Depressão em idosos de uma região rural do Sul do Brasil

Mariana Lima Corrêa Marina Xavier Carpena Rodrigo Dalke Meucci Lucas Neiva-Silva Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste estudo é estimar a prevalência de depressão e seus fatores associados em idosos residentes da zona rural do município de Rio Grande/RS. Neste estudo transversal de base populacional realizado com 994 idosos (≥ 60 anos), cuja amostragem foi baseada no Censo Demográfico de 2010, utilizou-se o “Patient Health Questionnaire 9” (PHQ-9) para o rastreio de Episódio Depressivo Maior (EDM). Foram realizadas análises descritiva, bivariada e multivariável, com uso de regressão logística. A prevalência geral para o rastreio de Episódio Depressivo Maior foi de 8,1%. As variáveis independentemente associadas com depressão foram: sexo feminino, uso contínuo de medicamentos, doenças crônicas, índice de massa corporal e pior percepção de saúde. A criação de programas de atendimento direcionados aos idosos da área rural, visando rastreamento, diagnóstico precoce de depressão e manutenção do tratamento, englobando diversos fatores relacionados à saúde, são ações importantes que devem ser fomentadas pelo sistema de saúde.

Palavras-chave
Depressão; Idosos; Rural

Introdução

A depressão é um dos transtornos mentais mais frequentes ao redor do mundo, acometendo cerca de 350 milhões de pessoas11 World Health Organization (WHO). Mental Health and Older Adults Fact Sheet nº 381. Geneva: WHO; 2016.. No ano de 2013, foi a segunda maior causa de Anos Vividos com Incapacidades (YLDs), afetando de 5% a 10% da população adulta em nível global22 Becker A, Kleinman A. Mental Health and the Global Agenda. N Engl J Med 2013; 369(1):66-73.. Durante o processo de envelhecimento, mudanças como a perda de entes queridos33 Ramos GCF, Carneiro JA, Barbosa ATF, Mendonça JMG, Caldeira AP. Prevalência de sintomas depressivos e fatores associados em idosos no norte de Minas Gerais: um estudo de base populacional. Jornal Brasileiro de Psiquiatria 2015; 64(2):122-131., uso de medicamentos44 Mohan Y, Jain T, Krishna S, Rajkumar A, Bonigi S. Elderly depression: unnoticed public health problem in India- a study on prevalence of depression and its associated factors among people above 60 years in a semi urban area in Chennai. International Journal of Community Medicine and Public Health 2017; 4(9):3468-3472. e o aparecimento de diversas doenças55 Ferreira PCS, Tavares DMS, Martins NPF, Rodrigues LR, Ferreira LA. Características sociodemográficas e hábitos de vida de idosos com e sem indicativo de depressão. Rev Eletr Enf 2013; 15(1):197-204. podem repercutir na saúde mental do idoso, inclusive aumentando a suscetibilidade à depressão33 Ramos GCF, Carneiro JA, Barbosa ATF, Mendonça JMG, Caldeira AP. Prevalência de sintomas depressivos e fatores associados em idosos no norte de Minas Gerais: um estudo de base populacional. Jornal Brasileiro de Psiquiatria 2015; 64(2):122-131..

A prevalência de depressão nos idosos varia entre regiões geográficas, bem como entre centros urbanos e rurais. Estudos de base populacional, conduzidos em áreas urbanas de diferentes países, verificaram prevalências de sintomas depressivos que variaram entre 8% a 14%66 Ferrari AJ, Somerville AJ, Baxter AJ, Norman R, Patten SB, Vos T, Whiteford HA. Global variation in the prevalence and incidence of major depressive disorder: a systematic review of the epidemiological literature. Psychol Med 2013; 43(3):471-481., enquanto que estudos realizados em áreas rurais encontraram prevalências entre 7,8%77 Sengupta P, Benjamin AI. Prevalence of Depression and Associated Risk Factors among the Elderly in Urban and Rural Field Practice Areas of a Tertiary Care Institution in Ludhiana. Indian J Public Health 2016; 59(1):3-8. e 29,5%88 Cardona D, Segura A, Segura A, Garzón MO. Efectos contextuales asociados a la variabilidad del riesgo de depresión en adultos mayores, Antioquia, Colombia, 2012. Biomédica 2015; 35(1):73-80.. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS)99 Instituto Brasilerio de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2013., que avaliou populações residentes de áreas urbanas e rurais no Brasil, verificou que 7,6% dos indivíduos maiores de 18 anos receberam diagnóstico de depressão, com maior proporção na faixa etária de 60 a 64 anos (11,1%) e prevalência de 5,6% em adultos da área rural. Além disso, o estudo de Munhoz et al.1010 Munhoz TN, Nunes BP, Wehrmeister FC, Santos IS, Matijasevich A. A nationwide population-based study of depression in Brazil. J Affect Disord 2016; 192:226-233. encontrou uma prevalência de 4,1% entre adultos brasileiros.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde11 World Health Organization (WHO). Mental Health and Older Adults Fact Sheet nº 381. Geneva: WHO; 2016., a depressão resulta de uma complexa interação entre fatores sociais, psicológicos e biológicos. Diversos são os fatores associados à depressão em idosos. Pesquisas apontam que indivíduos do sexo feminino55 Ferreira PCS, Tavares DMS, Martins NPF, Rodrigues LR, Ferreira LA. Características sociodemográficas e hábitos de vida de idosos com e sem indicativo de depressão. Rev Eletr Enf 2013; 15(1):197-204.,1010 Munhoz TN, Nunes BP, Wehrmeister FC, Santos IS, Matijasevich A. A nationwide population-based study of depression in Brazil. J Affect Disord 2016; 192:226-233., com idade avançada55 Ferreira PCS, Tavares DMS, Martins NPF, Rodrigues LR, Ferreira LA. Características sociodemográficas e hábitos de vida de idosos com e sem indicativo de depressão. Rev Eletr Enf 2013; 15(1):197-204.,1111 Xinghu Zhou BB, Liqiang Zheng, Zhao Li, Hongmei Yang, Hongjie Song, Yingxian Sun. The Prevalence and Risk Factors for Depression Symptoms in a Rural Chinese Sample Population. PlosOne 2014; 9(6):1-8. e baixa escolaridade1212 Gao S, Jin Y, Unverzagt FW, Liang C, Hall KS, Ma F, Murrell JR, Cheng Y, Matesan J, Li P, Bian J, Hendrie HC. Correlates of depressive symptoms in rural elderly Chinese. Int J Geriatr Psychiatry 2009; 24(12):1358-1366.,1313 Park JH, Kim KW, Kim M-H, Kim MD, Kim B-J, Kim S-K, Kim JL, Moon SW, Bae JN, Woo JI, Ryu S-W, Yoon JC, Lee N-J, Lee DW, Lee DW, Lee SB, Lee JJ, Lee J-Y, Lee C-U, Chang SM, Jhoo JH, Cho MJ. A nationwide survey on the prevalence and risk factors of late life depression in South Korea. J Affect Disord 2012; 138(1-2):34-40. apresentaram maior probabilidade para o desenvolvimento de depressão. Dentre fatores comportamentais, os mais associados ao transtorno são tabagismo1414 Munhoz TN, Santos IS, Matijasevich A. Major depressive episode among Brazilian adults: A cross-sectional population-based study. J Affect Disord 2013; 150(2):401-407.

15 An R, Xiang X. Smoking, heavy drinking, and depression among U.S. middle-aged and older adults. Prevent Med 2015; 81:295-302.
-1616 Gullich I, DuroI SMS, Cesar JA. Depressão entre idosos: um estudo de base populacional no Sul do Brasil. Revista Brasileira de Epidemiologia 2016; 19(4):691-701. e comportamento sedentário1717 Santos D. Atividade física, comportamento sedentário e a sintomatologia depressiva em idosos. Uberaba: Universidade Federal do Triângulo Mineiro; 2013.,1818 Pegorari MS, Dias FA, Santos NM, Tavares DM. Prática de atividade física no lazer entre idosos de área rural: condições de saúde e qualidade de vida. Journal of Physical Education 2015; 26:233-241.; por fim, dentre características relacionadas à saúde, as mais recorrentes são presença de outras doenças crônicas1919 Abe Y, Fujise N, Fukunaga R, Nakagawa Y, Ikeda M. Comparisons of the prevalence of and risk factors for elderly depression between urban and rural populations in Japan. International Psychogeriatrics 2012; 24(8):1235-1241.,2020 Behera P, Sharan P, Mishra AK, Nongkynrih B, Kant S, Gupta SK. Prevalence and determinants of depression among elderly persons in a rural community from northern India. The National Medical Journal of India 2016; 29(3):129-134., uso de medicamentos2121 Dutta M, Prashad L. Prevalence and risk factors of polypharmacy among elderly in India: Evidence from SAGE Data. International Journal of Public Mental Health And Neurosciences 2015; 2(2):11-16.,2222 Wauters M, Elseviers M, Vaes B, Degryse J, Dalleur O, Stichele RV, Bortel LV, Azermai M. Polypharmacy in a Belgian cohort of community dwelling oldest old (80+). International Journal of Clinical and Laboratory Medicine 2016:1-9. e má percepção de saúde33 Ramos GCF, Carneiro JA, Barbosa ATF, Mendonça JMG, Caldeira AP. Prevalência de sintomas depressivos e fatores associados em idosos no norte de Minas Gerais: um estudo de base populacional. Jornal Brasileiro de Psiquiatria 2015; 64(2):122-131.,2323 John PDS, Blandford AA, Strain LA. Does a rural residence predict the development of depressive symptoms in older adults? Can J Rural Med 2009; 14(4):150-156..

A população mundial está envelhecendo rapidamente, de modo que a ocorrência da depressão em idades mais avançadas é crescente e novas demandas em saúde estão emergindo2424 Duarte E, Barreto S. Transição demográfica e epidemiológica: a Epidemiologia e Serviços de Saúde revisita e atualiza o tema. Epidemiol Serv Saúde 2012; 21(4):529-532.. O estudo da saúde mental do idoso é importante para ampliar a compreensão do processo saúde doença nessa fase do desenvolvimento e para colaborar com políticas públicas para essa população2525 Fleck MPA, Chachamovich E, Trentini CM. Projeto WHOQOL-OLD: método e resultados de grupos focais no Brasil. Rev Saúde Pública. 2003; 37(6):793-799.. Os estudos brasileiros que abordam a temática da depressão em idosos residentes de áreas rurais são escassos, uma vez que a grande maioria é referente às áreas urbanas66 Ferrari AJ, Somerville AJ, Baxter AJ, Norman R, Patten SB, Vos T, Whiteford HA. Global variation in the prevalence and incidence of major depressive disorder: a systematic review of the epidemiological literature. Psychol Med 2013; 43(3):471-481., apontando para a necessidade de desenvolver pesquisas brasileiras sobre o tema em áreas com menor densidade populacional2626 Silva MT, Galvao TF, Martins SS, Pereira MG. Prevalence of depression morbidity among Brazilian adults: a systematic review and meta-analysis. Revista Brasileira de Psiquiatria. 2014; 36:262-270.. Desta forma, o presente estudo teve por objetivo estimar a prevalência de depressão e seus fatores associados em idosos residentes da zona rural de Rio Grande/RS.

Materiais e métodos

Participantes e processo amostral

Estudo transversal de base populacional conduzido na zona rural de Rio Grande, no estado do Rio Grande do Sul, que teve coleta de dados realizada entre abril e outubro de 2017. Esta pesquisa fez parte de um estudo maior intitulado “Saúde da População Rural Rio Grandina”, que avaliou a saúde de idosos, crianças menores de 5 anos e mulheres e idade fértil. O presente estudo focou no grupo populacional de idosos. Estima-se que o Rio Grande possua 210.000 habitantes, sendo cerca de 4% residentes da zona rural e aproximadamente 13,1% destes idosos – cerca de 1.080 pessoas com 60 anos ou mais2727 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2011..

Os critérios de inclusão para participar do estudo foram: morar na zona rural do município de Rio Grande e ter 60 anos ou mais. Foram excluídos todos os indivíduos institucionalizados em asilos, hospitais e/ou presídios, bem como aqueles com incapacidade física e/ou mental para responder à entrevista.

Foram realizados dois cálculos de tamanho amostral, um descritivo e outro para fatores associados. Os parâmetros para o cálculo da análise descritiva foram: prevalência de 10%, margem de erro de 2p.p., nível de significância de 5% e efeito de delineamento de 1,5, resultando em 721 indivíduos. No cálculo de fatores associados, os parâmetros utilizados foram razões de prevalência de 1,5 a 2,0, poder de 80%, nível de significância de 5%, prevalência em não expostos de pelo menos 11%, razão de não expostos para expostos de 5:1, efeito de delineamento de 1,5, resultando em 700 indivíduos. Em cima do maior número amostral encontrado, decorrente do cálculo descritivo (721), foi acrescentado 10% para lidar com perdas e recusas e 15% para lidar com fatores de confusão, obtendo um N de 901.

A amostragem foi baseada no Censo Demográfico 20102727 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2011.. O processo de seleção consistiu na amostragem sistemática de 80% dos domicílios a partir do sorteio de um número entre “1” e “5”. O número sorteado correspondeu ao domicílio considerado pulo. Por exemplo, no caso do número “3” ter sido sorteado, todo domicílio de número “3” de uma sequência de cinco domicílios não era amostrado, ou seja, era pulado. Este procedimento garantiu que fossem amostrados quatro em cada cinco domicílios. Todos os idosos eram convidados a participar do estudo.

Coleta de dados

Questões sociais, econômicas, demográficas e comportamentais foram coletadas através do autorrelato de: sexo; idade (60-69 anos, 70-79 anos e 80 anos ou mais); classe econômica coletada conforme a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa – ABEP, que estima o poder de compra das famílias brasileiras2828 Pesquisa ABE. Critério de classificação econômica Brasil Portal ABEP2014.; escolaridade (anos completos); situação conjugal (com companheiro e sem companheiro); uso de álcool na última semana; uso de tabaco; uso de medicamentos, número de doenças crônicas não transmissíveis, índice de massa corporal (IMC) e percepção de saúde (muito boa/boa, regular e ruim/muito ruim). Questões referentes a comportamento sedentário foram coletadas através do instrumento Measure of Older Adults Sedentary Time (MOST) adaptado, que verifica o tempo de comportamento sedentário do indivíduo na última semana através de nove situações diferentes, em horas ou minutos por dia2929 Gardiner C, Healy E, Winkler O. Measuring older adults sedentary time: reliability, validity, and responsiveness. Med Sci Sports Exerc 2011; 43:2127-2133.. A variável foi categorizada em comportamento sedentário inferior a 7 horas/dia e superior a 8 horas/dia3030 Ekelund U, Steene-Johannessen J, Brown WJ, Fagerland MW, Owen N, Powell KE, Bauman A, Lee IM, Lancet Physical Activity Series Executive Committe; Lancet Sedentary Behaviour Working Group Does physical activity attenuate, or even eliminate, the detrimental association of sitting time with mortality? A harmonised meta-analysis of data from more than 1 million men and women. Lancet 2016; 388(10051):1302-1310..

O desfecho, presença ou ausência de depressão, foi identificado por meio do rastreio de Episódio Depressivo Maior (EDM) através do instrumento Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9), que avalia a presença de sintomas depressivos nas últimas duas semanas, com base no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V)3131 American Psychological Association (APA). Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders: DSM-5. Washington: APA; 2013.. O ponto de corte recomendado é ≥ 9, que possui boas características psicométricas e operacionais, com sensibilidade entre 77 e 98% e especificidade de 75 a 80%3232 Santos IS, Tavares BF, Munhoz TN, Almeida LSP, Silva NTB, Tams BD, Patella Am, Matijasevich A. Sensibilidade e especificidade do Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) entre adultos da população geral. Cad Saude Publica 2013; 29(8):1533-1543..

Os questionários foram aplicados através de tablets, por entrevistadoras previamente selecionadas e treinadas, utilizando o programa RedCap®3333 Harris PA, Taylor R, Thielke R, Payne J, Gonzalez N, Conde JG. Research electronic data capture (REDCap)-A metadata-driven methodology and workflow process for providing translational research informatics support. Journal of Biomedical Informatics. 2009; 42(2):377-381.. Anterior à coleta de dados, foi conduzido um estudo piloto em um dos setores censitários próximos à cidade, para verificar e corrigir problemas na interpretação de perguntas e cronometrar o tempo de aplicação do questionário.

Análise de dados

As análises estatísticas foram realizadas no software Stata IC 13.1 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos). Foi conduzida análise univariada para descrever a amostra em termos de variáveis independentes e também para calcular a prevalência de depressão na população. Também se realizou análise bivariada, utilizando o teste qui-quadrado para as variáveis categóricas e teste t-Student ou de Wilcoxon Mann-Whitney para as numéricas (dependendo da distribuição dos dados). A análise ajustada foi realizada através de regressão logística, utilizando a presença ou a ausência de Episódio Depressivo Maior como desfecho. A regressão logística foi conduzida considerando o modelo de análises hierárquico (Figura 1)3434 Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MTA. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 96(1):224-227. construído para o presente estudo, utilizando o processo de seleção para trás e considerado valor p ≤ 0,20 para manter as variáveis no modelo. O nível de significância para todas as análises foi de 5%. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas na Área da Saúde (CEPAS) da FURG. A participação era voluntária e aos indivíduos que aceitassem participar foi solicitada a assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido.

Figura 1
Modelo conceitual de análise.

Resultados

O estudo contou com um total de 1.130 indivíduos elegíveis e 1.030 idosos entrevistados, correspondendo a uma taxa de perdas e recusas de 8,9%. Responderam ao PHQ-9 de forma completa 994 idosos da área rural de Rio Grande, resultando em 10,1% de perdas, 1,9% de recusas e taxa de resposta de 88%. A prevalência geral para o rastreio de Episódio Depressivo Maior foi de 8,1%.

Na Tabela 1 é observado que a amostra foi constituída, em sua maioria, por indivíduos do sexo masculino (55,5%), com idade entre 60 e 69 anos (52,5%) e com companheiro(a) (63,2%). Metade dos indivíduos encontram-se na classe econômica C (51,9%), e a mediana da escolaridade foi de 3 anos (IIQ = 1 – 5). Aproximadamente quatro quintos da amostra relataram não ter feito uso de álcool na última semana (82,9%), enquanto que mais da metade declarou-se não fumante (52,7%) e com saúde percebida como muito boa ou boa (58,0%). Da amostra, 75,6% relatou fazer uso de medicamento contínuo e 39,1% afirmaram possuir mais de duas doenças crônicas. Além disso, a maioria apresentou duração de comportamento sedentário inferior a 7 horas por dia (87,9%), e a média encontrada para o IMC foi 26,5kg/m² (DP = ±4,7).

Tabela 1
Descrição da amostra de idosos residentes da área rural de Rio Grande com variáveis demográficas, sociais, econômicas e comportamentais e distribuição da prevalência de depressão (Episódio Depressivo Maior) entre as categorias. Rio Grande/RS, 2017 (N = 994).

A partir da Tabela 1, é possível observar que a prevalência de depressão foi maior em indivíduos do sexo feminino (10,4%) e em usuários de medicamentos contínuos (10,3%). Aqueles com percepção de saúde ruim ou muito ruim apresentaram uma prevalência de 35,2%, quase cinco vezes maior que a geral do transtorno (8,1%). Aqueles que possuíam duas doenças crônicas ou mais apresentaram uma prevalência de 13%, e a média do IMC dos indivíduos que possuem depressão foi de 26,2kg/m², enquanto que a média dos que não apresentam depressão foi de 26,5kg/m².

A Tabela 2 apresenta os resultados da análise ajustada para depressão. Após análise ajustada, as variáveis sexo, uso de medicamentos, doenças crônicas, IMC e percepção de saúde permaneceram associadas ao desfecho. Assim, a chance de desenvolver depressão foi maior em indivíduos do sexo feminino (RO = 1,65; IC95% = 1,04 – 2,62) e usuários de medicamentos (RO = 5,16; IC95% = 1,74 – 15,33). Além disso, aqueles que perceberam sua saúde como ruim ou muito ruim apresentaram quase vinte vezes mais chances para o transtorno quando comparados aos indivíduos que consideram a saúde muito boa/boa (RO = 19,6; IC95% = 8,65 – 44,32). Também foi observado que a chance de desenvolver depressão diminui em 6% a cada kg/m² a mais no IMC (p = 0,04), e houve tendência entre a quantidade de doenças crônicas não transmissíveis e a chance de desenvolvimento do transtorno (RO = 2,4; IC95% = 1,11 – 5,19).

Tabela 2
Razão de odds bruta e ajustada para associações entre depressão e as variáveis independentes. Análise multivariável conduzida com quatro níveis hierárquicos, através da regressão logística. Amostra de idosos residentes da área rural. Rio Grande/RS. 2017 (N = 994).

Discussão

Este estudo identificou que 8,1% dos idosos da área rural de Rio Grande (RS) cumpriram os critérios para o rastreio de Episódio Depressivo Maior. As variáveis sexo, uso de medicamento contínuo, doenças crônicas e percepção de saúde mantiveram-se associadas após ajuste para possíveis confundidores. Além disso, verificou-se proteção para o desenvolvimento de sintomatologia depressiva a cada aumento de um kg/m² no índice de massa corporal.

A prevalência de depressão encontrada no presente estudo (8,1%) foi menor quando comparada a estudo desenvolvido com idosos de área rural no Brasil55 Ferreira PCS, Tavares DMS, Martins NPF, Rodrigues LR, Ferreira LA. Características sociodemográficas e hábitos de vida de idosos com e sem indicativo de depressão. Rev Eletr Enf 2013; 15(1):197-204. e em outros países com idosos residentes da área rural88 Cardona D, Segura A, Segura A, Garzón MO. Efectos contextuales asociados a la variabilidad del riesgo de depresión en adultos mayores, Antioquia, Colombia, 2012. Biomédica 2015; 35(1):73-80.,3535 Fukunaga R, Abe Y, Nakagawa Y, Koyama A, Fujise N, Ikeda M. Living alone is associated with depression among the elderly in a rural community in Japan. Psychogeriatrics 2012; 12(3):179-185.. Um estudo realizado em Pelotas, com idosos residentes da zona urbana, também apresentou uma prevalência mais elevada (15,2%)3636 Hellwig N, Munhoz TN, Tomasi E. Sintomas depressivos em idosos: estudo transversal de base populacional. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3575-3584.. Porém, a prevalência encontrada no presente estudo foi maior que a encontrada pela Pesquisa Nacional de Saúde99 Instituto Brasilerio de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2013., que investigou adultos residentes de áreas rurais (5,6%). O resultado encontrado também foi maior quando comparado ao estudo de Munhoz et al.1010 Munhoz TN, Nunes BP, Wehrmeister FC, Santos IS, Matijasevich A. A nationwide population-based study of depression in Brazil. J Affect Disord 2016; 192:226-233., que verificou uma prevalência de 4,1% entre os adultos residentes do Sul do Brasil; em idosos da região Sul, a prevalência variou entre 5,5% (60-69 anos) e 6% (80 anos ou mais). A PNS99 Instituto Brasilerio de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2013. também encontrou o maior percentual de adultos diagnosticados com depressão na região Sul do Brasil (12,6%). Um dos fatores associados às diferenças encontradas nas prevalências pode ser o uso de diferentes escalas para avaliar a depressão. A correção utilizando o ponto de corte do PHQ-9 possui sensibilidade entre 77 e 98%, e especificidade de 75 a 80%, privilegiando a sensibilidade do teste3232 Santos IS, Tavares BF, Munhoz TN, Almeida LSP, Silva NTB, Tams BD, Patella Am, Matijasevich A. Sensibilidade e especificidade do Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) entre adultos da população geral. Cad Saude Publica 2013; 29(8):1533-1543., enquanto que a Escala Geriátrica de Depressão, utilizada na grande maioria de estudos com idosos, é aplicada utilizando um ponto de corte menor (≥ 6), apresentando-se menos sensível quando comparada ao PHQ-955 Ferreira PCS, Tavares DMS, Martins NPF, Rodrigues LR, Ferreira LA. Características sociodemográficas e hábitos de vida de idosos com e sem indicativo de depressão. Rev Eletr Enf 2013; 15(1):197-204.,88 Cardona D, Segura A, Segura A, Garzón MO. Efectos contextuales asociados a la variabilidad del riesgo de depresión en adultos mayores, Antioquia, Colombia, 2012. Biomédica 2015; 35(1):73-80.,3535 Fukunaga R, Abe Y, Nakagawa Y, Koyama A, Fujise N, Ikeda M. Living alone is associated with depression among the elderly in a rural community in Japan. Psychogeriatrics 2012; 12(3):179-185..

No que diz respeito à associação entre EDM e sexo, verificou-se maiores chances para o desenvolvimento de depressão entre as mulheres. Tal achado é recorrente na literatura: estudos realizados em áreas rurais do Canadá3737 John PDS, Blandford AA, Strain LA. Depressive symptoms among older adults in urban and rural areas. Int J Geriatr Psychiatry 2006; 21(12):1175-1180. e da Índia77 Sengupta P, Benjamin AI. Prevalence of Depression and Associated Risk Factors among the Elderly in Urban and Rural Field Practice Areas of a Tertiary Care Institution in Ludhiana. Indian J Public Health 2016; 59(1):3-8. com idosos apontam para a mesma direção, apresentando o sexo feminino como fator de risco para o desenvolvimento de transtorno depressivo. Na Grécia, porém, não foram encontradas diferenças nos níveis de depressão entre homens e mulheres3838 Papadopoulos FC, Petridou E, Argyropoulou S, Kontaxakis F, Dessypris V, Anastasiou A, Katsiardani KP, Trichopoulos D, Lyketsos C. Prevalence and correlates of depression in late life: a population based study from a rural Greek town. Int J Geriatr Psychiatry 2005; 20(4):350-357.. Estudos brasileiros realizados com populações idosas corroboram com os achados internacionais, encontrando maiores prevalências de depressão entre mulheres55 Ferreira PCS, Tavares DMS, Martins NPF, Rodrigues LR, Ferreira LA. Características sociodemográficas e hábitos de vida de idosos com e sem indicativo de depressão. Rev Eletr Enf 2013; 15(1):197-204.,3636 Hellwig N, Munhoz TN, Tomasi E. Sintomas depressivos em idosos: estudo transversal de base populacional. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3575-3584.,3939 Rodrigues LR, Tavares DM, Silveira FB, Dias FA, Martins NP. Qualidade de vida, indicativo de depressão e número de morbidades de idosos da zona rural. Revista de Enfermagem e Atenção à Saúde 2016; 4(2):278-285.. É possível que as mulheres sejam mais suscetíveis ao desenvolvimento de depressão por conta de fatores sociais e biológicos, como maior sensibilidade a eventos potencialmente estressores1010 Munhoz TN, Nunes BP, Wehrmeister FC, Santos IS, Matijasevich A. A nationwide population-based study of depression in Brazil. J Affect Disord 2016; 192:226-233.,3636 Hellwig N, Munhoz TN, Tomasi E. Sintomas depressivos em idosos: estudo transversal de base populacional. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3575-3584. e a privação de estrogênio, que pode influenciar na ocorrência de depressão4040 Almeida OP. Idosos atendidos em serviço de emergência de saúde mental: características demográficas e clínicas. Rev Bras Psiquiatr 1999; 21(1):8-12..

Os idosos que declararam fazer uso de medicamento contínuo apresentaram cinco vezes mais chances de desenvolver depressão. O maior consumo de medicamentos nessa fase da vida, muitas vezes decorrente da coexistência de diversas doenças, pode trazer efeitos colaterais e uma percepção negativa da saúde, além de declínio no metabolismo de substâncias farmacêuticas4141 Taylor WD. Depression in the Elderly. N Engl J Med 2014; 371(13):1228-1236.. O uso de diversos medicamentos ao mesmo tempo, também conhecido como polifarmácia, é comum durante o envelhecimento e pode trazer consequências negativas devido a alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas inerentes à terceira idade4242 Secoli SR. Polifarmácia: interações e reações adversas no uso de medicamentos por idosos. Revista Brasileira de Enfermagem 2010; 63(1):136-140.. Estudos longitudinais realizados na Bélgica2222 Wauters M, Elseviers M, Vaes B, Degryse J, Dalleur O, Stichele RV, Bortel LV, Azermai M. Polypharmacy in a Belgian cohort of community dwelling oldest old (80+). International Journal of Clinical and Laboratory Medicine 2016:1-9. e na Índia2121 Dutta M, Prashad L. Prevalence and risk factors of polypharmacy among elderly in India: Evidence from SAGE Data. International Journal of Public Mental Health And Neurosciences 2015; 2(2):11-16. com idosos residentes de áreas urbanas verificaram que o diagnóstico de depressão é associado de forma significativa com o uso de diversos medicamentos, contribuindo para a ocorrência de polifarmácia. Tal fenômeno também está associado a um aumento significativo nos gastos relativos à saúde, tanto para os pacientes como para o sistema de saúde4343 Maher R, Hanlon J, Hajjar E. Clinical consequences of polypharmacy in elderly. Expert Opinion Drug Saf 2014; 13(1):57-61..

Os idosos com duas doenças crônicas ou mais apresentaram duas vezes mais chances para o desenvolvimento de depressão. Tal achado é recorrente em estudos realizados com populações idosas de áreas rurais, onde foi encontrada associação positiva entre morbidades e sintomatologia depressiva1919 Abe Y, Fujise N, Fukunaga R, Nakagawa Y, Ikeda M. Comparisons of the prevalence of and risk factors for elderly depression between urban and rural populations in Japan. International Psychogeriatrics 2012; 24(8):1235-1241.,2020 Behera P, Sharan P, Mishra AK, Nongkynrih B, Kant S, Gupta SK. Prevalence and determinants of depression among elderly persons in a rural community from northern India. The National Medical Journal of India 2016; 29(3):129-134.,4444 Peltzer K, Phaswana-Mafuya N. Depression and associated factors in older adults in South Africa. Global Health Action 2013; 6:1-9.. Porém, estudos conduzidos no Brasil com idosos de regiões urbanas e rurais não encontraram associação entre depressão e tal variável3636 Hellwig N, Munhoz TN, Tomasi E. Sintomas depressivos em idosos: estudo transversal de base populacional. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3575-3584.,4545 Borges LJ, Benedetti TRB, Xavier AJ, d'OrsiI E. Fatores associados aos sintomas depressivos em idosos: estudo Epi Floripa. Rev Saude Publica 2013; 47(4):701-710.. Indivíduos que possuem doenças crônicas apresentam mais chances para o desenvolvimento de depressão do que aqueles sem outras doenças, de modo que a coexistência dessas duas condições é muito comum4444 Peltzer K, Phaswana-Mafuya N. Depression and associated factors in older adults in South Africa. Global Health Action 2013; 6:1-9.. Ainda, a relação entre depressão e doenças crônicas pode ser bidirecional, uma vez que problemas como dores crônicas podem levar a uma predisposição para a depressão, de modo que sintomas depressivos estão associados com desfechos negativos de saúde, como doenças cardíacas4141 Taylor WD. Depression in the Elderly. N Engl J Med 2014; 371(13):1228-1236..

Observou-se associação entre o índice de massa corporal e depressão após análise ajustada. Associação significativa entre IMC e depressão foi observada em estudos realizados com populações idosas do Japão, Colômbia e Estados Unidos88 Cardona D, Segura A, Segura A, Garzón MO. Efectos contextuales asociados a la variabilidad del riesgo de depresión en adultos mayores, Antioquia, Colombia, 2012. Biomédica 2015; 35(1):73-80.,1515 An R, Xiang X. Smoking, heavy drinking, and depression among U.S. middle-aged and older adults. Prevent Med 2015; 81:295-302.,4646 Yoshimura K, Yamada M, Kajiwara Y, Nishiguchi S, Aoyama T. Relationship between depression and risk of malnutrition among community-dwelling young-old and old-old elderly people. Aging Ment Health 2013; 17(4):456-460.. Porém, estudos realizados com populações idosas em áreas urbanas no Brasil4545 Borges LJ, Benedetti TRB, Xavier AJ, d'OrsiI E. Fatores associados aos sintomas depressivos em idosos: estudo Epi Floripa. Rev Saude Publica 2013; 47(4):701-710. e em áreas rurais no Japão1212 Gao S, Jin Y, Unverzagt FW, Liang C, Hall KS, Ma F, Murrell JR, Cheng Y, Matesan J, Li P, Bian J, Hendrie HC. Correlates of depressive symptoms in rural elderly Chinese. Int J Geriatr Psychiatry 2009; 24(12):1358-1366. não verificaram associação entre as variáveis. Alterações no peso e no apetite são sintomas de depressão, de modo que tal associação deve ser verificada com cautela por conta de uma possível bidirecionalidade. Perda de peso e de apetite são aspectos recorrentes na velhice por conta de alterações biológicas decorrentes dessa fase da vida4747 Tamura BK, Bell CL, Masaki KH, Amella EJ. Factors Associated With Weight Loss, Low BMI, and Malnutrition Among Nursing Home Patients: A Systematic Review of the Literature. JAMDA 2013; 14(9):649-655. e, nesse sentido, a depressão pode ser uma das causas na alteração do IMC e, ao mesmo tempo, um fator associado consequente4646 Yoshimura K, Yamada M, Kajiwara Y, Nishiguchi S, Aoyama T. Relationship between depression and risk of malnutrition among community-dwelling young-old and old-old elderly people. Aging Ment Health 2013; 17(4):456-460..

Foi observada uma tendência inversa entre desenvolvimento de depressão e percepção de saúde entre os idosos entrevistados. Aqueles que consideraram sua saúde como ruim ou muito ruim apresentaram vinte vezes mais chances de desenvolver depressão, quando comparados ao grupo de referência. Tal achado é consistente com o observado em estudos com populações idosas rurais, no mundo2323 John PDS, Blandford AA, Strain LA. Does a rural residence predict the development of depressive symptoms in older adults? Can J Rural Med 2009; 14(4):150-156.,4848 Alpass FM, Neville S. Loneliness, health and depression in older males. Aging & Ment Health 2003; 7(3):212-216. e no Brasil33 Ramos GCF, Carneiro JA, Barbosa ATF, Mendonça JMG, Caldeira AP. Prevalência de sintomas depressivos e fatores associados em idosos no norte de Minas Gerais: um estudo de base populacional. Jornal Brasileiro de Psiquiatria 2015; 64(2):122-131.,3636 Hellwig N, Munhoz TN, Tomasi E. Sintomas depressivos em idosos: estudo transversal de base populacional. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3575-3584.,4545 Borges LJ, Benedetti TRB, Xavier AJ, d'OrsiI E. Fatores associados aos sintomas depressivos em idosos: estudo Epi Floripa. Rev Saude Publica 2013; 47(4):701-710.. Nessa fase da vida, o aumento no consumo de medicamentos e doenças crônicas3636 Hellwig N, Munhoz TN, Tomasi E. Sintomas depressivos em idosos: estudo transversal de base populacional. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3575-3584., juntamente com a diminuição do trabalho, menor interação com outros indivíduos e sensação de invalidez influenciam em uma pior percepção de saúde e na ocorrência de sintomas depressivos4949 Castro-Costa E, Lima-Costa MF, Carvalhais S, Firmo JOA, Uchoa E. Factors associated with depressive symptoms measured by the 12-item General Health Questionnaire in Community-Dwelling Older Adults (The Bambuí Health Aging Study). Revista Brasileira de Psiquiatria 2008; 30(2):104-109., de modo que tal associação pode apresentar possível bidirecionalidade.

As associações encontradas no presente estudo e a falta de associação em determinadas variáveis podem ser explicadas, em parte, pelas diferenças existentes entre idosos que residem em zonas rurais e urbanas. Estudos que buscaram comparar a prevalência de depressão em áreas rurais e urbanas verificaram que residir em zona rural é considerado fator protetivo para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis2323 John PDS, Blandford AA, Strain LA. Does a rural residence predict the development of depressive symptoms in older adults? Can J Rural Med 2009; 14(4):150-156., pois idosos residentes de áreas urbanas estão expostos a fatores que podem contribuir com o desenvolvimento de problemas de saúde, como menos horas de sono e pior qualidade de vida77 Sengupta P, Benjamin AI. Prevalence of Depression and Associated Risk Factors among the Elderly in Urban and Rural Field Practice Areas of a Tertiary Care Institution in Ludhiana. Indian J Public Health 2016; 59(1):3-8.; além disso, o ambiente natural, característico da área rural, é apontado como responsável por reduzir níveis de estresse5050 Helbich M. Toward dynamic urban environmental exposure assessments in mentalhealth research. Environ Res 2018; 161:129-135.. Estudo realizado no Canadá3737 John PDS, Blandford AA, Strain LA. Depressive symptoms among older adults in urban and rural areas. Int J Geriatr Psychiatry 2006; 21(12):1175-1180., que buscou comparar a prevalência de depressão entre áreas rural e urbana, verificou maior prevalência de depressão entre os idosos residentes de zonas urbanas, comparados aos que viviam em regiões predominantemente rurais (11,6% e 9%, respectivamente); além disso, estudo comparativo desenvolvido no Japão verificou que os fatores de risco para cada uma das populações diferem entre si, com menor ocorrência de depressão em áreas rurais1919 Abe Y, Fujise N, Fukunaga R, Nakagawa Y, Ikeda M. Comparisons of the prevalence of and risk factors for elderly depression between urban and rural populations in Japan. International Psychogeriatrics 2012; 24(8):1235-1241..

Um país pode apresentar diferenças regionais no que diz respeito à cultura, condições sociais e econômicas, que podem resultar em certas disparidades5151 Breslau J, Marshall G, Pincus H, Brown R. Are mental disorders more common in urban than rural areas of the United States? J Psychiatr Res 2014; 56:50-55.. Residentes de áreas rurais podem apresentar maiores desafios no que diz respeito à saúde, tanto por dificuldades de acesso a determinados serviços, como por questões relacionadas à renda, de modo que os fatores associados à depressão, nesse contexto, apontam para características gerais de saúde5252 Probst J, Laditka S, Moore C, Harun N, Powell P, Baxley E. Rural-Urban Differences in Depression Prevalence: Implications for Family Medicine. Fam Med 2006; 38(9):653-660.. Questões ambientais e socioculturais também devem ser levadas em consideração, uma vez que a saúde mental do indivíduo é modelada pelo contexto socioambiental em que ele está inserido, de modo que o próprio ambiente pode aumentar o risco para o desenvolvimento de um transtorno mental5050 Helbich M. Toward dynamic urban environmental exposure assessments in mentalhealth research. Environ Res 2018; 161:129-135.. Em se tratando de transtornos mentais, residentes de áreas rurais apresentam menor probabilidade de reportar a necessidade de tratamento, cuidado com o problema e a própria existência de problemas de saúde mental, quando comparados à residentes de áreas urbanas5353 Romans S, Cohen M, Forte T. Rates of depression and anxiety in urban and rural Canada. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2011; 46(7):567-575..

Entende-se que o delineamento transversal se mostrou adequado para responder aos objetivos desta pesquisa. Entretanto, a possível causalidade reversa, inerente aos estudos transversais, deve ser considerada como uma das limitações deste trabalho. Além disso, é possível que a prevalência de depressão esteja subestimada por conta dos indivíduos que não responderam ao PHQ-9 de forma completa e que foram excluídos da amostra. É importante ressaltar que, embora o PHQ-9 seja útil para o rastreio da doença, ele não substitui o diagnóstico baseado em entrevista clínica realizada por psicólogos e psiquiatras. Dessa forma, independente da forma de utilização do instrumento, o resultado deve ser descrito como provável diagnóstico de EDM.

No que diz respeito às vantagens do presente estudo, cabe ressaltar que se trata de um estudo de base populacional, realizado através de inquérito domiciliar e com baixo percentual de perdas e recusas, se comparado a outros inquéritos. Além disso, apesar de diversas publicações a respeito de depressão no Brasil, poucas são encontradas abordando a temática em regiões rurais. Em relação ao instrumento utilizado para rastreio de EDM, o presente estudo fez uso de um instrumento validado para a população brasileira, além de já ter sido utilizado em outros países3232 Santos IS, Tavares BF, Munhoz TN, Almeida LSP, Silva NTB, Tams BD, Patella Am, Matijasevich A. Sensibilidade e especificidade do Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) entre adultos da população geral. Cad Saude Publica 2013; 29(8):1533-1543..

Os idosos do sexo feminino, com menor IMC, usuários de medicamentos contínuos, com duas doenças crônicas ou mais e com pior percepção de saúde apresentaram maiores chances de desenvolver sintomatologia depressiva, de modo que estão mais sujeitos aos efeitos negativos da depressão. A investigação realizada no presente estudo é fundamental para compreender a peculiaridade do espaço rural, tendo em vista que há uma escassez de estudos sobre a temática da depressão em regiões rurais. Dessa forma, os achados do presente estudo evidenciam a necessidade de implementar políticas que considerem a saúde de forma ampla, uma vez que diversos aspectos podem contribuir para o desenvolvimento de problemas de saúde mental. A criação de programas de atendimento direcionados aos idosos da área rural, visando rastreamento e diagnóstico precoce de depressão e manutenção do tratamento, englobando diversos fatores relacionados à saúde, são ações importantes que devem ser fomentadas pelo sistema de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2018
  • Aceito
    05 Nov 2018
  • Publicado
    07 Nov 2018
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