Estrutura e desempenho da assistência médica e odontológica em duas regiões de saúde brasileiras entre 2007 e 2014

Joana Danielle Brandão Carneiro Aylene Bousquat Sônia Cristina Lima Chaves Paulo Frazão Sobre os autores

Resumo

O artigo analisa a estrutura e o desempenho das assistências médica e odontológica de duas regiões, distintas socioeconomicamente e na oferta de serviços, por meio de estudo de caso nas regiões Norte-Barretos (São Paulo) e Juazeiro (Bahia) entre 2007-2014, a partir das dimensões política, organizacional e estrutural e de indicadores de estrutura e desempenho. Observou-se que a regionalização foi reconhecida de forma positiva, a distribuição dos serviços não atendia à demanda populacional e a capacidade instalada da rede de atenção à saúde não estava adequada às necessidades da população. Norte-Barretos se sobressaiu em relação à estrutura (exceto para cobertura potencial da ESB na ESF) e efetividade; enquanto Juazeiro se destacou em relação à eficiência; embora com menos recursos, a utilização dos serviços foi relativamente mais elevada. O padrão observado parece refletir aspectos relacionados à re gionalização e à trajetória política de cada assistência, o efeito silos. Os resultados podem subsidiar o desenho de políticas de saúde voltadas a superar o subdimensionamento da estrutura de serviços públicos assistenciais nas regiões de menor desenvolvimento socioeconômico e a busca de parâmetros e mecanismos de coordenação a fim de equilibrar indicadores de desempenho.

Palavras-chave:
Política de saúde; Regionalização; Assistência odontológica; Assistência integral

Introdução

No final da década de 1970, a descentralização foi uma das principais estratégias de transferência de poder e responsabilidades para os níveis locais no processo de reforma dos Estados nacionais na Europa em decorrência da crise econômica mundial e do esgotamento do Welfare State11 Pereira AMM, Lima LD, Machado CV, Freire JM. Descentralização e regionalização em saúde na Espanha: trajetórias, características e condicionantes. Saúde Debate 2015; 39(n. esp.):11-27.. Na América Latina, a descentralização veio atrelada também a aspirações por democracia e expectativas positivas de superação dos problemas que os sistemas de saúde enfrentavam2.

Enquanto em alguns países europeus a descentralização se articulou à regionalização, possibilitando a organização de redes de serviços associadas à criação e ao fortalecimento de autoridades sanitárias regionais33 Lima LD, Viana ALD, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2881-2892., na América Latina ambos os processos foram implementados com graus variados de articulação, sempre com maior destaque para a descentralização44 Viana ALD, Lima LD, Ferreira MP. Condicionantes estruturais da regionalização na saúde: tipologia dos Colegiados de Gestão Regional. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2317-2326.. A oferta de serviços integrais que permitam a indivíduos e famílias obter o cuidado de que necessitam tem sido uma preocupação constante em todos esses processos55 World Health Organization (WHO). Integrated health services - what and why? Geneva: WHO; 2008..

No Brasil, a descentralização foi operacionalizada por meio da transferência de recursos e responsabilidades ao município, menor unidade da federação. Apesar de tal estratégia assegurar a autonomia da gestão local, a fim de proporcionar cuidado integral e equânime, no que diz respeito ao acesso universal ao sistema, houve um estrangulamento financeiro em decorrência de a maioria dos municípios não serem autossuficientes economicamente, mantendo sua dependência financeira em relação a estados e união66 Viana ALD, Lima LD, Oliveira RG. Descentralização e federalismo: a política de saúde em novo contexto - lições do caso brasileiro. Cien Saude Colet 2002; 7(3):493-507.,77 Santos L, Campos GWS. SUS Brasil: a região de saúde como caminho. Saude Soc 2015; 24(2):438-446.. Para enfrentar essa situação, estudos têm sugerido combinar a estratégia da regionalização à constituição das redes de atenção à saúde44 Viana ALD, Lima LD, Ferreira MP. Condicionantes estruturais da regionalização na saúde: tipologia dos Colegiados de Gestão Regional. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2317-2326.,77 Santos L, Campos GWS. SUS Brasil: a região de saúde como caminho. Saude Soc 2015; 24(2):438-446.

8 Lima LD, Viana ALD, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2881-2892.
-99 Mello GA, Pereira ANCM, Uchimura LYT, Iozzi FL, Demarzo MMP, Viana ALD. O processo de regionalização no SUS: revisão sistemática. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1291-1310..

Esse esforço entrou tardiamente na agenda política da saúde brasileira, apenas nos anos 2000, por meio de várias iniciativas, com a finalidade de garantir os princípios da universalização da saúde (integralidade, equidade), diminuir desigualdades socioespaciais, superar os limites da municipalização da saúde, fortalecer o papel dos estados no planejamento regional e propiciar maior segurança jurídica para as relações intergovernamentais de cooperação na construção das redes de atenção à saúde (RAS)1010 Albuquerque MV, Viana ALD. Perspectivas de região e redes na política de saúde brasileira. Saúde Debate 2015; 39 (n. especial):28-38..

Construir redes que sejam de fato responsivas às necessidades da população significa assegurar, entre outros aspectos, a oferta de programas e serviços de saúde integrais, incluindo a assistência odontológica programática, cuja expansão passou a ser defendida no país a partir da 7ª Conferência Nacional de Saúde, em 1980. Entretanto, até os anos 2000, a Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) tinha um caráter verticalizado e centralizador, que se expressava, entre outros aspectos, no predomínio de programas escolares e na oferta de consultas de urgência aos demais grupos populacionais. Em janeiro de 2004 foram aprovadas novas diretrizes para a política de saúde bucal no país1111 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília: MS; 2004., com o objetivo de ampliar o acesso à assistência odontológica e articular as ações de saúde bucal ao modelo de atenção integral à saúde1212 Narvai PC, Frazão P. Saúde Bucal no Brasil: muito além do céu da boca. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008..

Considerando as desigualdades territoriais e a multiplicidade de atores governamentais e não governamentais, públicos e privados envolvidos na condução e na prestação da assistência à saúde, a crescente tensão entre as expectativas de atendimento da população e as limitações dos recursos disponíveis para o setor, a investigação da estrutura e do desempenho da assistência médica e odontológica em uma perspectiva regional pode ser útil para avaliar a adequação dos serviços e o nível de implementação da política de saúde. Ao contemplar um período mais largo, o estudo possibilita verificar a permanência ou alteração de padrões que podem refletir tendências da trajetória histórica ou flexões decorrentes de políticas públicas mais recentes.

A produção de informações científicas sobre a estrutura e o desempenho pode refletir padrões semelhantes ou distintos conforme o processo de implementação das RAS e a distribuição dos equipamentos de saúde nos territórios regionais. Tais padrões podem estar relacionados a múltiplos fatores, gerais e específicos.

Entre os aspectos gerais, destacam-se os impasses decorrentes das políticas de regionalização, como: a criação de redes de serviços baseadas em negociação, não em planejamento prévio; a atribuição de responsabilidades muito amplas para um nível de governo com capacidade limitada; a falta de clareza nas regras; e lacunas no exercício de competências para o desenvolvimento das RAS nos territórios1313 Vargas I, Mogollón-Perez AS, Unger JP, da Silva MRF, De Paepe P, Vázques ML. Regional-based Integrated Healthcare Network policy in Brazil: from formulation to practice. Health Policy Plan 2014; 30(6):705-717..

Entre os aspectos específicos, diferenças decorrentes da trajetória política que tem marcado a assistência médica e a assistência odontológica podem estar associadas aos padrões de estrutura e desempenho. Alguns autores chamam atenção para o fenômeno da separação entre a assistência médica e a assistência odontológica1414 Botazzo C. Da arte dentária. São Paulo: Hucitec; 2000.

15 Hummel J, Phillips KE, Holt B, Hayes C. Oral health: an essential component of primary care. Qualis Health; 2015.

16 Atchison KA, Weintraub JA, Rozier RG. Bridging the dental-medical divide. Case studies integrating oral health care and primary health care. J Am Dentl Assoc 2018; 149(10):850-858.
-1717 Watt RG, Daly B, Allison P, Macpherson LMD, Venturelli R, Listl S, Weyant RJ, Mathur MR, Guarnizo-Herreño CC, Celeste RK, Peres MA, Kearns C, Benzian H. Ending the neglect of global oral health: time for radical action. Lancet 2019; 394(10194):261-272., um fato histórico e ao mesmo tempo um fator de dependência da trajetória política que muitos países experimentaram, incluindo o Brasil, e que poderia exercer importante influência sobre o grau de equivalência com que ambos os serviços se estruturam no processo de regionalização da saúde. Internacionalmente, essa separação assume o nome de “efeito silos”1414 Botazzo C. Da arte dentária. São Paulo: Hucitec; 2000.

15 Hummel J, Phillips KE, Holt B, Hayes C. Oral health: an essential component of primary care. Qualis Health; 2015.

16 Atchison KA, Weintraub JA, Rozier RG. Bridging the dental-medical divide. Case studies integrating oral health care and primary health care. J Am Dentl Assoc 2018; 149(10):850-858.
-1717 Watt RG, Daly B, Allison P, Macpherson LMD, Venturelli R, Listl S, Weyant RJ, Mathur MR, Guarnizo-Herreño CC, Celeste RK, Peres MA, Kearns C, Benzian H. Ending the neglect of global oral health: time for radical action. Lancet 2019; 394(10194):261-272..

Assim, o objetivo deste estudo foi comparar a estrutura e o desempenho da assistência médica e odontológica de duas regiões de saúde distintas socioeconomicamente e na oferta de serviços a fim de verificar o padrão assumido e examinar as proposições apresentadas.

Método

Realizou-se um estudo de caso com abordagem qualitativa e quantitativa1818 Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman; 2001.. Para atender aos objetivos, duas regiões de saúde de condições sociais distintas foram selecionadas intencionalmente, tendo-se como ponto de partida a classificação formulada para as 438 regiões de saúde do país pela pesquisa “Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil”1919 Viana ALD, Bousquat A, Pereira APCM, Uchimura LYT, Albuquerque MV, Mota PHS, Demarzo MMP, Ferreira MP. Tipologia das regiões de saúde: condicionantes estruturais para a regionalização no Brasil. Saude Soc 2015; 24(2):413-422..

De acordo com a situação socioeconômica e a oferta/complexidade dos serviços da saúde, as regiões de saúde brasileiras foram classificadas em cinco grupos: 1) baixo desenvolvimento socioeconômico e baixa oferta de serviços; 2) médio/alto desenvolvimento socioeconômico e baixa oferta de serviços; 3) médio desenvolvimento socioeconômico e média oferta de serviços; 4) alto desenvolvimento socioeconômico e média oferta de serviços; e 5) alto desenvolvimento socioeconômico e alta oferta de serviços. Além disso, verificou-se o tipo de prestador predominante para a produção ambulatorial e as internações, cujas categorias eram: prestador predominantemente público; situação intermediária; e prestador predominantemente privado2020 Albuquerque MV, Viana ALD, Lima LD, Ferreira MP, Fusaro ER, Iozzi FL. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1055-1064..

As regiões escolhidas foram Juazeiro e Norte-Barretos (NB), por apresentarem características socioeconômicas e de oferta de serviços distintas entre si, estando posicionadas nos extremos dos grupos 1 e 5, respectivamente. Em ambas, o prestador era predominantemente privado.

A região Juazeiro, situada ao norte do estado da Bahia, é composta por dez municípios: Campo Alegre de Lourdes, Canudos, Casa Nova, Curaçá, Juazeiro, Pilão Arcado, Remanso, Sento Sé, Sobradinho e Uauá. Norte-Barretos, situada ao norte do estado de São Paulo, também apresenta dez municípios em sua região: Altair, Barretos, Cajobi, Colina, Colômbia, Guaíra, Guaraci, Jaborandi, Olímpia e Severínia.

A Tabela 1 apresenta os contrastes demográficos, socioeconômicos e da oferta dos serviços de saúde das regiões para anos selecionados.

Tabela 1
Indicadores demográficos, socioeconômicos e da oferta de serviços de saúde das regiões Norte-Barretos e Juazeiro em anos selecionados.

A abordagem qualitativa envolveu pesquisa documental nos dossiês das respectivas regiões para extração das análises relativas às dimensões política, estrutural e organizacional do processo de regionalização em cada contexto. Os dossiês foram construídos a partir de pesquisa em campo, utilizando o instrumento da entrevista semiestruturada, com diversos atores (gestores e prestadores estaduais, regionais e municipais, além de representantes da sociedade por meio dos conselhos municipais de saúde). Para Norte-Barretos, foram realizadas 46 entrevistas, sendo 18 em Barretos, 8 em Olímpia e 7 em Cajobi. Em Juazeiro, foram realizadas 32 entrevistas, sendo 13 em Juazeiro, 11 em Remanso e 8 em Casa Nova.

Para a abordagem quantitativa foram utilizadas as seguintes fontes para a extração dos dados e a construção dos indicadores: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e Sistema de Informação Ambulatorial (SIA), a partir de acesso ao Departamento de Informática do SUS (DataSUS). Foram analisados os anos de 2007 a 2014, pois constituem um período atravessado pela segunda e terceira fases do processo de regionalização, orientados, respectivamente, pelo Pacto pela Saúde e pela Contratualização. Além disso, os sete anos analisados nesta pesquisa atravessaram mais de uma gestão municipal em diferentes conjunturas políticas, permitindo a elaboração de proposições de caráter mais estrutural.

Os indicadores de estrutura tiveram por base alguns estudos2121 Castro ALB, Andrade CLT, Machado CV, Lima LD. Condições socioeconômicas, oferta de médicos e internações por condições sensíveis à APS em grandes municípios do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(11):2353-2366.

22 Girardi S, Carvalho CL, Wan Der Maas L, Farah J, Freire JA. O trabalho precário em saúde: tendências e perspectivas na Estratégia da Saúde da Família. Divulgação em Saúde para Debate 2010; 45:11-23.

23 Jaccottet CMG, Barros AJD, Camargo MBJ, Cascaes AM. Avaliação das necessidades de tratamento odontológico e da capacidade produtiva da rede de atenção básica em saúde bucal no município de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, 2009. Epidemiol Serv Saude 2012; 21(2):333-340.

24 Oliveira RS, Morais HMM, Goes PSA, Botazzo C, Magalhães BG. Relações contratuais e perfil dos cirurgiões-dentistas em centros de especialidades odontológicas de baixo e alto desempenho no Brasil. Saude Soc 2015; 24(3):792-802.
-2525 Cascaes AM, Dotto L, Bonfim RA. Tendências da força de trabalho de cirurgiões-dentistas no Brasil, no período de 2007 a 2014: estudo de séries temporais com dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(1). e os números (n) de médicos e cirurgiões-dentistas (CD) por 10 mil habitantes que atendem no SUS. Além disso, foram apurados o número de cirurgiões-dentistas por 10 mil habitantes que atuam na Atenção Básica (AB) e na Atenção Especializada (Centro de Especialidades Odontológicas - CEO), e também a porcentagem de população total potencialmente coberta pela Equipe de Saúde Bucal (ESB) da Estratégia de Saúde da Família (ESF).

Os indicadores de efetividade, que tiveram por base alguns estudos2121 Castro ALB, Andrade CLT, Machado CV, Lima LD. Condições socioeconômicas, oferta de médicos e internações por condições sensíveis à APS em grandes municípios do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(11):2353-2366.,2626 Fernandes JKB, Pinho JRO, Queiroz RCS, Thomaz EBAF. Avaliação dos indicadores de saúde bucal no Brasil: tendência pró-equidade? Cad Saude Publica 2016; 32(2):e00021115., foram: números de consultas médicas na AB, de procedimentos odontológicos básicos individuais e de procedimentos odontológicos especializados individuais, todos padronizados por 100 habitantes; cobertura de ação coletiva de escovação dental supervisionada para população de 5 a 14 anos; cobertura de primeira consulta odontológica programática; proporção de Equipe de Saúde Bucal (ESB) que ofertava conjunto mais abrangente de procedimentos na ESF; e proporção de ESB que agenda consulta especializada atuando a favor da coordenação dos cuidados.

Os indicadores de eficiência apurados para cada ano do período tiveram por base alguns estudos2121 Castro ALB, Andrade CLT, Machado CV, Lima LD. Condições socioeconômicas, oferta de médicos e internações por condições sensíveis à APS em grandes municípios do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(11):2353-2366.,2525 Cascaes AM, Dotto L, Bonfim RA. Tendências da força de trabalho de cirurgiões-dentistas no Brasil, no período de 2007 a 2014: estudo de séries temporais com dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(1).,2727 Arretche MTS, Marques E. Municipalização da saúde no Brasil: diferenças regionais, poder do voto e estratégias de governo. Cien Saude Colet 2002; 7(3):455-479. e foram: razão entre consultas médicas na AB e médicos que atendem na AB do SUS; razão entre o total de procedimentos de primeira consulta odontológica e quantidade de CD que trabalham na AB do SUS, razão entre a quantidade de procedimentos odontológicos básicos e CD que trabalham na AB do SUS; e razão entre a quantidade procedimentos odontológicos especializados e CD que trabalham no CEO.

Alguns indicadores apresentaram informações disponíveis a partir de 2008, pois nesse ano houve mudança na tabela de procedimentos do SUS, apresentando certa descontinuidade em relação aos anos anteriores. A interpretação dos dados se deu com o auxílio de planilhas criadas no programa Excel, além dos dados históricos e socioeconômico-epidemiológicos das regiões comparadas. Este estudo fez uso de dados secundários públicos. A pesquisa “Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil (Região e Redes)”, a qual deu origem aos dossiês que são objeto deste estudo (aspectos qualitativos).

Resultados

No Quadro 1 são apresentados os resultados qualitativos presentes nos dossiês das respectivas regiões de estudo. O processo de regionalização tem sido reconhecido de forma positiva e a instância regional da esfera estadual tem tido grande importância para as duas regiões de saúde. Ambas entendem que a porta de entrada preferencial para a RAS deve ser a Unidade Básica de Saúde (UBS/ESF), compartilham a análise de que a capacidade instalada da RAS não tem sido adequada às necessidades de saúde da população, que o provimento da força de trabalho, especialmente da categoria médica, tem sido insuficiente e que a distribuição dos serviços não tem atendido à distribuição territorial da população, em decorrência da concentração de serviços em certos municípios, sobretudo nos municípios polos.

Quadro 1
Principais aspectos decorrentes da análise das dimensões política, organizacional e estrutural das regiões Norte-Barretos (2016) e Juazeiro (2017).

Algumas diferenças no âmbito da dimensão política se destacaram entre as regiões. Enquanto na região de melhor condição social os maiores protagonistas de conflitos têm sido os municípios e a instância regional, seguidos de municípios e governo estadual, na outra ponta os maiores protagonistas de conflitos têm sido os municípios e o governo estadual, seguidos de municípios e da instância regional. Na região Juazeiro a tomada de decisões é compartilhada com a região Petrolina, uma experiência inovadora, por meio do Colegiado Regional Interestadual (CRIE), cuja finalidade é discutir e pactuar decisões que envolvam a Rede de Saúde Pernambuco/Bahia.

No Quadro 2 são mostrados os resultados quantitativos, referentes aos indicadores de estrutura e desempenho (efetividade e eficiência) das respectivas regiões de estudo. Em relação à estrutura da assistência médica e odontológica, a razão médicos por habitante que atende no SUS em Norte-Barretos foi duas vezes maior que a razão dentistas por habitante, e três vezes maior para Juazeiro. Para a relação dentistas que trabalham no SUS que atendem na AB e atuam no CEO, a região Norte-Barretos foi melhor, variando de três a cinco vezes mais, a depender do indicador.

Quadro 2
Indicadores de estrutura, efetividade e eficiência, regiões Norte-Barretos e Juazeiro, 2007-2014.

Para os indicadores de efetividade, Norte-Barretos foi melhor, com aumento da diferença entre as regiões. A cobertura média de ação coletiva de escovação dental supervisionada foi de duas a sete vezes maior do que a registrada na região Juazeiro.

Em relação à eficiência, Juazeiro apresentou valores mais elevados em todos os aspectos comparados. Para a assistência médica, por exemplo, o número de consultas na AB por profissional aumentou na região, enquanto em Norte-Barretos houve uma queda. Para o número de procedimentos especializados por profissional, a variação foi quase cinco vezes superior em Juazeiro.

Discussão

Aspectos estruturais e de desempenho da assistência médica e odontológica foram comparados em duas regiões do sistema de saúde brasileiro intencionalmente selecionadas em decorrência da elevada diferença nas condições socioeconômicas (PIB per capita, renda domiciliar per capita e escolaridade) e de oferta de serviços de saúde (internações de alta complexidade por mil habitantes e quantidade de leitos por mil habitantes). Os resultados mostraram um padrão misto, ou seja, ora favorável, ora desfavorável à região de melhores condições. Enquanto uma região se sobressaiu em relação aos indicadores de estrutura (exceto para cobertura estimada da ESB na ESF) e efetividade, a outra se destacou em quanto à eficiência, isto é, embora com menos recursos, a utilização dos serviços foi relativamente mais elevada.

Os resultados mostraram que a regionalização foi reconhecida de forma positiva em ambas as regiões por vários aspectos, entre os quais a potencial contribuição para a redução das desigualdades de acesso aos serviços, para a universalização da utilização da rede de saúde, para aumentar a possibilidade de diálogo e integração da rede e diminuir a chance de estrangulamento financeiro dos municípios. Ampliar o grau de compartilhamento e democratização dos problemas e das decisões, incluindo a distribuição dos recursos financeiros, é fundamental para que a regionalização seja construída de forma positiva e autônoma, pois o princípio da hierarquização é algo que encontra raízes no ordenamento jurídico do Estado brasileiro, de modo que, se não democratizada, a regionalização pode representar apenas mais uma forma de presença e controle das instituições estatais sobre o território2828 Guimarães RB. Regiões de saúde e escalas geográficas. Cad Saude Publica 2005; 21(4):1017-1025., suprimindo o protagonismo dos municípios que compõem e constroem o espaço geográfico. Na França, tem-se observado uma nítida tendência de democratização no nível regional do sistema de saúde2929 Cadeau E. Observações sobre os sentidos e a essência das experiências francesa e brasileira na área da democracia sanitária. Revista de Direito Sanitário 2004; 1(5)..

Foi comum entre as regiões a análise de que a distribuição dos serviços não tem atendido à demanda populacional, persistindo a concentração deles nos municípios polos. Examinando a extensão e os determinantes do processo de municipalização da política de saúde no Brasil, Arretche e Marques2727 Arretche MTS, Marques E. Municipalização da saúde no Brasil: diferenças regionais, poder do voto e estratégias de governo. Cien Saude Colet 2002; 7(3):455-479. apontaram que quanto maior a população de um município, maior é a quantidade absoluta de equipamentos e serviços presentes sob a gestão municipal, sinal de ocorrência da municipalização.

Apesar da peregrinação do usuário pela rede de serviços ser um fator persistente, reconheceu-se em ambas as regiões que a APS deveria ser a porta de entrada da RAS. A capacidade instalada não estava adequada às necessidades da população, especialmente em relação ao acesso a serviços de alta complexidade. Essa fragilidade de integração da rede assistencial persiste após a municipalização dos serviços de saúde e tem sido associada à dinâmica política do federalismo sanitário brasileiro. Há fragilidade nas relações cooperativas estabelecidas entre estados e municípios, dificultando as definições de atribuições e responsabilidades, a despeito das tentativas de fortalecimento do papel dos estados na condução do SUS. Em algumas regiões nas quais a autonomia financeira dos municípios é maior, um tipo de federalismo mais cooperativo pode predominar, enquanto em outras cujos municípios detêm menor autonomia financeira um tipo de federalismo com forte dependência do ente federal pode estar presente3030 Dourado DA, Elias PEM. Regionalização e dinâmica política do federalismo sanitário brasileiro. Rev Saude Publica 2011; 45(1):204-211..

Com base nos indicadores, três pontos merecem destaque. Primeiro, a melhor estrutura e o maior volume absoluto de procedimentos na região mais favorecida em termos socioeconômicos e de oferta de serviços podem estar associados ao modelo excludente de desenvolvimento social e econômico do país, em que os direitos sociais foram expandidos por regimes autoritários e orientados a produzir desigualdades entre categorias de cidadãos e entre diferentes regiões do país. O Sudeste, por exemplo, não concentrou apenas o crescimento do PIB, passou a contar também com uma infraestrutura de serviços urbanos mais ampla do que qualquer outra região. As regiões mais pobres, por sua vez, não eram apenas desprovidas de oportunidades de trabalho, mas também de todos os serviços básicos de infraestrutura residencial (água, esgoto, coleta de lixo)3131 Arretche MTS. Trajetória das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo: Editora Unesp; 2015..

O segundo ponto diz respeito às desigualdades na estrutura da oferta de serviços, que tendem a se refletir em desigualdade de acesso. Populações com menor nível de escolaridade e renda tendem a acessar menos os serviços de saúde2828 Guimarães RB. Regiões de saúde e escalas geográficas. Cad Saude Publica 2005; 21(4):1017-1025.. No Brasil, o efeito dessa desigualdade pode ser medido pela distribuição assimétrica do uso de serviços odontológicos pela população3232 Moysés SJ. Desigualdades em saúde bucal e desenvolvimento humano: um ensaio em preto, branco e alguns tons de cinza. Revista Brasileira de Odontologia em Saúde Coletiva 2000; 1(1):7-17..

O terceiro é o fato de uma força de trabalho menor realizar uma maior quantidade de procedimentos/ações de saúde bucal poder significar, de um lado, o subdimensionamento dos recursos odontológicos disponíveis, e de outro a sobrecarga de trabalho clínico/procedimental para os profissionais, sinalizando para uma possível lógica de modelo assistencial centrada na doença/procedimento (curativo) que reproduz uma orientação liberal-privatista3333 Narvai PC. Odontologia e saúde bucal coletiva. São Paulo: Editora Hucitec; 1994.. Situações de subdimensionamento de recursos odontológicos não são incomuns no sistema de saúde brasileiro2323 Jaccottet CMG, Barros AJD, Camargo MBJ, Cascaes AM. Avaliação das necessidades de tratamento odontológico e da capacidade produtiva da rede de atenção básica em saúde bucal no município de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, 2009. Epidemiol Serv Saude 2012; 21(2):333-340. e justificariam maior alocação de recursos e investimentos em educação permanente para reorientar de forma crítica o modelo de atenção e as estratégias de cuidado nas práticas dos serviços.

Como era esperado, a provisão de dentistas na assistência odontológica básica e especializada, vinculada ao SUS mostrou-se favorável à melhor região. A exceção foi a cobertura estimada da ESB pela ESF, que apresentou taxa mais elevada em Juazeiro. Cabe destacar também que as diferenças entre as regiões na provisão de dentistas vinculados ao SUS diminuíram no período em análise.

Com a PNSB, a atenção à saúde bucal passou a compor uma das prioridades no governo federal, impulsionando a implantação e expansão das ESB, especialmente na região Nordeste3434 Scarparo A, Zermiani TC, Ditterich RG, Pinto MHB. Impacto da Política Nacional de Saúde Bucal - Programa Brasil Sorridente - sobre a provisão de serviços odontológicos no Estado do Rio de Janeiro. Cad Saude Colet 2015; 23(4):409-415.

35 Pinho JRO, Souza TC, Vilas Bôas MD, Neves PAM. Evolução da cobertura das equipes de saúde bucal nas macrorregiões brasileiras. Rev Assoc Paul Cir Dent 2015; 69(1):80-85.
-3636 Pereira AMM, Castro ANB, Oviedo RAM, Barbosa LG, Gerassi CD, Giovanella L. Atenção primária à saúde na América do Sul em perspectiva comparada: mudanças e tendências. Saude Debate 2012; 36(94):482-499.. O Pacto pela Vida estabeleceu, para o biênio 2010-2011, meta de 40% de cobertura populacional por ESB, e as regiões Nordeste e Centro-Oeste conseguiram atingí-la3535 Pinho JRO, Souza TC, Vilas Bôas MD, Neves PAM. Evolução da cobertura das equipes de saúde bucal nas macrorregiões brasileiras. Rev Assoc Paul Cir Dent 2015; 69(1):80-85.. Esse fato pode ajudar a explicar a maior expansão na região Juazeiro e indicar uma tendência a favor da equidade. Tal tendência foi observada também na implantação da Estratégia Saúde da Família, para a qual os incentivos federais têm sido mais vantajosos nas regiões de pior condição social3636 Pereira AMM, Castro ANB, Oviedo RAM, Barbosa LG, Gerassi CD, Giovanella L. Atenção primária à saúde na América do Sul em perspectiva comparada: mudanças e tendências. Saude Debate 2012; 36(94):482-499.. Entre 2008 e 2012, a cobertura de equipes da AB na região Juazeiro foi maior em relação à região Norte-Barreto. Em 2011, por exemplo, a diferença a favor da região de pior condição social foi 16%.

Quanto à estrutura da assistência médica, a razão médico/habitante foi maior na região de melhor condição social. À medida que o número de médicos que atendem no SUS aumentou ao longo da série histórica, a quantidade de internações por alta complexidade também aumentou. O fato de não diminuir o número de internações pode ter relação com a diminuição da quantidade de leitos hospitalares, resultado apontado em pesquisa realizada por Castro colaboradores2121 Castro ALB, Andrade CLT, Machado CV, Lima LD. Condições socioeconômicas, oferta de médicos e internações por condições sensíveis à APS em grandes municípios do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(11):2353-2366. e também identificado no presente estudo. Destaca-se que a cidade de Barretos concentra um polo de referência nacional em tratamento para câncer, o que se reflete em uma demanda mais elevada e que requer maior número de médicos contratados em comparação a uma região que não tem o mesmo status.

O fato de alguns indicadores apresentarem um padrão diferente daquele que poderia ser esperado, tendo em vista as condições socioeconômicas e de oferta de serviços das regiões, sugere a presença de diferentes condicionantes, entre os quais pode-se destacar aqueles de caráter mais geral, atuando do plano federal para o plano local, e aqueles mais específicos, agindo do nível local para o geral. Entre os primeiros podem ser identificados o processo de regionalização e seus impasses1313 Vargas I, Mogollón-Perez AS, Unger JP, da Silva MRF, De Paepe P, Vázques ML. Regional-based Integrated Healthcare Network policy in Brazil: from formulation to practice. Health Policy Plan 2014; 30(6):705-717. e a PNSB que se dinamizou no período1212 Narvai PC, Frazão P. Saúde Bucal no Brasil: muito além do céu da boca. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008.. Entre as condicionantes de caráter mais local, podem ser relacionados, de um lado, o processo de ampliação da democracia sanitária por meio de diferentes canais de comunicação e espaços de articulação política em que regiões de maior privação social teriam mais possibilidades de vocalizarem suas necessidades, e de outro o efeito silos, traduzido pelas características particulares que têm marcado as políticas e práticas das diferentes modalidades de assistência, entre as quais a assistência médico-sanitária e a odontológica, cuja separação e isolamento foi descrita por vários pesquisadores1414 Botazzo C. Da arte dentária. São Paulo: Hucitec; 2000.

15 Hummel J, Phillips KE, Holt B, Hayes C. Oral health: an essential component of primary care. Qualis Health; 2015.

16 Atchison KA, Weintraub JA, Rozier RG. Bridging the dental-medical divide. Case studies integrating oral health care and primary health care. J Am Dentl Assoc 2018; 149(10):850-858.
-1717 Watt RG, Daly B, Allison P, Macpherson LMD, Venturelli R, Listl S, Weyant RJ, Mathur MR, Guarnizo-Herreño CC, Celeste RK, Peres MA, Kearns C, Benzian H. Ending the neglect of global oral health: time for radical action. Lancet 2019; 394(10194):261-272.,3737 Mertz EA. The dental-medical divide. Health Affairs 2016; 35(12):2168-2175., um efeito que poderia representar forte dependência para a trajetória política da assistência odontológica e sua configuração em um sistema regional.

Mesmo com algumas orientações mínimas definidas e pactuadas, alguns impasses decorrentes da dinâmica política e particular de cada território parecem estar modulando a implementação das RAS. Um aspecto pode ser o predomínio da força de negociação e autonomia de certos municípios em detrimento de um processo de planejamento que favoreça uma perspectiva regional cooperativa de alocação de recursos. Têm sido observadas dificuldades em redistribuir esses serviços, seja por questões políticas (propaganda eleitoreira e barganhas) ou financeiras (o serviço pode garantir o repasse de algum recurso ao município). Outro aspecto pode ser a ampla responsabilização de um nível de governo com capacidade limitada, um contexto identificado mais claramente em uma das regiões sob estudo, que possui muitos municípios de pequeno porte com forte dependência financeira da União. Os resultados do estudo de caso mostraram que as diferenças estruturais entre as regiões foram mantidas no período, o que permite sustentar a noção de que faltam instrumentos e mecanismos de indução da redução de desigualdades entre as regiões no processo de regionalização. E sua maioria, os conflitos protagonizados por municípios e estados (caso de Juazeiro) refletem, em alguma medida, o atravessamento de responsabilidades entre níveis de governo, sem levar em consideração a importância da instância regional. Além disso, as políticas não definem o financiamento das RAS regionais. A concepção de um orçamento global em nível regional (baseado na capitação, por exemplo) poderia ser uma estratégia1313 Vargas I, Mogollón-Perez AS, Unger JP, da Silva MRF, De Paepe P, Vázques ML. Regional-based Integrated Healthcare Network policy in Brazil: from formulation to practice. Health Policy Plan 2014; 30(6):705-717..

Outra proposição que pode estar associada ao padrão misto encontrado diz respeito ao efeito silos. A desvinculação entre a saúde bucal e a do restante do corpo foi construída nas formações médica e odontológica por gerações e se reflete até hoje1414 Botazzo C. Da arte dentária. São Paulo: Hucitec; 2000.. Como consequência, as modalidades de assistência à saúde atuam de modo separado, na forma de silos1515 Hummel J, Phillips KE, Holt B, Hayes C. Oral health: an essential component of primary care. Qualis Health; 2015.

16 Atchison KA, Weintraub JA, Rozier RG. Bridging the dental-medical divide. Case studies integrating oral health care and primary health care. J Am Dentl Assoc 2018; 149(10):850-858.
-1717 Watt RG, Daly B, Allison P, Macpherson LMD, Venturelli R, Listl S, Weyant RJ, Mathur MR, Guarnizo-Herreño CC, Celeste RK, Peres MA, Kearns C, Benzian H. Ending the neglect of global oral health: time for radical action. Lancet 2019; 394(10194):261-272.,3838 Frenk J, Chen L, Bhutta ZA, Cohen J, Crisp N, Evans T, Fineberg H, Garcia P, Ke Y, Kelley P, Kistnasamy B, Meleis A, Naylor D, Pabloz-Mendez A, Reddy S, Scrimshaw S, Sepulveda J, Serwadda D, Zurayk H. Health professionals for a new century: transforming education to strengthen health systems in an interdependent world. Lancet 2010; 376(9756):1923-1258., e isso poderia, em algum grau, explicar uma trajetória diversa do esperado, como foi observado neste estudo com relação ao desempenho.

O isolamento entre os cuidados de saúde geral e a assistência odontológica é reconhecido internacional e nacionalmente1414 Botazzo C. Da arte dentária. São Paulo: Hucitec; 2000.

15 Hummel J, Phillips KE, Holt B, Hayes C. Oral health: an essential component of primary care. Qualis Health; 2015.

16 Atchison KA, Weintraub JA, Rozier RG. Bridging the dental-medical divide. Case studies integrating oral health care and primary health care. J Am Dentl Assoc 2018; 149(10):850-858.
-1717 Watt RG, Daly B, Allison P, Macpherson LMD, Venturelli R, Listl S, Weyant RJ, Mathur MR, Guarnizo-Herreño CC, Celeste RK, Peres MA, Kearns C, Benzian H. Ending the neglect of global oral health: time for radical action. Lancet 2019; 394(10194):261-272., o que conduziu à necessidade de recomendações políticas para a vinculação dos serviços de saúde bucal à oferta dos cuidados à saúde geral1616 Atchison KA, Weintraub JA, Rozier RG. Bridging the dental-medical divide. Case studies integrating oral health care and primary health care. J Am Dentl Assoc 2018; 149(10):850-858.,3838 Frenk J, Chen L, Bhutta ZA, Cohen J, Crisp N, Evans T, Fineberg H, Garcia P, Ke Y, Kelley P, Kistnasamy B, Meleis A, Naylor D, Pabloz-Mendez A, Reddy S, Scrimshaw S, Sepulveda J, Serwadda D, Zurayk H. Health professionals for a new century: transforming education to strengthen health systems in an interdependent world. Lancet 2010; 376(9756):1923-1258.,3939 Pitts NB. NHS Dentistry: options for change in context - a personal overview of a landmark document and what it could mean for the future of dental services. BDJ Open 2003; 195(11):631-635., pois ambas estão interrelacionadas, apesar de serem tratadas como independentes.

As diretrizes de políticas de saúde no Brasil também reconhecem a importância da integração entre a saúde bucal e os cuidados gerais de saúde. A integralidade é um princípio doutrinário do SUS e tem sido defendida como o eixo condutor dos processos de mudanças para uma ruptura de valores tradicionais na saúde, como a fragmentação da atenção e do cuidado às pessoas4040 Viegas SMS, Penna CMM. As dimensões da integralidade no cuidado em saúde no cotidiano da Estratégia de Saúde da Família no Vale do Jequitinhonha, MG, Brasil. Interface (Botucatu) 2015; 19(55):1089-1100.. Uma estratégia para garantir tal princípio na prática foi a implantação das equipes multiprofissionais na ESF, incluindo as equipes de saúde bucal, bem como a orientação dessa estratégia (Atenção Básica/APS) como coordenadora dos cuidados para os demais níveis de atenção4040 Viegas SMS, Penna CMM. As dimensões da integralidade no cuidado em saúde no cotidiano da Estratégia de Saúde da Família no Vale do Jequitinhonha, MG, Brasil. Interface (Botucatu) 2015; 19(55):1089-1100.,4141 Chaves SCL, Barros SG, Cruz DN, Figueiredo ACLF, Moura BLA, Cangussu MCT. Política Nacional de Saúde Bucal: fatores associados à integralidade do cuidado. Rev Saude Publica 2010; 44(6):1005-1013.. Em 2013, para cada duas equipes de saúde bucal havia três ESF no país3535 Pinho JRO, Souza TC, Vilas Bôas MD, Neves PAM. Evolução da cobertura das equipes de saúde bucal nas macrorregiões brasileiras. Rev Assoc Paul Cir Dent 2015; 69(1):80-85..

Integrar a saúde bucal à saúde geral não depende apenas da concepção conceitual da saúde, dos profissionais e dos cuidados que a envolvem. Significa também abordar o sistema de financiamento que viabiliza tanto as ações de saúde quanto aquelas específicas de saúde bucal3737 Mertz EA. The dental-medical divide. Health Affairs 2016; 35(12):2168-2175.. Implica compreender a evolução da política de assistência odontológica e identificar os desafios resultantes de sua separação do resto dos cuidados de saúde, explorando as consequências dessa divisão para o futuro da política de saúde bucal e da reforma do sistema de saúde3737 Mertz EA. The dental-medical divide. Health Affairs 2016; 35(12):2168-2175..

Em relação às limitações e alcances deste estudo, alguns aspectos precisam ser comentados. O registro das informações (SIA-SUS) que geraram o indicador de efetividade “Cobertura de ação coletiva de escovação dental supervisionada para a população de 5 a 14 anos” apresentou importantes oscilações nas séries históricas analisadas. Para minimizá-las, outliers foram detectados e removidos. Os indicadores selecionados para analisar a força de trabalho na assistência médica e odontológica devem ser considerados com cautela, pois utilizou-se apenas o filtro do CNES/DataSUS, que pode apresentar problemas de sub ou sobre registro. A análise abrangendo um período largo, como a adotada no presente estudo, contribui para atenuar a instabilidade dos registros e pode subsidiar o desenho de políticas de saúde voltadas a superar o subdimensionamento da estrutura de serviços nas regiões de menor desenvolvimento socioeconômico e a busca de um maior equilíbrio nos indicadores de efetividade e eficiência entre as regiões de saúde. Aspectos relativos à orientação política dos partidos da coalizão responsável pela gestão do setor saúde de estados e municípios em cada região não foram analisados e poderiam trazer informações sobre o grau de competição ou de cooperação das estratégias de estruturação dos serviços ambulatoriais2727 Arretche MTS, Marques E. Municipalização da saúde no Brasil: diferenças regionais, poder do voto e estratégias de governo. Cien Saude Colet 2002; 7(3):455-479.. A continuidade da pesquisa com nova rodada de entrevistas e observações in loco poderia propiciar a investigação de detalhes relativos à utilização dos recursos disponíveis e às possibilidades de um rearranjo das atividades desenvolvidas dentro e fora das unidades de saúde, incluindo suas relações horizontais e verticais, a fim de atender a expectativas voltadas ao campo prático da organização dos serviços. Apesar do presente estudo de caso envolver enfoques incorporados (envolveu mais de uma unidade de análise), a generalização é um fator limitante deste método1818 Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman; 2001..

Pode-se concluir que a estrutura e o desempenho da assistência médica e odontológica das duas regiões de saúde, distintas socioeconomicamente e na oferta de serviços, apresentaram um padrão misto, isto é, enquanto a região de melhor condição se sobressaiu em relação aos indicadores de estrutura (exceto para cobertura estimada da ESB na ESF) e de efetividade, a outra se destacou quanto à eficiência, ou seja, embora com menos recursos, a utilização dos serviços foi mais elevada. O padrão observado pode subsidiar o desenho de políticas de saúde voltadas a superar o subdimensionamento da estrutura de serviços públicos de assistência médica e odontológica nas regiões de menor desenvolvimento socioeconômico e a busca de parâmetros e mecanismos de coordenação visando um maior equilíbrio nos indicadores de efetividade e eficiência entre as regiões de saúde.

Referências

  • 1
    Pereira AMM, Lima LD, Machado CV, Freire JM. Descentralização e regionalização em saúde na Espanha: trajetórias, características e condicionantes. Saúde Debate 2015; 39(n. esp.):11-27.
  • 2
    Costa APC. Regionalização do Sistema Único de Saúde na Região de Juruá, Tarauacá/Envira, Acre, no início do século XXI [tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública; 2017.
  • 3
    Lima LD, Viana ALD, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2881-2892.
  • 4
    Viana ALD, Lima LD, Ferreira MP. Condicionantes estruturais da regionalização na saúde: tipologia dos Colegiados de Gestão Regional. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2317-2326.
  • 5
    World Health Organization (WHO). Integrated health services - what and why? Geneva: WHO; 2008.
  • 6
    Viana ALD, Lima LD, Oliveira RG. Descentralização e federalismo: a política de saúde em novo contexto - lições do caso brasileiro. Cien Saude Colet 2002; 7(3):493-507.
  • 7
    Santos L, Campos GWS. SUS Brasil: a região de saúde como caminho. Saude Soc 2015; 24(2):438-446.
  • 8
    Lima LD, Viana ALD, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2881-2892.
  • 9
    Mello GA, Pereira ANCM, Uchimura LYT, Iozzi FL, Demarzo MMP, Viana ALD. O processo de regionalização no SUS: revisão sistemática. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1291-1310.
  • 10
    Albuquerque MV, Viana ALD. Perspectivas de região e redes na política de saúde brasileira. Saúde Debate 2015; 39 (n. especial):28-38.
  • 11
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília: MS; 2004.
  • 12
    Narvai PC, Frazão P. Saúde Bucal no Brasil: muito além do céu da boca. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008.
  • 13
    Vargas I, Mogollón-Perez AS, Unger JP, da Silva MRF, De Paepe P, Vázques ML. Regional-based Integrated Healthcare Network policy in Brazil: from formulation to practice. Health Policy Plan 2014; 30(6):705-717.
  • 14
    Botazzo C. Da arte dentária. São Paulo: Hucitec; 2000.
  • 15
    Hummel J, Phillips KE, Holt B, Hayes C. Oral health: an essential component of primary care. Qualis Health; 2015.
  • 16
    Atchison KA, Weintraub JA, Rozier RG. Bridging the dental-medical divide. Case studies integrating oral health care and primary health care. J Am Dentl Assoc 2018; 149(10):850-858.
  • 17
    Watt RG, Daly B, Allison P, Macpherson LMD, Venturelli R, Listl S, Weyant RJ, Mathur MR, Guarnizo-Herreño CC, Celeste RK, Peres MA, Kearns C, Benzian H. Ending the neglect of global oral health: time for radical action. Lancet 2019; 394(10194):261-272.
  • 18
    Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman; 2001.
  • 19
    Viana ALD, Bousquat A, Pereira APCM, Uchimura LYT, Albuquerque MV, Mota PHS, Demarzo MMP, Ferreira MP. Tipologia das regiões de saúde: condicionantes estruturais para a regionalização no Brasil. Saude Soc 2015; 24(2):413-422.
  • 20
    Albuquerque MV, Viana ALD, Lima LD, Ferreira MP, Fusaro ER, Iozzi FL. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1055-1064.
  • 21
    Castro ALB, Andrade CLT, Machado CV, Lima LD. Condições socioeconômicas, oferta de médicos e internações por condições sensíveis à APS em grandes municípios do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(11):2353-2366.
  • 22
    Girardi S, Carvalho CL, Wan Der Maas L, Farah J, Freire JA. O trabalho precário em saúde: tendências e perspectivas na Estratégia da Saúde da Família. Divulgação em Saúde para Debate 2010; 45:11-23.
  • 23
    Jaccottet CMG, Barros AJD, Camargo MBJ, Cascaes AM. Avaliação das necessidades de tratamento odontológico e da capacidade produtiva da rede de atenção básica em saúde bucal no município de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, 2009. Epidemiol Serv Saude 2012; 21(2):333-340.
  • 24
    Oliveira RS, Morais HMM, Goes PSA, Botazzo C, Magalhães BG. Relações contratuais e perfil dos cirurgiões-dentistas em centros de especialidades odontológicas de baixo e alto desempenho no Brasil. Saude Soc 2015; 24(3):792-802.
  • 25
    Cascaes AM, Dotto L, Bonfim RA. Tendências da força de trabalho de cirurgiões-dentistas no Brasil, no período de 2007 a 2014: estudo de séries temporais com dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(1).
  • 26
    Fernandes JKB, Pinho JRO, Queiroz RCS, Thomaz EBAF. Avaliação dos indicadores de saúde bucal no Brasil: tendência pró-equidade? Cad Saude Publica 2016; 32(2):e00021115.
  • 27
    Arretche MTS, Marques E. Municipalização da saúde no Brasil: diferenças regionais, poder do voto e estratégias de governo. Cien Saude Colet 2002; 7(3):455-479.
  • 28
    Guimarães RB. Regiões de saúde e escalas geográficas. Cad Saude Publica 2005; 21(4):1017-1025.
  • 29
    Cadeau E. Observações sobre os sentidos e a essência das experiências francesa e brasileira na área da democracia sanitária. Revista de Direito Sanitário 2004; 1(5).
  • 30
    Dourado DA, Elias PEM. Regionalização e dinâmica política do federalismo sanitário brasileiro. Rev Saude Publica 2011; 45(1):204-211.
  • 31
    Arretche MTS. Trajetória das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo: Editora Unesp; 2015.
  • 32
    Moysés SJ. Desigualdades em saúde bucal e desenvolvimento humano: um ensaio em preto, branco e alguns tons de cinza. Revista Brasileira de Odontologia em Saúde Coletiva 2000; 1(1):7-17.
  • 33
    Narvai PC. Odontologia e saúde bucal coletiva. São Paulo: Editora Hucitec; 1994.
  • 34
    Scarparo A, Zermiani TC, Ditterich RG, Pinto MHB. Impacto da Política Nacional de Saúde Bucal - Programa Brasil Sorridente - sobre a provisão de serviços odontológicos no Estado do Rio de Janeiro. Cad Saude Colet 2015; 23(4):409-415.
  • 35
    Pinho JRO, Souza TC, Vilas Bôas MD, Neves PAM. Evolução da cobertura das equipes de saúde bucal nas macrorregiões brasileiras. Rev Assoc Paul Cir Dent 2015; 69(1):80-85.
  • 36
    Pereira AMM, Castro ANB, Oviedo RAM, Barbosa LG, Gerassi CD, Giovanella L. Atenção primária à saúde na América do Sul em perspectiva comparada: mudanças e tendências. Saude Debate 2012; 36(94):482-499.
  • 37
    Mertz EA. The dental-medical divide. Health Affairs 2016; 35(12):2168-2175.
  • 38
    Frenk J, Chen L, Bhutta ZA, Cohen J, Crisp N, Evans T, Fineberg H, Garcia P, Ke Y, Kelley P, Kistnasamy B, Meleis A, Naylor D, Pabloz-Mendez A, Reddy S, Scrimshaw S, Sepulveda J, Serwadda D, Zurayk H. Health professionals for a new century: transforming education to strengthen health systems in an interdependent world. Lancet 2010; 376(9756):1923-1258.
  • 39
    Pitts NB. NHS Dentistry: options for change in context - a personal overview of a landmark document and what it could mean for the future of dental services. BDJ Open 2003; 195(11):631-635.
  • 40
    Viegas SMS, Penna CMM. As dimensões da integralidade no cuidado em saúde no cotidiano da Estratégia de Saúde da Família no Vale do Jequitinhonha, MG, Brasil. Interface (Botucatu) 2015; 19(55):1089-1100.
  • 41
    Chaves SCL, Barros SG, Cruz DN, Figueiredo ACLF, Moura BLA, Cangussu MCT. Política Nacional de Saúde Bucal: fatores associados à integralidade do cuidado. Rev Saude Publica 2010; 44(6):1005-1013.

  • Financiamento

    Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e Ministério da Saúde (MS), por meio da Chamada MCTI/CNPq/CT - Saúde/MS/SCTIE/Decit nº 41/2013, além de ter sido submetida ao Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2019
  • Aceito
    06 Jan 2020
  • Publicado
    08 Jan 2020
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br