Coordenação governamental da Política de Controle do Tabaco no Brasil

Leonardo Henriques Portes Cristiani Vieira Machado Silvana Rubano Barretto Turci Sobre os autores

Resumo

O objetivo da pesquisa foi analisar a Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco - CONICQ. O estudo abrangeu o período de 2003 a 2015 e baseou-se no referencial de análise de políticas públicas, considerando: estrutura, processo político, agenda e capacidade de atuação da Comissão. As estratégias metodológicas foram: análise documental, incluindo as atas das reuniões da Comissão; observação direta de eventos; entrevistas com atores-chave. Observou-se no período o funcionamento regular e a expansão gradual da Comissão, permeada por aspectos técnicos e políticos que influenciaram a sua estruturação e formação da agenda. Identificaram-se conflitos entre os membros da CONICQ e entre estes e atores externos, sobretudo a partir dos embates entre as visões econômica e sanitária. A sua capacidade de atuação foi limitada por resistências internas (de alguns órgãos governamentais) e externas (de organizações ligadas à indústria do fumo e aos fumicultores). A CONICQ é uma instância estratégica para a política brasileira de controle do tabaco. Porém, a sua atuação como instância de coordenação intersetorial é complexa, diante dos diferentes interesses, posições e níveis de engajamento dos órgãos envolvidos com o controle do tabaco.

Tabaco; Gestão em saúde; Políticas públicas de saúde

Introdução

O tabagismo é a principal causa de mortalidade prematura no mundo, sendo responsável por seis milhões de mortes anualmente11. Khazaei S, Mohammadian-Hafshejani A, Ahmadi Pishkuhi M, Salehiniya H. Proportion of Mortality Attributable to Tobacco Worldwide. Iran J Public Health 2016; 45(3):399-400.. O poder das evidências científicas, o protagonismo de diversas lideranças e a imposição de limites às empresas transnacionais do tabaco têm sido fundamentais para a redução do tabagismo22. Wipfli H, Samet JM. One Hundred Years in the Making: The Global Tobacco Epidemic. Annu Rev Public Health 2016; 37(1):149-166..

A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco - CQCT33. World Health Organization (WHO). WHO Framework Convention on Tobacco Control. Geneva: WHO; 2003., em vigor internacional desde 2005, representa a primeira negociação de uma legislação envolvendo a Organização Mundial da Saúde - OMS. O seu sucesso depende da capacidade dos países garantirem a implementação de políticas eficazes relacionadas ao controle do tabaco, incluindo o incentivo de mecanismos de coordenação da política44. Wipfli H, Stillman F, Tamplin S, Costa e Silva VL, Yach D, Samet J. Achieving the Framework Convention on Tobacco Control’s potential by investing in national capacity. Tob Control 2004; 13(4):433-437..

O Brasil, considerado uma referência internacional no controle do tabaco e uma das lideranças nas negociações da CQCT55. Lee K, Chagas LC, Novotny TE. Brazil and the Framework Convention on Tobacco Control: Global Health Diplomacy as Soft Power. PLoS Med [Internet]. abril de 2010 [acessado 2014 Ago 1]; 7(4). Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2857639/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
, apresenta um modelo de gestão interministerial responsável pela coordenação da Política Nacional de Controle do Tabaco - PNCT. Criada em 2003, a Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco - CONICQ busca o cumprimento das obrigações previstas na CQCT e é responsável por representar o governo brasileiro nos espaços promovidos pela Convenção, como as Conferências das Partes - COP66. Brasil. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto s/n, de 1o de agosto de 2003. Diário Oficial da União 2003; 1 ago.. Juntamente com outros atores, como pesquisadores, decisores políticos e sociedade civil, a CONICQ tem sido fundamental para o avanço do controle do tabaco no país77. Costa e Silva VL, Pantani D, Andreis M, Sparks R, Pinsky I. Bridging the gap between science and public health: Taking advantage of tobacco control experience in Brazil to inform policies to counter risk factors for non-communicable diseases. Addiction 2013; 108(8):1360-1366..

Composta por diversos órgãos governamentais, a CONICQ é a principal instância de coordenação intersetorial da PNCT. A intersetorialidade tem sido preconizada na formulação de políticas de saúde, diante do caráter multifacetado do processo saúde-doença88. Akerman M, Franco de Sá R, Moyses S, Rezende R, Rocha D, Akerman M, Rezende R, Rocha D. Intersectoriality? IntersectorialitieS! Cien Saude Colet 2014; 19(11):4291-4300.. Contudo, a articulação de políticas que compreendem dimensões econômicas e sociais, envolvendo diversos grupos, é permeada por conflitos99. Rezende M, Baptista TWF, Amâncio Filho A, Rezende M, Baptista TW F, Amâncio Filho A. The legacy of the construction of the brazilian social protection system for intersectoriality. Trab Educ E Saúde 2015; 13(2):301-322.. A política de controle do tabaco, por sua complexidade e diversidade de frentes de ação, requer o envolvimento e a articulação de vários setores. O estudo da atuação da CONICQ pode contribuir para compreensão dos desafios da coordenação de políticas intersetoriais.

Este artigo busca analisar a CONICQ, considerando a sua estrutura, processo político, agenda e capacidade de atuação.

Métodos

O estudo baseou-se no referencial de análise de políticas públicas, com ênfase no processo político, que abrange as relações de poder entre atores nas arenas da política, bem como na agenda da Comissão1010. Buse K, Mays N, Walt G. Making health policy. 2nd ed. Maidenhead: Open Univ. Press; 2012. (Understanding public health).. Também foram consideradas contribuições do institucionalismo histórico. Valorizou-se a Comissão como instância de definição compartilhada de regras e da agenda, que pode favorecer a institucionalidade da política, no sentido da maior solidez e estabilidade de sua trajetória ao longo do tempo, com elementos de retroalimentação positiva1111. Pierson P. Politics in Time: History, Institutions, and Social Analysis. Princeton: Princeton University Press; 2004..

Foram definidos dois eixos de análise: o primeiro, Estrutura e Processo Político, consistiu na descrição da formação, composição e estrutura da CONICQ e na análise da participação, posições e relações entre os membros da Comissão e destes com atores externos. O segundo eixo, Agenda e Capacidade de Atuação, partiu do conceito de agenda de Kingdon1212. Kingdon JW. Agendas, Alternatives, and Public Policies. 2nd ed. New York: HarperCollins College Publishers; 2010. [Longman Classics in Political Science]., referente ao conjunto de temas que mobilizam a atenção dos agentes governamentais (no caso, os membros da Comissão) – e envolveu a análise do conteúdo dos debates e da habilidade da Comissão implementar suas proposições.

Como estratégias metodológicas, realizou-se a análise documental de leis, normas e publicações envolvendo o controle do tabaco disponibilizadas na internet. Também analisaram-se as atas de 36 reuniões da CONICQ realizadas entre 2003 e 2014, solicitadas através do Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão do Governo Federal1313. e-SIC - Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão [Internet]. [acessado 2017 Maio 31]. Disponível em: https://esic.cgu.gov.br/sistema/site/index.html
https://esic.cgu.gov.br/sistema/site/ind...
.

Acrescente-se a observação direta da 1ª Reunião Aberta da CONICQ e da Oficina dos 10 anos da Convenção-Quadro da OMS para o Controle do Tabaco no Brasil, ambas ocorridas em Brasília, em 2015. No mesmo ano, realizaram-se 20 entrevistas semiestruturadas com atores da PNCT: 14 dirigentes e técnicos federais cujos órgãos compõem a CONICQ (identificados como DTF 1 -14); três representantes de organizações da sociedade civil apoiadoras da PNCT (OSC 1-3); dois deputados federais (Leg. 1-2) e um representante do Secretariado da CQCT na OMS (Sec. CQCT). Analisaram-se ainda as respostas por e-mail de um representante de uma organização da sociedade civil vinculada à indústria do tabaco (OSCI). Para apoiar a análise, utilizou-se o gerenciador OpenLogos1414. OpenLogos [Internet]. [acessado 2017 Maio 31]. Disponível em: http://openlogos.sourceforge.net/
http://openlogos.sourceforge.net/...
.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem.

Resultados

Estrutura e processo político

Entre 1999 e 2003, a participação brasileira nas negociações internacionais visando à elaboração da CQCT foi coordenada pela Comissão Nacional para o Controle do Uso do Tabaco - CNCT. Essa Comissão era integrada por nove ministérios, com importante atuação do Ministério da Saúde, visto que o ministro era o presidente e o Instituto Nacional de Câncer - INCA a secretaria executiva1515. Brasil. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 3.136, de 13 de agosto de 1999. Diário Oficial da União 1999; 13 ago..

Em 2003, com a criação da CQCT, a CNCT foi substituída pela Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco - CONICQ, sendo mantidos os órgãos que integravam a comissão anterior e incorporados outros (Figura 1). Segundo os entrevistados, a diversidade de aspectos envolvidos no controle do tabaco exigiu uma estrutura interministerial, gradualmente reformulada a partir da identificação de atores que poderiam contribuir para a implementação da CQCT no país.

Figura 1
Composição da CNCT e da CONICQ.

Cabe ressaltar a relevância da atuação do INCA na CONICQ. O status de secretaria executiva e vice-presidência conferido ao Instituto relaciona-se à sua importância no controle do câncer no país e também à participação histórica de alguns servidores do Instituto na política do controle do tabaco e na constituição da própria CQCT.

Destaque-se o estabelecimento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa como membro específico da Comissão a partir de 2012. Os entrevistados mencionaram que a atribuição de um assento próprio para a ANVISA se relacionou à sua relevante atuação na regulação dos produtos derivados do tabaco.

As competências da CONICQ inicialmente figuravam no Decreto de sua criação66. Brasil. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto s/n, de 1o de agosto de 2003. Diário Oficial da União 2003; 1 ago.. A partir de 2007, as atas das reuniões da CONICQ expressam preocupações sobre as atribuições dos membros e a dinâmica de funcionamento da Comissão, levando à formulação do Regimento Interno em 20111616. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 1.083, de 12 de maio de 2011. Aprova o Regimento Interno da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CONICQ). Diário Oficial da União 2011; 12 maio.. O Regimento apresentou uma maior especificação das atribuições da secretaria executiva da CONICQ, como a organização das atividades da Comissão, a facilitação da articulação entre os órgãos envolvidos e o monitoramento da implementação da CQCT no país. As competências do presidente, vice-presidente e dos demais membros também foram especificadas, com destaque para previsão da colaboração de todos os membros na articulação de planos e ações intersetoriais. O Regimento também dispõe sobre a dinâmica das reuniões, audiências, grupos de trabalho e mecanismos de comunicação.

A partir das atas, identificaram-se iniciativas da secretaria executiva da CONICQ de articular seminários, grupos e oficinas de trabalho para viabilizar o cumprimento da CQCT. A elaboração de planos de trabalho anuais e a adoção de instrumentos para o acompanhamento da implementação das ações, como o Relatório de Gestão e Progresso1717. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Comissão Nacional para Implementação da Convenção - Quadro para controle do Tabaco. Política Nacional de controle do tabaco: relatório de gestão e progresso 2011-2012. Rio de Janeiro: INCA; 2014., foram estratégias para a organização das atividades, definição da agenda e subsídio para o preenchimento dos relatórios periódicos de evolução da implementação das medidas definidas na CQCT, que são solicitados pelo Secretariado da CQCT da OMS previamente a cada Conferência das Partes.

Observou-se a adoção de diversas estratégias de comunicação interna e de divulgação das ações para a sociedade. A partir de 2010, formou-se um Grupo de Trabalho - GT composto pelas assessorias de comunicação dos ministérios para fortalecer esse processo. Em 2011, foi criado o Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco1818. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco. Home. [Internet]. [acessado 2017 Maio 31]. Disponível em: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/observatorio_controle_tabaco/site/home
http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/...
, sendo acordado que os membros contribuiriam com seu conteúdo.

Algumas estratégias para incentivar a participação dos membros merecem destaque. Segundo as atas, em 2006 propôs-se um regime de rodízio das sedes das reuniões. No entanto, das 36 reuniões da CONICQ, apenas seis reuniões não ocorreram nas dependências do Ministério da Saúde em Brasília (na capital ocorreram duas reuniões no Ministério das Relações Exteriores - MRE, uma no Ministério de Desenvolvimento Agrário - MDA e uma na Fundação Oswaldo Cruz; no Rio de Janeiro, ocorreram duas reuniões no INCA). Além do rodízio, no mesmo ano a secretaria executiva da CONICQ sugeriu a criação de comissões intraministeriais para o fortalecimento da implementação da CQCT, sendo compartilhada a experiência da Comissão Intraministerial no Ministério da Saúde. No entanto, segundo relatos de entrevistados e registros nas atas, constatou-se o enfraquecimento desta proposta.

O envolvimento dos órgãos com a Comissão pode ser evidenciado pela participação dos membros nas reuniões. É possível constatar a participação de diversas instâncias do Ministério da Saúde, com destaque para a Assessoria de Assuntos Internacionais de Saúde - AISA, Anvisa, INCA e Secretaria de Vigilância à Saúde - SVS. No entanto, nem todos os órgãos do Ministério da Saúde apresentavam assento permanente na CONICQ. Alguns foram convidados pontualmente para as reuniões, ou participaram em determinados momentos para debater estratégias específicas sob sua responsabilidade. Além do Ministério da Saúde, o MRE e MDA foram os órgãos mais assíduos (Figura 2). As atas evidenciaram esforços coletivos de buscar os órgãos menos assíduos nas reuniões da Comissão.

Figura 2
Percentual de reuniões segundo a presença de representantes dos órgãos da CONICQ.

Quanto ao nível hierárquico dos cargos ocupados pelos participantes das reuniões da CONICQ, as atas das reuniões evidenciaram que, em geral, os órgãos federais foram representados nas reuniões da Comissão por dirigentes intermediários – diretores e coordenadores - ou por assessores de ministros e secretários. Ou seja, a maioria dos representantes não são pessoas de cargos de alto poder decisório, mas sim de perfil técnico-político, que coordenam ações relacionadas ao controle do tabaco em seus órgãos.

As atas também evidenciaram frequentes mudanças dos representantes dos órgãos da CONICQ, apesar da recomendação de evitar a rotatividade dos representantes. No entanto, registrou-se a presença de um mesmo representante do INCA em todas as 36 reuniões analisadas (Tabela 1). A mudança de representantes e a inclusão de novos órgãos na CONICQ foram frequentemente debatidas nas reuniões. A alteração de representantes dos órgãos que compõem a CONICQ, segundo alguns entrevistados, seria relacionada em parte às mudanças de gestão nos ministérios. Porém, essa rotatividade foi destacada como um desafio para uma entrevistada da secretaria executiva da CONICQ:

Tabela 1
Presença nas reuniões e mudança de representantes da CONICQ.

Esse é um lado difícil para administrar, por isso o papel da secretaria é crucial, a gente vai fazer reuniões bilaterais para subsidiar essas pessoas. Então a gente tem essa atuação de sentar, dependendo do estágio onde está aquela pessoa e a ação que ela coordena... (DTF 12).

Apesar da regulamentação da CONICQ não prever a inclusão de novos membros, propondo somente a articulação com outros órgãos e especialistas quando apropriado66. Brasil. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto s/n, de 1o de agosto de 2003. Diário Oficial da União 2003; 1 ago.,1616. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 1.083, de 12 de maio de 2011. Aprova o Regimento Interno da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CONICQ). Diário Oficial da União 2011; 12 maio., as atas das reuniões evidenciaram debates em torno da inclusão de novos órgãos na Comissão. Além da discussão que envolveu os sete órgãos incluídos a partir de 2010 (Figura 1), a incorporação de outros atores (Ministério do Desenvolvimento Social; Ministério dos Esportes; Secretaria de Relações Institucionais; e sociedade civil) foi pautada nas reuniões. A solicitação de organizações não governamentais para incorporação à CONICQ, tais como organizações de advocacy em saúde e entidades ligadas aos fumicultores e à indústria do tabaco, gerou dilemas:

... foi criado um Grupo de Trabalho - GT para discutir a participação da sociedade civil, porque a gente quer a sociedade civil atuando, mas quer fazer de uma forma que não abra um flanco para a indústria se infiltrar... (DTF 12).

Registraram-se nas atas e entrevistas estratégias de articulação com a sociedade civil e atores externos: audiências durante as reuniões da Comissão, audiências públicas, seminários, reuniões abertas, e oficinas/grupos de trabalho.

A observação direta da 1ª Reunião Aberta da CONICQ e da Oficina comemorativa dos 10 anos da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, em 2015, permitiu a visualização dessa interação. O primeiro espaço foi marcado pelo debate de representantes do Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento Agrário e de organizações da sociedade civil defensoras da saúde pública e agricultura familiar com representantes de fumicultores e da indústria do fumo. Já o evento comemorativo da CQCT demonstrou-se um espaço de diálogo e construção de avaliação conjunta da Política Nacional de Controle do Tabaco pela sociedade civil, academia e esferas subnacionais. Vale ressaltar o protagonismo da secretaria executiva da CONICQ e a participação ativa do Ministério da Saúde nesses espaços.

As arenas do Legislativo foram amplamente utilizadas para o diálogo entre os atores da política, envolvendo tanto grupos defensores da saúde pública quanto representantes dos fumicultores e da indústria do fumo. A realização de eventos na Câmara dos Deputados e no Senado e o acompanhamento das discussões das comissões destas Casas apresentou-se como uma estratégia utilizada pela CONICQ para obter avanços em relação às demandas legislativas, como o processo de ratificação da CQCT (2003 - 2005).

Cabe ainda destacar a articulação da Comissão com o Judiciário no sentido de reforçar as evidências científicas que corroboram as medidas adotadas pela CQCT, uma vez que a indústria do fumo passou a questionar judicialmente algumas ações, como a proibição do uso de aditivos nos cigarros.

As relações com organizações internacionais e outros países também foram frequentemente abordadas nas reuniões. Além da articulação com os países do Mercosul, destaque-se a participação da CONICQ em encontros preparatórios das Conferências das Partes - COP e em grupos de trabalho internacionais para a formulação de diretrizes de temas específicos da CQCT. O Brasil participou de todos os grupos de trabalho definidos nas COP, exceto ao referente ao artigo 12 da CQCT (Educação, comunicação, treinamento e conscientização do público) (Figura 3).

Figura 3
Participação do Brasil nos Grupos de Trabalho da CQCT.

Conflitos de interesse referentes à indústria do tabaco e outros de ordem econômica também foram abordados. Destaque-se a tensão gerada durante a quarta Conferência das Partes - COP4 (2010), durante a qual um representante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC teria mantido contatos com uma empresa de tabaco sem o consentimento do restante da delegação brasileira, comprometendo a lisura da participação do país na Conferência em relação à interferência da indústria do tabaco nos seus posicionamentos.

Outro exemplo foi o embate gerado em torno do documento preparatório para a quinta Conferência das Partes - COP5 (2012), formulado pelo Grupo de Trabalho internacional sobre alternativas sustentáveis à fumicultura1919. Organização Mundial da Saúde (OMS). Economically sustainable alternatives to tobacco growing (in relation to Articles 17 and 18 of the WHO Framework Convention on Tobacco Control). Conference of the Parties to the WHO Framework Convention on Tobacco Control. Fifth session. 2012. [Internet]. [acessado 2017 Abr 13]. Disponível em: http://apps.who.int/gb/fctc/PDF/cop5/FCTC_COP5_10-en.pdf
http://apps.who.int/gb/fctc/PDF/cop5/FCT...
. A proposição da redução da área plantada do fumo pelo documento gerou contrariedade entre os membros da CONICQ, expressa principalmente pelo representante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA. As organizações da sociedade civil ligadas aos fumicultores e à indústria do tabaco também se manifestaram contrariamente ao documento. Diante do impasse, destacaram-se os esforços da secretaria executiva da CONICQ e do Ministério das Relações Exteriores para esclarecer que a Comissão não estaria de acordo com a proposta.

Os conflitos de interesses envolvendo a indústria do fumo foram frequentemente debatidos. Nas primeiras reuniões da CONICQ, em 2003, foi solicitado aos membros o preenchimento de uma declaração de que interesses pessoais não iriam conflitar com o trabalho desenvolvido na Comissão. Entre os embates relativos a essa exigência, destaca-se a manifestação de um representante do MAPA, que considerou inviável a assinatura da declaração por alguns órgãos - como o próprio MAPA e o MDIC - devido as suas relações com a indústria do fumo. Além da determinação para que os membros da CONICQ assinassem a declaração de conflito de interesses ter sido incorporada ao Regimento Interno, também foram formuladas Diretrizes Éticas2020. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 713, de 17 de abril de 2012. Torna pública a Resolução no 1, de 15 de dezembro de 2011, que estabelece as Diretrizes Éticas aplicáveis aos membros da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco e de seus Protocolos (CONICQ), na forma do anexo. Diário Oficial da União 2012; 17 abr. que orientaram as práticas dos membros visando garantir a imparcialidade nos trabalhos desenvolvidos:

... alguns setores da própria CONICQ precisam ter interfaces com a indústria. E a gente precisava definir como isso deveria acontecer. Colocar os limites, até onde podemos ir e até onde não devemos ir, enquanto oficiais que lidam com a Política de Controle do Tabaco, para evitar conflitos de interesse. A secretaria executiva da CONICQ, junto com a AGU, elaborou as diretrizes para orientar os membros da CONICQ na sua interface (DTF 12).

Alguns exemplos de situações de potencial conflito de interesse identificadas nas atas das reuniões da CONICQ e mencionadas por entrevistados foram: parcerias da Polícia Federal com a indústria do tabaco para ações de combate ao comércio ilícito; e a interação do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE com sindicatos do setor fumageiro e indústria do fumo.

Ressaltaram-se as tensões relacionadas à Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Fumo do MAPA. Criada em 2003, a Câmara busca o desenvolvimento do agronegócio2121. Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Fumo [Internet]. [acessado 2017 Abr 13]. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/assuntos/camaras-setoriais-tematicas/camaras-setoriais-1/tabaco
http://www.agricultura.gov.br/assuntos/c...
e é considerada por alguns entrevistados como uma articulação da indústria do fumo em resposta à CONICQ. Além de organizações da sociedade civil e representantes da indústria do fumo, a Câmara também apresenta órgãos comuns à CONICQ (MAPA, MDA, MDIC e MRE)2222. Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria Executiva. Agenda Estratégica. Tabaco 2010-2015. Brasília: Assessoria de Comunicação Social; 2011.. Conflitos existentes devido à essa concomitância de participação de alguns órgãos em ambas as instâncias e às nomeações de representantes comuns à Câmara e à CONICQ foram motivo de questionamentos quanto ao cumprimento das observações éticas exigidas pela CONICQ.

Os conflitos se acirraram a partir de 2010, quando representantes do MAPA, MDIC e MTE passaram a questionar frequentemente a aplicação das diretrizes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco. Houve resistências à implementação de medidas relacionadas à regulação dos produtos e à restrição da produção e exportação do fumo sem a prévia garantia de alternativas econômicas para os fumicultores.

As tensões de posicionamentos entre os membros da CONICQ de órgãos que têm grande interação com a cadeia produtiva do fumo (MAPA, MDIC e MTE) e órgãos relacionados aos setores sociais (MS e MDA) foi destacada por vários entrevistados:

Lá na CONICQ tem três lados que teoricamente estão do lado da produção [...] O Ministério da Indústria e Comércio Exterior, teoricamente trabalha com a indústria, e o Ministério do Trabalho. Nós temos uma posição muito parecida, os três (MAPA, MDIC e MTE) ... (DTF 10).

A CONICQ tinha ministérios, como o Ministério da Agricultura... mais preocupados com a questão dos interesses econômicos, no possível impacto da Convenção nas exportações do tabaco, na questão do emprego de produção de tabaco. ...claramente o MRE, o MS e o MDA tinham posição mais progressista... marcadamente buscando avançar e implementar políticas (DTF 6).

As resistências do MAPA, MDIC e MTE em apoiar determinadas medidas propostas na Comissão se expressaram na maior parte do período analisado. No entanto, observou-se que o posicionamento dos órgãos também esteve relacionado à postura de seus representantes. O MAPA e MTE apresentaram maior apoio ou resistência à implementação da CQCT de acordo com as convicções e opções políticas de seus membros.

Identificou-se um posicionamento mais marcante sobre a necessidade de avanços da implementação da CQCT pelos representantes do Ministério da Saúde, com destaque para a Anvisa, a secretaria executiva da CONICQ e a Secretaria de Vigilância à Saúde. A defesa baseada em evidências científicas foi a principal estratégia utilizada. Destaca-se a elaboração, pela secretaria executiva da CONICQ, de notas técnicas envolvendo a revisão científica sobre temas que comumente geraram divergências (ambientes livres de fumo; aditivos; saúde e tabagismo; diversificação de culturas; e padronização de embalagens)2323. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco. Documentos e publicações. [Internet]. [acessado 2017 Jun 12]. Disponível em: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/observatorio_controle_tabaco/site/home/conicq/documentos_publicacoes
http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/...
.

De forma geral, a participação dos demais órgãos concentrou-se nos debates sobre os temas de suas pastas, sobressaindo a atuação do Ministério da Fazenda - MF e Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA. O MF demonstrou-se ativo no esforço do cumprimento das recomendações da CQCT relacionadas aos preços e impostos dos produtos derivados do tabaco. O MDA foi muito atuante na busca pela diversificação de culturas, inclusive auxiliando a secretaria executiva da CONICQ na organização de atividades e publicações relacionadas ao tema.

Por fim, é possível identificar a importância de alguns órgãos na articulação com atores externos. A Assessoria de Assuntos Internacionais de Saúde - AISA do Ministério da Saúde e o Ministério das Relações Exteriores - MRE foram interlocutores com atores internacionais, sobretudo nos grupos de trabalho internacionais e nas Conferências das Partes - COP. A Advocacia Geral da União e a Casa Civil, além de auxiliarem nas normatizações e legislações de interesse à CONICQ, foram fundamentais no diálogo com o Judiciário, Legislativo e com atores do Executivo externos à Comissão.

Agenda e capacidade de atuação

Os temas abordados nas reuniões da CONICQ (Figura 4) estiveram relacionados com a configuração da agenda da Política Nacional de Controle do Tabaco - PNCT. O debate sobre a produção do fumo e a diversificação de culturas somente não ocorreu em duas reuniões, demonstrando que o artigo 17 da CQCT (Apoio a atividades alternativas economicamente viáveis) foi um ponto permanente na agenda da CONICQ. Também foi frequente a discussão relativa a ações de conscientização do público sobre os malefícios do tabagismo, majoritariamente relacionadas às campanhas. Temas como a regulação dos produtos, comércio ilícito e preços e impostos estiveram presentes em cerca da metade das reuniões. Houve influências das discussões internacionais na construção da agenda, merecendo destaque os grupos de trabalho internacionais, as Conferências das Partes e as suas reuniões preparatórias.

Figura 4
Percentual das reuniões da CONICQ segundo os temas abordados.

Quanto à capacidade de atuação, é possível afirmar que a institucionalização da Comissão favoreceu sua legitimidade como instância fundamental para o avanço do controle do tabaco no país:

Ela agregou, criou um mecanismo institucional válido, porque em época de crise, em época de fragilidade política por conta de processos políticos, pelo menos você tem um mecanismo estabelecido. Os técnicos podem se agarrar a isso para manter a política (OSC 3).

... quem dá sustentabilidade à política de controle de tabaco é a CONICQ. É um mecanismo extremamente complexo você envolver 16 Ministérios, hoje são até mais... para implementar uma política desse tipo. Isso é um case mundial, é um case de gestão absolutamente inédito... (DTF 8).

O engajamento dos ministros da saúde na CONICQ na primeira década dos anos 2000, marcada pelo processo de ratificação da CQCT e pelos primeiros anos de implementação do tratado no país, foi fundamental para o avanço da agenda da Comissão. O protagonismo do INCA na Comissão também teria sido importante, sendo que alguns entrevistados criticaram o deslocamento de algumas competências do INCA para o nível central do Ministério da Saúde a partir de 2011.

Apesar dessas mudanças pontuais, observaram-se avanços no controle do tabaco a partir de 2010. Destaque-se a promulgação da Lei nº 12.546/2011 e do Decreto 8.262/2014, que conferiram maior rigor à restrição da propaganda, ao destaque das advertências nas embalagens dos produtos e à restrição do fumo em ambientes coletivos fechados2424. Brasil. Presidência da República. Lei no 12.546, de 14 de dezembro de 2011. Diário Oficial da União 2011; 14 dez.,2525. Brasil. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 8.262, de 31 de maio de 2014. Diário Oficial da União 2014; 31 maio.. Nesse período, assinale-se também o reconhecimento internacional da política brasileira, evidenciado pela premiação de iniciativas de controle do tabaco implementadas no país2626. Organização das Nações Unidas (ONU Brasil). No Dia Mundial sem Tabaco, brasileiro recebe prêmio da OPAS/OMS [Internet]. 2015 [acessado 2017 Jun 12]. Disponível em: https://nacoesunidas.org/no-dia-mundial-sem-tabaco-brasileiro-recebe-premio-da-opasoms/
https://nacoesunidas.org/no-dia-mundial-...
,2727. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Brasil recebe prêmio internacional pelo controle ao tabagismo [Internet]. Portal da Saúde. [acessado 2017 Jun 12]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/17109-brasil-recebe-premio-internacional-pelo-controle-ao-tabagismo
http://portalsaude.saude.gov.br/index.ph...
.

A alta frequência de alguns temas nos debates e o envolvimento dos órgãos responsáveis com a Comissão não foram suficientes para garantir avanços em áreas específicas. Destacaram-se as dificuldades do MDA com o financiamento e recursos humanos para avançar nas ações de diversificação de culturas e da Anvisa em garantir a proibição de aditivos. As limitações para assegurar essas ações podem ser explicadas em parte pela resistência de membros da CONICQ que mantém interação com a cadeia produtiva do fumo e pelas barreiras apresentadas no Legislativo e no Judiciário, influenciadas por pressões da indústria e de organizações ligadas aos fumicultores.

Outra dificuldade refere-se à internalização das deliberações da CONICQ em alguns órgãos que a compõem. As atas evidenciaram a preocupação com a comunicação aos ministros das diversas pastas sobre a importância da implementação da CQCT. Por exemplo, no caso do Ministério da Educação - MEC, apesar da sua frequente participação nas reuniões, houve limitações na implementação de ações educativas em caráter permanente. Isso pode se relacionar à priorização de outros temas dentro da Comissão e no ministério em questão.

Discussão

O Brasil foi um dos primeiros países a estabelecer um mecanismo de coordenação intersetorial da política de controle de tabaco2828. Bialous S, Costa e Silva VL, Drope J, Lencucha R, McGrady B, Richter AP. The Political Economy of Tobacco Control in Brazil: Protecting Public Health in a Complex Policy Environment. Rio de Janeiro, Atlanta: Fiocruz, American Cancer Society; 2014., o que indica o caráter pioneiro da CONICQ no cenário internacional. Dados de 2014 apontam que em torno de 60% dos Estados Partes da CQCT apresentam esse modelo de gestão2929. World Health Organization (WHO). 2014 global progress report on implementation of the WHO Framework Convention on Tobacco Control. Geneva: WHO; 2014..

A composição da CONICQ foi influenciada por critérios técnicos e políticos. Além da participação dos órgãos governamentais envolvidos com as ações de controle do tabaco, foram incorporados à Comissão atores dotados de poder institucional e capacidade de integração política. O nível hierárquico, a frequência de participação e a rotatividade dos representantes na CONICQ também foram influenciados por questões de ordem técnica (a responsabilidade pelas ações) e política (a prioridade conferida ao tema na agenda dos órgãos envolvidos). Nesse sentido, Thomson et al.3030. Thomson I, Dey C, Russell S. Activism, arenas and accounts in conflicts over tobacco control. Account Audit Account J 2015; 28(5):809-845., ao analisarem os conflitos relacionados ao controle do tabaco, destacaram que os atores envolvidos na política têm diferentes interesses e adotam diversas táticas e práticas de engajamento e influência.

No que diz respeito ao processo político na Comissão, o estudo identificou conflitos entre visões predominantemente econômicas e sanitárias. Esse resultado vai ao encontro de Gneiting3131. Gneiting U. From global agenda-setting to domestic implementation: successes and challenges of the global health network on tobacco control. Health Policy Plan 2016; 31(Supl. 1):i74-86., que atribui à própria diversidade da rede de controle do tabaco limitações na capacidade de definir consensos em relação a algumas decisões estratégicas. A atuação dos ministérios da Agricultura, de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e do Trabalho é muito orientada pelo seu papel de incentivo e proteção à economia do país. Esses órgãos têm maior proximidade com agentes econômicos e podem ser refratários a políticas e estratégias que possam restringir as atividades econômica. Nesse sentido, em diversos momentos e diante de vários temas, a posição desses ministérios tende a expressar interesses convergentes com os dos fumicultores e da indústria do tabaco, visando preservar os ganhos econômicos com a produção e exportação do fumo. Nesse sentido, o Regimento interno (2011) e as Diretrizes Éticas da CONICQ (2012), configuraram-se como mecanismos internos para a proteção dos interesses sanitários em face das pressões do setor econômico sobre a Comissão.

Diante dos interesses econômicos, algumas estratégias podem ser adotadas para o avanço das políticas de controle do tabaco: ser consistente com os princípios fundamentais do sistema comercial mundial; afirmar os compromissos internacionais dos países com a CQCT; elaborar evidências científicas consistentes; envolver uma ampla gama de atores, inclusive países de baixa e média renda e membros de acordos políticos comerciais3232. Drope J, Lencucha R. Tobacco control and trade policy: Proactive strategies for integrating policy norms. J Public Health Policy 2012; 34(1):153-164..

Por outro lado, a defesa dos princípios da saúde pública e dos direitos sociais norteou as posições de representantes ligados ao Ministério da Saúde e ao MDA, com ênfase na prevenção de agravos e a proteção à saúde e na defesa da autonomia da agricultura familiar, respectivamente. O INCA, que desde os anos 1980 já coordenava a política de controle de tabaco em uma perspectiva intersetorial3333. Cavalcante TM. O controle do tabagismo no Brasil: avanços e desafios. Rev Psiquiatr Clínica 2005; 32(5):283-300.,3434. Teixeira L, Jaques T. Legislação e Controle do Tabaco no Brasil entre o Final do Século XX e Início do XXI. Revista Brasileira de Cancerologia 2011; 57(3):295-304., teve papel protagonista na Comissão, se consolidando como referência técnica e articulador da rede de controle do tabaco. Ressalta-se ainda a importância do engajamento dos ministros da saúde como presidente da CONICQ, cuja influência e poder foram decisivos para articular os atores e favorecer avanços na política.

Quanto aos principais temas abordados nas reuniões da CONICQ, ressalta-se o debate frequente sobre a produção do fumo e a diversificação de culturas. Isso pode estar associado a gama de conflitos envolvendo o tema, como: o endividamento gerado pelo sistema integrado de produção do tabaco3535. Bonato AA. Desafios e potencialidades para a diversificação na agricultura familiar produtora de tabaco. 2013 [acessado 2017 Jan 20]; Disponível em: http://www.mda.gov.br/sitemda/sites/sitemda/files/user_arquivos_64/pageflip-2583697-4429081-lt_Desafios_e_Potenciali-1710093.pdf
http://www.mda.gov.br/sitemda/sites/site...
; os danos à saúde do agricultor e os impactos ambientais da fumicultura3636. Riquinho DL, Hennington EA. Health, environment and working conditions in tobacco cultivation: a review of the literature. Cien Saude Colet 2012; 17(6):1587-1600.; a queda internacional da demanda por tabaco3737. Adamantis E. Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra). [Internet]. Afubra - Associação dos Fumicultores do Brasil. [acessado 2016 Dez 27]. Disponível em: http://www.afubra.com.br/fumicultura-brasil.html
http://www.afubra.com.br/fumicultura-bra...
,3838. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). A importância e a urgência da diversificação de produção em áreas que produzem tabaco no Brasil. (Notas técnicas para o controle do tabagismo). Rio de Janeiro: INCA; 2014.; o baixo interesse político associado à relevância da fumicultura na economia das localidades produtoras; e a carência de estudos que apontem a viabilidade econômica de culturas alternativas3939. Riquinho DL, Hennington EA. Diversificação agrícola em localidade rural do Sul do Brasil: reflexões e alternativas de cumprimento da Convenção-Quadro para o controle do tabaco. Physis 2014; 24(1):183-207.. A transversalidade dessa medida a diferentes setores (envolvendo aspectos ambientais, econômicos, trabalhistas e sanitários) apresenta-se como um fator relevante para a priorização desse tema na agenda da CONICQ.

Um desafio à implantação de políticas intersetoriais que exigem ações transversais é que o tema em questão – no caso, o controle do tabaco - não tem o mesmo status de prioridade na agenda das diversas pastas. Enquanto o engajamento de algumas pastas - como a Saúde - é favorecido pela sua alta afinidade com o tema, outras pastas – como a Educação - têm suas próprias prioridades setoriais, para as quais canalizam recursos escassos, permanecendo a questão do controle do tabaco em segundo plano.

Vale destacar o poder da sociedade civil em pressionar a CONICQ e os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. As organizações de advocacy em saúde, com destaque para a Aliança de Controle do Tabagismo, têm sido fundamentais para os avanços da implementação da CQCT. No entanto, entidades ligadas à indústria do tabaco e aos fumicultores, alinhadas à Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Fumo, têm logrado conter medidas da Política Nacional de Controle do Tabaco.

Consideram-se limitações do estudo: o formato resumido das atas, que não permitiu um maior detalhamento das reuniões; o possível viés relacionado à elaboração das atas pela secretaria executiva da CONICQ, ocupada pelo INCA; a dificuldade de acesso a atores da indústria do fumo e de organizações de fumicultores; e a limitada participação dos pesquisadores nas reuniões e demais eventos da CONICQ.

Por fim, ressalta-se a complexidade da atuação da CONICQ, em face da interação de setores munidos de diversos interesses, posições e níveis de engajamento com o controle do tabaco. A CONICQ é uma instância estratégica para a coordenação da Política Nacional de Controle do Tabaco. Porém, a sua capacidade de atuação é limitada por fatores internos (resistência de alguns órgãos à implementação de medidas previstas na CQCT e a priorização variável das suas pautas na agenda dos órgãos envolvidos) e externos (resistências da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Fumo e de organizações ligadas à indústria do fumo e aos fumicultores). Recomenda-se que novos estudos aprofundem a análise da diversidade de interesses dos atores da CONICQ em sua relação com atores externos, bem como explorem a efetividade de sua ação em temas específicos.

Referências

  • 1
    Khazaei S, Mohammadian-Hafshejani A, Ahmadi Pishkuhi M, Salehiniya H. Proportion of Mortality Attributable to Tobacco Worldwide. Iran J Public Health 2016; 45(3):399-400.
  • 2
    Wipfli H, Samet JM. One Hundred Years in the Making: The Global Tobacco Epidemic. Annu Rev Public Health 2016; 37(1):149-166.
  • 3
    World Health Organization (WHO). WHO Framework Convention on Tobacco Control Geneva: WHO; 2003.
  • 4
    Wipfli H, Stillman F, Tamplin S, Costa e Silva VL, Yach D, Samet J. Achieving the Framework Convention on Tobacco Control’s potential by investing in national capacity. Tob Control 2004; 13(4):433-437.
  • 5
    Lee K, Chagas LC, Novotny TE. Brazil and the Framework Convention on Tobacco Control: Global Health Diplomacy as Soft Power. PLoS Med [Internet]. abril de 2010 [acessado 2014 Ago 1]; 7(4). Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2857639/
    » http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2857639/
  • 6
    Brasil. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto s/n, de 1o de agosto de 2003. Diário Oficial da União 2003; 1 ago.
  • 7
    Costa e Silva VL, Pantani D, Andreis M, Sparks R, Pinsky I. Bridging the gap between science and public health: Taking advantage of tobacco control experience in Brazil to inform policies to counter risk factors for non-communicable diseases. Addiction 2013; 108(8):1360-1366.
  • 8
    Akerman M, Franco de Sá R, Moyses S, Rezende R, Rocha D, Akerman M, Rezende R, Rocha D. Intersectoriality? IntersectorialitieS! Cien Saude Colet 2014; 19(11):4291-4300.
  • 9
    Rezende M, Baptista TWF, Amâncio Filho A, Rezende M, Baptista TW F, Amâncio Filho A. The legacy of the construction of the brazilian social protection system for intersectoriality. Trab Educ E Saúde 2015; 13(2):301-322.
  • 10
    Buse K, Mays N, Walt G. Making health policy 2nd ed. Maidenhead: Open Univ. Press; 2012. (Understanding public health).
  • 11
    Pierson P. Politics in Time: History, Institutions, and Social Analysis Princeton: Princeton University Press; 2004.
  • 12
    Kingdon JW. Agendas, Alternatives, and Public Policies. 2nd ed. New York: HarperCollins College Publishers; 2010. [Longman Classics in Political Science].
  • 13
    e-SIC - Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão [Internet]. [acessado 2017 Maio 31]. Disponível em: https://esic.cgu.gov.br/sistema/site/index.html
    » https://esic.cgu.gov.br/sistema/site/index.html
  • 14
    OpenLogos [Internet]. [acessado 2017 Maio 31]. Disponível em: http://openlogos.sourceforge.net/
    » http://openlogos.sourceforge.net/
  • 15
    Brasil. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 3.136, de 13 de agosto de 1999. Diário Oficial da União 1999; 13 ago.
  • 16
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 1.083, de 12 de maio de 2011. Aprova o Regimento Interno da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CONICQ). Diário Oficial da União 2011; 12 maio.
  • 17
    Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Comissão Nacional para Implementação da Convenção - Quadro para controle do Tabaco. Política Nacional de controle do tabaco: relatório de gestão e progresso 2011-2012 Rio de Janeiro: INCA; 2014.
  • 18
    Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco. Home [Internet]. [acessado 2017 Maio 31]. Disponível em: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/observatorio_controle_tabaco/site/home
    » http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/observatorio_controle_tabaco/site/home
  • 19
    Organização Mundial da Saúde (OMS). Economically sustainable alternatives to tobacco growing (in relation to Articles 17 and 18 of the WHO Framework Convention on Tobacco Control). Conference of the Parties to the WHO Framework Convention on Tobacco Control. Fifth session 2012. [Internet]. [acessado 2017 Abr 13]. Disponível em: http://apps.who.int/gb/fctc/PDF/cop5/FCTC_COP5_10-en.pdf
    » http://apps.who.int/gb/fctc/PDF/cop5/FCTC_COP5_10-en.pdf
  • 20
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 713, de 17 de abril de 2012. Torna pública a Resolução no 1, de 15 de dezembro de 2011, que estabelece as Diretrizes Éticas aplicáveis aos membros da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco e de seus Protocolos (CONICQ), na forma do anexo. Diário Oficial da União 2012; 17 abr.
  • 21
    Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Fumo [Internet]. [acessado 2017 Abr 13]. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/assuntos/camaras-setoriais-tematicas/camaras-setoriais-1/tabaco
    » http://www.agricultura.gov.br/assuntos/camaras-setoriais-tematicas/camaras-setoriais-1/tabaco
  • 22
    Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria Executiva. Agenda Estratégica. Tabaco 2010-2015 Brasília: Assessoria de Comunicação Social; 2011.
  • 23
    Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco. Documentos e publicações [Internet]. [acessado 2017 Jun 12]. Disponível em: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/observatorio_controle_tabaco/site/home/conicq/documentos_publicacoes
    » http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/observatorio_controle_tabaco/site/home/conicq/documentos_publicacoes
  • 24
    Brasil. Presidência da República. Lei no 12.546, de 14 de dezembro de 2011. Diário Oficial da União 2011; 14 dez.
  • 25
    Brasil. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 8.262, de 31 de maio de 2014. Diário Oficial da União 2014; 31 maio.
  • 26
    Organização das Nações Unidas (ONU Brasil). No Dia Mundial sem Tabaco, brasileiro recebe prêmio da OPAS/OMS [Internet]. 2015 [acessado 2017 Jun 12]. Disponível em: https://nacoesunidas.org/no-dia-mundial-sem-tabaco-brasileiro-recebe-premio-da-opasoms/
    » https://nacoesunidas.org/no-dia-mundial-sem-tabaco-brasileiro-recebe-premio-da-opasoms/
  • 27
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Brasil recebe prêmio internacional pelo controle ao tabagismo [Internet]. Portal da Saúde. [acessado 2017 Jun 12]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/17109-brasil-recebe-premio-internacional-pelo-controle-ao-tabagismo
    » http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/17109-brasil-recebe-premio-internacional-pelo-controle-ao-tabagismo
  • 28
    Bialous S, Costa e Silva VL, Drope J, Lencucha R, McGrady B, Richter AP. The Political Economy of Tobacco Control in Brazil: Protecting Public Health in a Complex Policy Environment. Rio de Janeiro, Atlanta: Fiocruz, American Cancer Society; 2014.
  • 29
    World Health Organization (WHO). 2014 global progress report on implementation of the WHO Framework Convention on Tobacco Control Geneva: WHO; 2014.
  • 30
    Thomson I, Dey C, Russell S. Activism, arenas and accounts in conflicts over tobacco control. Account Audit Account J 2015; 28(5):809-845.
  • 31
    Gneiting U. From global agenda-setting to domestic implementation: successes and challenges of the global health network on tobacco control. Health Policy Plan 2016; 31(Supl. 1):i74-86.
  • 32
    Drope J, Lencucha R. Tobacco control and trade policy: Proactive strategies for integrating policy norms. J Public Health Policy 2012; 34(1):153-164.
  • 33
    Cavalcante TM. O controle do tabagismo no Brasil: avanços e desafios. Rev Psiquiatr Clínica 2005; 32(5):283-300.
  • 34
    Teixeira L, Jaques T. Legislação e Controle do Tabaco no Brasil entre o Final do Século XX e Início do XXI. Revista Brasileira de Cancerologia 2011; 57(3):295-304.
  • 35
    Bonato AA. Desafios e potencialidades para a diversificação na agricultura familiar produtora de tabaco 2013 [acessado 2017 Jan 20]; Disponível em: http://www.mda.gov.br/sitemda/sites/sitemda/files/user_arquivos_64/pageflip-2583697-4429081-lt_Desafios_e_Potenciali-1710093.pdf
    » http://www.mda.gov.br/sitemda/sites/sitemda/files/user_arquivos_64/pageflip-2583697-4429081-lt_Desafios_e_Potenciali-1710093.pdf
  • 36
    Riquinho DL, Hennington EA. Health, environment and working conditions in tobacco cultivation: a review of the literature. Cien Saude Colet 2012; 17(6):1587-1600.
  • 37
    Adamantis E. Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra). [Internet]. Afubra - Associação dos Fumicultores do Brasil [acessado 2016 Dez 27]. Disponível em: http://www.afubra.com.br/fumicultura-brasil.html
    » http://www.afubra.com.br/fumicultura-brasil.html
  • 38
    Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). A importância e a urgência da diversificação de produção em áreas que produzem tabaco no Brasil. (Notas técnicas para o controle do tabagismo) Rio de Janeiro: INCA; 2014.
  • 39
    Riquinho DL, Hennington EA. Diversificação agrícola em localidade rural do Sul do Brasil: reflexões e alternativas de cumprimento da Convenção-Quadro para o controle do tabaco. Physis 2014; 24(1):183-207.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Jul 2019

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2017
  • Aceito
    28 Set 2017
  • Revisado
    30 Set 2017
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br