Acesso a medicamentos: da propriedade intelectual à incorporação nos sistemas de saúde

Mareni Rocha Farias Silvana Nair Leite Norberto Rech Jorge Antonio Zepeda Bermudez Sobre os autores

A proposta deste número especial nasce de reflexões travadas no âmbito do projeto intitulado “Políticas públicas e acesso a medicamentos de alto custo: a situação do Brasil em relação a outros centros da América Latina”, coordenado pelo Grupo de Pesquisa “Políticas e Serviços Farmacêuticos” da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e apoiado pela Chamada nº 41/2013 MCTI/CNPq/CT-Saúde/MS/SCTIE/Decit.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 203011 Organização das Nações Unidas (ONU). Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Agenda 2030. Nova Iorque: ONU; 2015. [acessado 2021 set 18]. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs, assim como os desafios urgentes e globais divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no início de 2020, apontam a garantia de acesso a medicamentos como uma meta fundamental.

A garantia do acesso a medicamentos adquiriu caráter mundial, não sendo mais um problema circunscrito a países de baixa e de média renda. O aprofundamento da crise econômica e política vivenciada por países da América Latina nos últimos anos ameaça direitos individuais e coletivos, retratados em políticas públicas estabelecidas ao longo das últimas décadas. As políticas restritivas, a diminuição e/ou o redirecionamento dos orçamentos públicos comprometem a sustentabilidade das políticas de garantia de direitos, ao mesmo tempo em que abrem espaço para o estabelecimento de políticas ultraliberais como alternativa de solução dos problemas22 Bermudez JAZ. Acesso a medicamentos: impasse entre a saúde e o comércio! Cad Saude Publica 2017; 33(9):e00123117.. Nesse contexto, crescem em importância as incoerências apontadas no relatório do Painel de Alto Nível do Secretário-geral das Nações Unidas (http://www.unsgaccessmeds.org/final-report/) entre os direitos individuais (a proteção patentária), as prioridades em saúde pública, as leis e regulação de direitos humanos e as regras do comércio. Em outras palavras, fica cada vez mais claro o confronto entre saúde e comércio, confronto este aprofundado na atual pandemia e que acirra as desigualdades existentes no mundo.

Estruturas de poder, interesses, interdependências, valores e princípios das partes interessadas modulam a percepção dos medicamentos como necessidade de saúde e influenciam a acessibilidade e o acesso aos medicamentos33 Vargas-Peláez CM, Soares L, Rover MRM, Blatt C. Towards a theoretical model on medicines as a health need. Soc Sci Med 2017; 178:167-174.. Considerando esta concepção, os artigos apresentados neste número temático abordam as políticas nacionais para promover o acesso aos medicamentos, incluindo os de alto preço, considerando investimento em C&T, sistemas de regulação, proteção patentária e precificação, incorporação de novas tecnologias, judicialização para o acesso aos medicamentos e organização para o acesso nos sistemas de saúde do Brasil, Colômbia, Argentina e Inglaterra. Apontam o papel preponderante do Estado na garantia da equidade para o alcance dos direitos sociais, incluindo o acesso aos medicamentos. Finalizando este número temático, é apresentada uma iniciativa de promoção do envolvimento social nas políticas de saúde, com os principais nós relativos ao acesso aos medicamentos, vacinas e informação durante a pandemia como mote para o desenvolvimento crítico de lideranças do controle social da saúde e movimentos sociais e de profissionais de saúde.

Fica nítido com a leitura dos diversos artigos e na reflexão permanente no campo da saúde coletiva, o desequilíbrio mundial no mercado de medicamentos entre oferta e demanda, ao mesmo tempo com diversas barreiras ao acesso muito bem identificadas. Os grandes foros mundiais vêm discutindo como superar um sistema que muitos consideram como fracassado, no sentido de assegurar o acesso necessário a populações negligenciadas ou vulneráveis. A inovação tem que estar acoplada ao acesso a medicamentos e tecnologias e o acesso deve ser considerado como um direito humano fundamental.

Políticas sociais devem ter preponderância sobre políticas comerciais e temos a obrigação de defender nosso Sistema Único de Saúde, que ao longo dos seus 33 anos esteve sempre na linha de frente da defesa da vida.

Referências

  • 1
    Organização das Nações Unidas (ONU). Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Agenda 2030. Nova Iorque: ONU; 2015. [acessado 2021 set 18]. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
  • 2
    Bermudez JAZ. Acesso a medicamentos: impasse entre a saúde e o comércio! Cad Saude Publica 2017; 33(9):e00123117.
  • 3
    Vargas-Peláez CM, Soares L, Rover MRM, Blatt C. Towards a theoretical model on medicines as a health need. Soc Sci Med 2017; 178:167-174.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Nov 2021
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