Avaliação da atenção ao parto e nascimento nas maternidades da Rede Cegonha: os caminhos metodológicos

Maria Esther de Albuquerque Vilela Maria do Carmo Leal Erika Barbara Abreu Fonseca Thomaz Maria Auxiliadora de Souza Mendes Gomes Sonia Duarte de Azevedo Bittencourt Silvana Granado Nogueira da Gama Luiza Beatriz Ribeiro Acioli de Araújo Silva Zeni Carvalho Lamy Sobre os autores

Resumo

Este artigo descreve o método utilizado na avaliação de práticas de cuidado ao parto e nascimento em maternidades da Rede Cegonha. Apresenta os critérios de seleção das maternidades, as diretrizes avaliadas, seus dispositivos e itens de verificação, o método utilizado para coleta das informações e o tratamento dos dados para obtenção dos resultados. Dialoga a respeito das diretrizes escolhidas e da estratégia de devolutiva dos resultados aos gestores e serviços, e discute seu potencial para fomentar processos de qualificação da gestão e atenção obstétrica e neonatal. Trata-se de estudo das práticas de atenção ao parto e nascimento de 606 maternidades selecionadas para o segundo ciclo avaliativo da Rede Cegonha. Os caminhos metodológicos primaram pela construção de corresponsabilidade tripartite para com o processo e os resultados da avaliação, com ênfase na sua utilidade para os tomadores de decisão e instituições hospitalares envolvidas.

Palavras-chave
Avaliação em saúde; Maternidade; Gestão em saúde; Modelo de atenção ao parto e nascimento

Introdução

O Brasil lançou a Estratégia Rede Cegonha (RC) em 201111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria de Consolidação nº 3, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2017; 3 out. com ações voltadas a assegurar atenção qualificada e pautada em direitos às mulheres e crianças no ciclo gravídico-puerperal até os dois anos de idade, somando-se aos programas e propostas já instituídos a nível nacional22 Serruya SJ, Cecatti JG, Lago TG. O Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento do Ministério da Saúde no Brasil: resultados iniciais. Cad Saude Publica 2004; 20(5):1281-1289.

3 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal: documentos fundamentais. [acessado 2020 Maio 16]. Disponível em: s://pesquisa.bvsalud.org/bvsms/resource/pt/mis-31769
s://pesquisa.bvsalud.org/bvsms/resource/...
-44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Pacto pela redução da mortalidade infantil no Nordeste e Amazônia Legal, 2009-2010. Brasília: Editora MS; 2010.. A RC, em consonância com reivindicações dos movimentos de mulheres relativas à violência obstétrica, assumiu a necessidade de mudança de modelo de atenção ao parto e nascimento e de redução da morbimortalidade materna e neonatal, trazendo, no rol de ofertas, o apoio institucional amplo a gestores e a serviços estratégicos.

Neste sentido, os estados foram convidados a aderir a esta iniciativa, constituir um grupo condutor e elaborar Planos de Ação Regionais. Como proposta de qualificação do cuidado, a RC tem como diretrizes: (i) acolhimento e classificação de risco, ampliação do acesso e melhoria da qualidade do pré-natal; (ii) vinculação da gestante à unidade de referência e transporte seguro; (iii) boas práticas na atenção ao parto e nascimento segundo as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS); (iv) atenção à saúde das crianças de zero a vinte e quatro meses com qualidade e resolubilidade; e (v) acesso às ações do planejamento reprodutivo11 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria de Consolidação nº 3, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2017; 3 out..

A mudança de modelo de atenção obstétrica e neonatal é fomentada ao se discutir o desenho regional da rede, firmando compromisso com os gestores de alteração das práticas de atenção ao parto e nascimento, especialmente nos serviços hospitalares aderidos a esta iniciativa, para um modelo de cuidado centrado na mulher e na família e baseado nas evidências científicas disponíveis55 Cavalcanti PCS, Gurgel Junior GD, Vanconcelos ALR, Guerrero AVP. Um modelo lógico da Rede Cegonha. Physis 2013; 23(4):1297-1316.

6 Leal MDC, Bittencourt AS, Esteves-Pereira AP, Ayres BVS, Silva LBRA, Thomaz EBAF, Lamy ZC, Nakamura-Pereira M, Torres JA, Gama SGN, Domingues RMSM, Vilela MEA. Progress in childbirth care in Brazil: preliminary results of two evaluation studies. Cad Saude Publica 2019; 35(7):e00223018.
-77 Andrade MAC, Lima JBMC. O Modelo Obstétrico e Neonatal que defendemos e com o qual trabalhamos. In: Cadernos HumanizaSUS: humanização do parto e nascimento. Brasília: Editora MS; 2004. v. 4. p. 437-443..

Recursos financeiros foram alocados às maternidades de alto risco aderidas à RC a título de incentivos por cumprimento de metas alcançadas. Também foram investidos recursos em obras para implantação de centros de parto normal, casas de gestante, bebê e puérpera e mudança na ambiência dos centros obstétricos em consonância com a RDC nº 36/2008 da Anvisa11 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria de Consolidação nº 3, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2017; 3 out.,88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução nº 36, de 3 de Junho de 2008. Dispõe sobre Regulamento Técnico para Funcionamento dos Serviços de Atenção Obstétrica e Neonatal. Diário Oficial da União 2008; 3 jun..

A RC é organizada por quatro componentes: (i) Pré-Natal; (ii) Parto e Nascimento; (iii) Puerpério e Atenção Integral à Saúde da Criança e (iv) Sistema logístico (transporte sanitário e regulação).

A avaliação periódica desses componentes nos estados, regiões de saúde e serviços é preconizada na RC11 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria de Consolidação nº 3, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2017; 3 out. e constituiu metodologia indissociável ao processo de sua implementação, possibilitando a ampliação da capacidade de reflexão e ação de gestores do SUS e de serviços de obstetrícia e neonatologia99 Santos-Filho SB. Perspectivas da avaliação na Política Nacional de Humanização em Saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cien Saude Colet 2007; 12(4):999-1010.,1010 Felisberto E. Monitoramento e avaliação na atenção básica: novos horizontes. Rev Bras Saude Mater Infant 2004; 4(3):317-321.. Desta forma, foram realizados dois ciclos avaliativos; o primeiro em 2013-2015 e o segundo em 2016-2017.

Na ausência de um sistema nacional de informação com registro sistemático de dados referentes às práticas de atenção ao parto e nascimento, a coleta de dados foi realizada in loco.

No primeiro ciclo avaliativo, 2014-2015, três diretrizes e seus respectivos dispositivos foram avaliadas quanto ao grau de implantação: (i) acolhimento e classificação de risco em obstetrícia; (ii) acompanhante de livre escolha e tempo integral; e (iii) contato pele a pele entre mãe e recém-nascido (RN). Para aferição dessas diretrizes, foram constituídas em cada estado equipes de caráter tripartite (representantes do MS, Secretaria Estadual de Saúde e Conselho de Secretarias Municipais de Saúde - COSEMS)1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Relatório Técnico interno do DAPES/SAS/MS. Brasília: MS; 2015..

No segundo ciclo avaliativo, 2016-2017, houve ampliação das diretrizes e de maternidades a serem avaliadas, contemplando cinco diretrizes: (i) acolhimento em obstetrícia; (ii) boas práticas na atenção ao parto e nascimento; (iii) monitoramento do cuidado e vigilância da mortalidade materna e neonatal; (iv) gestão participativa e compartilhada; e (v) ambiência.

De 250 maternidades avaliadas no primeiro ciclo passou-se a 606 maternidades e 20 serviços de retaguarda para internação de RN em UTI neonatal, no segundo ciclo. Ampliou-se o olhar avaliativo para todos os serviços hospitalares localizadas em região de saúde com plano de ação da RC pactuados até 2015. Esse acréscimo no número de diretrizes e de maternidades trouxe a necessidade de firmar parcerias com instituições de pesquisa para sua realização. A Escola Nacional de Saúde Pública-Fiocruz (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) foram selecionadas para o desenvolvimento do processo avaliativo. A escolha dessas instituições se deu por suas experiências anteriores em processos avaliativos no SUS: Nascer no Brasil e Programa de Melhoria do Acesso e Qualidade na Atenção Básica-PMAQ/AB, respectivamente.

Devido à importância da parceria interfederativa na implementação da RC e das responsabilidades gestoras pactuadas11 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria de Consolidação nº 3, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2017; 3 out., a participação dos gestores locais e representante do COSEMS foi mantida em todo o processo do segundo ciclo avaliativo, incluindo a presença de representantes da gestão do SUS nas visitas in loco.

É sobre o projeto de avaliação da atenção ao parto e nascimento em maternidades vinculadas à RC no seu segundo ciclo – sua concepção, objetivos e desenho metodológico –, que trata este estudo. As informações sobre o processo avaliativo dos vinte estabelecimentos de retaguarda para RN de risco, que não atendem ao parto e nascimento, não foram contemplados no artigo.

O projeto de avaliação das maternidades: dilemas, desafios e proposições

Maternidades são um locus de destaque na qualificação do cuidado a mulheres e seus filhos, e no enfrentamento da mortalidade materna e neonatal1212 Organização Mundial de Saúde (OMS). Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas. Geneva: OMS; 10 de abril de 2015. [acessado 2020 Mar 16]. Disponível em: s://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf;jsessionid=AC135600EF51DB191C8E25171ABCABE6?sequence=3
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. Para tanto, a RC investiu na mudança de modelo de atenção ao parto e nascimento nos hospitais, local de ocorrência de 98% dos partos no Brasil1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Consolidação do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - 2011. Brasília: MS; 2011., onde ainda prevalece o modelo biomédico, com altas taxas de cesariana1212 Organização Mundial de Saúde (OMS). Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas. Geneva: OMS; 10 de abril de 2015. [acessado 2020 Mar 16]. Disponível em: s://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf;jsessionid=AC135600EF51DB191C8E25171ABCABE6?sequence=3
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, cuja noção é de “controle” sobre os processos naturais e fisiológicos da mulher77 Andrade MAC, Lima JBMC. O Modelo Obstétrico e Neonatal que defendemos e com o qual trabalhamos. In: Cadernos HumanizaSUS: humanização do parto e nascimento. Brasília: Editora MS; 2004. v. 4. p. 437-443.,1414 Diniz CSG. Gênero, saúde materna e o paradoxo perinatal. J Human Growth Dev 2009; 19(2):313-326.,1515 Diniz CSG. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Cien Saude Colet 2005; 10(3):627-637..

Construído ao longo de décadas, este modelo é baseado na ideia de que o corpo da mulher é defeituoso e necessita de correções1414 Diniz CSG. Gênero, saúde materna e o paradoxo perinatal. J Human Growth Dev 2009; 19(2):313-326., sendo produzido um excesso de intervenções e aumento dos riscos. Neste paradigma um conjunto de práticas foi incorporado na assistência ao parto, muitas delas sem comprovação científica de sua eficácia1616 Silva F, Nucci M, Nakano AR, Teixeira L. "Parto ideal": medicalização e construção de uma roteirização da assistência ao parto hospitalar no Brasil em meados do século XX. Saude Soc 2019; 28:171-184..

Recomendações sobre intervenções na assistência ao parto foram publicadas, ao longo das últimas décadas, de modo a orientar gestores e profissionais66 Leal MDC, Bittencourt AS, Esteves-Pereira AP, Ayres BVS, Silva LBRA, Thomaz EBAF, Lamy ZC, Nakamura-Pereira M, Torres JA, Gama SGN, Domingues RMSM, Vilela MEA. Progress in childbirth care in Brazil: preliminary results of two evaluation studies. Cad Saude Publica 2019; 35(7):e00223018.,77 Andrade MAC, Lima JBMC. O Modelo Obstétrico e Neonatal que defendemos e com o qual trabalhamos. In: Cadernos HumanizaSUS: humanização do parto e nascimento. Brasília: Editora MS; 2004. v. 4. p. 437-443.,1717 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Diretriz Nacional de Atenção ao parto normal. Brasília: Editora MS, 2016.,1818 Pasche DF, Vilela MEA, Martins CP. Humanização da atenção ao parto e nascimento no Brasil: pressupostos para uma nova ética na gestão e no cuidado. Tempus - Actas Saude Coletiva 2010; 4(4):105-117.. A maioria destas recomendações reafirma o potencial fisiológico do parto e reforça a ideia de que as ações de cuidado são essenciais para se alcançar bons resultados66 Leal MDC, Bittencourt AS, Esteves-Pereira AP, Ayres BVS, Silva LBRA, Thomaz EBAF, Lamy ZC, Nakamura-Pereira M, Torres JA, Gama SGN, Domingues RMSM, Vilela MEA. Progress in childbirth care in Brazil: preliminary results of two evaluation studies. Cad Saude Publica 2019; 35(7):e00223018.,77 Andrade MAC, Lima JBMC. O Modelo Obstétrico e Neonatal que defendemos e com o qual trabalhamos. In: Cadernos HumanizaSUS: humanização do parto e nascimento. Brasília: Editora MS; 2004. v. 4. p. 437-443.,1717 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Diretriz Nacional de Atenção ao parto normal. Brasília: Editora MS, 2016..

Há, porém, um descompasso entre as evidências e a sua incorporação nos serviços, apontando para o desafio de ampliar, nos hospitais, a capacidade de alterar seus processos de trabalho e as práticas cotidianas a que estão habituados, para produzir mais e melhor saúde1818 Pasche DF, Vilela MEA, Martins CP. Humanização da atenção ao parto e nascimento no Brasil: pressupostos para uma nova ética na gestão e no cuidado. Tempus - Actas Saude Coletiva 2010; 4(4):105-117.. Ainda permanecem, nos serviços de atenção obstétrica, práticas não recomendadas, deletérias à saúde da mulher e do bebê, e baixa incorporação do que é preconizado como um bom cuidado1818 Pasche DF, Vilela MEA, Martins CP. Humanização da atenção ao parto e nascimento no Brasil: pressupostos para uma nova ética na gestão e no cuidado. Tempus - Actas Saude Coletiva 2010; 4(4):105-117.

19 World Health Organization (WHO). Recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: WHO; 2018.
-2020 Leal MC, Esteves-Pereira AP, Domingues RMSM, Theme Filha MM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Bastos MH, Gama SGN. Intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres brasileiras de risco habitual. Cad Saude Publica 2014; 30(Supl. 1):17-32..

O projeto de avaliação das maternidades vinculadas à RC abarcou o desafio de contribuir com a mudança neste cenário complexo, criando oportunidades para envolver os sujeitos do trabalho (gestores e trabalhadores), buscando a sua corresponsabilização, trazendo metodologia dialógica que fuja da perspectiva de simples aferição e enquadramento dos serviços a partir de um olhar externo99 Santos-Filho SB. Perspectivas da avaliação na Política Nacional de Humanização em Saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cien Saude Colet 2007; 12(4):999-1010..

Para além de aferir o grau de implementação das diretrizes e dispositivos da RC, este processo avaliativo atentou para a possibilidade de acionar coletivos, de modo a colocar em análise suas práticas e seus modos de organização do trabalho99 Santos-Filho SB. Perspectivas da avaliação na Política Nacional de Humanização em Saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cien Saude Colet 2007; 12(4):999-1010..

Uma premissa no processo de elaboração e implementação da avaliação das maternidades foi a de que o valor de uma avaliação está na relação direta da sua utilidade para a melhoria da prática cotidiana das políticas e da aprendizagem organizacional, com ganhos para os resultados pretendidos. Portanto, a avaliação tomou como base o que Figueiró et al.2121 Figueiró AC, Hartz Z, Samico I, Cesse EAP. Usos e influência da avaliação em saúde em dois estudos sobre o Programa Nacional de Controle da Dengue. Cad Saude Publica 2012; 28(11):2095-2105. destacam: a avaliação com foco na sua aplicabilidade, com o envolvimento dos interessados (stakeholders), gerando mudanças de pensamento e comportamento, nas práticas e cultura institucionais, como resultado da aprendizagem durante o processo avaliativo. Adotar o pressuposto de foco na utilidade requer a necessária coerência entre os propósitos e os procedimentos da avaliação.

Levando em conta a importância da sinergia e sintonia entre os formuladores e os gestores de políticas que vêm atuando no mundo real, mais os pesquisadores sociais, voltados para a reflexão teórica e a validação dos seus estudos entre pares, foi constituído um grupo coordenador ampliado de avaliadores com representantes da coordenação geral de saúde das mulheres e das crianças do Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas/MS, da ENSP/Fiocruz e da UFMA.

No bojo dos objetivos desta avaliação foram envolvidas questões caras para o SUS: (i) aferir o grau de implantação das boas práticas de atenção ao parto e nascimento; (ii) reconhecer as potencialidades das equipes das maternidades e gestores locais; (iii) identificar as fragilidades na implementação das boas práticas; e (iv) promover articulação local e ampliar a capacidade de reflexão e ação de gestores do SUS e equipes das maternidades.

O modelo de avaliação adotado partiu do pressuposto de que a valorização dos diferentes sujeitos e dos coletivos, assim como a indissociabilidade entre os modos de gerir e cuidar, produzem maior autonomia e capacidade de transformar a realidade do trabalho99 Santos-Filho SB. Perspectivas da avaliação na Política Nacional de Humanização em Saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cien Saude Colet 2007; 12(4):999-1010.. Desta forma, questões relacionadas ao modelo de gestão da instituição foram consideradas, com o intuito de estimular a reflexão sobre a existência ou não de dispositivos que tornam a gestão mais ou menos participativa, com inclusão de trabalhadores e usuárias. Diante da complexidade do tema várias, dimensões da assistência ao parto e nascimento foram examinadas, a saber: acesso e qualidade dos serviços, modelo de atenção e gestão do cuidado, acolhimento, resolubilidade, boas práticas e intervenções desnecessárias no parto e nascimento, tendo como referência a Política Nacional de Humanização55 Cavalcanti PCS, Gurgel Junior GD, Vanconcelos ALR, Guerrero AVP. Um modelo lógico da Rede Cegonha. Physis 2013; 23(4):1297-1316.

6 Leal MDC, Bittencourt AS, Esteves-Pereira AP, Ayres BVS, Silva LBRA, Thomaz EBAF, Lamy ZC, Nakamura-Pereira M, Torres JA, Gama SGN, Domingues RMSM, Vilela MEA. Progress in childbirth care in Brazil: preliminary results of two evaluation studies. Cad Saude Publica 2019; 35(7):e00223018.
-77 Andrade MAC, Lima JBMC. O Modelo Obstétrico e Neonatal que defendemos e com o qual trabalhamos. In: Cadernos HumanizaSUS: humanização do parto e nascimento. Brasília: Editora MS; 2004. v. 4. p. 437-443.,2020 Leal MC, Esteves-Pereira AP, Domingues RMSM, Theme Filha MM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Bastos MH, Gama SGN. Intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres brasileiras de risco habitual. Cad Saude Publica 2014; 30(Supl. 1):17-32.,2222 Pasche DF, Passos E, Hennington EA. Cinco anos da política nacional de humanização: trajetória de uma política pública. Cien Saude Colet 2011; 16(11):4541-4548.,2323 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Humanização (PNH): HumanizaSUS - Documento-Base. 3ª ed. Brasília: Editora MS; 2006., a RC11 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria de Consolidação nº 3, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2017; 3 out., as Normas das Boas Práticas ao Parto e Nascimento2424 Organização Mundial de Saúde (OMS). Assistência ao Parto Normal: um guia prático. Genebra: WHO; 1996.,2525 Organização Mundial de Saúde (OMS). Care in normal birth: a practical guide. Genebra: OMS; 1996., Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação cesariana2626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação cesariana. Brasília: Editora MS; 2015. e Diretrizes de Atenção à Gestante: parto normal1717 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Diretriz Nacional de Atenção ao parto normal. Brasília: Editora MS, 2016., a RDC n° 36/2008 da Anvisa88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução nº 36, de 3 de Junho de 2008. Dispõe sobre Regulamento Técnico para Funcionamento dos Serviços de Atenção Obstétrica e Neonatal. Diário Oficial da União 2008; 3 jun. e a RDC nº 50/2002 da Anvisa2727 Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução nº 50, de 21 de Fevereiro de 2002. Dispõe sobre o regulamento técnico para planejamento, programação, elaboração e avaliação de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde. Diário Oficial da União 2002; 21 fev.. Buscou-se elaborar instrumentos capazes de captar mudanças nos serviços para aprimorar os seus processos de trabalho.

Estas dimensões se traduziram nos instrumentos da avaliação, em diretrizes, dispositivos e itens de verificação. Diretrizes traduziram os eixos de investimentos necessários para a qualificação da atenção e gestão ao parto e nascimento. Dispositivos foram a aplicação das diretrizes em arranjos de processos de trabalho visando a promover mudanças nos modelos de atenção e de gestão, que podem ser concretos (ex.: uma reforma arquitetônica, um manual de instruções) e/ou imateriais (ex.: conceitos, valores, atitudes). Os itens de verificação deram objetividade aos dispositivos de modo a possibilitar a identificação das ações concretas para consolidar cada dispositivo2323 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Humanização (PNH): HumanizaSUS - Documento-Base. 3ª ed. Brasília: Editora MS; 2006.. O conjunto de questões estudadas foi relacionado às diretrizes da RC (Quadro 1).

Quadro 1
Caracterização das cinco Diretrizes norteadoras deste processo avaliativo.

O desenho metodológico

Tipo de estudo

Foi realizada Estimativa Rápida Participativa2828 Notarbartolo di Villarosa F. A estimativa rápida e a divisão do território no Distrito Sanitário: manual de instruções. In: Notarbartolo di Villarosa F. A estimativa rápida e a divisäo do território no Distrito Sanitário: manual de instruções. Brasília: OPS/OMS; 1993. p. 54.

29 Piovesan MF, Padrão MVV, Dumont UM, Gondim GM, Flores O, Pedrosa JI, Lima LFM. Vigilância Sanitária: uma proposta de análise dos contextos locais. Rev Bras Epidemiol 2005; 8(1):83-95.
-3030 Carneiro FF, Hoefel MG, Silva MAM, Nepomuceno AR, Vilela C, Amaral FR, Carvalho GPM, Batista JL, Lopes PA. Mapeamento de vulnerabilidades socioambientais e de contextos de promoção da saúde ambiental na comunidade rural do Lamarão, Distrito Federal, 2011. Rev Bras Saude Ocup 2012; 37(125):143-148., recomendada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) para orientar o processo de diagnóstico de uma situação de saúde. Esta técnica consiste em uma abordagem simples e rápida para se obter informações que reflitam as condições locais, a partir da ótica dos diferentes atores sociais envolvidos com os problemas. O método, ao se apoiar no planejamento participativo, concilia o conhecimento teórico com o saber prático, de modo a facilitar ao gestor desenvolver o planejamento local em conjunto com a própria comunidade que recebe e avalia o serviço.

Local e período do estudo

Foram incluídos os hospitais públicos e mistos (privados conveniados ao SUS) que, em 2015, preenchiam os seguintes critérios: ter realizado 500 ou mais partos em região de saúde com Plano de Ação da RC, independente da liberação de recursos (n = 582); ter realizado menos de 500 partos, em região de saúde com plano de ação da RC e com liberação de recursos. Do total de estabelecimentos de saúde investigados, 351 (58%) eram públicos e o restante misto, distribuídos em 408 municípios (Figura 1), estando 176 (29%) localizados em capitais e 430 (71%), no interior.

Figura 1
Municípios com estabelecimentos avaliados.

Todas as unidades da federação foram incluídas, sendo 86 maternidades na Região Norte, 174 na Nordeste, 224 na Sudeste, 81 no Sul e 41 no Centro-oeste. Este conjunto de hospitais foi responsável por quase 50% dos partos realizados no país e 61,2% dos partos do SUS em 2017 (Sinasc). Na Tabela 1 pode-se observar a distribuição das maternidades por natureza jurídica e volume de partos para o ano de 2017. A coleta de dados foi realizada entre dezembro de 2016 e outubro de 2017.

Tabela 1
Distribuição das maternidades por natureza jurídica e volume de partos (número de nascidos vivos), Brasil 2017.

Participantes, técnicas e instrumento de coleta de dados

Para refletir todos os aspectos das diretrizes, várias estratégias metodológicas foram empregadas, possibilitando a análise a partir de diversos pontos de vista. Foram utilizadas três diferentes técnicas de coleta de dados: 1 – entrevista estruturada; 2 – análise documental; e 3 – observação in loco.

As entrevistas foram realizadas com três informantes-chave: gestores; profissionais de saúde e puérperas. O intuito foi verificar a percepção dos mesmos quanto ao modelo de gestão e atenção ao parto e nascimento.

Para os gestores das maternidades, coordenadores/chefes (médico e enfermeiro) da Obstetrícia e da Neonatologia, a entrevista foi coletiva. Para os demais informantes-chave, as entrevistas foram individuais. Ao todo foram realizadas 606 entrevistas coletivas envolvendo 2.504 gestores.

O quantitativo de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem) entrevistados individualmente por maternidade foram selecionados de forma intencional, a qual variou segundo o volume de partos em 2015. Em maternidades com até 1.000 partos/ano foram entrevistados cinco trabalhadores: um médico e um enfermeiro lotados na Obstetrícia e o mesmo número na Neonatologia/Pediatra, e um técnico de enfermagem. Nas maternidades com 1.000 partos ou mais foram entrevistados dez profissionais: dois médicos, dois enfermeiros e um técnico de enfermagem lotados na Obstetrícia, e o mesmo número na Neonatologia/Pediatria. O conjunto correspondeu a 5.132 profissionais de saúde. Foram excluídos do estudo gestores e profissionais com menos três meses de atuação na maternidade.

Por fim, foram selecionadas todas as puérperas cujo nascimento tivesse ocorrido no estabelecimento desde as 00:00h do primeiro dia de permanência da equipe no campo até as 23:59h do último dia. Foram excluídas puérperas com transtorno mental grave, que não compreendiam o português, com deficiência auditiva, internadas por aborto ou na Unidade de Terapia Intensiva no pós-parto.

O tamanho amostral mínimo de puérpera em cada macrorregião foi calculado com base em uma taxa de parto vaginal de 50%, para detectar diferenças de 5%, com nível de significância de 5% e poder de 80%, totalizando um mínimo de 1.800 puérperas para cada macrorregião. Para que a amostra tivesse tamanho proporcional ao número de nascimentos na macrorregião estabeleceu-se um número fixo de dias de inclusão de puérperas em cada macrorregião, de acordo com o tamanho da população: dois dias nas regiões Sudeste e Nordeste, quatro dias na região Norte, cinco dias na região Sul e sete dias na região Centro-Oeste. Esta estratégia possibilitou a captação entre 1.800 e 2.500 puérperas por macrorregião, com inclusão total de 10.665 puérperas distribuídas nos 606 estabelecimentos.

A análise documental teve por objetivo obter informações sobre a gestão dos serviços, processos de trabalho e organização do cuidado, bem como verificar a disponibilidade de indicadores de processo e resultados da assistência ao parto e nascimento. Foram solicitados protocolos, normas e rotinas, e avaliada a disponibilidade dos mesmos. Também foram obtidos os seguintes dados do prontuário das puérperas: tipo de parto, trabalho de parto espontâneo ou induzido, analgesia no trabalho de parto, dieta, uso de partograma, ocitocina, amniotomia, episiotomia, realização de manobra de Kristeller; e do RN: índice de Apgar, peso ao nascer, idade gestacional, uso de oxigênio, admissão em UTI Neonatal, aleitamento materno e condições de alta ou óbito.

A observação in loco teve a finalidade de avaliar processos de cuidado e condições de infraestrutura, planta física, equipamentos, materiais, insumos e contagem de leitos obstétricos e neonatais do hospital. Essa observação foi feita percorrendo o estabelecimento com o acompanhamento de funcionário indicado pela direção e, sempre que possível, de representante da Secretaria Estadual de Saúde e da Secretaria Municipal de Saúde.

No total foram utilizados sete instrumentos de campo: questionário do gestor; questionário do trabalhador; questionário da puérpera; análise de prontuário; roteiro de observação; roteiro de análise de documentos e de contagem de leitos.

Os dados coletados foram registrados em formulário eletrônico, na plataforma web - REDCap (Research Electronic Data Capture). Após a coleta foi realizada a análise crítica e a limpeza das bases de dados para garantir a completude, a cobertura e a consistência.

Trabalho de campo

O trabalho de campo, realizado por meio de visitas em cada maternidade, contou com equipe constituída por um supervisor e por avaliadores para cada estado. Foram selecionados profissionais de saúde com experiência de trabalho em maternidades, disponibilidade de tempo e habilidades em comunicação e informática.

Com a finalidade de garantir a padronização das equipes e o bom desenvolvimento do trabalho de campo foi realizada capacitação teórica e prática com carga horária mínima de 40h para supervisores e avaliadores, sob a responsabilidade da coordenação regional da avaliação e de técnicos do MS. Também participaram da capacitação representantes das instituições parceiras – SES, SMS e COSEMS – que, sempre que possível, acompanharam a aplicação do instrumento análise documental e a observação in loco. Os diretores foram contatados por correio eletrônico com explicação da avaliação e, após o consentimento, a visita era agendada.

Análise dos dados

São inúmeras as possibilidades de abordagens e desenhos analíticos que podem ser construídos a partir das bases de dados do estudo. Para avaliar o grau de implantação de boas práticas da atenção ao parto e nascimento nas maternidades públicas do Brasil foi construída uma matriz de julgamento atendendo ao que está estabelecido nos documentos e na legislação que norteiam a RC3737 Bittencourt DAS, Vilela MEA. Atenção ao Parto e Nascimento em Maternidades da Rede Cegonha: avaliação do grau de implantação das ações. Cien Saude Colet 2021; 26(3):801-822.. O modelo de avaliação escolhido considerou a especificidade de diferentes contextos, a característica multifacetada da assistência ao parto e nascimento e incorporou ferramentas participativas, que a partir da percepção de distintos ângulos – usuárias, profissionais de saúde e gestores sobre a assistência ao parto e nascimento prestada pela maternidade, produziu um resultado mais aproximado da realidade.

A matriz de julgamento foi composta pelas cinco diretrizes da RC, que se desdobraram em dezessete dispositivos que, por sua vez, se concretizam em sessenta itens de verificação. Estes foram selecionados de modo a refletir o que é essencial na qualificação do cuidado a todas as mulheres e bebês, aquilo que precisa ser alterado ou potencializado, refletindo o modelo de atenção apontado pelas políticas públicas. O cumprimento dos critérios estabelecidos consistiu na combinação e no cruzamento dos pontos de vista dos informantes – chaves e nas informações obtidas através análise documental e observação in loco. A validação da matriz contou com a participação de técnicos do Ministério da Saúde da Coordenação Geral da Saúde das Mulheres e da Criança e Aleitamento Materno, e do Departamento de Ciência e Tecnologia, professores do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão e pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública e do Instituto Nacional da Mulher, Criança e Adolescente, da Fiocruz.

Além de constituir um instrumento de avaliação da política pública implantada, o conjunto de variáveis que compõem as diversas bases de dados permite conhecer o perfil sociodemográfico e de saúde das mulheres e neonatos, a estrutura, o processo e os resultados das maternidades avaliadas, assim como correlacionar os agravos e os problemas de saúde deste grupo populacional com as condições sociais, o uso, o acesso e a qualidade da atenção prestada, permitindo a descrição e a quantificação das iniquidades em saúde. Também possibilita avaliar o grau de satisfação da mulher usuária do SUS, quanto a atenção recebida durante a internação para o parto.

Os dados foram processados em software estatístico (Stata versão 14 e R; SPSS versão 21).

Devolutiva dos resultados

Em concordância com os objetivos da avaliação das maternidades da Rede Cegonha, a devolutiva aos estados e serviços foi planejada de modo a incluir de forma ampla, nas oficinas estaduais, o MS, as instituições parceiras, os gestores, os trabalhadores e as instituições executoras da avaliação (ENSP/UFMA).

Relatórios avaliativos foram elaborados para cada estado brasileiro, divididos em três partes: (i) características das maternidades, dos gestores, dos trabalhadores e das puérperas participantes, (ii) resultados por diretriz, dispositivo e item de verificação por estado e maternidades, (iii) resultados estaduais de itens não pontuados. Os itens não pontuados se referem àqueles incluídos nas entrevistas com gestores e trabalhadores com efeito indutor.

A elaboração dos relatórios específicos por maternidade teve como critério norteador favorecer a reflexão coletiva e compartilhada sobre a situação atual dos serviços, posto que a informação produzida, além de representar uma situação do ano anterior, tinha o pretexto de ser utilizada como ferramenta para dialogar com os sujeitos envolvidos99 Santos-Filho SB. Perspectivas da avaliação na Política Nacional de Humanização em Saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cien Saude Colet 2007; 12(4):999-1010.. Dessa forma, o retrato encontrado no momento da avaliação pôde ser discutido à luz da situação atual, convocando os serviços a exercitarem o olhar avaliativo sobre seu próprio fazer em saúde99 Santos-Filho SB. Perspectivas da avaliação na Política Nacional de Humanização em Saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cien Saude Colet 2007; 12(4):999-1010.. O relatório de cada maternidade foi construído de modo a permitir esta análise comparativa entre a situação encontrada e a situação atual em cada item de verificação3838 Silva LBRAA, Augusto LCR, Minoia N, Silva CKRT. Avaliação da Rede Cegonha: devolutiva dos resultados para as maternidades. Cien Saude Colet 2021; 26(3): 931-940..

Nessa perspectiva, a devolutiva mostrou-se um dispositivo de fortalecimento do espaço gestor de produção de responsabilização para com os achados da avaliação e de elaboração de estratégias para superação das fragilidades encontradas.

O feedback positivo dos gestores estaduais ao MS sobre a adequação e a compatibilidade dos resultados das maternidades, por ocasião da reunião preparatória para a devolutiva aos serviços, reafirmou a consistência do escopo do processo avaliativo e dos resultados apresentados. Nada foi novidade, mas propiciou dar mais luz, consistência e evidência científica para reafirmar os focos de investimento necessários à mudança de práticas de atenção e gestão nas maternidades.

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Maranhão e da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, em 14 de dezembro de 2016. Todas as mulheres puérperas entrevistadas concederam suas entrevistas e a cessão das informações por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), do qual receberam uma cópia.

Considerações finais

Avaliar as práticas de gestão e atenção ao parto e nascimento mostrou-se um desafio diante da complexidade do tema, da prática insuficiente de monitoramento e avaliação nas maternidades, além da ausência de sistemas nacionais de informação que registrem as ações de cuidado obstétrico e neonatal.

Durante a elaboração e a validação dos instrumentos observou-se a dificuldade de mensuração dos processos de trabalho e arranjos de gestão por meio de instrumentos estruturados de forma quantitativa. Desafio que merece um novo olhar para um próximo ciclo avaliativo.

Alguns limites metodológicos foram observados. Contar com a análise subjetiva de gestores e trabalhadores traz em si nuances de posicionamentos mais ou menos críticos diante das questões avaliadas. Hospitais em processo ainda incipiente de incorporação das boas práticas, evidenciado pelas respostas negativas das puérperas, tinham uma tendência à supervalorização da resposta ao item pelos gestores e/ou trabalhadores. O inverso também foi observado em hospitais mais avançados na implementação das boas práticas que, de modo geral, foram mais rigorosos nas suas críticas e se autoclassificaram mais negativamente. Isto foi superado, em parte, com atribuição de maior valor para a resposta da puérpera no item avaliativo, e tratado de forma crítica e reflexiva no momento das devolutivas aos serviços.

Quando não era possível obter informação da puérpera, foi atribuído valor global menor ao item, por se entender que ali não estavam inscritas as perspectivas de todos os envolvidos.

As diferenças de porte, número de partos e a tipologia assistencial das maternidades (baixo e alto risco), foram relatadas nas devolutivas de alguns estados como fatores dificultadores para a implementação de determinados processos de trabalho. A explicação sobre a metodologia empregada para a obtenção dos resultados trouxe clareza às discussões sobre o que é essencial para a qualificação da atenção ao parto e nascimento para toda e qualquer parturiente, de baixo ou alto risco. O debate oportunizou identificar as dificuldades dos serviços para mudar o modo tradicional de assistência e incorporar práticas novas, recomendadas cientificamente. Considerando que os hospitais representam uma das instituições contemporâneas mais impermeáveis a mudanças, as discussões favoreceram a reflexão sobre a necessidade de novas atitudes e posicionamentos.

Ainda que difíceis de mensurar, os cruzamentos dos resultados entre os diversos itens avaliados propiciaram uma leitura mais aproximada de questões complexas da organização dos processos de trabalho nos serviços.

Dentre os objetivos da avaliação da atenção ao parto e nascimento nas maternidades da Rede Cegonha ressalta-se a desafiante tarefa de se fazer movimento, promovendo articulação local e ampliando a capacidade de reflexão e ação de gestores do SUS e equipes das maternidades. Nesse sentido pode-se afirmar que, enquanto ação transformadora em serviços de cuidado obstétrico e neonatal, o projeto de avaliação das maternidades abriu novas perspectivas e produziu aprendizados. A importância de trazer a avaliação para o campo da reflexão conjunta se traduziu em metodologias e instrumentos com potencial de ampliar, junto aos trabalhadores e gestores das maternidades a capacidade de análise na rotina dos serviços.

O que se evidenciou como resultado foi um movimento coletivo potente na maioria dos estados, traduzido na participação ativa de gestores e trabalhadores nos diversos momentos, desde a preparação para a entrada em campo, reuniões iniciais com gestores do SUS local, até o momento da avaliação in loco e oficinas de devolutiva. Este último ponto se mostrou particularmente potente quanto ao envolvimento dos participantes (gestores e trabalhadores) na análise dos resultados, bem como sua corresponsabilização na construção de estratégias para tratar de situações que precisam ser mudadas até alcançar os resultados pretendidos.

Este parece ser o maior legado do processo avaliativo das maternidades da Rede Cegonha: uma experimentação que possibilitou ampliar, nas equipes, o potencial de ação por meio do exercício de trazer o âmbito avaliativo para o dia a dia do trabalho em saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2020
  • Aceito
    10 Jun 2020
  • Publicado
    12 Jun 2020
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br