Autopercepção positiva de saúde entre idosos não longevos e longevos e fatores associados

Carlos Henrique Guimarães Brasil Luciana Colares Maia Antônio Prates Caldeira Maria Fernanda Santos Figueiredo Brito Lucineia de Pinho Sobre os autores

Resumo

Objetivou-se identificar a prevalência da autopercepção positiva de saúde entre os idosos não longevos e longevos e fatores associados. Pesquisa realizada com idosos cadastrados na Estratégia Saúde da Família de Montes Claros. Utilizou-se o instrumento Brazilian Older Americans Resources and Services Multidimensional Function Assessment Questionnaire. Realizaram-se análises bivariadas e múltiplas por meio da Regressão de Poisson. Participaram 1.750 idosos, sendo 1.420 idosos não longevos e 330 longevos. A autopercepção positiva foi referida entre 71,9% dos idosos não longevos e 67,8% dos longevos. Entre os não longevos, a autopercepção positiva de saúde foi associada: escolaridade a partir de 5 anos (RP=1,12); renda familiar entre 2 a menos de 3 salários mínimos (RP=1,13) e maior ou igual a 3 salários mínimos (RP=1,12); visão preservada (RP=1,13); boa mastigação (RP=1,16); sono preservado (RP=1,23); ausência de polipatologias (RP=1,29); ausência de diabetes (RP=1,15) e de quedas no último ano (RP=1,13) e prática de atividades físicas (RP=1,11) e entre os longevos: uso de prótese; ausência de alterações no sono e de polipatologias e prática de atividades físicas. A autopercepção positiva de saúde está associada aos determinantes sociais e de saúde.

Palavras-chave:
Autopercepção; Envelhecimento; Saúde do idoso; Condições de Saúde

Introdução

O envelhecimento populacional é um fenômeno global decorrente da transição demográfica e se associa à ampliação da longevidade. Este contexto contribui para as mudanças nas características epidemiológicas, econômicas e sociais11 Organização Mundial de Saúde (OMS). Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde. Genebra: OMS; 2015.. Trata-se de um fenômeno relacionado ao declínio nos níveis de mortalidade geral, à queda das taxas de mortalidade infantil e ao aumento da esperança de vida ao nascer2,33 Simões CCS. Relações entre as alterações históricas na dinâmica demográfica brasileira e os impactos decorrentes do processo de envelhecimento da população. Rio de Janeiro: IBGE; 2016..

A amplitude etária na composição dos idosos determina distinções entre os estratos de idosos não longevos (entre 60 e 79 anos) e longevos (de 80 anos ou mais) que devem ser consideradas devido características clínicas específicas. À medida que os idosos longevos assumem maior proporção na população, a frequência de “condições ocultas” ou não classificadas como doenças fatais aumenta, o que impacta negativamente no vínculo social e familiar, na capacidade funcional e no bem-estar44 Hazra NC, Gulliford M. Evolution of the "fourth stage" of epidemiologic transition in people aged 80 years and over: population-based cohort study using electronic health records. Populat Health Metrics 2017; 15(1):18.. Além disso, as múltiplas morbidades, deficiências ou dependências determinam pior qualidade de vida55 Porciúncula RCR, Carvalho EF, Barreto KML, Leite VMM. Perfil socioepidemiológico e autonomia de longevos em Recife-PE, Nordeste do Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol 2014; 17(2):315-325. t,66 Franzon K, Byberg L, Sjogren P, Zethelius B, Cederholm T, Kilander L. Predictors of independent aging and survival: a 16-year follow-up report in octogenarian men. J Am Geriatr Soc 2017; 65(9):1953-1960.. Para os idosos em geral, o custo da manutenção das capacidades físicas e mentais e a estruturação de mecanismos de proteção contra problemas relacionados às condições crônicas pressionam os setores socioeconômicos e de saúde77 Krug RR, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, Confortin SC, Mazo GZ, Xavier AJ, d'Orsi E. Fatores sociodemográficos, comportamentais e de saúde associados à autopercepção de saúde positiva de idosos longevos residentes em Florianópolis, Santa Catarina. Rev Bras Epidemiol 2018; 21:e180004..

A assistência qualificada para atenção à saúde do idoso tem sido objeto de políticas públicas distintas no Brasil88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa. Brasília: MS; 2006.

9 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Diário Oficial da União; 2006.

10 Brasil. Lei nº 13.466, de 12 de julho de 2017. Altera os arts. 3º, 15 e 71 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União 2017; 13 jul.

11 Camacho ACLF, Coelho MJ. Políticas públicas para a saúde do idoso: revisão sistemática. Rev Bras Enferm 2010; 63(2):279-284.
-1212 Fernandes MTO, Soares SM. O desenvolvimento de políticas públicas de atenção ao idoso no Brasil. Rev Esc Enferm USP 2012; 46(6):1494-1502.. No contexto da Atenção Primária à Saúde (APS), representada pela Estratégia Saúde da Família (ESF), foram definidas atribuições de planejar, programar e realizar as ações que envolvem a atenção à saúde da pessoa idosa em sua área de abrangência. Também é prevista a atuação de equipe multiprofissional no levantamento e acompanhamento de idosos em situação de fragilidade ou de risco funcional, além da promoção de ações educativas específicas88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa. Brasília: MS; 2006.,1313 Castro APR, Vidal ECF, Saraiva ARB, Arnaldo SM, Borges AMM, Almeida MI. Promoting health among the elderly: actions in primary health care. Rev Bras Geriatr Gerontol 2018; 21(2):155-163..

As equipes da ESF, a partir de uma atuação mais próxima do sujeito e uso adequado das ferramentas da saúde da família, têm a possibilidade de ofertar um cuidado individualizado, identificando de forma mais oportuna a associação entre o bem-estar psicológico e saúde física. Nesse sentido, o conceito da autopercepção de saúde pode possibilitar entender a perspectiva do idoso acerca de sua saúde e de como se relaciona com o serviço de saúde. Por estar ligada a fatores socioeconômicos, ambientais, biológicos, emocionais, culturais e de assistência, é fundamental entender quais destes aspectos influenciam a autopercepção de saúde e de que maneira. A partir destes resultados, é possível proporcionar uma atenção qualificada voltada para as reais necessidades e modificar os fatores responsáveis pelo adoecimento e vulnerabilidade do idoso.

A autopercepção da saúde tem sido recomendada para aferir as condições de saúde de uma população pela coincidência entre a percepção e o estado de saúde real, além da aplicação ampla e rápida1414 Pagotto V, Bachion MM, Silveira EA. Autoavaliação da saúde por idosos brasileiros: revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Public 2013; 33(4):302-310.. No idoso, a autopercepção remete à correlação de condição de saúde e funcionalidade e é um bom indicador de qualidade de vida, de morbidade, de declínio funcional e preditor de mortalidade1414 Pagotto V, Bachion MM, Silveira EA. Autoavaliação da saúde por idosos brasileiros: revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Public 2013; 33(4):302-310.

15 Cardoso JDC, Azevedo RCS, Reiners AAO, Louzada CV, Espinosa MM. Autoavaliação de saúde ruim e fatores associados em idosos residentes em zona urbana. Rev Gaucha Enferm 2014; 35(4):35-41.

16 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, d'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060.
-1717 Buccella S, Brandi R. Evaluación geriátrica integral: propuesta de un modelo de autonotificación del estado de salud. Salus 2016; 20(3):22-28..

A avaliação da autopercepção positiva da saúde permite a compreensão dos fatores relacionados à qualidade de vida e condições de saúde. Assim, o levantamento desses dados pode auxiliar na prestação da atenção à saúde ao idoso e na organização do processo de trabalho para a consonância com suas peculiaridades88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa. Brasília: MS; 2006.,99 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Diário Oficial da União; 2006.,1111 Camacho ACLF, Coelho MJ. Políticas públicas para a saúde do idoso: revisão sistemática. Rev Bras Enferm 2010; 63(2):279-284.,1212 Fernandes MTO, Soares SM. O desenvolvimento de políticas públicas de atenção ao idoso no Brasil. Rev Esc Enferm USP 2012; 46(6):1494-1502.,1616 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, d'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060.. Ainda, pode contribuir para o direcionamento de ações intersetoriais que possam impactar positivamente e de forma longitudinal no bem-estar desta população1111 Camacho ACLF, Coelho MJ. Políticas públicas para a saúde do idoso: revisão sistemática. Rev Bras Enferm 2010; 63(2):279-284.,1212 Fernandes MTO, Soares SM. O desenvolvimento de políticas públicas de atenção ao idoso no Brasil. Rev Esc Enferm USP 2012; 46(6):1494-1502.,1616 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, d'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060..

Este estudo visa identificar os fatores associados à autopercepção positiva de saúde e sua prevalência em idosos não longevos e longevos atendidos pelas equipes da ESF em Montes Claros-MG.

Método

Este estudo deriva do projeto de intervenção intitulado Matriciamento em Saúde do Idoso na Atenção Primária em Saúde de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Trata-se de uma pesquisa transversal e analítica, realizada com idosos cadastrados em equipes da ESF as quais funcionam como polos da Residência em Medicina de Família e Comunidade (RMFC). O checklist Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (Strobe) para estudos observacionais foi usado para ajudar na condução da pesquisa e relato dos resultados obtidos1818 Malta M, Cardoso LO, Bastos FI, Magnanini MMF, Silva CMFP. Iniciativa STROBE: subsídios para a comunicação de estudos observacionais. Rev Saude Publica 2010; 44(3):559-565..

O município está localizado no norte de Minas Gerais, dimensionado como sexto maior em termos populacionais e o maior desta região do estado1919 Prefeitura Municipal de Montes Claros. Montes Claros. Aspectos Gerais [Internet]. [acessado 2018 nov 18]. Disponível em: http://www.montesclaros.mg.gov.br/cidade/aspectos_gerais.htm.
http://www.montesclaros.mg.gov.br/cidade...
. Segundo o IBGE, estima-se uma população de 409.341 habitantes2020 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Rio de Janeiro. População [Internet]. [acessado 2018 jul 1]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/montes-claros/panorama.
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/mo...
. Entre as 131 equipes de ESF no município (97,75% de cobertura), 38 equipes eram vinculadas à RMFC do Hospital Universitário Clemente de Faria/Unimontes, agrupadas em 13 polos educacionais (28,35% de cobertura).

O cálculo amostral foi feito para população infinita e considerou a população estimada para o município à época, sendo 8,17% de idosos. Para essa população de idosos, considerou-se a frequência do evento estudado de 50%, o intervalo de confiança de 95%, a margem de erro de 3% e correção pelo efeito do desenho (deff=1,5). A amostra calculada foi de 1.708 indivíduos. A seleção da amostra ocorreu por amostragem probabilística por conglomerados em dois estágios, com sorteio dos polos da RMFC da zona urbana do município, seguido do sorteio das equipes e microáreas de cada polo. Foram incluídos todos os idosos pertencentes às equipes selecionadas com condições para responder os questionários e com cuidador disponível durante as visitas de coleta. Foram excluídos do estudo os idosos ausentes do domicílio após três tentativas de entrevista, mesmo após agendamento prévio em dias e horários diferentes. Embora o instrumento utilizado para a coleta de dados permita que muitas informações possam ser referidas pelo cuidador, para a avaliação da autopercepção de saúde, foram também excluídos idosos considerados inaptos para tal julgamento, segundo a avaliação da família.

Para coleta de dados foi utilizado o instrumento Brazilian Older Americans Resources and Services Multidimensional Function Assessment Questionnaire (Bomfaq)2121 Blay SL, Ramos LR, de Mari JJ. Validity of a brazilian version of the older americans resources and services (OARS) Mental Health Screening Questionnaire. J Am Geriatr Soc 1988; 36(8):687-692.. As variáveis investigadas foram agrupadas em blocos: socioeconômico e de saúde física e mental2121 Blay SL, Ramos LR, de Mari JJ. Validity of a brazilian version of the older americans resources and services (OARS) Mental Health Screening Questionnaire. J Am Geriatr Soc 1988; 36(8):687-692.. Para fins de análise, as variáveis foram categorizadas conforme descrito nos Quadros 1 e 2.

Quadro 1
Categorização das variáveis socioeconômicas dos idosos não longevos e longevos. Montes Claros-MG, Brasil.
Quadro 2
Categorização das variáveis de saúde física e mental dos idosos não longevos e longevos. Montes Claros-MG, Brasil.

Os dados foram coletados por profissionais de saúde e estudantes previamente capacitados e ocorreu nos domicílios dos idosos, em horários acordados, no período de setembro de 2016 a maio de 2017. Para a análise dos dados, os idosos foram estratificados em dois grupos: idosos não longevos (de 60 a 79 anos) e longevos (de 80 anos ou mais). Foi realizada a análise descritiva por meio da frequência simples e relativa. Utilizou-se como variável dependente a autopercepção de saúde, categorizada em autopercepção positiva (ótima/boa) ou negativa (má/péssima). Foram definidas como variáveis independentes as características sociodemográficas (sexo, cor de pele, escolaridade, estado conjugal, execução de atividade remunerada, renda e com quem mora), saúde física e mental (dificuldade visual, dificuldade auditiva, prótese dentária, dificuldade para mastigar, dificuldade para engolir, alterações no sono, insônia, polifarmácia, comprometimento cognitivo, polipatologia, hipertensão, diabetes, obesidade, depressão, queda e prática de atividade física).

Inicialmente, realizou-se a análise bivariada para cada grupo, e as variáveis que apresentaram valor-p até 0,20 foram selecionadas para a análise múltipla. A magnitude da associação entre a variável independente e as independentes foi medida pelas razões de prevalência (RP), bruta e ajustada, que foram estimadas através do modelo de regressão de Poisson com variância robusta. Utilizou-se o nível de significância de 0,05. Para avaliar a qualidade dos modelos, foi utilizado o teste de deviance. Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o software estatístico IBM SPSS® (Statistical Package for the Social Science), versão 20.0 para Windows.

O estudo foi conduzido de acordo com a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde2222 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diário Oficial da União 2013; 13 dez.. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (CEP/Unimontes). Os participantes foram informados sobre os propósitos, metodologia e procedimentos, benefícios, riscos, desconfortos e precauções do estudo, manifestando concordância através da assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Participaram deste estudo 1.750 idosos, sendo 1.420 (81,1%) no estrato de idosos não longevos e 330 (18,9%) no de idosos longevos. Houve predominância do sexo feminino tanto no estrato de idosos não longevos quanto nos longevos, 63,7% e 62,4% respectivamente. Os autodeclarados não brancos predominam em ambos os estratos (65,5% e 55,7%). A baixa escolaridade e analfabetismo atingiu 67,8% dos idosos da amostra, sendo 64,6% dos idosos não longevos e 82,5% dos longevos. Observou-se que 90% dos indivíduos moram com alguém e 41,8% dos idosos não longevos e 63,5% dos longevos não possuem companheiro. A distribuição de renda segue o mesmo padrão em ambos os estratos: 20% com subsídio inferior a um salário mínimo e acerca de 57% recebendo entre um e menos de três salários. A autopercepção positiva foi referida em 71,2% dos idosos, com 71,9% entre idosos não longevos e 67,8% entre os longevos.

Na Tabela 1 visualizam-se a análise bivariada e as variáveis associadas a autopercepção positiva em idosos não longevos. Foram selecionadas para análise múltipla as variáveis: sexo (p=0,001); escolaridade até 4 anos (p=0,072) e de 5 anos ou mais (p<0,001); renda de 2 a menos de 3 salários (p=0,013) e superior a 3 salários (p<0,001); dificuldade visual (p<0,001); dificuldade auditiva (p=0,008); prótese dentária (p=0,146); dificuldade para mastigar (p<0,001); dificuldade para engolir (p=0,012); alterações do sono (p<0,001); insônia (p<0,001); polifarmácia (p<0,001); polipatologia (p<0,001); hipertensão arterial (p<0,001); diabetes mellitus (p<0,001); obesidade (p=0,008), quedas (p<0,001); e prática de atividades físicas (p<0,001).

Tabela 1
Análise bivariada da autopercepção de saúde positiva entre idosos não longevos com as variáveis independentes - Prevalência e Razão de Prevalência e IC95%.

A análise bivariada para autopercepção positiva em idosos longevos é apresentada na Tabela 2. Foram selecionadas para análise múltipla as variáveis: escolaridade de 5 anos ou mais (p=0,040); renda de 2 a menos de 3 salários (p=0,158); dificuldade auditiva (p=0,165); prótese dentária (p=0,019); dificuldade para mastigar (p=0,005); alterações de sono (p<0,001); insônia (p<0,001); polifarmácia (p=0,059); comprometimento cognitivo (p=0,045); polipatologias (p<0,001); diabetes (p=0,180); depressão (p=0,143); quedas no último ano (p=0,040); e prática de atividades físicas (p=0,011).

Tabela 2
Análise bivariada da autopercepção de saúde positiva entre idosos longevos com as variáveis independentes - Prevalência e Razão de Prevalência e IC95%.

A Tabela 3 apresenta os resultados da análise ajustada para a autopercepção positiva de saúde nos idosos com relação às variáveis independentes selecionadas. Com relação aos idosos não longevos houve associação com: escolaridade de 5 anos ou mais (RP=1,26); renda familiar de 2 a menos de 3 salários mínimos (RP=1,13) e maior ou igual a 3 salários mínimos (RP=1,12); visão preservada (RP=1,13); boa mastigação (RP=1,16); sono preservado (RP=1,23); ausência de polipatologias (RP=1,29); não ter diabetes (RP=1,15); não apresentar quedas no último ano (RP=1,13); e prática de atividades físicas (RP=1,11). No que se refere aos idosos longevos, os resultados da análise ajustada demonstraram associação com a autopercepção positiva de saúde com as variáveis: uso de prótese (RP=1); ausência de alterações no sono (RP=1,37); não ter polipatologias (RP=1,22); e a prática de atividades físicas (RP=1,24).

Tabela 3
Razão de prevalência ajustada (RP) para autopercepção de saúde positiva dos idosos.

Discussão

Este estudo identificou a autopercepção positiva de saúde em mais de dois terços dos idosos não longevos e longevos avaliados. Os valores de prevalências desse desfecho variam na literatura. Um estudo com base na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, com 23.815 idosos, apresentou 44% de prevalência de autopercepção positiva2323 Zanesco C, Bordin D, Santos CB, Müller EV, Fadel CB. Fatores que determinam a percepção negativa da saúde de idosos brasileiros. Rev Bras Geriatr Gerontol 2018; 21(3):283-292.. Outro trabalho conduzido em Florianópolis-SC, em 2018, com uma amostra de 239 idosos longevos, observou prevalência de autopercepção positiva de 41,8% entre os idosos77 Krug RR, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, Confortin SC, Mazo GZ, Xavier AJ, d'Orsi E. Fatores sociodemográficos, comportamentais e de saúde associados à autopercepção de saúde positiva de idosos longevos residentes em Florianópolis, Santa Catarina. Rev Bras Epidemiol 2018; 21:e180004.. Em uma investigação conduzida também no município de Montes Claros, entre idosos comunitários houve uma prevalência de 42,4% de autopercepção positiva da saúde2424 Medeiros SM, Silva LSR, Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Caldeira AP. Fatores associados à autopercepção negativa da saúde entre idosos não institucionalizados de Montes Claros, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3377-3386.. Tais diferenças podem ser atribuídas aos fatores sociais, econômicos culturais e demográficos e de saúde de cada região e ainda a diferentes critérios de aferição da autopercepção da saúde.

O conhecimento sobre as reais necessidades das pessoas idosas é fundamental para o planejamento de ações adequadas à situação delas, mas ainda faltam estratégias para obtê-lo2525 Silva SPZ, Marin MJS, Rodrigues MR. Condições de vida e de saúde de idosos acima de 80 anos. Rev Gaucha Enferm 2015; 36(3):42-48.. A percepção de saúde é considerada como bom indicador do estado de saúde da população. Este estudo pode evidenciar o perfil dos idosos não longevos e longevos que possuem percepção de saúde positiva, essencial para a vigilância de sua saúde geral1616 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, d'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060.. A investigação da percepção da saúde também representa um determinante do uso dos serviços e, por isso, essa medida avaliada por profissionais e gestores de saúde tem o potencial de alertar para melhoria dos cuidados de saúde para os idosos assistidos na APS e promover a qualidade de vida e o aumento da longevidade2424 Medeiros SM, Silva LSR, Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Caldeira AP. Fatores associados à autopercepção negativa da saúde entre idosos não institucionalizados de Montes Claros, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3377-3386..

A atenção primária é o âmbito privilegiado para uma abordagem centrada no sujeito e proporciona o uso adequado das ferramentas da saúde da família em defesa do cuidado individualizado. Representa a possibilidade de uma atuação dos profissionais de saúde utilizando-se das características epidemiológicas, políticas e sociais para diagnosticar os problemas de saúde locais e atuar nos determinantes sociais do processo de adoecimento2626 Savassi LCM. A satisfação do usuário e a autopercepção da saúde em atenção primária. Rev Bras Med Fam Comunidade 2010; 5(17):3-5.. A autopercepção da saúde pode influenciar na demanda por atendimentos de saúde e, em algumas situações, na adesão ao tratamento de saúde, principalmente em pacientes crônicos, os quais necessitam de mudança de estilo de vida. Sendo assim, determinar como esta população autopercebe sua situação de saúde também pode ser útil ao planejamento em saúde, além de contribuir para o sucesso das intervenções realizadas por profissionais de saúde no contexto da APS considerando a realidade em que está inserida2727 Lindemann IL, Reis NR, Mintem GC, Mendoza-Sassi RA. Autopercepção da saúde entre adultos e idosos usuários da Atenção Básica de Saúde. Cien Saude Colet 2019; 24(1):45-52..

As modificações nas condições de saúde em curto prazo podem gerar alterações na capacidade funcional e impactar na autonomia e na independência do idoso e, por conseguinte, refletir na sua percepção do bem-estar1414 Pagotto V, Bachion MM, Silveira EA. Autoavaliação da saúde por idosos brasileiros: revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Public 2013; 33(4):302-310.,1616 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, d'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060.. A avaliação da percepção da condição de saúde pode ser utilizada como um bom preditor de qualidade de vida, capacidade funcional, morbidade e mortalidade dos idosos2323 Zanesco C, Bordin D, Santos CB, Müller EV, Fadel CB. Fatores que determinam a percepção negativa da saúde de idosos brasileiros. Rev Bras Geriatr Gerontol 2018; 21(3):283-292.,2828 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saude Publica 2013; 29(4):723-734.. A prevalência da autopercepção positiva da saúde declina com o envelhecimento, devido ao aumento do número e gravidade de patologias77 Krug RR, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, Confortin SC, Mazo GZ, Xavier AJ, d'Orsi E. Fatores sociodemográficos, comportamentais e de saúde associados à autopercepção de saúde positiva de idosos longevos residentes em Florianópolis, Santa Catarina. Rev Bras Epidemiol 2018; 21:e180004.,1414 Pagotto V, Bachion MM, Silveira EA. Autoavaliação da saúde por idosos brasileiros: revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Public 2013; 33(4):302-310.,1616 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, d'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060.,2424 Medeiros SM, Silva LSR, Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Caldeira AP. Fatores associados à autopercepção negativa da saúde entre idosos não institucionalizados de Montes Claros, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3377-3386.,2828 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saude Publica 2013; 29(4):723-734..

Neste trabalho, houve variação na percepção entre os idosos, com menor frequência de avaliação positiva entre os idosos longevos. Em um inquérito domiciliar de abrangência nacional, nas cinco regiões geográficas brasileiras, com 12.324 indivíduos, evidenciou-se percepção negativa de saúde relacionada ao aumento da idade, com 62% de avaliação negativa entre os idosos, ligada a um pior estado de saúde2828 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saude Publica 2013; 29(4):723-734.. Essas diferenças evidenciam que os idosos usuários da APS compõem um grupo com características específicas e que necessita de uma atenção individualizada neste aspecto.

Na análise dos fatores associados à autopercepção positiva da saúde nos idosos observou-se que a ausência de polipatologias e a prática de atividade física foi estatisticamente significativa. Tanto idosos não longevos quanto os idosos longevos que não possuem polipatologias apresentaram maior percepção positiva de saúde. Indivíduos saudáveis ou com menor número de patologias crônicas possuem melhor autoavaliação do estado de saúde2828 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saude Publica 2013; 29(4):723-734.. Possivelmente, um menor número de patologias está ligado a menor restrição de atividades de vida diária, funcionalidade preservada e melhor percepção de saúde1414 Pagotto V, Bachion MM, Silveira EA. Autoavaliação da saúde por idosos brasileiros: revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Public 2013; 33(4):302-310.,1616 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, d'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060.,2323 Zanesco C, Bordin D, Santos CB, Müller EV, Fadel CB. Fatores que determinam a percepção negativa da saúde de idosos brasileiros. Rev Bras Geriatr Gerontol 2018; 21(3):283-292.,2929 Campos ACV, Ferreira EF, Vargas AMD, Albala C. Aging, gender and quality of life (AGEQOL) study: factors associated with good quality of life in older Brazilian community-dwelling adults. Health Qual Life Outcomes 2014; 12(1):166..

Os idosos não longevos e longevos que praticavam atividade física regularmente apresentaram prevalências mais altas de autopercepção positiva de saúde ao serem comparados aos idosos no mesmo estrato que não praticavam. A autopercepção positiva é maior em indivíduos com atividade física regular, ligada à manutenção e melhoria da funcionalidade, diminuição das morbidades e melhoria nas atividades sociais e a consequente melhoria do bem-estar geral1616 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, d'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060.,2424 Medeiros SM, Silva LSR, Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Caldeira AP. Fatores associados à autopercepção negativa da saúde entre idosos não institucionalizados de Montes Claros, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3377-3386.,2929 Campos ACV, Ferreira EF, Vargas AMD, Albala C. Aging, gender and quality of life (AGEQOL) study: factors associated with good quality of life in older Brazilian community-dwelling adults. Health Qual Life Outcomes 2014; 12(1):166.. Em um inquérito epidemiológico nacional, a prática de atividade física dobrou a chance de autoavaliação positiva2828 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saude Publica 2013; 29(4):723-734..

Entre os idosos não longevos ainda houve associação da autopercepção positiva da saúde com escolaridade de 5 anos ou mais, renda familiar de 2 ou mais salários mínimos, visão preservada, mastigação preservada, ausência de insônia, não ser diabético e não ter apresentado quedas no último ano. O maior nível educacional relaciona-se ao melhor acesso à informação e à adoção de melhores hábitos de vida: atividade física, alimentação balanceada, peso adequado, consumo moderado de álcool e o não tabagismo1616 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, d'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060.,2424 Medeiros SM, Silva LSR, Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Caldeira AP. Fatores associados à autopercepção negativa da saúde entre idosos não institucionalizados de Montes Claros, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3377-3386.,2929 Campos ACV, Ferreira EF, Vargas AMD, Albala C. Aging, gender and quality of life (AGEQOL) study: factors associated with good quality of life in older Brazilian community-dwelling adults. Health Qual Life Outcomes 2014; 12(1):166.,3030 Antunes JLF, Chiavegatto Filho ADP, Duarte YAO, Lebrão ML. Desigualdades sociais na autoavaliação de saúde dos idosos da cidade de São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2019; 21(2):e180010..

Estudo de inquérito domiciliar nacional relacionou pior percepção de saúde à presença de menor renda e presença de doença crônica2323 Zanesco C, Bordin D, Santos CB, Müller EV, Fadel CB. Fatores que determinam a percepção negativa da saúde de idosos brasileiros. Rev Bras Geriatr Gerontol 2018; 21(3):283-292.. A renda familiar mais elevada pode estar relacionada a melhor acesso aos serviços de saúde, a tratamentos, a medicamentos mais efetivos e melhor adesão1414 Pagotto V, Bachion MM, Silveira EA. Autoavaliação da saúde por idosos brasileiros: revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Public 2013; 33(4):302-310.. A dificuldade visual, assim como outras alterações sensoriais, limita a realização de atividades, alterando a funcionalidade e piorando a qualidade de vida3131 Loyola Filho AI, Firmo JOA, Uchôa E, Lima-Costa MF. Fatores associados à autoavaliação negativa da saúde entre idosos hipertensos e/ou diabéticos: resultados do projeto Bambuí. Rev Bras Epidemiol 2013; 16(3):559-571.

32 Lima MG, Barros MBA, Alves MCGP. Sleep duration and health status self-assessment (SF-36) in the elderly: a population-based study (ISA-Camp 2008). Cad Saude Publica 2012; 28(9):1674-1684.
-3333 Oliveira BHD, Yassuda MS, Cupertino APFB, Neri AL. Relações entre padrão do sono, saúde percebida e variáveis socioeconômicas em uma amostra de idosos residentes na comunidade: Estudo PENSA. Cien Saude Colet 2010; 15(3):851-860.. No município de Sete Lagoas-MG, na avaliação de 2.052 idosos, observou-se comprometimento da qualidade de vida em indivíduos que referiam limitações funcionais2929 Campos ACV, Ferreira EF, Vargas AMD, Albala C. Aging, gender and quality of life (AGEQOL) study: factors associated with good quality of life in older Brazilian community-dwelling adults. Health Qual Life Outcomes 2014; 12(1):166..

Os idosos não longevos que nunca apresentaram dificuldade para mastigar possuem maiores prevalências de autopercepção positiva de saúde. Problemas bucais e edentulismo são comuns nessa população e podem promover dificuldade mastigatória, alterar a escolha alimentar e comprometer a nutrição, socialização, manutenção da funcionalidade e qualidade de vida, agravando-se com o avançar da idade3434 Milagres CS, Tôrres LHN, Neri AL, Sousa MLR. Condição de saúde bucal autopercebida, capacidade mastigatória e longevidade em idosos. Cien Saude Colet 2018; 23(5):1495-1506.. Um estudo multicêntrico com uma amostra de 3.478 idosos mostrou maior prevalência de ausência de dentes naturais e dificuldade ou dor para mastigar comida dura em idosos longevos em relação aos idosos não longevos2424 Medeiros SM, Silva LSR, Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Caldeira AP. Fatores associados à autopercepção negativa da saúde entre idosos não institucionalizados de Montes Claros, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3377-3386.. Entre 326 idosos, realizado na área urbana de Passo Fundo-RS, relacionou-se a ausência de problemas dentários a uma melhor satisfação com a vida3535 Rigo L, Basso K, Pauli J, Cericato GO, Paranhos LR, Garbin RR. Satisfação com a vida, experiência odontológica e autopercepção da saúde bucal entre idosos. Cien Saude Colet 2015; 20(12):3681-3688. e, consequentemente, uma melhor autopercepção da saúde.

A ausência de insônia relaciona-se a menos alterações de humor3131 Loyola Filho AI, Firmo JOA, Uchôa E, Lima-Costa MF. Fatores associados à autoavaliação negativa da saúde entre idosos hipertensos e/ou diabéticos: resultados do projeto Bambuí. Rev Bras Epidemiol 2013; 16(3):559-571.

32 Lima MG, Barros MBA, Alves MCGP. Sleep duration and health status self-assessment (SF-36) in the elderly: a population-based study (ISA-Camp 2008). Cad Saude Publica 2012; 28(9):1674-1684.
-3333 Oliveira BHD, Yassuda MS, Cupertino APFB, Neri AL. Relações entre padrão do sono, saúde percebida e variáveis socioeconômicas em uma amostra de idosos residentes na comunidade: Estudo PENSA. Cien Saude Colet 2010; 15(3):851-860., culminando em melhor qualidade de vida. Um estudo com 1.418 idosos através de questionário autopreenchido correlacionou baixa duração do sono com mau estado de saúde3333 Oliveira BHD, Yassuda MS, Cupertino APFB, Neri AL. Relações entre padrão do sono, saúde percebida e variáveis socioeconômicas em uma amostra de idosos residentes na comunidade: Estudo PENSA. Cien Saude Colet 2010; 15(3):851-860..

A ausência de diabetes, associada a maior percepção positiva neste estudo, pode decorrer da visão negativa que recai sobre as doenças crônicas, principalmente sua irreversibilidade, e da dificuldade na adesão às mudanças de estilo de vida demandadas, uso contínuo de medicações e pelo temor por complicações crônicas2828 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saude Publica 2013; 29(4):723-734.. O referencial de saúde como ausência de doenças também pode ser influenciador1414 Pagotto V, Bachion MM, Silveira EA. Autoavaliação da saúde por idosos brasileiros: revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Public 2013; 33(4):302-310.. A associação entre a autopercepção positiva e a não ocorrência de quedas no último ano pode ser explicada pelo risco das quedas promoverem fraturas, restrição de mobilidade, instabilidade na marcha, trauma psicológico, limitação social e comprometimento da autonomia e da independência. Este quadro afeta negativamente a qualidade de vida e reduz a percepção positiva1616 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, d'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060.,2424 Medeiros SM, Silva LSR, Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Caldeira AP. Fatores associados à autopercepção negativa da saúde entre idosos não institucionalizados de Montes Claros, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3377-3386..

Nos idosos longevos observou-se a associação com uso de prótese dentária e alterações do sono. A perda dentária relaciona-se a desconforto e redução de eficiência mastigatória, levando a restrição a alimentos ricos em carboidratos e de menor consistência, com possíveis negativas repercussões na saúde geral3434 Milagres CS, Tôrres LHN, Neri AL, Sousa MLR. Condição de saúde bucal autopercebida, capacidade mastigatória e longevidade em idosos. Cien Saude Colet 2018; 23(5):1495-1506.,3535 Rigo L, Basso K, Pauli J, Cericato GO, Paranhos LR, Garbin RR. Satisfação com a vida, experiência odontológica e autopercepção da saúde bucal entre idosos. Cien Saude Colet 2015; 20(12):3681-3688.. O uso de prótese dentária favorece a ampliação do espectro de alimentos, oportuniza melhor nutrição e preservação funcional3434 Milagres CS, Tôrres LHN, Neri AL, Sousa MLR. Condição de saúde bucal autopercebida, capacidade mastigatória e longevidade em idosos. Cien Saude Colet 2018; 23(5):1495-1506..

Em idosos avaliados pelo Estudo dos Processos do Envelhecimento Saudável - Projeto PENSA, a percepção positiva em 62% da amostra apresentou associação estatística com boa qualidade do sono33 Simões CCS. Relações entre as alterações históricas na dinâmica demográfica brasileira e os impactos decorrentes do processo de envelhecimento da população. Rio de Janeiro: IBGE; 2016.. Há influência do volume de patologias e número de medicamentos na pior qualidade do sono. O envelhecimento determina alterações na duração dos estágios do sono, com encurtamento do sono profundo e aumento dos estágios superficiais. Isso pode acarretar mais despertares noturnos, despertar precoce e menor efetividade do sono3333 Oliveira BHD, Yassuda MS, Cupertino APFB, Neri AL. Relações entre padrão do sono, saúde percebida e variáveis socioeconômicas em uma amostra de idosos residentes na comunidade: Estudo PENSA. Cien Saude Colet 2010; 15(3):851-860..

As adaptações ao processo de envelhecimento, com o reconhecimento das doenças e limitações como consequências da evolução normal deste processo possivelmente não se projetam negativamente na avaliação da saúde2828 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saude Publica 2013; 29(4):723-734.. As ações da ESF devem ser direcionadas, portanto, para a manutenção e recuperação da funcionalidade e prevenção de processos que possam culminar com a incapacidade e dependência1313 Castro APR, Vidal ECF, Saraiva ARB, Arnaldo SM, Borges AMM, Almeida MI. Promoting health among the elderly: actions in primary health care. Rev Bras Geriatr Gerontol 2018; 21(2):155-163.. O profissional da APS deve considerar, no atendimento ao idoso, a autopercepção de saúde como elemento integrante da avaliação, sinalizador de possíveis alterações orgânicas e de contexto, de forma a equacionar a atenção prestada3636 Veras RP, Caldas CP, Motta LB, Lima KC, Siqueira RC, Rodrigues RTSV, et al. Integração e continuidade do cuidado em modelos de rede de atenção à saúde para idosos frágeis. Rev Saude Publica 2014; 48(2):357-365..

A autopercepção de saúde é um bom indicador que reflete a morbimortalidade nos idosos1414 Pagotto V, Bachion MM, Silveira EA. Autoavaliação da saúde por idosos brasileiros: revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Public 2013; 33(4):302-310.,2323 Zanesco C, Bordin D, Santos CB, Müller EV, Fadel CB. Fatores que determinam a percepção negativa da saúde de idosos brasileiros. Rev Bras Geriatr Gerontol 2018; 21(3):283-292.,2828 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saude Publica 2013; 29(4):723-734.. Compreender quais variáveis podem interferir na autopercepção positiva de saúde de idosos não longevos e longevos pode permitir a construção de intervenções voltadas para a qualidade de vida, contrapondo-se a remediações sobre os agravos77 Krug RR, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, Confortin SC, Mazo GZ, Xavier AJ, d'Orsi E. Fatores sociodemográficos, comportamentais e de saúde associados à autopercepção de saúde positiva de idosos longevos residentes em Florianópolis, Santa Catarina. Rev Bras Epidemiol 2018; 21:e180004.,1616 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, d'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060..

Neste estudo, a robustez da amostra e a utilização de instrumento de coleta validado aumentam a fidedignidade das informações e da análise. Não obstante, deve-se reconhecer a possibilidade da interferência do fator de sobrevivência dos indivíduos com melhores condições de saúde, o que pode superestimar a prevalência da autopercepção de saúde positiva. Ainda, há limitação pelo uso de informações autorreferidas e a não uniformização das respostas dos estudos da literatura que dificulta a comparação dos resultados1414 Pagotto V, Bachion MM, Silveira EA. Autoavaliação da saúde por idosos brasileiros: revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Public 2013; 33(4):302-310.,2424 Medeiros SM, Silva LSR, Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Caldeira AP. Fatores associados à autopercepção negativa da saúde entre idosos não institucionalizados de Montes Claros, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3377-3386..

Considerações finais

Este trabalho apresentou uma prevalência elevada de autopercepção positiva de saúde entre os idosos, que pode ser explicada por diferenças relacionadas aos determinantes sociais e aos comportamentos em saúde, com especificidades entre os estratos de idosos não longevos e longevos.

As diretrizes presentes na Política Nacional de Saúde do Idoso orientam para a relevância de ações programadas de prevenção de doenças e promoção de saúde. Considerada um bom indicador de saúde e bem-estar dessa população, a análise da autopercepção da saúde e seus fatores associados podem auxiliar em intervenções mais efetivas na manutenção e preservação de sua qualidade de vida.

Tendo em vista o envelhecimento saudável, este estudo pode auxiliar a agrupar o conhecimento dos fatores orgânicos e não orgânicos de maior impacto sobre sua funcionalidade. A autopercepção positiva de saúde pode direcionar para pontos de intervenção multiprofissional ampla e integrada focalizada na qualidade de vida acrescida aos anos vividos. Sugere-se a realização de estudos longitudinais com esta população que considerem a heterogeneidade nas faixas etárias e de cenários culturais, sociais e econômicos.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo apoio financeiro.

Referências

  • 1
    Organização Mundial de Saúde (OMS). Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde. Genebra: OMS; 2015.
  • 2
    Vasconcelos AMN, Gomes MMF. Transição demográfica: a experiência brasileira. Epidemiol Serv Saude 2012; 21(4):539-548.
  • 3
    Simões CCS. Relações entre as alterações históricas na dinâmica demográfica brasileira e os impactos decorrentes do processo de envelhecimento da população. Rio de Janeiro: IBGE; 2016.
  • 4
    Hazra NC, Gulliford M. Evolution of the "fourth stage" of epidemiologic transition in people aged 80 years and over: population-based cohort study using electronic health records. Populat Health Metrics 2017; 15(1):18.
  • 5
    Porciúncula RCR, Carvalho EF, Barreto KML, Leite VMM. Perfil socioepidemiológico e autonomia de longevos em Recife-PE, Nordeste do Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol 2014; 17(2):315-325. t
  • 6
    Franzon K, Byberg L, Sjogren P, Zethelius B, Cederholm T, Kilander L. Predictors of independent aging and survival: a 16-year follow-up report in octogenarian men. J Am Geriatr Soc 2017; 65(9):1953-1960.
  • 7
    Krug RR, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, Confortin SC, Mazo GZ, Xavier AJ, d'Orsi E. Fatores sociodemográficos, comportamentais e de saúde associados à autopercepção de saúde positiva de idosos longevos residentes em Florianópolis, Santa Catarina. Rev Bras Epidemiol 2018; 21:e180004.
  • 8
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa. Brasília: MS; 2006.
  • 9
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Diário Oficial da União; 2006.
  • 10
    Brasil. Lei nº 13.466, de 12 de julho de 2017. Altera os arts. 3º, 15 e 71 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União 2017; 13 jul.
  • 11
    Camacho ACLF, Coelho MJ. Políticas públicas para a saúde do idoso: revisão sistemática. Rev Bras Enferm 2010; 63(2):279-284.
  • 12
    Fernandes MTO, Soares SM. O desenvolvimento de políticas públicas de atenção ao idoso no Brasil. Rev Esc Enferm USP 2012; 46(6):1494-1502.
  • 13
    Castro APR, Vidal ECF, Saraiva ARB, Arnaldo SM, Borges AMM, Almeida MI. Promoting health among the elderly: actions in primary health care. Rev Bras Geriatr Gerontol 2018; 21(2):155-163.
  • 14
    Pagotto V, Bachion MM, Silveira EA. Autoavaliação da saúde por idosos brasileiros: revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Public 2013; 33(4):302-310.
  • 15
    Cardoso JDC, Azevedo RCS, Reiners AAO, Louzada CV, Espinosa MM. Autoavaliação de saúde ruim e fatores associados em idosos residentes em zona urbana. Rev Gaucha Enferm 2014; 35(4):35-41.
  • 16
    Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, d'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060.
  • 17
    Buccella S, Brandi R. Evaluación geriátrica integral: propuesta de un modelo de autonotificación del estado de salud. Salus 2016; 20(3):22-28.
  • 18
    Malta M, Cardoso LO, Bastos FI, Magnanini MMF, Silva CMFP. Iniciativa STROBE: subsídios para a comunicação de estudos observacionais. Rev Saude Publica 2010; 44(3):559-565.
  • 19
    Prefeitura Municipal de Montes Claros. Montes Claros. Aspectos Gerais [Internet]. [acessado 2018 nov 18]. Disponível em: http://www.montesclaros.mg.gov.br/cidade/aspectos_gerais.htm
    » http://www.montesclaros.mg.gov.br/cidade/aspectos_gerais.htm
  • 20
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Rio de Janeiro. População [Internet]. [acessado 2018 jul 1]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/montes-claros/panorama
    » https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/montes-claros/panorama
  • 21
    Blay SL, Ramos LR, de Mari JJ. Validity of a brazilian version of the older americans resources and services (OARS) Mental Health Screening Questionnaire. J Am Geriatr Soc 1988; 36(8):687-692.
  • 22
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diário Oficial da União 2013; 13 dez.
  • 23
    Zanesco C, Bordin D, Santos CB, Müller EV, Fadel CB. Fatores que determinam a percepção negativa da saúde de idosos brasileiros. Rev Bras Geriatr Gerontol 2018; 21(3):283-292.
  • 24
    Medeiros SM, Silva LSR, Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Caldeira AP. Fatores associados à autopercepção negativa da saúde entre idosos não institucionalizados de Montes Claros, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3377-3386.
  • 25
    Silva SPZ, Marin MJS, Rodrigues MR. Condições de vida e de saúde de idosos acima de 80 anos. Rev Gaucha Enferm 2015; 36(3):42-48.
  • 26
    Savassi LCM. A satisfação do usuário e a autopercepção da saúde em atenção primária. Rev Bras Med Fam Comunidade 2010; 5(17):3-5.
  • 27
    Lindemann IL, Reis NR, Mintem GC, Mendoza-Sassi RA. Autopercepção da saúde entre adultos e idosos usuários da Atenção Básica de Saúde. Cien Saude Colet 2019; 24(1):45-52.
  • 28
    Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saude Publica 2013; 29(4):723-734.
  • 29
    Campos ACV, Ferreira EF, Vargas AMD, Albala C. Aging, gender and quality of life (AGEQOL) study: factors associated with good quality of life in older Brazilian community-dwelling adults. Health Qual Life Outcomes 2014; 12(1):166.
  • 30
    Antunes JLF, Chiavegatto Filho ADP, Duarte YAO, Lebrão ML. Desigualdades sociais na autoavaliação de saúde dos idosos da cidade de São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2019; 21(2):e180010.
  • 31
    Loyola Filho AI, Firmo JOA, Uchôa E, Lima-Costa MF. Fatores associados à autoavaliação negativa da saúde entre idosos hipertensos e/ou diabéticos: resultados do projeto Bambuí. Rev Bras Epidemiol 2013; 16(3):559-571.
  • 32
    Lima MG, Barros MBA, Alves MCGP. Sleep duration and health status self-assessment (SF-36) in the elderly: a population-based study (ISA-Camp 2008). Cad Saude Publica 2012; 28(9):1674-1684.
  • 33
    Oliveira BHD, Yassuda MS, Cupertino APFB, Neri AL. Relações entre padrão do sono, saúde percebida e variáveis socioeconômicas em uma amostra de idosos residentes na comunidade: Estudo PENSA. Cien Saude Colet 2010; 15(3):851-860.
  • 34
    Milagres CS, Tôrres LHN, Neri AL, Sousa MLR. Condição de saúde bucal autopercebida, capacidade mastigatória e longevidade em idosos. Cien Saude Colet 2018; 23(5):1495-1506.
  • 35
    Rigo L, Basso K, Pauli J, Cericato GO, Paranhos LR, Garbin RR. Satisfação com a vida, experiência odontológica e autopercepção da saúde bucal entre idosos. Cien Saude Colet 2015; 20(12):3681-3688.
  • 36
    Veras RP, Caldas CP, Motta LB, Lima KC, Siqueira RC, Rodrigues RTSV, et al. Integração e continuidade do cuidado em modelos de rede de atenção à saúde para idosos frágeis. Rev Saude Publica 2014; 48(2):357-365.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2019
  • Aceito
    29 Abr 2020
  • Publicado
    01 Maio 2020
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br