentar apresentou elevada prevalência, associada à inadequação do hábito alimentar e estado nutricional, refletindo a vulnerabilidade nutricional desta população. Recomenda-se a inserção da assistência nutricional às políticas públicas da hanseníase, como forma de qualificar a atenção à saúde.

Segurança alimentar e nutricional; Estado nutricional; Hábitos alimentares; Hanseníase

Introdução

As doenças tropicais negligenciadas prevalecem em populações vulneráveis, contribuindo para a continuação dos ciclos de pobreza, desigualdade e exclusão social11. Adams J, Gurney KA, Pendlebury D. Thomson Reuters Global Research Report Neglected Tropical Diseases 2012.. A hanseníase insere-se neste grupo como doença bacteriana crônica, de notificação compulsória22. Barbosa JC, Ramos Júnior AN, Alencar OM, Pinto MSP, Castro CGJ. Atenção pós-alta em hanseníase no Sistema Único de Saúde: aspectos relativos ao acesso na região Nordeste. Cad Saúde Coletiva 2014; 22:351-358., e configura-se como um grave problema de saúde pública nas áreas endêmicas33. Penna MLF, Oliveira MLVDR, Penna GO. The epidemiological behaviour of leprosy in Brazil. Leprosy Review 2009; 80:332-344..

A doença é transmitida pelo trato respiratório e ocorre mediante convívio íntimo e prolongado com pessoas, normalmente, multibacilares e sem tratamento44. Alencar CHM, Ramos Júnior AN, de Sena Neto AS, Murto C, Alencar MJ, Barbosa JC, Heukelbach J. Diagnóstico da hanseníase fora do município de residência: uma abordagem espacial, 2001 a 2009. Cad Saude Publica 2012; 28(9):1685-1698.. Atinge primariamente a pele e os nervos, podendo causar sequelas neurológicas, motoras, oftalmológicas e estigmatizantes55. Fonseca MS, Garcia MR. Aspectos psicossociais em hanseníase. In: Alves ED, Ferreira TL, Ferreira IN, organizadores. Hanseníase: avanços e desafios. Brasília: NESPROM; 2014. p. 373-388.. O diagnóstico é feito a partir da anamnese clínica, exame dermatoneurológico e baciloscopia, realizada em caso de dúvida na avaliação inicial66. Lyon S, Grossi MAF. Diagnóstico de Tratamento da Hanseníase. In: Alves ED, Ferreira TL, Ferreira IN, organizadores. Hanseníase: avanços e desafios. Brasília: NESPROM; 2014. p. 141-170.. O tratamento é poliquimioterápico, baseado na combinação de três medicamentos (dapsona, rifampicina e clofazimina) e doses que variam de acordo com a classificação operacional, paucibacilar e multibacilar, e idade do paciente77. World Health Organization (WHO). WHO Expert Committee on Leprosy: eighth report. Geneva; WHO; 2012..

A pessoa acometida por hanseníase pode ainda apresentar quadros inflamatórios agudos, desencadeados por recidiva e/ou gravidade da doença, caracterizados como episódios reacionais88. Teixeira MAG, Silveira VM, França ER. Características epidemiológicas e clínicas das reações hansênicas em indivíduos paucibacilares e multibacilares, atendidos em dois centros de referência para hanseníase, na Cidade de Recife, Estado de Pernambuco. Rev Soc Bras Med Trop 2010; 43(3):287-292.. Assim como a hanseníase, estas reações possuem significativo potencial incapacitante e de geração de estigma22. Barbosa JC, Ramos Júnior AN, Alencar OM, Pinto MSP, Castro CGJ. Atenção pós-alta em hanseníase no Sistema Único de Saúde: aspectos relativos ao acesso na região Nordeste. Cad Saúde Coletiva 2014; 22:351-358.,99. Monteiro LD, Alencar CH, Barbosa JC, Novaes CCBS, Silva RCPS, Heukelbach J. Pós-alta de hanseníase: limitação de atividade e participação social em área hiperendêmica do Norte do Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17(1):91-104..

No Brasil, a hanseníase é uma doença de alta endemicidade e a maior parte dos casos estão distribuídos nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste1010. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Informática do SUS – DATASUS 2016. Sala de Apoio à Gestão Estratégica – SAGE. Situação de Saúde. Indicadores de Morbidade: Hanseníase; 2016 [serial na internet] [acessado 2017 Jan 25]. Disponível em: http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude.
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. No estado da Bahia, os municípios de Vitória da Conquista e Tremedal são considerados de muito alta e hiperendemicidade, respectivamente1010. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Informática do SUS – DATASUS 2016. Sala de Apoio à Gestão Estratégica – SAGE. Situação de Saúde. Indicadores de Morbidade: Hanseníase; 2016 [serial na internet] [acessado 2017 Jan 25]. Disponível em: http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude.
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, e apresentam características socioeconômica e de saúde que contribuem à sua vulnerabilidade.

A complexa determinação social da doença, traduz-se a partir da presença de desigualdades sociais1111. Ayres JA, Paiva BSR, Duarte MTC, Berti HW. Repercussões da hanseníase no cotidiano de pacientes: vulnerabilidade e solidariedade. Rev Min de Enferm 2012; 16(1):56-62. e de populações em maior contexto de vulnerabilidade, como indígenas, quilombolas e de baixa renda. Estas populações geralmente apresentam maiores prevalências de insegurança alimentar (IA), em muitos casos com maior gravidade1212. Facchini LA, Nunes BP, Motta JVS, Tomasi E, Silva SM, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV, Dilélio AS, Saes MO, Miranda VIA, Volz PM, Osório A, Fassa AG. Insegurança alimentar no Nordeste e Sul do Brasil: magnitude, fatores associados e padrões de renda per capita para redução das iniquidades. Cad Saude Publica 2014; 30(1):161-174.

13. Mondini L, Rosa TE, Gubert MB, Sato GS, Benício MHD’A. Insegurança alimentar e fatores sociodemográficos associados nas áreas urbana e rural do Brasil. Informações Econômicas 2011; 41(2):52-60.

14. Monego ET, Peixoto MRG, Cordeiro MM, Costa RM. (In) segurança alimentar de comunidades quilombolas do Tocantins. Segur Aliment Nutr 2010; 17(1):37-47.
-1515. Souza NN, Dias MM, Sperandio N, Franceschini SCC, Priore SE. Perfil socioeconômico e insegurança alimentar e nutricional de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família no município de Viçosa, Estado de Minas Gerais, Brasil, em 2011: um estudo epidemiológico transversal. Epidemiol Serv Saúde 2012; 21(4):655-662..

O estado de IA é percebido quando não há garantia de acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, nutricional e sanitária, e em quantidade suficiente, podendo ainda comprometer o acesso a outras necessidades básicas1616. Segall-Corrêa AM, Marin-León L. A segurança alimentar no Brasil: Proposição e usos da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) de 2003 a 2009. Segur Aliment Nutr 2009; 16(2):1-19.. O acesso aos alimentos pode ser interrompido por determinantes políticos, socioeconômicos e demográficos, o que incide sobre o perfil multifatorial e vasta complexidade da IA1717. Hoffmann R. Brasil, 2013: mais segurança alimentar. Segur Aliment Nutr 2014; 21(2):422-436..

A restrição alimentar em grupos socialmente vulneráveis pode resultar em prejuízos à qualidade nutricional dos hábitos alimentares dos indivíduos1818. Navas R, Kanikadan AYS, Santos KMP, Garavello MEPE. Transição alimentar em comunidade quilombola no litoral sul de São Paulo. Rev NERA 2015; 18(27):138-155.. As condições financeiras de acesso aos alimentos e a influência de uma dieta ocidentalizada, baseada em alimentos industrializados, são fatores que podem contribuir diretamente para tais modificações e refletir em um pior estado nutricional1919. Tardido AP, Falcão MC. O impacto da modernização na transição nutricional e obesidade. Rev Bras Nutr Clin 2006; 21(2):117-124..

Partindo do pressuposto que as pessoas acometidas por hanseníase estão sujeitas à maior vulnerabilidade, a avaliação da IA, do consumo alimentar e do estado nutricional pode revelar iniquidades em saúde e sinalizar a necessidade de qualificar a atenção nutricional. A julgar pelas consequências provocadas pela doença, como incapacidades físicas, comprometimentos neurológicos, episódios reacionais, estigma, preconceito e pobreza, esta abordagem reveste-se de especial importância. Ademais, são limitados os estudos que abordam os aspectos nutricionais no contexto da hanseníase, o que inclui o estado da Bahia.

Nessa perspectiva, este estudo teve como objetivo caracterizar a insegurança alimentar, estado nutricional e hábitos alimentares de pessoas acometidas por hanseníase, entre os anos de 2001 e 2014, em dois municípios do sudoeste da Bahia.

Métodos

Desenho e local do estudo

Trata-se de estudo transversal inserido no estudo multicêntrico IntegraHans – Norte/Nordeste (N/NE):Atenção à saúde para hanseníase em áreas de alta endemicidade nos estados de Rondônia, Tocantins e Bahia: abordagem integrada de aspectos operacionais, epidemiológicos (espaço-temporais), clínicos e psicossociais. Este recorte remete-se a dados referentes ao estado da Bahia, nos municípios de Vitória da Conquista e Tremedal.

População do estudo

A população do estudo teve caráter censitário, incluindo todos os casos de hanseníase (casos referência) notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) – Ministério da Saúde (MS), no período de 2001-2014, residentes nestes dois municípios.

Fontes e coleta de dados

A aplicação de questionários, a avaliação clínica e a coleta de dados em prontuários do serviço (perfil clínico do caso referência) ocorreram entre os meses de outubro de 2014 e agosto de 2015. Foram realizadas entrevistas a partir de questionários e escalas, elaborados com base em instrumentos com validação nacional e internacional2020. Scale, SALSA. Users Manual. 2010 [acessado 2012 Fev 5]. Disponível em: http://www.ilep.org.uk/fileadmin/uploads/Documents/Infolep_Documents/Salsa/SALSA_manual_v1.1pdf.pdf.
http://www.ilep.org.uk/fileadmin/uploads...

21. Participation Scale Users. 2005 [acessado 2012 Fev 21]. Disponível em: http://www.leprastichting.nl/assets/infolep/Participation%20Scale%20Users%20Manual%20v.4.6.pdf.
http://www.leprastichting.nl/assets/info...
-2222. Finlay AY, Khan G. Dermatology Life Quality Index (DLQI) - a simple practical measure for routine clinical use. Clinl Experimental Dermatol 1994; 19(3):210-216..

Para caracterização da população, foram descritas as variáveis: município; zona de moradia; material das paredes externas do domicílio; abastecimento de água; destino do lixo; presença de moradores menores de 18 anos; número de residentes; benefício do Programa Bolsa Família (PBF); escore de bens (1º tercil – pessoas de maior rendimento econômico; 2º tercil – pessoas de médio rendimento econômico; 3º tercil – pessoas de baixo rendimento econômico). O escore foi obtido pela soma total da posse de bens e utensílios domésticos – televisão em cores, rádio, banheiro, automóvel, empregada mensalista, máquina de lavar roupa, vídeo/DVD, geladeira e freezer – e adaptado ao Critério de Classificação Econômica Brasil2323. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Critério de classificação econômica Brasil 2014 [serial na internet] [acessado 2016 Jan 12]. Disponível em: http://www.abep.org/criterio-brasil
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. Foram também descritas as variáveis raça/cor; escolaridade; contexto de trabalho.

As variáveis psicossociais e clínicas foram descritas como: limitação de atividade – decorrente de deformidades provocadas pela hanseníase e outras neuropatias; restrição à participação social – restrições relacionadas à hanseníase, deficiências ou outras condições estigmatizantes; qualidade de vida em dermatologia – comprometimento da qualidade de vida relacionado à dermatose provocada pela hanseníase; classificação operacional – determinada com base na contagem do número de lesões da pele e nervos envolvidos; desenvolvimento de episódio reacional; presença de incapacidade física permanente.

A IA foi calculada a partir da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA)1616. Segall-Corrêa AM, Marin-León L. A segurança alimentar no Brasil: Proposição e usos da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) de 2003 a 2009. Segur Aliment Nutr 2009; 16(2):1-19.,1717. Hoffmann R. Brasil, 2013: mais segurança alimentar. Segur Aliment Nutr 2014; 21(2):422-436.. Atribuiu-se 1 ponto para respostas “sim” e 0 para respostas “não” e “não sabe”. A presença de pelo menos uma resposta do tipo “sim” definiu o estado de IA, categorizado em seus diferentes níveis, em domicílios com e sem moradores menores que 18 anos, respectivamente: leve, moderada e grave2424. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: segurança alimentar 2013. Rio de Janeiro: IBGE; 2014..

O indivíduo entrevistado prioritariamente foi o responsável pelo seu grupo familiar (chefe da família), desde que o mesmo apresentasse idade igual ou maior que 18 anos e estivesse apto a responder o instrumento. Na impossibilidade deste, entrevistou-se o próprio caso referência. Para os domicílios em que tenha sido notificado mais de um caso de hanseníase, optou-se pela entrevista do caso mais antigo. Foram excluídas as famílias que ao serem visitadas não se encontravam na residência, após três tentativas de abordagem.

A avaliação antropométrica foi realizada conforme recomendações das Normas Técnicas do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional2525. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional. Brasília: MS; 2011. e foram coletados dados de peso em quilos (kg) e estatura em centímetros (cm). O Índice de Massa Corporal (IMC) de adultos e idosos foi classificado, respectivamente, em: baixo peso (< 18,5 kg/m22. Barbosa JC, Ramos Júnior AN, Alencar OM, Pinto MSP, Castro CGJ. Atenção pós-alta em hanseníase no Sistema Único de Saúde: aspectos relativos ao acesso na região Nordeste. Cad Saúde Coletiva 2014; 22:351-358.; ≤ 22,0 kg/m22. Barbosa JC, Ramos Júnior AN, Alencar OM, Pinto MSP, Castro CGJ. Atenção pós-alta em hanseníase no Sistema Único de Saúde: aspectos relativos ao acesso na região Nordeste. Cad Saúde Coletiva 2014; 22:351-358.), eutrofia (≥ 18,5 e < 25,0 kg/m22. Barbosa JC, Ramos Júnior AN, Alencar OM, Pinto MSP, Castro CGJ. Atenção pós-alta em hanseníase no Sistema Único de Saúde: aspectos relativos ao acesso na região Nordeste. Cad Saúde Coletiva 2014; 22:351-358.; > 22,0 e < 27,0 kg/m22. Barbosa JC, Ramos Júnior AN, Alencar OM, Pinto MSP, Castro CGJ. Atenção pós-alta em hanseníase no Sistema Único de Saúde: aspectos relativos ao acesso na região Nordeste. Cad Saúde Coletiva 2014; 22:351-358.), sobrepeso (≥ 25,0 e < 30,0 kg/m22. Barbosa JC, Ramos Júnior AN, Alencar OM, Pinto MSP, Castro CGJ. Atenção pós-alta em hanseníase no Sistema Único de Saúde: aspectos relativos ao acesso na região Nordeste. Cad Saúde Coletiva 2014; 22:351-358.; ≥ 27,0 kg/m22. Barbosa JC, Ramos Júnior AN, Alencar OM, Pinto MSP, Castro CGJ. Atenção pós-alta em hanseníase no Sistema Único de Saúde: aspectos relativos ao acesso na região Nordeste. Cad Saúde Coletiva 2014; 22:351-358.) e obesidade (≥ 30,0 kg/ m22. Barbosa JC, Ramos Júnior AN, Alencar OM, Pinto MSP, Castro CGJ. Atenção pós-alta em hanseníase no Sistema Único de Saúde: aspectos relativos ao acesso na região Nordeste. Cad Saúde Coletiva 2014; 22:351-358.)2626. World Health Organization (WHO). Physical status: use and interpretation of anthropometry. Genova: WHO; 1995.

27. World Health Organization (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva: WHO; 2000.
-2828. The Nutrition Screening Initiative. Incorporating nutrition screening and interventions into medical practice: a monograph for physicians. Washington D.C. US: American Academy of Family Physicians, The American Dietetic Association, National Council on Aging Inc; 1994.. Para análise, foram somadas as categorias de sobrepeso e obesidade.

O consumo alimentar foi estimado a partir do Questionário de Frequência Alimentar (QFA) individual, baseado em instrumento utilizado pela Pesquisa Nacional de Saúde2929. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2008. Rio de Janeiro: IBGE; 2009.. Foi registrada a frequência de consumo (de 0 a 5 dias ou mais por semana) de 17 alimentos, grupos de alimentos ou preparações, tais como: excesso de gorduras das carnes, refrigerantes, refrigerante açucarado, guloseimas, lanches (fast food), carnes (vermelhas e brancas), leite, feijão, hortaliças (cruas e cozidas), frutas e suco de frutas. O consumo de sal foi obtido mediante resposta às opções de consumo diário: muito alto, alto, adequado, baixo ou muito baixo.

O consumo regular foi descrito considerando-se a utilização do alimento em 5 dias ou mais da semana. Entre as proteínas, foi considerado como consumo regular a ingestão de carne vermelha e frango, em 3 ou mais dias, e de peixe, em 1 ou mais dias na semana. Para avaliar o consumo excessivo de sal, foram consideradas as categorias alto e muito alto2929. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2008. Rio de Janeiro: IBGE; 2009..

Análise de dados e aspectos éticos

A análise foi feita utilizando medidas de frequência. Foram aplicados o teste qui-quadrado de Pearson (sem correção), exato de Fisher (para categorias com número de observações esperadas < 5) e de tendência linear (para variáveis com 3 ou mais categorias). Para todos os testes foi considerado o nível de significância de 5%. O programa Stata em sua versão 15.0 (Stata Corporation, College Station, USA) foi utilizado para análise dos dados.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Federal do Ceará, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética, de acordo com a resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde3030. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diário Oficial da União 2012; 12 dez..

Resultados

Foram identificados preliminarmente 643 casos residentes no município de Vitória da Conquista e 51 casos em Tremedal, totalizando uma população-alvo de 694. A maioria dos casos deste período já se encontrava no período de pós-alta da poliquimioterapia específica da hanseníase.

O macroprojeto IntegraHans avaliou 319 casos referência, sendo 272 de Vitória da Conquista e 47 de Tremedal. O processo de composição da população resultou em uma proporção de 45,0% (312) de indivíduos não avaliados, diante de situações como: recusa (1,3%); óbito (9,3%); mudança de endereço (30,1%); endereço incorreto (40,1%); não abordagem após três tentativas (14,7%); e não comparecimento à avaliação (4,5%). Para o presente estudo, foram avaliados 276 indivíduos, tendo em vista que 21 casos não preencheram os critérios de inclusão e 22 casos recusaram responder às perguntas do instrumento de IA (Figura 1).

Figura 1
Seleção da população para investigação dos aspectos nutricionais, em pessoas acometidas por hanseníase nos municípios de Vitória da Conquista e Tremedal. IntegraHans – N/NE, Bahia, 2015.

A maior parte dos entrevistados era do município de Vitória da Conquista, de zona urbana, raça/cor negra e com escolaridade até o ensino fundamental (incompleto/completo). A avaliação das características clínicas e psicossociais evidenciou que 47,5% tinham alguma limitação de atividade, 25,8% restrição à participação social, 36,0% tinham efeito dermatológico sobre qualidade de vida e 75,4% apresentaram incapacidade física permanente (Tabela 1).

Tabela 1
Características da população estudada (n* = 276). IntegraHans – N/NE, Bahia, 2015.

A IA foi encontrada em 41,0% da população total, estimada em 39,4% da população de Vitória e em 51,4% de Tremedal (Figura 2). O sobrepeso/obesidade foi encontrado em 60,1% da população total. Em Vitória da Conquista e em Tremedal, o sobrepeso/obesidade foi estimado em 62,0% e 46,7%, respectivamente. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os dois municípios (Figura 2).

Figura 2
Prevalência de IA e estado nutricional de pessoas acometidas pela hanseníase (n = 276)*. IntegraHans – N/NE, Bahia, 2015.

Houve consumo excessivo de sal em 8,6% da população total. A avaliação do consumo regular de alimentos demonstrou que o feijão e a carne vermelha foram os alimentos mais consumidos regularmente e houve baixo consumo de leite, hortaliças (cruas e cozidas) e frutas (Tabela 2).

Tabela 2
Consumo regular de alimentos da população estudada (n* = 276). IntegraHans – N/NE, Bahia, 2015.

Discussão

O presente estudo demonstrou alta prevalência de IA e de sobrepeso/obesidade, além de consumo pouco satisfatório de alimentação saudável em pessoas acometidas por hanseníase nos municípios de estudo. Este resultado aponta um cenário de vulnerabilidade nutricional que pode ter sido impactado pelas consequências clínicas e psicossociais decorrentes da ocorrência da doença, progressão e dificuldades de tratamento no contexto do estado da Bahia.

As prevalências de IA encontradas foram superiores a da população brasileira (22,6%)2424. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: segurança alimentar 2013. Rio de Janeiro: IBGE; 2014., assim como para os seus diferentes níveis. Os achados para o município de Vitória da Conquista tiveram valores aproximados aos dados da região Nordeste (38,1%) e aos do estado da Bahia (37,8%)2424. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: segurança alimentar 2013. Rio de Janeiro: IBGE; 2014.. Já entre as pessoas do município de Tremedal, a IA foi mais elevada, conforme verificado em outros estudos. No estudo de Saboia e Santos3131. Sabóia RCB, Santos MM. Prevalência de insegurança alimentar e fatores associados em domicílios cobertos pela Estratégia Saúde da Família em Teresina, Piauí, 2012-2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(4):749-758., com famílias de uma zona periférica do município de Teresina-Piauí, 65,0% dos domicílios apresentaram IA. Pérez-Zepeda et al.3232. Pérez-Zepeda MU, Castrejón-Pérez RC, Wynne-Bannister E, Garcia-Penã C. Frailty and food insecurity in older adults. Public Health Nutr 2016; 19(15):2844-2849., avaliando comunidades de idosos pela Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição do México, verificaram que 73,7% das famílias viviam com IA. No estudo de Pardilla et al.3333. Pardilla M, Prasad D, Suratkar S, Gittelsohn J. High levels of household food insecurity on the Navajo Nation. Public Health Nutr 2013; 17(1):58-65. 76,7% dos indígenas da Nação Navajo, nos Estados Unidos da América, tiveram situação de IA.

As prevalências de IA leve foram maiores que a do Brasil (14,8%), da região Nordeste (23,6%) e da Bahia (21,8%). Quando avaliadas as frequências de IA moderada e grave, observou-se que estas foram superiores às do Brasil, 4,6% e 3,2%, respectivamente. O município de Tremedal teve prevalências de IA moderada e grave também maiores do que as da região Nordeste (8,9% e 5,6%) e da Bahia (9,4% e 6,6%)2424. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: segurança alimentar 2013. Rio de Janeiro: IBGE; 2014..

Estudos com outras populações vulneráveis apresentaram resultados semelhantes, como Fachinni et al.1212. Facchini LA, Nunes BP, Motta JVS, Tomasi E, Silva SM, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV, Dilélio AS, Saes MO, Miranda VIA, Volz PM, Osório A, Fassa AG. Insegurança alimentar no Nordeste e Sul do Brasil: magnitude, fatores associados e padrões de renda per capita para redução das iniquidades. Cad Saude Publica 2014; 30(1):161-174., que evidenciaram que as prevalências de IA leve (31,3%), moderada (13,4%) e grave (9,5%) do Nordeste foram significativamente maiores que as respectivas prevalências (19,8%, 4,7% e 2,8%) da região Sul. Rosa et al.3434. Rosa TEDC, Mondini L, Gubert MB, Sato GS, Benício MHD’A. Segurança alimentar em domicílios chefiados por idosos. Rev Bras Geriatr Gerontol 2012; 15(1):69-77., avaliando famílias chefiadas por idosos, evidenciaram que a IA foi mais prevalente nas regiões Norte e Nordeste do país, onde os níveis de IA moderada ou grave foram percebidos em mais de 1/4 dos domicílios. O estudo de Anschau et al.3535. Anshau FR, Matsuo T, Segall-Corrêa AM. Food insecurity among recipients of government assistance. Rev Nutr 2012; 25(2):177-189., com famílias beneficiárias de Programas de Transferência de Renda no município de Toledo, Paraná, apontou que 44,9% destas sofreram com IA leve, 23,8% com IA moderada e 5,9% com IA grave.

No presente estudo, as pessoas acometidas por hanseníase apresentaram condições econômicas e sociais desfavoráveis. Vitória da Conquista apresentou um dos Produtos Internos Brutos (PIB) que mais cresceram na região Sudoeste da Bahia e, no último censo, teve padrão médio do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) (0,678)3636. Bahia. Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais (SEI). Estatística – Territórios – Bahia 2015 [internet] [acessado 2016 Abr 04]. Disponível em: http://www.sei.ba.gov.br/
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. Apesar disso, a população estudada teve distribuição homogênea entres os tercis de escore de bens, o que demonstra que uma parcela importante dessas pessoas ainda sobrevivia em precárias condições. Por outro lado, Tremedal é um município de pequeno porte e teve IDHM de 0,528, considerado de baixo desenvolvimento, e depende da vinculação a programas sociais do governo federal, sobretudo para investimentos nos setores de educação, saúde, saneamento básico e infraestrutura3636. Bahia. Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais (SEI). Estatística – Territórios – Bahia 2015 [internet] [acessado 2016 Abr 04]. Disponível em: http://www.sei.ba.gov.br/
http://www.sei.ba.gov.br/...
. Nesse município, quase todas as famílias eram da zona rural, com condições de moradia mais precárias, o que acrescenta maior vulnerabilidade à ocorrência de IA, quando comparadas às populações urbanas1313. Mondini L, Rosa TE, Gubert MB, Sato GS, Benício MHD’A. Insegurança alimentar e fatores sociodemográficos associados nas áreas urbana e rural do Brasil. Informações Econômicas 2011; 41(2):52-60.,3737. Hoffmann R. Determinantes da insegurança alimentar no Brasil em 2004 e 2009. Segur Aliment Nutr 2013; 20(2):219-235..

A avaliação do estado nutricional evidenciou alta prevalência de sobrepeso/obesidade. A maior prevalência de sobrepeso/obesidade foi também encontrada na população brasileira (63,8%)3838. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. Rio de Janeiro: IBGE; 2011. e é típica do processo de transição nutricional ocorrido no país nas últimas décadas. Resultado semelhante ao deste estudo foi evidenciado por Bruschi et al.3939. Bruschi KR, Labrêa MGA, Eidt LM. Avaliação do estado nutricional e do consumo alimentar de pacientes com hanseníase do Ambulatório de Dermatologia Sanitária. Hansen Int 2011; 36(2):53-61., com indivíduos curados e em tratamento da hanseníase de um ambulatório de dermatologia de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em que 71,8% destes foram diagnosticados com sobrepeso/obesidade.

A transição nutricional é um processo caracterizado por modificações na dieta e na composição corporal da população, que repercutiram no aumento das taxas de morbimortalidade. O padrão alimentar tradicional, baseado em um maior consumo de grãos e cereais, foi aos poucos sendo substituído por alimentos de baixa qualidade nutricional, pobres em fibras, ricos em gorduras e açúcares, bem como por alimentos processados e ultraprocessados1919. Tardido AP, Falcão MC. O impacto da modernização na transição nutricional e obesidade. Rev Bras Nutr Clin 2006; 21(2):117-124.. Embora não haja recomendações nutricionais específicas para a hanseníase, a boa alimentação é considerada fundamental à melhoria do estado nutricional em qualquer condição de saúde. No caso de pessoas que tiveram hanseníase, uma alimentação adequada configura-se como um fator de proteção a partir da melhora da imunidade e da qualidade de vida, minimizando a ocorrência de recidivas e reações4040. Silva CPG, Miyazaki COM. Hanseníase e a Nutrição: uma revisão da literatura. Hansen Int 2012; 37(2):69-74..

O QFA evidenciou consumo excessivo de sal, sobretudo entre as pessoas do município de Tremedal, que tiveram prevalência superior à encontrada na população brasileira (14,2%). Os valores do consumo regular de gorduras de carne vermelha e frango foram superiores aos encontrados entre a população brasileira (37,2%) e entre as pessoas da região Nordeste (29,7%)4141. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Rio de Janeiro: IBGE; 2014..

Um estudo sobre os fatores comportamentais acumulados para doenças cardiovasculares (DCV), no Sul do Brasil, demonstrou que o hábito de consumir regularmente sal em excesso e a presença de marcadores de alimentação não saudável, foram fatores associados à predisposição e desenvolvimento de DCV4242. Muniz LC, Schneider BC, Silva ICM, Matijasevich A, Santos IS. Fatores de risco comportamentais acumulados para doenças cardiovasculares no sul do Brasil. Rev Saude Publica 2012; 46(3):534-542.. Mann4343. Mann JI. Diet and risk of coronary heart disease and type 2 diabetes. Lancet 2002; 360(9335):783-789., em um estudo do risco da dieta para DCV em pessoas com diabetes melito tipo 2, demonstraram que o consumo regular de gorduras de origem animal, a alta ingestão de gorduras saturadas e de alimentos fontes de colesterol estiveram associados ao aumento do risco de doença coronariana e de outras DCV. Os resultados do presente estudo apontam que o comportamento e hábitos alimentares encontrados podem contribuir nocivamente à má alimentação e serem considerados fatores de risco adicionais para estas populações.

Por outro lado, o feijão foi o alimento marcador de uma alimentação saudável mais consumido regularmente entre as populações estudadas, superior ao resultado da população brasileira (71,9%)4141. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Rio de Janeiro: IBGE; 2014.. O estudo de Montenegro et al.4444. Montenegro RMN, Molina MDC, Moreira MM, Zandonade E. Avaliação nutricional e alimentar de pacientes portadores de hanseníase tratados em unidades de saúde da grande Vitória, Estado do Espírito Santo. Rev Soc Bras Med Trop 2010; 44(2):228-231. evidenciou consumo de feijão semelhante ao encontrado nesse estudo (81,8%) em pacientes com hanseníase tratados em uma Unidade de Saúde de Vitória, Espírito Santo. O feijão é uma leguminosa de alto valor nutritivo, rica em nutrientes (proteínas, ferro, ácido fólico e outros essenciais) e torna-se um importante substituto alimentar, quando não há consumo regular de proteínas animais4545. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Guia alimentar para a população brasileira. Brasília: MS; 2014.. Culturalmente, o consumo desse alimento é rotineiro para estas populações, e, talvez por isso, tenha se mostrado elevado.

A avaliação independente do consumo regular de frutas e consumo regular de hortaliças (cruas e cozidas) demonstrou baixas proporções de ingestão destes alimentos. Montenegro et al.4444. Montenegro RMN, Molina MDC, Moreira MM, Zandonade E. Avaliação nutricional e alimentar de pacientes portadores de hanseníase tratados em unidades de saúde da grande Vitória, Estado do Espírito Santo. Rev Soc Bras Med Trop 2010; 44(2):228-231. demonstraram que o consumo de frutas foi de apenas 41,1% e o de hortaliças de 57,0% entre pessoas acometidas por hanseníase.

Tardido e Falcão1919. Tardido AP, Falcão MC. O impacto da modernização na transição nutricional e obesidade. Rev Bras Nutr Clin 2006; 21(2):117-124. mostraram que a compra destes alimentos esteve diretamente associada ao alto custo da dieta, uma vez que, possuem maior custo quando comparados aos demais. Famílias mais vulneráveis, social e economicamente, podem ter menor acesso a estes grupos alimentares e, consequentemente, ter maior utilização de alimentos densamente calóricos.

Em um estudo caso-controle com pessoas acometidas por hanseníase, residentes em área endêmica de Bangladesh, foi verificada associação entre a hanseníase e as condições de baixa ingestão calórica total, menor variedade e ausência de estoques de alimentos nos domicílios, sugerindo maior chance de desenvolvimento da doença4646. Wagenaar I, Van Muiden L, Alam K, Bowers R, Hossain MA, Kispotta K, Richardus JH. Diet-Related Risk Factors for Leprosy: A Case-Control Study. PLoS Negl Trop Dis 2015; 9(5):1-15..

Devido à maior vulnerabilidade dessas pessoas, o consumo de alimentos saudáveis pode ter sido comprometido. Entre as populações dos municípios estudados cerca de metade da população apresentou alguma limitação de atividade e, aproximadamente, 1/3 destes apresentaram restrição à participação social. Tendo em vista o caráter incapacitante da doença, a realização de atividades de vida diária e a participação social das pessoas em estudo são aspectos que podem ter afetado as condições de trabalho, a geração de renda e de outros meios de aquisição de alimentos.

Ayres et al.1111. Ayres JA, Paiva BSR, Duarte MTC, Berti HW. Repercussões da hanseníase no cotidiano de pacientes: vulnerabilidade e solidariedade. Rev Min de Enferm 2012; 16(1):56-62. avaliaram as repercussões da hanseníase no cotidiano de pacientes de uma Unidade Básica de Botucatu, São Paulo, e observaram que estas pessoas sofreram prejuízos em sua capacidade de trabalho e, consequentemente, restrição no auto sustento e no sustento da família. Monteiro et al.99. Monteiro LD, Alencar CH, Barbosa JC, Novaes CCBS, Silva RCPS, Heukelbach J. Pós-alta de hanseníase: limitação de atividade e participação social em área hiperendêmica do Norte do Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17(1):91-104. evidenciou que em um município hiperendêmico da Região Norte do Brasil, a limitação funcional foi um dos fatores que teve grande impacto sobre a realização de atividades e restrição à participação social das pessoas em alta da hanseníase, incidindo sobre as condições de saúde dessas pessoas. Observou-se neste estudo proporção relevante de pessoas aposentadas e/ou que recebiam algum tipo de benefício. Todavia, outras variáveis indicaram que estas populações ainda viviam em condições de vulnerabilidade social e econômica.

A população desse estudo apresentou características específicas, que por si só corroboraram a sua vulnerabilidade programática e individual. Em termos de saúde, Tremedal é um município assistido pelo Núcleo Regional de Saúde Sudoeste, sediado em Vitória da Conquista, e até o ano de 2009, os serviços de atenção à hanseníase atuavam de forma centralizada, dificultando o diagnóstico oportuno e abrindo lacunas à assistência integral em ambos os municípios4747. Bahia. Secretaria de Saúde do Estado. Regiões de saúde do estado da Bahia 2014 [serial na internet]. [acessado 2016 Dez 19]. Disponível em: www1.saude.ba.gov.br/mapa_bahia/
www1.saude.ba.gov.br/mapa_bahia/...
.

Ainda que o cuidado integral a estas pessoas fosse efetivo, não estavam previstos serviços como a assistência nutricional, uma vez que, a equipe multiprofissional de atendimento não dispunha do profissional de nutrição. Tal evidência revela a possibilidade de iniquidades como a IA, os maus hábitos alimentares e o inadequado estado nutricional.

Este estudo apresenta algumas limitações, inerentes ao seu processo de desenvolvimento. A composição da população pode ter sido prejudicada por situações como a falta de consistência dos dados secundários encontradas no SINAN-MS. Em virtude da possibilidade de imprecisão na base de dados de notificação compulsória, pode ter ocorrido viés de seleção. A extensão territorial dos municípios, sobretudo da zona rural, gerou dificuldades no trabalho de campo. Para minimizar as perdas da população, a equipe foi direcionada à uma segunda abordagem ao caso, sendo realizadas até três tentativas diretas e/ou por contato telefônico. Ademais, mediante dificuldade de locomoção do caso, o atendimento foi realizado por meio de visitas domiciliares. A despeito destas limitações potenciais, ressalta-se a representatividade da população de estudo, sobretudo devido ao pequeno tamanho do município de Tremedal. Do mesmo modo, destacamos a abordagem integrada de múltiplas dimensões, que qualificaram a tradução mais consistente da vulnerabilidade nutricional.

Conclusões

A população apresentou importante prevalência de IA, associada a um estado nutricional e hábito alimentar inadequados. Os padrões observados refletem o contexto social e econômico e os diferentes graus de desenvolvimento social e humano. Sugere-se que os impactos físicos, sociais e psicológicos associados à hanseníase ao longo do tempo, possam afetar as condições de vida e de saúde, favorecendo a vulnerabilidade alimentar do domicílio no contexto familiar e o ciclo vicioso da pobreza.

Recomenda-se a transversalidade da assistência nutricional às políticas públicas, como forma de cuidado à pessoa com hanseníase, uma vez que a IA, os maus hábitos alimentares e comprometimento do estado nutricional reforçam a indicação de pior condição de saúde. Ademais, a avaliação dos aspectos nutricionais das populações não acometidas por hanseníase será alvo de futuras publicações do grupo de pesquisa. Espera-se contribuir à promoção da atenção de saúde universal, integral e igualitária, incluindo necessariamente as pessoas menos favorecidas do município de Tremedal. Para isso, é necessária uma parceria com a Atenção Primária à Saúde, bem como, a atuação dos profissionais de nutrição do Núcleo de Apoio à Saúde da Família no cuidado às pessoas acometidas pela doença.

Agradecimentos

À Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ao Núcleo Regional de Saúde Sudoeste da Bahia, às Secretarias Municipais de Saúde de Vitória da Conquista e Tremedal, às famílias e pessoas acometidas por hanseníase, entrevistadores, e profissionais das equipes da Atenção Primária à Saúde, fundamentais à execução desse trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Jul 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2017
  • Revisado
    03 Out 2017
  • Aceito
    05 Out 2017
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