Fatores associados à pré-hipertensão e hipertensão arterial em trabalhadores de saúde que atuam em serviços de alta complexidade

Sabrina Gonçalves Silva Pereira Rene Ferreira da Silva Junior Claudia Danyella Alves Leão Ribeiro Henrique Andrade Barbosa Jaqueline D’ Paula Ribeiro Vieira Torres Carla Silvana de Oliveira e Silva Sobre os autores

Resumo

Objetivou-se estimar a prevalência e fatores associados à pré-hipertensão e hipertensão arterial entre trabalhadores de saúde que atuam em setores de alta complexidade para pacientes críticos e crônicos. Foi realizado um estudo epidemiológico, transversal com 490 trabalhadores de saúde da macrorregional do norte de Minas Gerais, Brasil. A variável dependente pressão arterial foi categorizada em normal, pré-hipertensão e hipertensão. Para análise múltipla, foi utilizada a Regressão Logística Multinomial. A prevalência da hipertensão arterial foi de 21,8% e da pré-hipertensão foi de 25,9%. As chances de se desenvolver a hipertensão arterial e a pré hipertensão foram maiores nos profissionais do sexo masculino, com idade ≥40 anos, em trabalhadores com vínculo empregatício concursado e naqueles obesos ou com sobrepeso. O uso de medicamento contínuo e o trabalho no turno noturno estiveram associados à hipertensão e pré-hipertensão, respectivamente. A prevalência de hipertensão arterial no grupo de trabalhadores foi menor do que a da população brasileira. São necessários estudos com trabalhadores desse grupo e investimentos em medidas preventivas e que incentivem a mudança para um estilo de vida saudável.

Palavras-chave:
Pré-hipertensão; Hipertensão Arterial; Trabalhador da saúde; Prevalência

Introdução

A hipertensão arterial (HA) representa o principal fator de risco para desenvolvimento de doenças cardiovasculares e mortalidade em todo o mundo. É uma doença multifatorial, caracterizada e diagnosticada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial (PA), possuindo, como critério clínico, em indivíduos maiores de 18 anos, níveis tensionais iguais ou maiores a 140 mmHg × 90 mmHg11 Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol 2016; 107(Supl. 3):1-83..

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 600 milhões de pessoas possuam HA, com crescimento global de 60% dos casos até 202522 Malta DC, Gonçalves RPF, Machado IE, Freitas MIF, Azeredo C, Szwarcwald CL. Prevalência da hipertensão arterial segundo diferentes critérios diagnósticos, Pesquisa Nacional de Saúde. Rev Bras Epidemiol 2018; 21(1):1-15., além de cerca de 7,1 milhões de mortes anuais33 Moxotó GFA, Malagris LEN. Raiva, stress emocional e hipertensão: um estudo comparativo. Psicol Teoria Pesq 2015; 31(2):221-227.. Na América Latina, a prevalência é de 30% a 40%, podendo variar de 25% a 35% de acordo com a região44 Sabio R, Valdez P, Turbay YA, Belgeri REA, Morvil GAAO, Arias C. Recomendacioneslatinoamericanas para el manejo de lahipertensión arterial en adultos (RELAHTA 2). Rev Virtual Soc Parag Med Int 2019; 6(1):86-123.. Já no Brasil, inquéritos populacionais apontaram prevalência de 32,3%55 Attarchi M, Dehghan F, Safakhah F, Nojomi M, Mohammadi S. Effect of exposure to occupational noise and shift working on blood pressure in rubber manufacturing company workers. Ind Health 2012; 50(3):205-213.. Estudo conduzido na China com 29.924 médicos apontou prevalência de 63,9% neste grupo de profissionais66 Hou L, Jin X, Ma J, Qian J, Huo Y, Ge J. Perception and selfmanagement of hypertension in chinese cardiologists (CCHS): a multicenter, large-scale crosssectional study. BMJ Open 2019; 9(9):1-8.. Nessa mesma perspectiva, investigação realizada no continente africano estimou a prevalência de 52,6%77 Osei-Yeboah J, Kye-Amoah KK, Owiredu WKBA, Lokpo SY, Esson J, Johnson BB, Amoah P, Aduko RA. Cardiometabolic risk factors among healthcare workers: a cross-sectional study at the sefwi-wiawso Municipal Hospital, Ghana. Bio Med Res Int 2018; 9(1):1-9.. Já no Brasil, a prevalência média da HA em trabalhadores de saúde é de 20,8%, variando de 12,7% a 28,9% conforme alguns inquéritos de prevalência88 Domingues JG, Silva BBC, Bierhals IO, Barros FC. Doenças crônicas não transmissíveis em profissionais de enfermagem de um hospital filantrópico no Sul do Brasil. Epidemiol Serv Saude 2019; 28(2):e2018298.

9 Nascimento JOV, Santos J, Meira KC, Pierin AMG, Souza-Talarico JN. Shift work of nursing professionals and blood pressure, burnout and common mental disorders. Rev Esc Enferm USP 2019; 53:e03443.

10 Ulguim FO, Renner JDP, Pohl HH, Oliveira CF, Bragança GCM. Trabalhadores da saúde: risco cardiovascular e estresse ocupacional. Rev Bras MedTrab 2019; 17(1):61-68.
-1111 Rodrigues C, Silva JP, Cabral CVS. Fatores de risco para o desenvolvimento de hipertensão arterial (HAS) entre a equipe de enfermagem. R Interd 2016; 9(2):117-126..

Há diversos fatores responsáveis pelo desenvolvimento da doença. Entre eles estão os comportamentais, como má alimentação, obesidade, inatividade física, consumo de álcool e tabaco. Entretanto, fatores relacionados ao trabalho, como estresse e trabalho em turnos/noturno também têm sido implicados na etiologia da hipertensão1212 Monakali S, Goon TD, Seekoe E, Owolabi EO. Prevalence, awareness, control and determinants of hypertension among primary health care professional nurses in Eastern Cape, South Africa. Afr J Prm Health Care Fam Med 2018; 10(5):1-5..

Dessa forma, o ambiente de trabalho influencia decisivamente na saúde do trabalhador. Assim, os trabalhadores de saúde que atuam em serviços de alta complexidade, como hemodiálise, oncologia, pronto-socorro e terapia intensiva convivem diariamente com situações desgastantes como dor, tragédia, sofrimento de outras pessoas e a linha tênue entre a vida e morte1313 Magalhães FJ, Mendonça LBA, Rebouças CBA, Lima FET, Custódio IL, Oliveira SC. Fatores de risco para doenças cardiovasculares em profissionais de enfermagem: estratégias de promoção da saúde. Rev Bras Enferm 2014; 67(3):394-400.. Além disso, a natureza do trabalho desses setores requer assistência contínua aos pacientes, cumprimento de normas, rotinas e regimentos rígidos, divisão fragmentada das atividades, rigidez hierárquica e o dimensionamento de recursos humanos insuficientes. Esses fatores somados geram uma alta carga de desgaste e de estresse físico e emocional, aumentando o risco de desenvolvimento da HA1414 Souza VS, Silva DS, Lima LV, Teston EF, Benedetti GMS, Costa MAR, Mendonça RR. Qualidade de vida dos profissionais de enfermagem atuantes em setores críticos. Rev Cuid 2018; 9(2):2177-2186.. Diante disso, essa doença, acarreta aos trabalhadores de saúde, além dos custos diretos e indiretos, situações como absenteísmo, perda de horas de trabalho ou abandono do serviço1010 Ulguim FO, Renner JDP, Pohl HH, Oliveira CF, Bragança GCM. Trabalhadores da saúde: risco cardiovascular e estresse ocupacional. Rev Bras MedTrab 2019; 17(1):61-68..

A saúde do trabalhador representa uma área do conhecimento que correlaciona as interfaces de trabalho, saúde, doença e suas repercussões, evidenciando-se, dessa forma, uma questão de saúde pública. Estuda-se a prevalência da pré-hipertensão e HA em trabalhadores da saúde, há poucas décadas, por isso ainda são necessárias mais investigações acerca das condições de saúde e de trabalho dos profissionais que atuam especificamente com pacientes críticos e crônicos e a associação com a doença. O que reporta à relevância deste estudo é a necessidade de ampliar mais pesquisas sobre a doença e seus fatores associados a esse grupo de profissionais com vistas a identificar os fatores, melhorar as condições de saúde e de trabalho e a satisfação profissional, o que, consequentemente, poderá refletir diretamente na qualidade de assistência prestada ao paciente. Deste modo, o presente estudo teve como objetivo estimar a prevalência e fatores associados à pré-hipertensão e a hipertensão arterial entre trabalhadores de saúde que atuam em setores de alta complexidade para pacientes críticos e crônicos.

Métodos

Estudo epidemiológico, transversal e analítico realizado com trabalhadores de saúde dos serviços de hemodiálise, oncologia, pronto-socorro e terapia intensiva neonatal de nove hospitais da macrorregião do norte de Minas Gerais, Brasil. A população total do estudo foi de 910 profissionais, representada por auxiliares/técnicos de enfermagem, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, médicos, nutricionistas e psicólogos, que prestavam assistência direta aos pacientes. O grupo de pesquisa, do qual originou este estudo, tem como eixo principal de pesquisa a fadiga por compaixão que trata-se de um evento pouco explorado no âmbito científico.

O tamanho da amostra foi estabelecido visando a estimar parâmetros populacionais com prevalência de 50% (para maximizar o tamanho amostral e devido ao projeto contemplar diversos eventos), intervalo de 95% de confiança (IC95%) e nível de precisão de 5,0%. Estabeleceu um acréscimo de 20% para compensar as possíveis não respostas e perdas. Os cálculos evidenciaram a necessidade de participação de, no mínimo, 450 profissionais de saúde. Para o cálculo amostral utilizou-se a amostra aleatória simples com reposição, utilizando-se o programa Excel for Windows®.

Esse tamanho amostral permitiu identificar uma razão de prevalência mínima igual a 2,0, com nível de confiança de 95%, poder de 80% e mantida uma razão de não expostos/expostos de 2:1 para a variável sexo.

A seleção da amostra foi realizada com base na técnica de amostragem aleatória simples com reposição. Foram incluídos no estudo todos os trabalhadores com mais de seis meses de atuação nos referidos setores e excluídos os profissionais em licença médica ou em período de férias no momento da coleta de dados.

Foi realizada a calibração por meio dos parâmetros de confiabilidade e reprodutibilidade, quanto à aferição de pressão arterial, peso, altura e circunferência da cintura. Os examinadores realizaram três aferições para cada uma das variáveis supracitadas em um grupo de 20 voluntários composto por acadêmicos de enfermagem. As aferições foram comparadas duas a duas, por meio do teste correlação intraclasse (CIC). Neste estudo, CIC intraexaminador foi CIC≥0,61 (satisfatória), para todas as variáveis, e interexaminador foi CIC≥0,5 (satisfatória) para medidas de pressão arterial sistólica e diastólica; CIC=1 (concordância perfeita) para aferição de peso e altura e CIC≥0,89 (satisfatória) para circunferência abdominal1515 Fleiss JL, Levin B, Paik M. Statistical methods for rates and proportions. New Jersey: John Wiley & Sons; 2003..

Foram analisados também os dados relacionados à variável dependente (pressão arterial) e às seguintes variáveis independentes: sociodemográficas (sexo, idade, estado civil e classe econômica), dados antropométricos (peso, altura e circunferência abdominal), bioquímicas (glicemia em jejum (GLI), triglicérides (TGL), colesterol total (COL), colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-c) e colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-c)), condições de trabalho (setor, tempo na profissão, função no setor, carga horária de trabalho, vínculo empregatício, turno de trabalho, número de contratos de trabalho e licença médica por estresse ocupacional, depressão ou ansiedade), estilo de vida (prática de atividade física, consumo de frutas e verduras, tabagismo, etilismo, sono e uso de medicação psicotrópica), condições de saúde física (tipo de acesso a serviços de saúde, doenças pregressas, medicamento de uso contínuo e autopercepção de saúde), condições de saúde mental (sintomas de ansiedade, estresse no trabalho, sintomas de depressão, adicção à internet e qualidade de vida).

A coleta dos dados ocorreu no período de janeiro de 2017 a abril de 2018, foi utilizado um questionário autoaplicável, aferição de dados antropométricos e coleta de sangue para análise bioquímica.

Para a coleta de dados da variável dependente, seguiram-se as orientações da 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial e foi utilizado o Monitor de Pressão Arterial Automático de Pulso Control (HEM-6123) - Omron® validado11 Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol 2016; 107(Supl. 3):1-83.. As aferições da PA foram realizadas no momento da abordagem e entrega do questionário e, também, no momento da coleta dos dados antropométricos e de sangue. Foram feitas três aferições em cada abordagem. Para análise estatística, foi considerada a média das duas últimas aferições, descartando-se a primeira medida. Os níveis pressóricos dos participantes foram classificados como normal para pressão arterial sistólica (PAS) com valor ≤120 mmHg e pressão arterial diastólica (PAD) com valor ≤80 mmHg; para pré-hipertensão com valores médios de PAS de 121 a 139 mmHg, e entre 81 e 89 mmHg para PAD; para hipertensão aqueles com valores médios de PAS ≥140 mmHg e de PAD ≥90 mmHg, e os profissionais que relataram uso contínuo de medicamento anti-hipertensivo independentemente do valor de pressão arterial aferido. A hipertensão ainda foi classificada como hipertensão estágio 1 (PAS entre 140 e 159 mmHg e PAD entre 90 e 99 mmHg), hipertensão estágio 2 (PAS e PAD de 160 a 179 mmHg e 100 a 109 mmHg, respectivamente) e hipertensão estágio 3 (PAS≥180 mmHg e PAD≥110 mmHg). Quando a PAS e a PAD situaram-se em categorias diferentes, a maior medida foi utilizada para classificação da PA11 Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol 2016; 107(Supl. 3):1-83..

As variáveis bioquímicas glicose, colesterol, HDL-colesterol, LDL-colesterol e triglicerídeos foram coletadas, em amostra única por meio de sangue venoso antecubital após 12 horas de jejum, com análise laboratorial por meio do método colorimétrico enzimático, com aparelho LabmaxPlenno®. Para valor de referência de colesterol, HDL-colesterol, LDL-colesterol e triglicerídeos, utilizou-se o recomendado pela Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose1616 Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Arq Bras Cardiol 2017; 109(2):1-91. em que foram classificados como desejáveis e não desejáveis respectivamente, Colesterol (<190 mg/dl e ≥190 mg/dl), LDL-colesterol (<130 mg/dl e ≥130 mg/dl), HDL-colesterol (>40 mg/dl e ≤40 mg/dl) e triglicerídeos (<150 mg/dl e ≥150 mg/dl). Para glicose, foi utilizada a referência das Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes1717 Oliveira JEP, Montenegro-Junior RM, Vencio S. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2017-2018. São Paulo: Editora Clannad; 2017., que considera como normal a glicemia de jejum <100 mg/dl e alterada a glicemia com valor ≥100 mg/dl.

No procedimento de coleta das variáveis antropométricas, o Índice de Massa Corpórea (IMC) foi determinado pelo peso (em quilogramas) e a estatura (em metros) aferidos por meio de uma balança eletrônica digital e um estadiômetro. Os profissionais foram classificados pelos critérios da OMS1818 World Health Organization (WHO). Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Geneva: WHO; 1995. em baixo peso (<18,5 kg/m²), eutrófico (18,5 a 24,9 kg/m²), sobrepeso (25 a 29,9 kg/m²) e obeso (≥30 kg/m²). Para determinar a circunferência abdominal, utilizou-se uma fita métrica inelástica com graduação de 0,1 centímetro ajustada ao corpo, sendo considerado normal ≤80 cm para mulheres e ≤90 para homens e alterado os valores >80 cm para mulheres e >90 cm para os homens1818 World Health Organization (WHO). Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Geneva: WHO; 1995.. A razão cintura x estatura (RCE) foi definida dividindo-se a circunferência abdominal (cm) pela estatura (cm). Foi considerada normal a razão ≤0.54 para os homens e alterada a razão >0.54. Para as mulheres, considerou-se a razão ≤0.55 e >0.55 normal e alterado, respectivamente1919 Castanheira M, Chor D, Braga JU, Cardoso LO, Griep RH, MCB, Fonseca MJM. Predicting cardiometabolic disturbances from waist-to-height ratio: findings from the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil) baseline. Public Health Nutrition 2018; 21(6):1028-1035..

As variáveis sociodemográficas, condições de saúde física e condições de trabalho foram avaliadas por meio de formulário elaborado pela equipe do projeto. Para investigar as variáveis relacionadas ao estilo de vida, utilizou-se o instrumento validado no Brasil “Estilo de Vida Fantástico”, que considera o comportamento dos indivíduos nos últimos 30 dias2020 Añez CRR, Reis RS, Petroski EL. Versão Brasileira do questionário "Estilo de vida Fantástico": Tradução e validação para Adultos Jovens. Arq Bras Cardiol 2008; 91(2):102-109.. Neste estudo, foram utilizadas apenas as questões de interesse que englobavam os aspectos das variáveis relacionadas à prática de atividade física, dieta, tabagismo, etilismo e sono.

As variáveis pertinentes às condições de saúde mental e à qualidade de vida foram aferidas por meio de instrumentos validados no Brasil: Inventário de Ansiedade de Beck2121 Cunha JA. Manual da versão em português das Escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001., Inventário de Depressão de Beck2121 Cunha JA. Manual da versão em português das Escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001., Escala de Estresse no Trabalho2222 Paschoal T, Tamayo A. Validação da escala de estresse no trabalho. Estud Psicol 2004; 9(1):45-52., Internet Addction Test2323 Young KS. Internet addiction: The emergence of a new clinical disorder. Cyber Psychol Behav 1996; 1(3):237-244. e Whoqol-Bref2424 Fleck MPA, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L, Pinzon V. Aplicação da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-100). Rev Saude Publica 1999; 33(2):198-205., respectivamente.

Uma vez que não foi identificado modelo teórico que contemplasse potencial influência das características sociodemográficas, estilo de vida, condições de saúde física, mental e de trabalho, medidas antropométricas e bioquímica dos trabalhadores de saúde que atendessem pacientes críticos e crônicos sobre HA, foi proposto um modelo próprio construído após extensa revisão de literatura o qual aborda a temática e é baseado em modelo prévio2525 Pimenta AM, Assunção AA. Estresse no trabalho e hipertensão arterial em profissionais de enfermagem da rede municipal de saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Rev Bras Saude Ocup 2016; 41(6):1-11.. Esse modelo estabelece o agrupamento hierárquico de variáveis em nível distal, intermediário e proximal (Figura 1) de acordo com a interação desses níveis no processo de desenvolvimento do desfecho esperado, hipertensão arterial. O nível distal foi composto pelas variáveis sociodemográficas; o nível intermediário foi constituído pelas variáveis referentes ao estilo de vida, condições de trabalho, condições de saúde física, condições de saúde mental; e no nível proximal, incluíram-se as variáveis antropométricas e bioquímicas2626 Silveira MF, Freire RS, Nepomuceno MO, Martins AMEBL, Marcopito LF. Cárie dentária e fatores associados entre adolescentes no norte do estado de Minas Gerais, Brasil: uma análise hierarquizada. Cien Saude Colet 2015; 20(11):3351-3364..

Figura 1
Modelo teórico hierarquizado para hipertensão arterial em profissionais que trabalham em setores de alta complexidade para pacientes críticos e crônicos.

Os dados foram digitados em duplicata, organizados e analisados por meio do software estatístico Statistical Package for the Social Sciences for Windows (SPSS®), versão 23.0. As variáveis investigadas foram descritas por meio de sua distribuição de frequência absoluta e percentual. Em seguida, foi realizada a análise bivariada entre a variável desfecho (pressão arterial) e cada variável independente, adotando-se o teste do Qui-quadrado com variância robusta, em que as variáveis que apresentaram nível descritivo de p≤0,25 foram selecionadas para análise múltipla.

Na análise múltipla, utilizou-se o modelo de Regressão Logística Multinomial e o desfecho foi categorizado em três grupos: normal, pré-hipertensão e hipertensão, sendo que neste último grupo foram incluídos os profissionais classificados como hipertensão nos estágios 1, 2 e 3. Foram estimadas Odds Ratio com intervalos de confiança de 95% e p≤0,05. Nesse modelo, a categoria “normal” da variável pressão arterial foi considerada como categoria de referência. A qualidade de ajuste do modelo foi adequada (Teste Deviance p=0,620) e este resultado explicou 28,9% da variabilidade do desfecho (Pseudo-R²=0,289).

O estudo atendeu aos princípios éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) n° 466/2012 e o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

Participaram do estudo 490 trabalhadores de saúde, sendo a maioria do sexo feminino (65,9%), com faixa etária entre 30 e 39 anos (68,6%). Em relação ao estilo de vida, a maioria dos profissionais realizavam atividade física menos de 3 vezes por semana (63,9%), relataram sono preservado (55,8%), não consumiam álcool e tabaco (53,2% e 97,3%, respectivamente).

Com relação às condições de trabalho, mais da metade dos entrevistados eram trabalhadores de saúde há menos de 10 anos (52,9%), em sua maioria auxiliares/técnicos(as) de enfermagem (66,3%), trabalhavam menos de 44 horas semanais (56,5%) e em apenas um emprego (63,1%). Constatou-se que 10,6% dos profissionais apresentaram sintomas moderados/graves de ansiedade, 97,2% foram considerados adictos leves em internet. No que diz respeito às variáveis antropométricas, 64,2% apresentaram circunferência abdominal aumentada e 40,9% foram classificados como sobrepeso. Em relação às variáveis bioquímicas, mais da metade dos profissionais apresentou índices considerados adequados para colesterol (58,4%), LDL-colesterol (67,4%), HDL-colesterol (53%) e triglicérides (69,9%), já a glicose foi considerada normal em 87,1% dos profissionais.

A prevalência da HA entre os trabalhadores de saúde foi de 21,8% [21,3%-29,3%] e da pré-hipertensão foi de 25,9% [17,8%-25,8%]. A Tabela 1 apresenta a classificação dos estágios da pressão arterial entre os profissionais.

Tabela 1
Classificação da pressão arterial em trabalhadores de saúde que atuam em setores de alta complexidade para pacientes críticos e crônicos, segundo 7ª Diretriz Brasileira de Cardiologia. Macrorregional Norte de Minas Gerais, Brasil, 2017/2018 (n=490).

Em relação à análise bivariada, ao analisar a associação da doença na população estudada com as variáveis do estudo, observou-se que sexo (p<0,001), faixa etária (p=0,001), estado civil (p=0,216), consumo de frutas e verduras (p=0,241), tabagismo (p=0,056), sono (p=0,105), tempo de profissão (p=0,002), turno de trabalho (p<0,001), vínculo empregatício (p=0,001), licença médica (p=0,244), número de contratos de trabalho (p=0,250), sintomas de depressão (p=0,203), qualidade de vida: domínio psicológico (p=0,232), CA (p=0,002), IMC (p<0,001), RCE (p<0,001), Colesterol (p=0,016), LDL-Colesterol (p=0,112), Triglicerídeos (p=0,007) e Glicose (p=0,016) foram significativos em nível de 25%.

A Tabela 2 apresenta os resultados da análise múltipla para as categorias pré-hipertensão e hipertensão da variável desfecho, tendo como referência a categoria normal. Foram associados à HA em nível distal sexo masculino (OR=3,1; IC: 1,9-5,1), idade (OR=2,6; IC: 1,3-5,0), vínculo empregatício concursado (OR=2,3; IC: 1,1-4,7), uso de medicamento contínuo (OR=2,7; IC: 1,5-5,0) e em nível proximal sobrepeso e obesidade (OR=3,1; IC: 1,6-6,1 e OR=8,3; IC: 3,8-18,1, respectivamente). Sexo masculino (OR=2,7; IC: 1,7-4,3), faixa etária de ≥40 anos e entre 30 e 39 anos (OR=3,0; IC: 1,5-5,9 e OR=2,4; IC: 1,3-4,3, respectivamente), trabalho noturno (OR=2,8; IC: 1,6-5,0), vínculo empregatício concursado OR=2,7; IC: 1,4-5,0), obesidade e sobrepeso (OR=4,3; IC: 2,1-8,6 e OR=1,9; IC: 1,1-3,3, respectivamente) foram associados à pré-hipertensão arterial.

Tabela 2
Análise múltipla hierarquizada multinominal dos fatores associados a HA em trabalhadores de saúde que atuam em setores de alta complexidade para pacientes críticos e crônicos. Macrorregional Norte de Minas Gerais, Brasil, 2017/2018 (n=490, podendo variar entre as variáveis).

Discussão

A prevalência de HA no grupo estudado foi semelhante ao encontrado em estudo realizado com trabalhadores de saúde na Espanha de 22,9%2727 Sobrino J, Domenech M, Camafort M, Vinyoles E, Coca A. Prevalence of masked hypertension and associated factors in normotensive healthcare workers. Blood Pressure Monit 2013; 18(6):326-331.. Resultados superiores foram encontrados em pesquisa conduzida com médicos cardiologistas na China66 Hou L, Jin X, Ma J, Qian J, Huo Y, Ge J. Perception and selfmanagement of hypertension in chinese cardiologists (CCHS): a multicenter, large-scale crosssectional study. BMJ Open 2019; 9(9):1-8., com prevalência de 63,9%, e em um hospital geral em Gana77 Osei-Yeboah J, Kye-Amoah KK, Owiredu WKBA, Lokpo SY, Esson J, Johnson BB, Amoah P, Aduko RA. Cardiometabolic risk factors among healthcare workers: a cross-sectional study at the sefwi-wiawso Municipal Hospital, Ghana. Bio Med Res Int 2018; 9(1):1-9. com 52,6%. No entanto, prevalências menores de 11,1%, 14%, 16,7% e 19% foram observadas na Tailândia2828 Angkurawaranon C, Wisetborisut U, Jiraporncharoen W, Likhitsathian S, Uaphanthasath R, Gomutbutra P, Jiraniramai S, Lerssrimonkol C, Aramrattanna A, Doyle P, Nitsch D. Chiang Mai University health worker study aiming toward a better understanding of noncommunicable disease development in Thailand: methods and description of study population. Clin Epidemiol 2014; 6(1):277-286., na Malásia2929 Hazmi H, Ishak WRW, Jalil RA, Hua GS, Hamid NF, Haron R, Shafei MN, Ibrahim MI, Bebakar WM, Ismail SB, Musa KI. Traditional cardiovascular risk-factors among healthcare workers in kelantan, Malaysia. J Intern Med 2015; 261(3):285-292., no Irã3030 Jahromi MK, Hojat M, Koshkaki SR, Nazari F, Ragibnejad M. Risk factors of heart disease in nurses. Iran J Nurs Obstetrícia Res 2017; 22(4):332-337. e no México3131 Orozco-González CL, Sanabria LC, Franco JJV, Márquez JJR, Manzanoa AMC. Prevalencia de factores de riesgo cardiovascular em trabajadores de lasalud. Rev Med Inst Mex Seguro Soc 2016; 54(5):594-601., respectivamente.

No cenário nacional, foi identificado estudo99 Nascimento JOV, Santos J, Meira KC, Pierin AMG, Souza-Talarico JN. Shift work of nursing professionals and blood pressure, burnout and common mental disorders. Rev Esc Enferm USP 2019; 53:e03443. realizado em um hospital oncológico na cidade do Rio de Janeiro com delineamento semelhante ao presente estudo cuja prevalência estimada foi de 25,5%. Destaca-se, no entanto, a necessidade de mais estudos que avaliem a prevalência da HA neste grupo específico de trabalhadores, pois a maioria dos estudos foi conduzida por profissionais atuantes em serviços hospitalares com atendimento em clínica geral, o que limitou a comparação dos dados. Ainda no contexto nacional, a prevalência da doença entre trabalhadores de saúde diversificou entre 20,6%88 Domingues JG, Silva BBC, Bierhals IO, Barros FC. Doenças crônicas não transmissíveis em profissionais de enfermagem de um hospital filantrópico no Sul do Brasil. Epidemiol Serv Saude 2019; 28(2):e2018298., 28,9%1010 Ulguim FO, Renner JDP, Pohl HH, Oliveira CF, Bragança GCM. Trabalhadores da saúde: risco cardiovascular e estresse ocupacional. Rev Bras MedTrab 2019; 17(1):61-68. e 12,7%1111 Rodrigues C, Silva JP, Cabral CVS. Fatores de risco para o desenvolvimento de hipertensão arterial (HAS) entre a equipe de enfermagem. R Interd 2016; 9(2):117-126..

A prevalência da pré-hipertensão na presente investigação foi menor do que a encontrada em um estudo ganense cujo resultado foi 52,6%77 Osei-Yeboah J, Kye-Amoah KK, Owiredu WKBA, Lokpo SY, Esson J, Johnson BB, Amoah P, Aduko RA. Cardiometabolic risk factors among healthcare workers: a cross-sectional study at the sefwi-wiawso Municipal Hospital, Ghana. Bio Med Res Int 2018; 9(1):1-9.. De outro modo, um estudo longitudinal3232 Egan BM, Stevens-Fabry S. Prehypertension-prevalence, health risks and management strategies. Nat Rev Cardiol 2015; 12(5):289-300. demonstrou que a pré-hipertensão aumenta o risco de hipertensão incidente, com taxas anuais variando de 8% a 20%. Uma coorte prospectiva conduzida por Jardim et al.3333 Jardim TDSV, Jardim PCBV, Araújo WEC, Jardim LMSS, Salgado CM. Cardiovascular risk factors in a cohort of healthcare professionals - 15 Years of evolution. Arq Bras Cardiol 2010; 95(3):332-338., no Brasil, observou resultado semelhante com aumento na prevalência de hipertensão de 4,6% para 18,6% após 20 anos de acompanhamento. Os pré-hipertensos apresentam uma maior probabilidade de se tornarem hipertensos e um maior risco no desenvolvimento de complicações cardiovasculares, quando comparados a indivíduos com PA normal, necessitando de acompanhamento periódico11 Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol 2016; 107(Supl. 3):1-83..

A população masculina deste estudo apresentou maior chance de desenvolver pré-hipertensão e HA quando comparada à população feminina. Estudos conduzidos na China66 Hou L, Jin X, Ma J, Qian J, Huo Y, Ge J. Perception and selfmanagement of hypertension in chinese cardiologists (CCHS): a multicenter, large-scale crosssectional study. BMJ Open 2019; 9(9):1-8. e no Irã3030 Jahromi MK, Hojat M, Koshkaki SR, Nazari F, Ragibnejad M. Risk factors of heart disease in nurses. Iran J Nurs Obstetrícia Res 2017; 22(4):332-337. apontaram associação significativa entre sexo masculino e hipertensão. Ademais, os homens são mais afetados por essa doença até os 50 anos de idade. Já as mulheres, ao produzirem hormônios femininos que são fatores de proteção, tendem a ter a incidência baixa antes da menopausa, a qual aumenta a partir da sexta década de vida3434 Machado MC, Pires CGS, Lobão WM. Concepções dos hipertensos sobre os fatores de risco para a doença. Cien Saude Colet 2012; 17(5):1365-1373.. Além disso, existe uma relação mais forte do sexo masculino com outros fatores associados à HA, como tabagismo, etilismo, obesidade e sedentarismo3535 Dantas RCO, Paes NA, Silva ANTC, Valenti VE, Mora JAO, Chambrone JZ, Abreu LC, Farias MCAD. Determinantes do controle da pressão arterial em homens assistidos na atenção primária à saúde. Mundo Saude 2016; 40(2):249-256..

Em uma investigação que objetivou caracterizar o perfil metabólico e de risco cardiovascular em população de adultos brasileiros assintomáticos, verificou-se que a pré-hipertensão esteve significativamente mais frequente em indivíduos do sexo masculino e naqueles sedentários e/ou com excesso de peso. Tais resultados também foram encontrados em uma investigação de base populacional, realizada na cidade de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil3636 Nary FC, Santos RD, Laurinavicius AG, Conceição RDO, Carvalho JAM. Relevância da pré-hipertensão como categoria diagnóstica em adultos assintomáticos. Einstein 2013; 11(3):303-309..

Em relação à faixa etária, estudos internacionais66 Hou L, Jin X, Ma J, Qian J, Huo Y, Ge J. Perception and selfmanagement of hypertension in chinese cardiologists (CCHS): a multicenter, large-scale crosssectional study. BMJ Open 2019; 9(9):1-8.,3737 Gaudemaris R, Levant A, Ehlinger V, Hérin F, Lepage B, Soulatb JM, Sobaszek A, Kelly-Irving M, Lang T. Blood pressure and working conditions in hospital nurses and nursing assistants. The ORSOSA study. Arch Cardiovasc Dis 2001; 104(1):97-103. indicam que quanto maior a idade, maior é a chance de desenvolver HA, o que corrobora com os resultados do presente estudo, uma vez que profissionais com mais de 30 anos apresentaram maiores chances de desenvolver pré-hipertensão e aqueles com mais de 40 anos, de desenvolverem HA, quando comparados ao grupo de profissionais com idade entre 20 e 29 anos. Existe uma associação direta e linear entre envelhecimento e prevalência de HA, justificada pelo envelhecimento e enrijecimento vascular11 Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol 2016; 107(Supl. 3):1-83..

Os profissionais que trabalhavam no turno noturno apresentaram maior chance de desenvolver pré-hipertensão quando comparados aos trabalhadores do turno diurno. Uma coorte conduzida com enfermeiros americanos3838 Gangwisch JE, Feskanich D, Malaspina D, Shen S, Forman JP. Sleep, duration and risk for hypertension in women: results from the nurses' health study. Am J Hypertens 2013; 26(7):903-911. demonstrou que profissionais que dormiam menos de cinco horas por dia apresentavam 1,19 [1,14-1,25] mais chances de desenvolver elevações nos valores da pressão arterial, quando comparados àqueles que dormiam mais de sete horas por dia. Sabe-se que a curta duração do sono comum aos trabalhadores noturnos é um fator etiológico significativo para o aumento da PA e desenvolvimento da HA. Investigação conduzida com enfermeiras na Itália3939 Copertaro A, Bracci M, Barbaresi M. Valutazione dell'omocisteina nei lavoratori turnisti. Monaldi Arch Chest Dis 2008; 70(1):24-28. evidenciou que, nesse grupo de profissionais, há maior consumo de café, cigarros, álcool, drogas hipnóticas e estilo de vida sedentário. Acresça-se a isso que a privação do sono prolonga a exposição ao estresse, aumenta o apetite, favorece a obesidade e aumento dos níveis séricos de colesterol total, fatores que são altamente associados ao desenvolvimento da HA3838 Gangwisch JE, Feskanich D, Malaspina D, Shen S, Forman JP. Sleep, duration and risk for hypertension in women: results from the nurses' health study. Am J Hypertens 2013; 26(7):903-911..

O profissional com vínculo empregatício concursado apresentou maior chance de desenvolver a pré-hipertensão e HA, semelhante à investigação realizada no contexto nacional por Cunha et al.4040 Cunha CLF, Moreira JPL, Oliveira BLCA, Bahia L, Luiz RR. Planos privados de saúde e a saúde dos trabalhadores do Brasil. Cien Saude Colet 2019; 24(5):1959-1970., que apontou prevalência de 21% em servidores públicos civis e de 15,5% em outros trabalhadores. O profissional concursado possui uma maior estabilidade trabalhista e econômica e um conjunto de direitos diferenciados do restante dos trabalhadores, porém, no período de coleta dos dados, o Estado pesquisado passava por uma crise financeira que resultou em atraso no pagamento do servidor4141 Barbosa LOS, Leal Filho RS, Oliveira Junior FA, Sousa FMP. Ideologia partidária e crise fiscal dos estados: o caso de Minas Gerais. Nova Economia 2019; 29(2):487-513.. Tal atraso pode ter refletido na saúde física e emocional desses profissionais, bem como arbitrou mudanças no estilo de vida com impacto direto na alimentação, atividade física, lazer e consequentemente na pré-hipertensão e HA.

Outrossim, trabalhadores que faziam uso contínuo de medicamento apresentaram maiores chances de desenvolver HA. Resultados semelhantes foram encontrados em pesquisas nacionais8,11 que demonstraram que mais da metade dos profissionais fazia uso contínuo de medicamento, sendo a classe dos anticoncepcionais orais o de maior prevalência. Estudo aponta que mulheres que fazem uso desta medicação possuem riscos duas a três vezes maiores de apresentarem HA do que aquelas que não utilizam este método contraceptivo, pois este fármaco causa pequeno aumento do débito cardíaco4242 Andrade AWL, Lima EFB. Avaliação dos efeitos dos contraceptivos orais sobre os níveis tensionais. Rev Eletr Farm 2016; 13(3):140-150..

O sobrepeso e a obesidade são fortes fatores associados à HA. Neste estudo, os profissionais obesos tiveram 8,3 mais chances de desenvolver essa doença quando comparados aos profissionais eutróficos. Resultados inferiores foram encontrados em estudos internacionais na China com OR=1,3166 Hou L, Jin X, Ma J, Qian J, Huo Y, Ge J. Perception and selfmanagement of hypertension in chinese cardiologists (CCHS): a multicenter, large-scale crosssectional study. BMJ Open 2019; 9(9):1-8. e no México com OR=3,63131 Orozco-González CL, Sanabria LC, Franco JJV, Márquez JJR, Manzanoa AMC. Prevalencia de factores de riesgo cardiovascular em trabajadores de lasalud. Rev Med Inst Mex Seguro Soc 2016; 54(5):594-601.. O sobrepeso e a obesidade podem ser explicados pela atividade física irregular e alimentação inadequada e estão relacionados a diabetes, doenças cardiovasculares e cânceres. No ambiente de trabalho, estão supostamente associados a lesões ocupacionais, aumento das taxas de absenteísmo, discriminação, presenteísmo e produtividade reduzida1010 Ulguim FO, Renner JDP, Pohl HH, Oliveira CF, Bragança GCM. Trabalhadores da saúde: risco cardiovascular e estresse ocupacional. Rev Bras MedTrab 2019; 17(1):61-68..

Os resultados deste estudo devem ser considerados, por serem representativos da população de trabalhadores que atuam em setores de alta complexidade que atendem pacientes críticos e crônicos do norte de Minas Gerais, Brasil. Espera-se que a difusão de informações obtidas propicie reflexão aos gestores que atuam com esse grupo de profissionais. Ademais, é pertinente ressaltar a necessidade de ampliação das pesquisas, na comunidade científica, que discutam prevalência da pré-hipertensão e HA e seus fatores associados entre esses profissionais. Destacou-se ainda, neste trabalho, a importância de atuar diretamente com os trabalhadores com maiores chances de desenvolvimento da pré-hipertensão de forma preventiva, estimulando mudanças de hábitos e adoção de um estilo de vida saudável.

A prevalência da HA no grupo pesquisado foi menor do que a encontrada na população brasileira. Embora a população examinada neste estudo tenha recebido educação formal em áreas relacionadas à saúde, os resultados encontrados reforçam a importância de os gestores hospitalares investirem em medidas preventivas e que incentivem a mudança para um estilo de vida saudável, como alimentação adequada e prática regular de atividade física entre tais profissionais. É importante também promover o respeito ao horário de descanso e condições adequadas para repouso dos profissionais, visto que tais medidas contribuem, não só para melhoria do bem-estar geral, como para controle do peso e da ansiedade, redução de estados depressivos e prevenção de doenças. Isso porque, ao cuidarem da dieta e da atividade física no local de trabalho, abrem a possibilidade de melhorar a saúde dos trabalhadores, contribuir para uma imagem positiva e social da empresa, aumentar a autoestima da equipe, reduzir a rotatividade de pessoal e o absentismo no trabalho, elevar a produtividade e reduzir ausências por doença e os custos de assistência médica e incapacidade dos profissionais.

Algumas limitações deste estudo precisam ser consideradas. A utilização de questionário autoaplicável é suscetível a falhas de interpretação e de preenchimento, além de ser possível, ainda, que os profissionais tenham sub-relatado comportamentos considerados negativos à saúde, pois a pesquisa aconteceu no ambiente hospitalar. Ademais, o número reduzido de pesquisas encontradas com profissionais atuantes em setores hospitalares com pacientes críticos e crônicos dificultou a comparabilidade entre os achados. Entretanto, destaca-se o rigor metodológico utilizado, como o planejamento amostral, o uso de instrumentos validados, o treinamento e a calibração dos examinadores, condução das coletas de dados e a digitação em duplicata dos dados. Tais pontos mantiveram o controle de qualidade nos instrumentos e garantiram validade e confiabilidade ao estudo quanto às análises e estratégias apresentadas.

Conclusão

A prevalência da pré-hipertensão HA entre os profissionais de saúde demonstra a necessidade de adoção de mecanismos que atuem nos fatores de risco modificáveis, como estímulo à atividade física, a adoção de hábitos alimentares mais saudáveis, bem como fomentar a implantação de políticas de saúde que incentivem mudanças dentro e fora do ambiente laboral, com maior foco na prevenção e na promoção da saúde dos trabalhadores. Portanto, é necessário engajamento dos profissionais e dos gestores dos serviços de saúde, de maneira conjunta e complementar, com vistas a facilitar melhores situações de saúde.

Trabalhadores bem informados e conscientes de que seus comportamentos podem determinar o risco maior ou menor de adoecer são, certamente, mais saudáveis e produtivos. Ressalta-se também o esforço que deve ser aplicado para a adequação dos locais de trabalho às necessidades dos indivíduos, de maneira a reduzir os gastos públicos oriundos dos processos patológicos diretamente relacionados a disfunções laborais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Dez 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2020
  • Aceito
    22 Jul 2021
  • Publicado
    24 Jul 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br