Conhecimentos e atitudes de crianças escolares sobre prevenção de acidentes

Tahoane da Silva Reis Iasmim dos Santos Oliveira José Marcos de Jesus Santos Anny Giselly Milhome da Costa Farre Iellen Dantas Campos Verdes Rodrigues Adriana Moraes Leite Carla Kalline Alves Cartaxo Freitas Sobre os autores

Resumo

Os acidentes são frequentes na infância em razão da menor percepção de risco e maior vulnerabilidade à desastres. O objetivo deste estudo foi analisar os conhecimentos e as atitudes de crianças escolares em relação à prevenção de acidentes e os fatores associados. Trata-se de um estudo quantitativo e transversal realizado entre novembro e dezembro de 2017 em Simão Dias, Sergipe, Brasil. A partir de cálculo amostral, foram avaliadas por meio de entrevista com uso de imagens ilustrativas 97 crianças escolares de sete a nove anos. Os resultados mostraram que pouco mais da metade das crianças entrevistadas consideram o uso de equipamentos de proteção individual uma forma de prevenir lesões em casos de acidentes (58,8%; n=57), sendo menos frequente entre as que possuíam menor escolaridade (RP: 0,66; IC95%: 0,16-0,99). O conhecimento e/ou uso desses equipamentos foi de 60,8% (n=59) para cinto de segurança, 54,6% (n=53) para capacete, 47,4% (n=46) para joelheira e 40,2% (n=39) para cotoveleira. Em relação às atitudes, 20,6% (n=20) responderam que não há problemas em colocar a mão (sem lavar) sobre o machucado e 12,4% (n=12) em atravessar a rua sem a companhia de um adulto. Concluiu-se que as crianças escolares avaliadas possuem conhecimentos e atitudes equivocadas sobre prevenção de acidentes.

Palavras-chave
Criança; Prevenção de Acidentes; Equipamentos de Proteção

Introdução

Os acidentes são eventos evitáveis e não intencionais com possibilidade de danos físicos e/ou emocionais. Podem ocorrer no âmbito doméstico ou social e são responsáveis por elevada morbimortalidade em nível mundial11 Malta DC, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Carvalho MGO, Barufaldi LA, Avanci JQ, Bernal RTI. The occurrence of external causes in childhood in emergency care: epidemiological aspects, Brazil, 2014. Cien Saude Colet 2016; 21(12):3729-3744.,22 World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Geneva: WHO; 2008.. Estima-se que 10 milhões de crianças sejam vítimas de lesões em decorrência de acidentes por ano33 Acar E, Dursun OB, Esin IS, Ogüthü H, Ozcan H, Muthu M. Unintentional Injuries in Preschool Age Children. Is there a correlation with parenting style and parental attention deficit and hyperactivity symptoms. Medicine 2015; 94:1378.. No Brasil, os acidentes têm também alcançado grandes proporções, sobretudo na infância, tornando-se em um sério problema de saúde pública44 Filócomo FRF, Harada MJCS, Mantovani R, Ohara CVS. Perfil dos acidentes na infância e adolescência atendidos em um hospital público. Acta Paul Enferm 2017; 30(3):287-294.,55 Gomes LMX, Rocha RM, Barbosa TLA, Silva CSO. Descrição dos acidentes domésticos ocorridos na infância. O Mundo da Saúde 2013; 37:394-400.. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), anualmente, em todo o mundo, morrem cerca de 830 mil crianças vítimas de acidentes66 Peden M, Oyegbite K, Ozanne-Smith J, Hyder A A, Branche C, Rahman AKM F, Bartolomeos FRK. World report on child injury prevention. Genebra: WHO; 2008..

O Ministério da Saúde considera que o período de ingresso da criança na escola é marcado por avanços notáveis na construção de um comportamento autônomo, e que a ampliação desta independência pode favorecer à maior exposição aos riscos. Destaca ainda que embora seja muito difundida a ideia de que os acidentes são meras fatalidades, grande parte dos casos não ocorreria se as pessoas estivessem aptas a evitá-los através comportamentos e hábitos seguros e de proteção que previnem a ocorrência de adoecimentos e/ou mortes provocadas por acidentes77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Caderno do gestor do PSE. Brasília: MS; 2015..

Sabe-se que quanto mais imatura for a criança, menor sua percepção de risco e maior a sua vulnerabilidade à acidentes e desastres55 Gomes LMX, Rocha RM, Barbosa TLA, Silva CSO. Descrição dos acidentes domésticos ocorridos na infância. O Mundo da Saúde 2013; 37:394-400.. Essa vulnerabilidade é variável em função do nível de coordenação do sistema nervoso, aptidão motora, senso de percepção de risco e proteção dispensada à criança pela mãe e demais familiares88 Brasil. Ministério da Integração Nacional. Redução das vulnerabilidades aos desastres e acidentes na infância. Secretaria Nacional de Defesa Civil. Brasília: Ministério da Integração Nacional; 2002.. Uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro (BR) com responsáveis maiores de 22 anos identificou elevado desconhecimento sobre formas de prevenção de acidentes domésticos envolvendo crianças99 Miranda IFA, Soares R, Torre K, Costa A, Fonseca T, Fernandes MG. Conhecimento dos responsáveis sobre a prevenção de acidentes domésticos envolvendo crianças. Rev Pediatr SOPERJ 2015; 15:6-12.. Isso é preocupante ao considerarmos que em um estudo italiano foi evidenciado que 86% dos pacientes internados por queimaduras possuíam até 9 anos de idade1010 Cedri S, Briguglio E, Cedri C, Masellis A, Crença A, Pitidis A. Development of an effective communication strategy for the prevention of burns in children: the prius project. Annals Burns Fire Disasters 2015; 28(2):88-93. e que, no Brasil, entre 2008 e 2015, houve um aumento de 37% nas internações por queimaduras e de 19% por acidentes de trânsito envolvendo pessoas de até 14 anos1111 Brasil. Criança segura safe kids. 15 anos da criança no Brasil - Análise de indicadores de mortes e internações por acidentes na infância e adolescência desde 2001, Edição Vanessa Machado. 2016. Disponível em: s://criancasegura.org.br/wp-content/uploads/2016/10/livreto-15-anos-v2D-2016-08-29-simples.pdf
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Em 2013, o número absoluto de óbitos por causas externas entre crianças brasileiras de 0 a 9 anos foi de 3.745, ocupando o 3º lugar na classificação das mortes infantis11 Malta DC, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Carvalho MGO, Barufaldi LA, Avanci JQ, Bernal RTI. The occurrence of external causes in childhood in emergency care: epidemiological aspects, Brazil, 2014. Cien Saude Colet 2016; 21(12):3729-3744.. As causas externas incluem eventos acidentais (por trânsito, quedas, afogamentos, entre outros) e intencionais (agressões e lesões autoprovocadas)1212 Lima LLN, Neves Junior R. Brigada Estudantil de Prevenção de Acidentes e Primeiros Socorros em Palmas (TO). Rev Bras Educ Méd 2016; 40(2):310-313.. Além disso, estudo recentemente realizado em São Paulo identificou que, durante o ano de 2016, foram notificados 2.636 casos de acidentes de trânsito envolvendo crianças e adolescentes, sendo 1.579 na condição de ocupantes de veículos (59,9%) e 990 de pedestres (37,6%)1313 Rodrigues C, Rizzo T, Merici G, Ribas M, Górios C. Perfil epidemiológico dos acidentes de trânsito entre crianças e adolescentes. Arqu Catarinenses Med 2017; 46:91-102.. Isso reforça a necessidade e o dever da sociedade em assegurar a esses grupos populacionais um ambiente de proteção, com a garantia de adequado desenvolvimento físico, mental e social11 Malta DC, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Carvalho MGO, Barufaldi LA, Avanci JQ, Bernal RTI. The occurrence of external causes in childhood in emergency care: epidemiological aspects, Brazil, 2014. Cien Saude Colet 2016; 21(12):3729-3744..

Cita-se, ainda, o papel da família e/ou responsáveis em garantir um ambiente doméstico seguro. Medidas simples como retirar/dificultar o acesso à objetos pontiagudos e materiais de limpeza são suficientes para diminuir o risco de acidentes nesta faixa etária99 Miranda IFA, Soares R, Torre K, Costa A, Fonseca T, Fernandes MG. Conhecimento dos responsáveis sobre a prevenção de acidentes domésticos envolvendo crianças. Rev Pediatr SOPERJ 2015; 15:6-12.. Alguns fatores como rede alta, presença de escadas ou degraus sem corrimão e saídas e passagens mantidas com brinquedos, móveis, caixas ou outros itens obstrutivos são associados a quedas em crianças menores de cinco anos1414 Brito MA, Melo AMN, Veras IC, Oliveira CMS, Bezerra MAR, Rocha SS. Fatores de risco no ambiente doméstico para quedas em crianças menores de cinco anos. Rev Gaúcha Enferm 2017; 38:1-9..

Acredita-se que a escola é o espaço ideal para abordagem da prevenção de acidentes e de primeiros socorros ainda na infância1515 Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS). Elaboração de uma cartilha de Primeiros Socorros como instrumento do processo ensino-aprendizagem para crianças. Campinas: GGBS da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP; 2015.. Estudo nacional mostrou que a realização de atividades educativas é suficiente para ampliação de conhecimentos sobre riscos para acidentes infantis e formas de prevenção pelas crianças e seus familiares/responsáveis1616 Nascimento EN, Gimeniz-Paschoal SR, Sebastião LT, Ferreira NP. Ações intersetoriais de prevenção de acidentes na educação infantil: opiniões do professor e conhecimentos dos alunos. J Human Growth Development 2013; 23:99-106.. As medidas de prevenção de acidentes devem acontecer antes do início de quaisquer tarefas e serem mantidas até a conclusão das mesmas. Os primeiros socorros, por sua vez, são condutas de suporte em situação de sofrimento ou risco de morte e podem ser realizados por leigos ou profissionais de saúde1717 Singletary EM, Charlton NP, Epstein JL, Ferguson JD, Jensen JL, MacPherson AI. American Heart Association and American Red Cross Guidelines Update for First Aid. Circulation 2015; 18:574-589..

Em casos de acidentes na escola, tendo o mínimo de conhecimento sobre primeiros socorros, faz-se necessária a prestação de assistência às crianças envolvidas1818 Cambion FF, Fernandes LM. Primeiros socorros para o ambiente escolar. Cambion FF, Fernandes LM, organizadoras. Porto Alegre: Evangraf; 2016.. Logo, torna-se essencial a realização de atividades educativas sobre essa temática nos diferentes segmentos sociais e grupos etários, adaptando apenas a linguagem à realidade dos ouvintes1919 Costa CWA, Moura DL, Costa FLO, Melo RS, Moreira SR. Unidade didática de ensino dos primeiros socorros para escolares: efeitos do aprendizado. Pensar Prática 2015; 18(2):338-349..

Nesta perspectiva, o presente estudo pode contribuir para a formulação de estratégias específicas com abordagem teórico-prática sobre prevenção de acidentes e primeiros socorros voltadas às crianças no ambiente escolar. Portanto, objetivou-se analisar o conhecimento e as atitudes de crianças escolares em relação à prevenção de acidentes e os fatores associados.

Métodos

Trata-se de um estudo quantitativo e transversal, com abordagens descritiva e analítica, realizado nos meses de novembro e dezembro de 2017 no município de Simão Dias, Sergipe, Brasil. Foram avaliadas por meio de entrevista com uso de imagens ilustrativas 97 crianças com idade entre sete e nove anos, proporcionalmente distribuídas entre três escolas públicas de ensino fundamental.

A população elegível ao presente estudo era composta por 120 crianças com base nas informações disponibilizadas pela direção das instituições. A partir disso, foi realizado o cálculo amostral usando a fórmula de Barbetta2020 Barbetta PA. Estatística aplicada às ciências sociais. 7ª ed. Santa Catarina: UFSC; 2011., sendo considerado um nível de confiança de 95% e de erro amostral de 5%. Acrescentou-se ainda uma margem de segurança para possíveis perdas ou desistências de 5% no número calculado, o que resultou em 97 crianças entrevistadas.

Os escolares foram previamente selecionados por amostragem aleatória simples, a partir de uma listagem de presença diária, sendo considerados elegíveis todos os que possuíam idade entre sete e nove anos e estivessem efetivamente matriculados e frequentando às aulas. Em seguida, realizou-se a convocação de ao menos um dos responsáveis legais por cada criança selecionada para que se fizessem presentes na respectiva instituição de ensino e, assim, pudessem assinar voluntariamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para liberação da criança e início da entrevista. Foram excluídos da seleção aleatória simples os escolares com problemas cognitivos que pudessem interferir na compreensão dos questionamentos deste estudo.

Para coleta dos dados foram realizadas entrevistas face a face com uso de imagens ilustrativas entre as crianças acompanhadas de seus responsáveis. O questionário era composto por questões sociodemográficas e outras relacionadas aos comportamentos de risco para acidentes dentro e fora do ambiente doméstico e primeiros socorros. Todos os questionamentos eram claros e objetivos e com linguagem adequada à faixa etária. As imagens foram usadas visando um melhor entendimento das questões, tratava-se de ilustrações referentes à forma correta de atravessar a rua, prevenção de lesões ao andar de bicicleta, execução de atividades com ferro de passar, preparo de alimentos, manuseio de panela quente, faca e fogão, além dos meios de proteção durante a locomoção de carro, moto e/ou bicicleta.

Na análise dos fatores individuais associados ao conhecimento dos escolares sobre prevenção de acidentes e primeiros socorros foram utilizadas as seguintes variáveis: sexo (feminino x masculino), idade (7 anos x 8 ou 9 anos) e série escolar (1ª ou 2ª série de ensino fundamental x 3ª ou 4ª série) versus entendimento da importância do uso de equipamentos de proteção na prevenção de acidentes e atuação correta em caso de queimaduras.

A análise estatística foi realizada por meio das técnicas univariada e bivariada para obtenção da distribuição dos valores das frequências absoluta e relativa. As associações foram investigadas pelos testes Qui-quadrado e Exato de Fisher. Estimou-se a Razão de Prevalência como medida de associação e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Em todos os casos foi adotada significância de 5%. O pacote utilizado foi o IBM® SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) 20.0 Mac (SPSS 20.0 Mac, SPSS Inc., Chicago, Illinois, EUA).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe. Todos os cuidados foram adotados visando garantir o sigilo e confidencialidade das informações, conforme preconiza a Resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisas envolvendo seres humanos. Os responsáveis legais pelas crianças assinaram o TCLE com garantia de recusa a qualquer momento, sem o sofrimento de danos por parte das instituições.

Resultados

A média de idade dos escolares foi de 7,9 anos (desvio padrão=0,8), sendo 7 a mínima e 9 a máxima (41,2%, n=40: 7 anos; 30,9%, n=30: 8 anos; 27,9%, n=27: 9 anos). Houve distribuição quase igualitária entre os sexos, com feminino correspondendo a 49,5% (n=48) e o masculino a 50,5% (n=49). Em relação à série na qual a criança encontrava-se matriculada, 27,8% (n=27) estavam na 1ª série do fundamental, 38,1% (n=37) na 2ª, 25,8% (n=25) na 3ª e 8,2% (n=8) na 4ª. A maioria residia em zona urbana (92,8%; n=90) e desconhecia o nível de escolaridade do pai (82,5%; n=80) e da mãe (72,2%; n=70). Quando questionados se os pais trabalhavam fora de casa, 82,5% (n=80) das crianças responderam positivamente em relação à figura paterna e 42,3% (n=41) à materna.

Pouco mais da metade dos entrevistados acreditavam que o uso dos equipamentos de proteção individual poderia prevenir lesões em caso de acidentes (58,8%; n=57) e o conhecimento e/ou uso desses equipamentos foi de 54,6% (n=53) para capacete, 47,4% (n=46) joelheira, 40,2% (n=39) cotoveleira e 22,7% (n=22) para protetor bucal. O costume de usar o cinto de segurança ao viajar de carro ou ônibus foi mencionado por 60,8% (n=59) da amostra (Tabela 1).

Tabela 1
Resultados descritivos das respostas das crianças sobre comportamentos de risco para acidentes fora de casa e primeiros socorros (n=97). Simão Dias, Sergipe, Brasil, 2017.

A maioria dos escolares respondeu que a forma adequada para atravessar a rua seria acompanhado de um adulto na faixa de pedestre (87,6%; n=85). No entanto, merece destacar que 7,2% (n=7) disseram que seria acompanhado dos amigos da mesma idade e 5,2% (n=5) sozinho (Tabela 1).

Além disso, em caso de lesões superficiais na pele, 44,3% (n=43) referiram que comunicam aos pais a necessidade de ir ao hospital/médico e 44,3% (n=43) lavam o local lesionado com água e sabão. Nesse sentido, chama atenção o fato de que 11,4% (n=11) preferem esconder o ferimento e não contar nada para os pais. Verificou-se ainda que 20,6% (n=20) da amostra colocam a mão (sem lavar) no local do ferimento logo após a ocorrência de quaisquer acidentes (Tabela 1).

De modo semelhante, em relação aos comportamentos de risco para acidentes dentro de casa, 17,5% (n=17) das crianças consideraram não haver problemas caso queiram utilizar o “ferro de passar” e não tinham certeza sobre o risco de queimaduras na pele com a sua utilização. Além disso, 25,8% (n=25) dos escolares acham que podem cozinhar/preparar alimentos na cozinha com ou sem auxílio de um adulto (Tabela 2).

Tabela 2
Resultados descritivos das respostas das crianças sobre comportamentos de risco para acidentes dentro de casa e primeiros socorros (n=97). Simão Dias, Sergipe, Brasil, 2017.

A análise da interferência das características dos escolares na consideração da importância do uso de equipamentos de proteção para prevenção de acidentes mostrou que esse pensamento foi menos frequente entre os que possuíam menor escolaridade (RP: 0,66; IC95%: 0,16-0,99) (p<0,05). Ademais, embora sem evidência estatística de associação, os resultados descritivos também mostraram que esse conhecimento foi maior entre as crianças com mais idade à época da pesquisa (Tabela 3).

Tabela 3
Associações entre o perfil dos escolares e o conhecimento sobre prevenção de acidentes com uso de equipamentos de proteção (n=97). Simão Dias, Sergipe, Brasil, 2017.

Em relação a análise da interferência das características dos escolares na atuação correta em casos de queimaduras, pontua-se que não foi observada associação estatisticamente significativa entre o sexo, idade ou série das crianças com essa atitude (p>0,05) (Tabela 4).

Tabela 4
Associações entre as características dos escolares e a atuação correta em caso de queimaduras (n=97). Simão Dias, Sergipe, Brasil, 2017.

Discussão

Foram evidenciados conhecimentos e atitudes equivocadas em relação à prevenção de acidentes e primeiros socorros entre as crianças escolares entrevistadas. Sabe-se que esse público é vulnerável à ocorrência de acidentes independente das condições sociais as quais pertence. Entretanto, alguns fatores como o baixo nível de educação materna, habitação precária, grande composição familiar e mães solteiras e jovens aumentam o risco de ocorrência de acidentes nesta faixa etária2121 Rede Nacional Primeira Infância. Plano nacional da primeira infância - projeto observatório nacional da primeira infância. Mapeamento da ação finalística evitando acidentes na primeira infância [Internet]. 2014 [acessado 2019 Mar 13]. Disponível em: ://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2015/01/RELATORIO-DE-MAPEAMENTO-EVITANDO-ACIDENTES-versao-4-solteiras.pdf
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Pesquisadores nacionais também discutem que a presença e envolvimento dos pais, vigilância constante para proteção física e emocional, experiências estimuladoras do desenvolvimento e redes amparadoras para o cuidado da criança no domicílio são elementos facilitadores da promoção da segurança infantil. Por outro lado, os elementos inibidores desta promoção são a pouca percepção das características do desenvolvimento infantil e das singularidades da criança e a superproteção e dificuldades para estabelecimento de limites por parte dos pais e/ou responsáveis2222 Mello DF, Henrique NCP, Pancieri L, Veríssimo MLOR, Tonete VLP, Malone M. A segurança da criança na perspectiva das necessidades essenciais. Rev Latino-Am Enferm 2014; 22:604-610..

No presente estudo, a maioria desconhecia o nível de escolaridade dos pais e, quando questionados se os mesmos trabalhavam fora de casa, 82,5% responderam positivamente em relação à figura paterna e 42,3% à materna. Estudo nacional mostrou que mães desempregadas repassam mais comportamentos de prevenção de acidentes domésticos e de lazer nos seus filhos quando comparadas às mães que precisam sair para trabalhar2323 Ramos TMCF. Prevenção de acidentes domésticos na criança: comportamento parental. [dissertação]. Viseu: Escola Superior de Saúde de Viseu; 2017..

As respostas das crianças sobre comportamentos de risco para acidentes mostraram a necessidade de maior abordagem desta temática, pois somente pouco mais da metade dos participantes acreditavam que o uso dos equipamentos de proteção poderia prevenir lesões em casos de acidentes. Uma pesquisa aponta que o não uso desses equipamentos pode provocar lesões mais severas em situações de queda ou colisão2424 Jorges MHPM, Martins CBG. A criança, o adolescente e o trânsito: algumas reflexões importantes. Rev Assoc Med Bras 2013; 59(3):199-208..

No que se refere ao uso do cinto de segurança, a maior parte dos entrevistados responderam que fazem uso deste equipamento. Um estudo brasileiro mostrou que morrem por dia duas crianças vítimas da colisão com veículos2525 Criança Segura Brasil. Guia de criança segura no carro. São Paulo: Associação Brasileira de Produtos Infantis; 2013.. O Artigo 1 da Resolução nº 277 estabelece que o transporte de criança menores de 10 anos deverá ser no banco traseiro2626 Brasil. Conselho Nacional de Trânsito. Resolução nº 277, de 28 de maio de 2008. Dispõe sobre o transporte de menores de 10 anos e a utilização do dispositivo de retenção para o transporte de crianças em veículos. Código de Trânsito Brasileiro; 2008.. O uso do cinto de segurança começa acima dos 7 anos, entretanto, a disseminação da sua utilização no banco de trás é comumente inferior ao esperado2424 Jorges MHPM, Martins CBG. A criança, o adolescente e o trânsito: algumas reflexões importantes. Rev Assoc Med Bras 2013; 59(3):199-208..

Quase a totalidade dos escolares responderam corretamente que a forma adequada para atravessar a rua seria acompanhado de um adulto na faixa de pedestre. No entanto, merece destaque aqueles que disseram atravessar acompanhado dos amigos da mesma idade e sozinho. Nesse contexto, reforça-se que, ao cruzar a via pública, deve fazê-lo somente na faixa própria, obedecendo a sinalização e, quando não houver faixa, atravessá-la perpendicularmente às calçadas. Ademais, antes de atravessar, deve-se ainda ficar longe do meio-fio, ficar em local visível, prestar atenção em carros parados ou outros objetos que possam estar bloqueando a visão, olhar para ambos os lados e estabelecer contato visual com o motorista, para se assegurar de que está sendo visto2727 Nance ML, Hawkins LA, Branas CC, Vivarelli-O'Neill C, Winston FK. Optimal driving conditions are the most common injury conditions for child pedestrians. Ped Emerg Care 2004; 20:569-573.

28 Tabibi Z, Pfeffer K. Choosing a safe place to cross the road: the relationship between attention and identification of safe and dangerous road-crossing sites. Child Care Health Dev 2003; 29:237-244.
-2929 Waksman RD, Pirito RMBK. O pediatra e a segurança no trânsito. J Pediatr (Rio J) 2005; 81(5 Supl.):s181-s188..

Quanto às atitudes relacionadas aos primeiros socorros, em caso de lesões superficiais na pele, chama atenção o fato de que algumas crianças preferem esconder o ferimento e não contar nada para os pais e outras colocar a mão (sem lavar) no local do ferimento logo após o acidente. É importante orientar a criança para não omitir aos adultos a ocorrência de lesões superficiais da pele, evitando possíveis complicações por conduta inadequada como a colocação da mão com sujidade no local do ferimento – importante via de transferência de microrganismos causadores de doenças3030 Oliveira NS, Gonçalves TB. Avaliação microbiológica das mãos de manipuladores de alimentos em creches da cidade de Juazeiro do Norte, CE. Rev Interfaces Saúde Humanas Tecnologia 2014; 2(7):1-7..

Ressalta-se que, no ambiente doméstico, algumas crianças responderam que não há problemas caso queiram utilizar o “ferro de passar” e não tinham certeza sobre o risco de queimaduras na pele com a sua utilização. Ademais, outras referiram que podem cozinhar/preparar alimentos na cozinha com ou sem auxílio de um adulto. Um estudo nacional mostrou que, em concordância com estes achados, a maioria das queimaduras ocorre em ambiente doméstico, principalmente na cozinha3131 Costa GOP, Silva JA, Santos AG. Perfil clínico e epidemiológico das queimaduras: evidências para o cuidado de enfermagem. Cien Saúde 2015; 8(3):146-155..

O entendimento da importância do uso dos equipamentos de proteção para prevenção de acidentes foi menos frequente entre os que possuíam menor escolaridade à época da pesquisa. Nesse sentido, deve-se haver a orientação às crianças quanto a importância do uso apropriado de equipamentos de proteção para prevenção de lesões. Autores ressaltam ainda a necessidade de sensibilização dos pais e educadores da criança para que junto da orientação também apresentem os equipamentos necessários para sua proteção3232 Dias J, Costa S, Martins S. Prevenção de acidentes em idade pediátrica: o que sabem os pais e o que fazem os médicos. Acta Pediatr Port 2013; 44:277-282..

Autores discutem que a perspectiva intersetorial no ambiente escolar para abordagem dos primeiros socorros/prevenção de acidentes deve despertar, nos profissionais de saúde e nas instituições formadoras, a necessidade de implementar medidas de educação permanente para os professores, visando o embasamento teórico, medidas preventivas e condutas corretas3333 Galindo Neto NM, Carvalho GCN, Castro RCMB, Caetano JÁ, Santos ECB, Silva TM, Vasconcelos EMR. Vivências de professores acerca dos primeiros socorros na escola. Rev Bras Enferm 2018; 71(Supl. 4):1678-1684.. Entende-se que estas parcerias com quem de fato vivencia o problema são essenciais para a formulação de estratégias mais adequadas à realidade do público-alvo. Isso também facilita a socialização destes projetos educativos e de políticas públicas nas comunidades e famílias, com objetivos de lançar luz sobre a gravidade dos acidentes domésticos e/ou de trânsito nos diversos grupos etários.

Fica evidente neste estudo a necessidade de maior abordagem destas temáticas na população infantil, uma vez que foram encontrados conhecimentos e atitudes deficientes em relação à prevenção de acidentes e primeiros socorros entre as crianças das três instituições públicas de ensino fundamental onde o estudo foi realizado.

Notou-se a fragilidades no conhecimento das crianças sobre as regras básicas de trânsito, a importância do uso dos equipamentos de proteção, os possíveis riscos de acidentes dentro de casa e a conduta mínima recomendada em casos de queimaduras e de outras lesões.

Reforça-se, portanto, que a escola pode desempenhar um importante papel nesse sentido, incluindo profissionais da saúde para colaboração no compartilhamento destas informações com os escolares. Sugere-se ainda a introdução desta prática educativa por meio do lúdico para que o público-alvo possa construir tal conhecimento de forma mais participativa e produtiva.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2018
  • Aceito
    08 Maio 2019
  • Publicado
    10 Maio 2019
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