Formatos de contratação médica na Estratégia Saúde da Família e o desempenho de seus atributos essenciais

Antonio Leonel de Lima Júnior Ivana Cristina de Holanda Cunha Barreto Roberto Ribeiro Maranhão Sharmênia de Araújo Soares Nuto Bruno Souza Benevides Maria Vieira de Lima Saintrain Anya Pimentel Gomes Fernandes Vieira-Meyer Sobre os autores

Resumo

O estudo tem o objetivo de investigar a percepção dos médicos sobre as diversas formas de contratação e sua influência sobre o desempenho dos atributos essenciais da APS, afim de analisar as formas de vínculo que melhor contribuem à sua implantação e fortalecimento. Pesquisa quantitativa e transversal, utilizando-se da aplicação de formulário semiestruturado junto a 268 médicos da ESF de Fortaleza, Ceará. Verificou-se perfil sociodemográfico singular para cada grupo avaliado, que podem influenciar o processo de trabalho e opiniões sobre as formas de contratação. O desenvolvimento dos atributos essenciais da APS foi avaliado positivamente, mas houve diferença nesta percepção de acordo com o vínculo avaliado. O trabalho realizado pelos médicos na ESF é influenciado pela forma de contratação destes (p<0,001). Percebeu-se melhor desempenho dos estatutários (4,4), seguidos dos bolsistas do Programa Mais Médicos/Programa de Valorização da Atenção Básica (3,7), Consolidação das Leis do Trabalho (3,5) e, por último, os atuantes por Recibo de Pagamento Autônomo-RPA (2,4). Analisou-se que a contratação via Regime Estatutário e RPA, são, respectivamente, a melhor (85%) e a pior (96,6%) forma de contratação.

Palavras-chave:
Estratégia Saúde da Família; Atenção Primária à Saúde; Recursos Humanos; Sistema Único de Saúde

Introdução

No Brasil, com a Constituição Federal de 1988 e a garantia do direito à saúde, houve a transição do modelo de proteção social em saúde centrado no mecanismo de seguro social de base Bismarckiana, por meio do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), para um modelo de seguridade social de base Beveridgiana. Este novo padrão é sustentado no setor saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS)11 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União 1988; 5 out..

No mundo, vários são os sistemas universais de saúde e ou com cobertura universal22 Giovanella L, Mendoza-Ruiz A, Pilar ACA, Rosa MC, Martins GB, Santos IS, Silva DB, Vieira JML, Castro VCG, Silva PO, Machado CV. Sistema universal de saúde e cobertura universal: desvendando pressupostos e estratégias. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1763-1776., podendo destacar os sistemas Brasileiro, Francês, Inglês, Canadense e Alemão, que possuem formas de financiamento e contratação profissional diverso. No Sistema de Saúde Nacional da Inglaterra (NHS), o clínico geral pode ter duas formas de vínculo com o sistema de saúde: 1. Médicos independentes, que são responsáveis por administrar suas próprias clínicas como negócios (sozinhos ou em parceria); 2. Médicos assalariados que são funcionários de práticas contratadas independentes ou diretamente empregados por organizações de atenção primária. No Brasil, o vínculo do profissional médico com o sistema de saúde pode ocorrer de forma direta ou indireta, enquanto que na Alemanha a oferta de serviço é feita por prestadores públicos e privados credenciados ao Seguro Social de Doença (GKV) em todos os níveis33 National Health Service (NHS) [Internet]. Reino Unido; 2021 [acessado 2021 fev 17]. Disponível em: https://www.healthcareers.nhs.uk/explore-roles/doctors/pay-doctors.
https://www.healthcareers.nhs.uk/explore...
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Para Brown44 Brown LD. Comparing Health Systems in Four Countries: Lessons for the United States. Am J Public Health 2003; 93(1):52-56., o conflito entre formuladores de políticas (ministérios de saúde e finanças) e provedores sobre os termos e níveis de pagamento é um persistente fato da vida política no Canadá, França, Inglaterra e Alemanha. Dentro dos orçamentos públicos e limites fiscais, os provedores negociam com o Estado, com as instituições de seguro saúde, ou com ambos. Na Grã-Bretanha e no Canadá, organizações de médicos e hospitais individuais barganham diretamente com agências governamentais. Na Alemanha, associações de médicos de caixa de doença e hospitais individuais negociam com fundos GKV. Na França, sindicatos de médicos negociam separadamente com os fundos de doença. Estas questões podem influenciar na forma que o sistema de saúde funciona e tencionar os mesmos sobre diferentes concepções de universalidade em saúde (sistemas universais versus cobertura universal em saúde)22 Giovanella L, Mendoza-Ruiz A, Pilar ACA, Rosa MC, Martins GB, Santos IS, Silva DB, Vieira JML, Castro VCG, Silva PO, Machado CV. Sistema universal de saúde e cobertura universal: desvendando pressupostos e estratégias. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1763-1776..

No processo de implementação do SUS, observou-se tensão permanente entre a construção de um serviço nacional de saúde de acesso universal e um sistema direcionado aos mais pobres com programas seletivos, embate localizado no cerne entre as propostas do campo público e as propostas privatizantes55 Pessoto UC, Werneck EA, Guimarães RRBO. O papel do Estado nas políticas públicas de saúde: um panorama sobre o debate do conceito de Estado e o caso brasileiro. Saude Soc 2015; 24(1):9-22.. Ressalta-se, portanto, inúmeras dificuldades na implementação deste novo sistema, como a perene escassez de recursos financeiros e humanos, sobremaneira na Atenção Primária à Saúde (APS)66 Giovanella L. A provisão emergencial de médicos pelo Programa Mais Médicos e a qualidade da estrutura das unidades básicas de saúde. Cien Saude Colet 2016; 21(9):2697-2708..

Vale destacar que a escassez de médicos na Estratégia Saúde da Família (ESF) no Brasil é superior a escassez dos demais profissionais de saúde77 Feuerwerker L. Modelos tecnoassistenciais, gestão e organização do trabalho em saúde: nada é indiferente no processo de luta para a consolidação do SUS. Interface (Botucatu) 2012; 9(18):489-506.,88 Brasil. Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2000.. Desse modo, formas alternativas de vínculo (e.g., Estatutário, CLT, bolsistas, temporários) foram buscadas pelos municípios na contratação de tais profissionais, com o intuito de solucionar esta problemática99 Medeiros CRG. A rotatividade de enfermeiros e médicos: um impasse na implementação da Estratégia de Saúde da Família. Cien Saude Colet 2014; 15(1):1521-1531.. Adicionalmente, o governo federal criou medidas contendo diversos estímulos, com destaque a vinculação de médicos junto aos Ministérios da Saúde e/ou Educação, como no caso das residências médicas, Programa de Valorização da Atenção Básica (PROVAB) e Programa Mais Médicos para o Brasil (PMMB)1010 Schraiber LB. Saúde coletiva: um campo vivo. In: Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão e crítica. 3ª ed. Salvador: Edufba; Rio de Janeiro: Fiocruz; 2016.

11 Girardi SN. Impacto do Programa Mais Médico na redução da escassez de médicos em Atenção Primária à Saúde. Cien Saude Colet 2016; 21(9):2675-2684.
-1212 Servo LM. Financiamento e gasto público de saúde: histórico e tendências. In: Políticas públicas e financiamento federal do Sistema Único de Saúde. Brasília: Ipea; 2011.. Esta miscelânea de formatos de vinculação ocorre apesar das orientações da Política de Recursos Humanos do SUS (PNRH-SUS)1313 Ney MS, Rodrigues PHA. Fatores críticos para a fixação do médico na Estratégia Saúde da Família. Physis 2012; 22(4):1293-1311.,1414 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Programa mais médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: MS; 2015..

É relevante apontar ainda que o uso de diferentes formas de contratação de profissionais médicos para as equipes da ESF constitui assunto de notório interesse para a continuidade dos processos de trabalho da Atenção Primária à Saúde, devendo ser tratado como prioridade na política de Estado1515 Medeiros CRG. A rotatividade de enfermeiros e médicos: um impasse na implementação da Estratégia de Saúde da Família. Cien Saude Colet 2010; 15(Supl. 1):1521-1531.,1616 Carvalho GCM. A saúde pública no Brasil. Estud Av 2013; 27(78):7- 26.. Sabe-se da importância de se ter médicos que acompanhem ciclos de vida, se responsabilizem com a saúde da comunidade ao longo do tempo, pautem suas atuações em relações humanizadas, possuam vínculo duradouro com seu empregador1717 Araújo HE. Migração de médicos no Brasil: análise de sua distribuição, aspectos motivacionais e opinião de gestores municipais de saúde. Brasília: UnB/Ceam/Nesp/ObservaRH; 2012.

18 Brasil. Ministério da Saúde (MS). HumanizaSUS: política nacional de humanização: documento base para gestores e trabalhadores do SUS. 2ª ed. Brasília: MS; 2004.
-1919 Brasil. Lei nº 12.690, de 19 de Julho de 2012. Dispõe sobre a organização e o funcionamento das Cooperativas de Trabalho; institui o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho - PRONACOOP; e revoga o parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Diário Oficial da União; 2012. e desenvolvam suas atividades com base nos atributos essenciais da APS, a saber: primeiro contato, longitudinalidade, integralidade e coordenação do cuidado2020 Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre a necessidade de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: UNESCO, MS; 2002.

Neste cenário, suspeita-se que a diversidade de formas de vínculo dos médicos com a ESF possa influenciar o processo de trabalho destes e a plena implementação da estratégia, com suas doutrinas, princípios e atributos. Sabe-se ainda que a contratação dos profissionais de saúde no SUS deve seguir os ditames da Política Nacional de Recursos Humanos do SUS, enquanto a atuação dos profissionais na atenção primária deve seguir as premissas da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). No entanto, a literatura não é clara em relação a qual forma de contratação de médicos possibilita o melhor desenvolvimento dos atributos essenciais da APS e pressupostos da PNAB.

A partir desta observação, o presente estudo surge com o objetivo de investigar a percepção dos médicos sobre as diversas formas de contratação e sua influência sobre o desempenho dos atributos essenciais da APS, afim de analisar as formas de vínculo que melhor contribuem à sua implantação e fortalecimento, tendo em vista ainda os ditames da PNAB e a PNRH-SUS.

Metodologia

Estudo de campo, transversal, descritivo, de abordagem quantitativa. A coleta de dados ocorreu entre abril e novembro de 2018. Aplicou-se formulário semiestruturado aos médicos da ESF de Fortaleza. Os 343 médicos do município a época possuíam distintos formatos de vinculação, sendo 171 vinculados como bolsistas por meio do Programa Mais Médicos para o Brasil (PMMB) e Programa de Valorização da Atenção Básica (PROVAB); 127 vinculados através do Regime Estatutário; 13 vinculados por meio do regime de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); 13 vinculados por meio de contratação temporária, através de Recibo de Pagamento Autônomo (RPA); além de 19 médicos em Residência Médica em Saúde da Família e Comunidade, sendo incluídos no estudo por serem profissionais devidamente diplomados e sobremaneira inseridos no cotidiano assistencial da Estratégia Saúde da Família2121 Brasil. Ministério da Saúde (MS). E-Gestor Atenção Básica [Internet]. 2019 [acessado 2019 jun 14]. Disponível em: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml
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. O critério de inclusão foi ser médico, com efetivo exercício na ESF do município por mais de seis meses. O critério de exclusão foi estar de férias, licença médica e/ou afastado do trabalho da ESF no momento da coleta.

Sobre a conformação da amostra, para vinculações com 20 ou menos profissionais (CLT, RPA e residência médica) buscou-se aplicar o questionário a todos. Para os demais grupos (bolsistas PMMB/PROVAB e estatutários), em virtude das dificuldades inerentes à coleta de dados em meio à ambiente assistencial intenso e dinâmico, foi utilizado cálculo amostral aleatório simples para população finita, com intervalo de confiança (IC) 95%, P=50%, Q=50% e erro amostral de 5%. A amostragem foi definida em 96 para os Estatutários e 119 para os PMMB/PROVAB, sendo a amostra final prevista de 260 profissionais. Ao final da coleta, a amostra final foi constituída por 268 profissionais (123 bolsistas PMMB/PROVAB; 100 estatutários, 13 atuantes via regime CLT, 13 RPA e 19 Residentes em Saúde da Família). Desta forma, realizou-se um censo para os profissionais vinculados por CLT, RPA ou residência, enquanto que o cálculo amostral simples foi utilizado para os vínculos estatutários e bolsistas PMMB/PROVAB. O Quadro 1 apresenta a totalidade de profissionais por vínculo e suas respectivas amostragens.

Quadro 1
Número de profissionais vinculados a Estratégia Saúde da Família do município de Fortaleza por forma de contratação e amostragem utilizada para a coleta de dados da presente pesquisa.

Utilizou-se questionário com indagações acerca de dados sociodemográficos (idade, sexo, estado civil, renda familiar, religião, ano de graduação), formação profissional, tempo de atuação na ESF, formas de contratação e percepção do desenvolvimento dos atributos essenciais da APS (primeiro contato, longitudinalidade, integralidade e coordenação do cuidado) de acordo com os formatos de contratação. Breve descrição dos atributos da APS estava presente no questionário. Os profissionais entrevistados avaliaram os atributos para todos os formatos de vínculo (bolsistas PMMB/PROVAB, estatutários, regime CLT, RPA e residência médica). Dessa forma, obteve-se a opinião destes não só em relação a sua forma de contratação, mas também sobre as demais.

A coleta de dados se deu em todas as Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS) de Fortaleza, sendo os momentos de visita previamente acordados com a coordenação da unidade e o respectivo profissional. Sobre o local do estudo, trata-se da quinta capital do país e segunda no Nordeste em número de habitantes. No ano de 2018, período do estudo, apresentava cobertura populacional estimada de equipes de saúde da família inferior a 50%, segundo dados do Ministério da Saúde2121 Brasil. Ministério da Saúde (MS). E-Gestor Atenção Básica [Internet]. 2019 [acessado 2019 jun 14]. Disponível em: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml
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. O município possui atualmente 113 unidades de saúde, distribuídos nas unidades das 6 regionais de saúde.

Os questionários foram aplicados em forma de entrevista, presencialmente ou via telefônica, sendo a forma presencial priorizada e a segunda utilizada apenas como modo de complementar entrevistas pausadas por questões inerentes ao serviço. Quando da recusa de um profissional em participar da pesquisa, este foi reposto por outro profissional da mesma unidade de saúde com o mesmo vínculo empregatício. Quando não havia outro profissional com estas características na unidade de saúde, um profissional de outra unidade de saúde, mas da mesma regional de saúde, era entrevistado para repor a amostra.

Além da coleta de dados primários, realizou-se uma análise documental sobre as características relacionadas às formas de contratação de médicos para ESF nas Unidades de Atenção Primária em Saúde (UAPS) do Município de Fortaleza, com base nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e Política Nacional de Recursos Humanos do SUS (PNRH-SUS), através de avaliação detalhada de documentos da área, relacionados ao tema (e.g., políticas públicas, portarias, normas, pareceres técnicos, relatórios).

A presente pesquisa constitui recorte da dissertação de mestrado intitulada “A percepção dos médicos em relação ao impacto das formas de contratação no trabalho da Estratégia de Saúde da Família” (Comitê de Ética ISGH). Os dados foram descritos por suas frequências absolutas e relativas. As respostas das variáveis relacionadas aos atributos da APS (primeiro contato, longitudinalidade, integralidade e coordenação do cuidado) foram transformadas em variáveis contínuas (ótimo, bom, regular, ruim e péssimo, transformadas em 5, 4, 3, 2 e 1). Variáveis contínuas foram descritas por meio das estatísticas descritivas média e desvio padrão. O teste One Way Anova foi utilizado para comparar a média dos escores dados pelos entrevistados às variáveis relacionadas aos atributos da APS para as quatro formas de contratação analisadas (celetista, estatutária, programa mais médico, autônomo). A normalidade das variáveis quantitativas foi verificada por meio do teste de Shapiro-Wilk. Significância de p<=0,05 foi utilizada. Os softwares EpiData 3.1 e STATA 14 (StataCorp. STATA Statistical Software. V 13.0. Release 9.0 ed. CollegeStation, Texas 77845 EUA: Stat Corporation: 2007) foram utilizados para organização e análise dos dados). Os aspectos ético-legais da Resolução Nº 466/2012 foram obedecidos.

Resultados

A pesquisa incorporou 268 médicos atuantes nas equipes de ESF de Fortaleza, subdivididos de acordo com o formato de vínculo (123 bolsistas PMMB/PROVAB; 100 estatutários, 13 atuantes via regime CLT, 13 por Recibo de Pagamento Autônomo e 19 Residentes em Saúde da Família).

A faixa etária predominante dentre os entrevistados foi de 31 a 40 anos (47,7%). Houve um leve predomínio feminino (50,6%) determinado pelos bolsistas do PMMB (56,9%), enquanto nas demais subcategorias o número de homens é maior (55% estatutários, 61,5% CLT e 53,8% RPA). A maior parte dos entrevistados era casada (59%). Os bolsistas do PMMB se destacam como grupo com maior número de componentes com especialização lato sensu concluída (86,9%), seguido pelos estatutários (84%), onde pouco menos da metade dos cursos são na área de Saúde da Família (46,6%). Pouco mais de um terço dos estatutários (37%) concluiu Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade, número inferior ao de estatutários que referiram a conclusão de residências médicas em outras áreas (39%). Há uma baixa adesão à prova de títulos pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (38% estatutários; 23% CLT; 23% RPA; 13% PMMB/PROVAB). Dentre os que declararam renda familiar, as maiores rendas estão com os estatutários e bolsistas (5% e 1,6% acima de 31 salários mínimos). A Tabela 1 apresenta os dados sociodemográficos por forma de contratação, excluindo-se os residentes, por tratarem-se de vínculos não contratuais.

Tabela 1
Perfil sociodemográfico dos médicos atuantes da ESF em Fortaleza.

Os achados mostram que as contratações através do Regime Estatutário e de forma autônoma foram, respectivamente, avaliadas como a melhor (por 85% dos entrevistados) e a pior (96,6% dos entrevistados) maneira de contratação para os médicos da ESF. Estas formas resguardam colocações antagônicas em relação à estabilidade, direitos trabalhistas, vinculações, remuneração, regularidade de pagamentos, continuidade da assistência, segurança, possibilidade de incentivos, acesso a aperfeiçoamentos, redutibilidade de salários, acompanhamento longitudinal e rotatividade de profissionais, conforme Tabela 2.

Tabela 2
Opinião dos profissionais médicos atuantes em Fortaleza sobre seu vínculo empregatício e o impacto do vínculo empregatício na atuação profissional. Fortaleza-CE, 2018.

A maior parte dos médicos teve experiência com algum tipo de contratação anterior (70,8%). A possibilidade de mudanças na satisfação em exercer suas atividades junto à forma de contratação é relatada pelos entrevistados (58,5%), que referem exercer suas atividades de maneira diferente de acordo com a forma de contratação (88,4%). A estabilidade (53,7%), aumento do vínculo (23,5%), direitos trabalhistas (22,3%), segurança (13,8%), aposentadoria (4,8%) e menor rotatividade (3,7%) foram citados como quesitos que propiciariam as mudanças na satisfação; enquanto que dedicação (20,8%), educação permanente (20,1%) e planejamento em longo prazo (20,1%) aparecem como as principais alegações para mudanças no exercício do seu trabalho de acordo com a forma de contratação.

Na avaliação do cumprimento dos atributos da APS, os entrevistados, quando avaliando o primeiro contato (4,4 estatutários; 4,0 PMMB/PROVAB; 3,8 CLT; 3,0 RPA), a longitudinalidade (4,5 estatutários; 3,5 PMMB/PROVAB; 3,2 CLT; 2,0 RPA), a integralidade (4,4 estatutários; 3,7 PMMB/PROVAB; 3,6 CLT; 2,5 RPA) e a coordenação do cuidado (4,4 estatutários; 3,6 PMMB/PROVAB; 3,5 CLT; 2,3 RPA), consideraram como melhor o desempenho (em média) dos estatutários na realização destes atributos, ficando sempre com avaliações superiores aos demais, modificando as diferenças percentuais de acordo com cada atributo essencial avaliado (em graduação onde 1 é Péssimo e 5 indica Ótimo desempenho), conforme Tabela 3.

Tabela 3
Avaliação dos atributos da APS pelos médicos da ESF, segundo vínculo empregatício. Fortaleza-CE, 2018.

A análise documental constatou características distintas entre os vínculos médicos a ESF. As diferenças foram evidenciadas em relação aos contratantes, as políticas de fixação do profissional, as garantias de direitos trabalhistas, previdenciários, e as oportunidades de carreira e formação. Em relação ao vínculo trabalhista, pode-se dividi-los em dois grupos: com vínculo trabalhista (celetistas e estatutários) e sem vínculo trabalhista (bolsistas do PMMB e autônomos). No tocante ao vínculo institucional podem-se determinar três vínculos diretos com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) (celetistas, estatutários e autônomos) e um vínculo intermediado através do Ministério da Saúde (bolsistas do PMMB); com relação ao tempo de contrato, pode-se classificá-los em temporários (celetistas, bolsistas do PMMB e autônomos) e efetivos (estatutários); mesma divisão para o grupo sem Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) (celetistas, bolsistas do PMMB e autônomos) e com PCCS (estatutários). Avaliando-se a oportunidades de educação permanente/continuada, depara-se com grupo possuidor de processo de formação obrigatório (bolsistas do PMMB), grupo com oportunidades em potencial (celetistas e estatutários) e grupo com poucas oportunidades (autônomos).

Discussão

Trata-se de estudo desenvolvido em um município de grande porte, possuidor de uma miscelânea de formatos de contratação, o que permitiu desenvolver avaliação robusta acerca do tema. Os resultados são relevantes por auxiliarem na compreensão da influência da forma de contratação nos processos de trabalho do médico na Estratégia Saúde da Família, assim como se constituem enquanto subsídio para o aprimoramento de políticas de recursos humanos para o SUS que tenham como cerne a qualidade do serviço1616 Carvalho GCM. A saúde pública no Brasil. Estud Av 2013; 27(78):7- 26..

As diferentes modalidades de contratação encontradas entre os médicos do município de Fortaleza confirmam as consequências da reforma neoliberal que possibilitou a flexibilização dos vínculos e permissão de contratos mediante processos seletivos simplificados; bem como os efeitos de reformas informais, que ocasionaram o uso de contratos temporários e a contratação de pessoal permanente por bolsas e pró-labore2222 Nogueira RP. Estabilidade e flexibilidade: tensão de base nas novas políticas de recursos humanos em saúde. Divulg Saude Debate 1996; (14):18-22..

Verificou-se perfil sociodemográfico singular para cada um dos grupos de médicos atuantes na ESF, de acordo com a sua forma de contratação, divergindo entre si em faixa etária, sexo predominante, religião, estado civil, tempo de formação, titulação acadêmica e renda familiar. Apesar de não ter sido possível avaliar estes aspectos, acredita-se que os mesmos podem influenciar no processo de trabalho dos médicos da ESF e na avaliação dos atributos essenciais. Há relatos na literatura que sexo, estado civil, formação, número de vínculos empregatícios, tempo de permanência no serviço e a forma de contratação influenciam no desenvolvimento do atributo essencial da longitudinalidade dos profissionais da ESF2323 Paula CC, Silva CB, Nazário EG, Ferreira T, Schimith MD, Padoin SM. Fatores que interferem no atributo longitudinalidade da atenção primária à saúde: revisão integrativa. Rev Eletr Enferm 2015; 17(4):1-4..

Rodrigues et al.2424 Rodrigues IJJAC, Pereira MF, Sabino MMFL. Proposta para adoção de estratégias para diminuir a rotatividade de profissionais da estratégia de saúde da família de Santo Amaro da Imperatriz. Coleção Gestão Saúde Pública 2013; 2:65-81. demonstram que um alto percentual dos profissionais atuantes na ESF não recebe capacitação para atuar na APS, fato também encontrado na presente pesquisa, na medida em que menos da metade dos profissionais possuíam especialização em saúde da família (46,6% no geral e apenas 19,9% na modalidade residência). Importante mencionar que a capacitação já representava um dos desafios identificados pelo Ministério da Saúde para o êxito da ESF desde os seus primórdios. Consequentemente, incentivos para formação acadêmica voltada a APS, tanto por novos médicos como por médicos já atuantes são importantes para qualificar a assistência2525 Campos CVA, Malik AM. Satisfação no trabalho e rotatividade dos médicos do Programa de Saúde da Família. Rev Adm Pública 2008; 42(2):347-368..

Evidenciaram-se discrepâncias na avaliação dos profissionais acerca dos distintos formatos de vínculo, o que levou ao registro de maior descontentamento por parte dos avaliados, notadamente maior entre os profissionais com vínculo RPA (com 100% dos profissionais demarcando seu vínculo como desvantajoso; 51% entre os estatutários). Quanto aos pontos desvantajosos em sua contratação em comparação a outros grupos, notou-se que dentre os RPA, 84,6% apontavam a ausência de direitos trabalhistas e 38,4% a ausência de vínculo. Vale destacar que especificamente nesta variável era possível a marcação de mais de um item, o que faz com que a soma destes possa atingir valores superiores a 100%.

Esta insatisfação pode influenciar negativamente no desenvolvimento das atividades laborais dos médicos em seus locais de trabalho, impactando na qualidade da atenção em saúde desenvolvida na ESF. Portanto, a valorização profissional constitui aspecto essencial na satisfação dos trabalhadores e está ligada a qualidade do serviço. É possível que a percepção de desigualdades influencie na percepção da valorização profissional. Na ótica dos entrevistados, a uniformização de direitos é observada como condição determinante na melhoria do desempenho do trabalho multidisciplinar.

O tema da remuneração sempre ocupou espaço de relevância para os gestores dos sistemas de saúde2626 Scally G, Donaldson LJ. The NHS's 50 anniversary. Clinical governance and the drive for quality improvement in the new NHS in England. BMJ 1998; 317(7150):61-65.. Poli Neto et al.2727 Poli Neto P, Faoro NT, Prado Júnior JC, Pisco LAC. Variable compensation in Primary Healthcare: a report on the experience in Curitiba, Rio de Janeiro, Brazil, and Lisbon, Portugal. Cien Saude Colet 2016; 21(5):1377-1388. refere que os melhores resultados na gestão do cuidado da população assistida provêm de uma combinação de diferentes modos de remuneração, geralmente com uma parte fixa maior e uma parte variável. No Brasil, os estados de Curitiba e Rio de Janeiro lideram ações de remuneração mista - com parte fixa e variável, também encontrado em Portugal2727 Poli Neto P, Faoro NT, Prado Júnior JC, Pisco LAC. Variable compensation in Primary Healthcare: a report on the experience in Curitiba, Rio de Janeiro, Brazil, and Lisbon, Portugal. Cien Saude Colet 2016; 21(5):1377-1388.. Segundo o autor, os gestores dessas localidades sentiram necessidade de premiar financeiramente objetivos alcançados. Assim, uma política de incentivos voltada aos profissionais poderia melhorar os indicadores de saúde da população.

Outro ponto que merece ser debatido é a relevância da estabilidade ofertada por parte de cada forma de vinculação do profissional médico na ESF. Houve forte caracterização do vínculo estatutário como melhor forma de contratação (85%), com mais da metade (52,6%) dos entrevistados destacando como fator chave para tal avaliação a estabilidade ofertada. No entanto, percebe-se a escassez de novos processos de ingresso de profissionais por meio deste formato, possivelmente conformando-se enquanto um dos pontos relevantes nesta equação a questão financeira imediata, ou seja, a economia com proventos por parte do ente federativo. Contudo, parece haver um descuido ao não se considerar o impacto financeiro de uma APS resolutiva, reduzindo encaminhamentos aos demais níveis de atenção e proporcionando ações mais sedimentadas de promoção e prevenção de agravos, o que tem impacto nos custos2020 Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre a necessidade de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: UNESCO, MS; 2002. Não obstante, é preciso saber que, assim como descrito por Piola et al.2828 Piola SF, Paiva AB, Sá EB, Servo LMS. Financiamento Público da Saúde: Uma História sem Rumo. Rio de Janeiro: IPEA, 2013., o salário atrai os profissionais, mas não os fixa. Uma forma poderosa de fixação de recursos humanos do SUS, na opinião de Brito et al.2929 Brito ESV, Oliveira RC, Silva MRF. Análise da continuidade da assistência à saúde de adolescentes portadores de diabetes. Rev Bras Saude Matern Infant 2012; 12(4):413-423., é a criação de uma política atrativa para os trabalhadores, congregando aspectos financeiros, formativos e a possibilidade de ascensão em uma carreira de estado.

Assim, os aspectos organizacionais podem relacionar-se às formas de contratação, podendo obstaculizar ou facilitar o acesso através do tempo para obter consulta, tipo de agendamento, continuidade do tratamento ou turnos de atendimento3030 Oliveira DC, Sá CP, Santo CCE, Gonçalves TC, Gomes AMT. Memórias e representações sociais dos usuários do SUS acerca dos sistemas públicos de saúde. Rev Eletr Enf 2011; 13(1):30-41.. Os aspectos socioculturais e econômicos da acessibilidade, relacionados às formas de contratação, incluem a capacidade de percepção dos profissionais sobre o entendimento das pessoas assistidas, a assimilação do risco de gravidade, o conhecimento sobre o próprio corpo e sobre oferta dos serviços de saúde, medo do diagnóstico, crenças, hábitos; como também, dificuldades de comunicação com a equipe de saúde, crédito dado ao sistema de saúde, graus de instrução, emprego, renda e seguridade social3131 Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad Saude Publica 2014; 20(Supl. 2):S190-S198..

A maior parte dos entrevistados avaliou os atributos da atenção básica de forma positiva. Contudo, esta avaliação não foi uniforme em relação ao grupo que foi avaliado. O primeiro contato é caracterizado pela acessibilidade e o uso de serviços a cada novo problema ou novo episódio de um problema para os quais se procura atenção à saúde2020 Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre a necessidade de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: UNESCO, MS; 2002, e deve ser considerado com relação aos aspectos geográficos, organizacionais, socioculturais e econômicos. Observaram-se avaliações positivas, porém distintas para o desempenho do primeiro contato, com os estatutários e RPA recebendo, respectivamente, a melhor (52,2% avaliam como Ótimo) e a pior avaliação (32,4% avaliam como Ruim ou Péssimo). A presença do médico nas unidades de saúde (se presente, o primeiro contato é bem avaliado) pode ter influenciado a avaliação do primeiro contato pelos entrevistados.

No atributo da longitudinalidade, determinado pela conexão entre usuários e prestadores de serviços, a interferência de acordo com a forma de contratação aparece de forma mais expressiva. O destaque dos estatutários (61,5% avaliam como ótimo) neste atributo pode estar relacionado ao fato de constituírem uma modalidade de vinculação duradoura e com menor rotatividade2323 Paula CC, Silva CB, Nazário EG, Ferreira T, Schimith MD, Padoin SM. Fatores que interferem no atributo longitudinalidade da atenção primária à saúde: revisão integrativa. Rev Eletr Enferm 2015; 17(4):1-4.,3232 RolimI LB, Monteiro JG, Meyer APGFV, Nuto SAS, Araújo MFM, Freitas RWJF. Evaluation of Primary Health Care attributes of Fortaleza city, Ceará State, Brazil. Rev Bras Enferm 2019; 72(1):19-26..

A longitudinalidade é construída pela existência do aporte regular de cuidados pela equipe de saúde e seu uso consistente ao longo do tempo, em um ambiente de relação mútua de confiança e humanização entre equipe de saúde, indivíduos e famílias2020 Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre a necessidade de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: UNESCO, MS; 2002. A longitudinalidade e o vínculo com o serviço também foram avaliados por Paula et al.2323 Paula CC, Silva CB, Nazário EG, Ferreira T, Schimith MD, Padoin SM. Fatores que interferem no atributo longitudinalidade da atenção primária à saúde: revisão integrativa. Rev Eletr Enferm 2015; 17(4):1-4., quando se atribuiu maiores escores aos estatutários e profissionais no serviço há mais de três anos. Para os autores há evidências de que o tempo para o desenvolvimento de relações interpessoais interfira favoravelmente no atributo da longitudinalidade. Neste estudo, 61,5% avaliam como ótimo o desempenho do atributo por parte dos profissionais de vínculo estatutário, com 33,9% avaliando como péssimo no caso do RPA.

A integralidade é representada pela prestação de um conjunto de serviços que atendam às necessidades da população adscrita nos campos da promoção, prevenção, cura, cuidado, reabilitação e paliação. Diferentemente da responsabilização pela não oferta de serviços em outros pontos de atenção à saúde e o reconhecimento adequado dos problemas biológicos, psicológicos e sociais que causam as doenças por parte das equipes de saúde2020 Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre a necessidade de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: UNESCO, MS; 2002.

A integralidade do cuidado depende da redefinição de práticas, de modo a criar vínculo, acolhimento e autonomia, o que valoriza as subjetividades inerentes ao trabalho em saúde e às necessidades singulares dos sujeitos como pontos de partida para qualquer intervenção, construindo a possibilidade do cuidado centrado no usuário do sistema de saúde3030 Oliveira DC, Sá CP, Santo CCE, Gonçalves TC, Gomes AMT. Memórias e representações sociais dos usuários do SUS acerca dos sistemas públicos de saúde. Rev Eletr Enf 2011; 13(1):30-41.. Nesse estudo, o vínculo estatutário também conta com vantagem na avaliação por parte dos profissionais médicos da ESF no que se refere ao desempenho deste atributo, no caso 87,2% avaliam-no como ótimo ou bom.

A coordenação do cuidado é determinada pela capacidade de garantir a continuidade da atenção, com o reconhecimento dos problemas que requerem seguimento constante e se articula com a função de centro de comunicação das Redes de Atenção à Saúde (RAS)1414 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Programa mais médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: MS; 2015.,2020 Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre a necessidade de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: UNESCO, MS; 2002. Nesse sentido, as necessidades de saúde são complexas e, em geral, não são adequadamente tratadas por sistemas de saúde caracterizados pela especialização e orientação profissional isolada3131 Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad Saude Publica 2014; 20(Supl. 2):S190-S198.,3232 RolimI LB, Monteiro JG, Meyer APGFV, Nuto SAS, Araújo MFM, Freitas RWJF. Evaluation of Primary Health Care attributes of Fortaleza city, Ceará State, Brazil. Rev Bras Enferm 2019; 72(1):19-26.. A inadequação pode resultar não só em necessidades não atendidas, como também em tratamentos desnecessários, duplicidade de ações e medicalização excessiva. Contudo, para que o profissional possa exercer a coordenação do cuidado, há veemente necessidade de conhecimento regional e das RAS, aspectos relacionados à rotatividade profissional e acesso a processos de formação na área, sendo a última característica mais bem identificada entre os estatutários e PMMB, com 85,8% e 51,7%, respectivamente, avaliando-os como de desempenho ótimo ou bom.

Por fim, representam limitações do estudo: o fato de tratar-se de estudo transversal, o que não possibilita o acompanhamento dos apontamentos relacionados aos formatos de vínculo e suas implicações na qualidade da assistência; assim como o fato de ter observado apenas a ótica dos médicos. Assim, sugerem-se estudos complementares, se possível contendo também pontos de vista de gestores, população e demais atores envolvidos na ESF.

Conclusão

Houve avaliação do desenvolvimento dos atributos essenciais da ESF como positivos, contudo, de acordo com o vínculo, esta não foi uniforme com relação ao grupo avaliado no município de Fortaleza. Nesta capital, o trabalho realizado pelos médicos na Estratégia Saúde da Família é influenciado pela forma de vinculação destes. Os médicos entrevistados perceberam, em relação aos atributos essenciais da atenção primária, melhor desempenho dos estatutários, seguidos dos bolsistas do Programa Mais Médicos/Programa de Valorização da Atenção Básica, Consolidação das Leis do Trabalho e, por último, os atuantes por Recibo de Pagamento Autônomo (RPA). O relato dos entrevistados aponta que tanto a satisfação no trabalho como a maneira diferente de realizar as atividades são estimuladas pela configuração da contratação incluindo sua estabilidade. Observou-se que a contratação através de regime estatutário e via RPA, sob a ótica dos médicos, são, respectivamente, a melhor (85%) e a pior (96,6%) forma de contratação para o desenvolvimento dos atributos essenciais na ESF.

Estudos científicos que abordem a temática são necessários para oferecer suporte ao ente federativo no sentido de que políticas públicas perfilhem a valorização do profissional de saúde. Urge a implantação da Política de Recursos Humanos do SUS, enquanto ferramenta-guia para a conformação de vínculos empregatícios que garantam a manutenção de profissionais médicos nos serviços da APS, mas ainda, que contribua com a efetivação de seus atributos essenciais, qualidade da assistência e, consequentemente, níveis de saúde da população brasileira.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Maio 2021

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2020
  • Aceito
    24 Fev 2021
  • Publicado
    26 Fev 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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