Uso de hormônios não prescritos na modificação corporal de travestis e mulheres transexuais de Salvador/Bahia, Brasil

Ricardo Araújo da Silva Luís Augusto Vasconcelos da Silva Fabiane Soares Inês Dourado Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar o uso de hormônios não prescritos entre travestis e mulheres transexuais (TrMT) na cidade de Salvador, Bahia, Brasil. Trata-se de um estudo de corte transversal onde se utilizou a metodologia RDS (respondent driven sampling) para recrutar TrMT entre 2014 e 2016, em Salvador e sua Região Metropolitana. Foi realizada uma análise comparativa entre condições sociodemográficas, comportamentais e de afirmação de gênero com o uso de hormônios. Os dados ponderados pelo estimador RDS-II. Utilizou-se o programa Stata, versão 14, para análises estatísticas. Foram recrutadas 127 TrMT. Da amostra estudada, 69,1% das participantes fizeram uso de hormônios não prescritos, o que esteve associado ao uso de silicone líquido industrial e ao relato de satisfação corporal. As TrMT que estavam confortáveis com o pênis e que sentiam prazer com o mesmo apresentaram menor probabilidade de uso de hormônio. As participantes soropositivas para HIV reportaram maior proporção de uso de hormônio. O uso não prescrito de hormônios foi utilizado pela maioria das TrMT. É provável que esse uso esteja associado a uma melhor satisfação com a autoimagem e com o corpo entre as TrMT. Verificou-se o uso em elevadas quantidades desses medicamentos e de maneira exacerbada, provavelmente devido ao pouco acesso aos serviços de saúde pública.

Palavras-chave:
Travestis; Mulheres transexuais; Hormônio

Introdução

No Brasil, os termos travestis e mulheres transexuais são mais comumente utilizados pelas próprias comunidades, e dizem respeito ao espectro de mulheres trans cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo biológico atribuído a elas no nascimento. Esses termos indicam diferentes performances femininas e reivindicam a legitimidade de sua identidade para além dos parâmetros binários de masculino e feminino11 Magno L, Dourado I, Silva LAV. Stigma and resistance among travestis and transsexual women in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saude Publica 2018; 34(5):e00135917.,22 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais [Internet]. Brasília; 2013. [acessado 2018 Nov 19]. Available from: www.saude.gov.br/editora
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. Além disso, buscam a transformação de seus corpos, de acordo com suas identidades de gênero, usando hormônios e silicone, adotando pronomes de tratamento no feminino e o nome social com o qual se identificam33 Leite AFS, Santos C. Tecnologias de gênero e magia- hormonioterapia e as experiências de vida de mulheres trans. Ex aequo 2018; 38:83-94.,44 Bento B. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond; 2006. No entanto, existe um trânsito entre essas identidades, não sendo fixo ou isolado, mas sempre em disputa, negociação, em constante interação e movimento55 Rocon PC, Rodrigues A, Zamboni J, Pedrini MD. Dificuldades vividas por pessoas trans no acesso ao Sistema Único de Saúde. Cien Saude Colet 2016; 21(8):2517-2525..

A hormonização é utilizada como parte da mudança corporal desejada pelas TrMT para a afirmação do gênero. E possui dois objetivos básicos: reduzir as características sexuais secundárias induzidas biologicamente e induzir as características sexuais secundárias da nova identidade de gênero66 Gooren L. Hormone Treatment of the Adult Transsexual Patient. Horm Res 2005; 64(Suppl. 2):31-36.. O desejo por um rápido processo de feminização leva à automedicação com altas doses de hormônios, além da dificuldade de encontrar profissionais da saúde especializados77 Gardner IH, Safer JD. Progress on the road to better medical care for transgender patients. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes 2013; 20(6):553-558.. Além disso, as unidades de saúde que fornecem hormônios prescritos (prescrição e acompanhamento do uso de hormônios em ambulatórios para atendimento de pessoas trans ou serviços formais de saúde) são escassas e o acesso a elas ainda pode apresentar diversas barreiras, como discriminação, estigma e, consequentemente, redução na procura pelos serviços de saúde do SUS88 Souza MHT, Malvasi P, Signorelli MC, Pereira PPG. Violência e sofrimento social no itinerário de travestis de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(4):767-776.,99 Souza MHT, Signorelli MC, Coviello DM, Pereira PPG. Itinerários terapêuticos de travestis da região central do Rio Grande do Sul, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(7):2277-2286..

Vale ressaltar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) despatologizou as identidades transexuais em 2018, na nova edição da Classificação Internacional das Doenças (CID-11), que entrará em vigor em janeiro de 2022. Tal processo é de contínua e permanente escuta, de desclassificação e desconstrução dos paradigmas sociais e culturais das sociedades1010 Coacci T. Como funciona a despatologização na prática? Rev Estud Fem 2019; 27(2):3-6.. Rocon e colaboradores1111 Rocon PC, Sodré F, Zamboni J, Rodrigues A, Roseiro MCFB. O que esperam pessoas trans do sistema único de saúde? Interface Commun Heal Educ 2018; 22(64):43-53. discutem que condicionar um diagnóstico de transexualidade tem tornado seletivo o acesso a serviços de saúde, que têm potencialidades para promover e proteger a saúde da população trans, de forma plena e com oferta universal, evitando os riscos que envolvem o uso não prescrito de hormônios e de silicone líquido industrial.

As TrMT que fazem uso de hormônios podem ter: desenvolvimento mamário, redistribuição de gordura para um corpo feminino, massa muscular reduzida, redução ou afinação de pelos corporais, pele mais macia e fina e diminuição ou retração dos testículos1212 Deutsch MB. Guidelines for the Primary and Gender-Affirming Care of Transgender and Gender Nonbinary People. San Francisco: UCSF Gender Affirming Health Program; 2016.. A hormonização para TrMT deveria ser realizada por endocrinologistas e/ou médico(a) clínico(a) geral, profissionais habilitados para tal procedimento, conforme a Portaria nº 2803/20131313 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria no 2.803, de 19 de novembro de 2013. Diário Oficial da União 2013; 20 nov.. Segundo a Política Nacional Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trangêneros (LGBT), de 2013, o cuidado e a hormonização para pessoas trans devem ser viabilizados em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS)22 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais [Internet]. Brasília; 2013. [acessado 2018 Nov 19]. Available from: www.saude.gov.br/editora
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. Entretanto, é comum que TrMT se automediquem com grandes quantidades de hormônios femininos presentes nos medicamentos anticoncepcionais1414 Grinsztejn B, Jalil EM, Monteiro L, Velasque L, Moreira RI, Garcia ACF, Castro CV, Krüger A, Luz PM, Liu AY, McFarland W, Buchbinder S, Veloso VG, Wilson EC; Transcender Study Team. Unveiling of HIV dynamics among transgender women: a respondent-driven sampling study in Rio de Janeiro, Brazil. Lancet HIV 2017; 4(4):e169-e176..

Existem poucos estudos longitudinais entre TrMT que analisem os efeitos da hormonização a longo prazo77 Gardner IH, Safer JD. Progress on the road to better medical care for transgender patients. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes 2013; 20(6):553-558.,1515 Weinand JD, Safer JD. Hormone therapy in transgender adults is safe with provider supervision: a review of hormone therapy sequelae for transgender individuals. J Clin Transl Endocrinol 2015; 2(2):55-60.. Estudos qualitativos também discutem a escassez de dados sobre o uso prolongado de hormônios em pessoas trans1616 Arán M, Murta D. Do diagnóstico de transtorno de identidade de gênero às redescrições da experiência da transexualidade: uma reflexão sobre gênero, tecnologia e saúde. Physis 2009; 19(1):15-41.,1717 Pelúcio L. "Toda quebrada na plástica": corporalidade e construção de gênero entre travestis paulistas. Rev Antropol Soc 2005; 6:97-112.. Destaca-se que os riscos à saúde com a automedicação de altas doses de hormônios são elevados. Tais efeitos podem implicar graves complicações, a exemplo de trombose de veias profundas, alterações tromboembólicas, aumento da pressão arterial, alterações hepáticas e problemas ósseos1818 Unger CA. Hormone therapy for transgender patients. Transl Androl Urol 2016; 5(6):877-884.,1919 Petry AR. Mulheres transexuais e o processo transexualizador : experiências de sujeição, padecimento e prazer na adequação do corpo. Rev Gaucha Enferm 2015; 36(2):70-75.. A partir dessas considerações, o presente estudo tem por finalidade analisar o uso de hormônios não prescritos entre TrMT na cidade de Salvador, Bahia.

Metodologia

Tipo de estudo

Esse estudo integra o projeto “Vulnerabilidade ao HIV/Aids, sífilis e hepatites virais na população de travestis e mulheres transexuais e seus modos de vida em Salvador-Bahia - Estudo PopTrans”. Tratou-se de um inquérito sócio-comportamental e sorológico com TrMT2020 Dourado I, Augusto L, Silva V, Magno L, Lopes M, Cerqueira C, Prates A, Brignol S, MacCarthy S. Construindo pontes: a prática da interdisciplinaridade. Estudo PopTrans: um estudo com travestis e mulheres transexuais em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(9):e00180415 .. Utilizou-se a técnica de recrutamento RDS (respondent driven sampling), ou amostragem dirigida pelo participante, por se tratar de uma população de difícil acesso (em termos amostrais). O RDS é um método que consiste em recrutamento de pessoas de uma mesma rede social. Para tal, as próprias participantes recrutaram suas conhecidas2020 Dourado I, Augusto L, Silva V, Magno L, Lopes M, Cerqueira C, Prates A, Brignol S, MacCarthy S. Construindo pontes: a prática da interdisciplinaridade. Estudo PopTrans: um estudo com travestis e mulheres transexuais em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(9):e00180415 ..

Critérios de inclusão e recrutamento das sementes

A coleta de dados RDS é iniciada selecionando de forma não aleatória um número de participantes iniciais (sementes) da população de interesse. Elas são selecionadas pelos pesquisadores após pesquisa qualitativa formativa, de modo a representar a heterogeneidade da população de TrMT, segundo condições demográficas e socioeconômicas. As sementes são instruídas sobre sua função e recebem um número fixo de cupons para recrutar outras pessoas. Esses/essas recrutas, por sua vez, recebem cupons para recrutar novas participantes.

Dez sementes iniciaram o recrutamento. Para medir o tamanho da rede social de cada TrMT, foram realizadas as seguintes perguntas no questionário: “Quantas TrMT você conhece pelo nome e que conhecem você pelo nome em Salvador?”; “Das TrMT que você conhece, quantas você convidaria para participar da pesquisa?”. Os critérios de inclusão foram: ser maior do que 15 anos; identificar-se como travesti, mulher trans ou mulher; e residir em Salvador pelo menos há três meses. Além disso, verificou-se se as TrMT estavam em plena condição psíquica e emocional, e se não estavam sob efeito de uso de drogas e/ou álcool, para que isso não interferisse na entrevista. Na chegada ao local da coleta de dados, cada participante respondeu a um questionário de elegibilidade, com a finalidade de verificar se atendia a todas as características necessárias para participação no estudo.

O recrutamento RDS é iniciado a partir de um número fixo de cupons distribuídos a cada participante, com um número de série que é utilizado posteriormente para o desenho da rede social e a análise dos padrões de recrutamento2121 Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Júnior PRB, Ferreira Júnior ODC, Almeida WDS, Pascom ARP, Pimenta MC; Brazilian FSW Group. Application of the respondent-driven sampling methodology in a biological and behavioral surveillance survey among female sex workers, Brazil, 2016. Rev Bras Epidemiol 2019; 22(Supl. 1):e190002.. Cada semente, e depois cada participante, recebeu três convites para convidar TrMT de sua rede de contato (cadeias de recrutamento). Esse processo foi repetido até que o tamanho da amostra (n = 127) fosse atingido. O monitoramento da conexão recrutadora-recrutada foi feito por meio de um programa específico (“gerenciador de cupons”).

As cadeias de recrutamento chegaram até oito ondas. Cada participante recebeu um incentivo primário de R$ 30,00 em tíquete alimentação e um incentivo secundário no mesmo valor para cada participante que ela recrutasse e que completasse os procedimentos da pesquisa. Além disso, todas receberam material educativo, lanche, gel lubrificante à base de água, preservativos e um kit de beleza (contendo batom, esmalte e espelho). O recrutamento das participantes ocorreu entre setembro de 2014 a abril de 2016, em um espaço organizado especialmente para esse acolhimento, localizado no Centro da cidade de Salvador, tendo horário de funcionamento das 13h às 17h, de segunda a sexta-feira.

Os dados foram coletados em um questionário eletrônico com uso de tablet. As variáveis do estudo foram classificadas em sociodemográficas: identidade de gênero (travesti e mulher transexual), idade (maior que 25 anos; menor ou igual 25 anos), raça/cor (branca; negra - preta ou parda), escolaridade (maior que oito anos de estudo; menor que oito anos de estudo), renda (maior ou igual a R$ 1.000,00; menor que R$ 1.000,00), estado civil (solteira ou casada); e em sociocomportamentais e práticas sexuais: histórico de trabalho sexual (sim ou não); ter sofrido discriminação por ser TrMT (sim ou não); uso de drogas ilícitas (sim ou não); estar confortável com a sua imagem corporal (sim ou não); uso de silicone líquido industrial (sim ou não); confortável com seu pênis (sim ou não); sente prazer com seu pênis (sim ou não); com quem teve prática sexual nos últimos seis meses (apenas homens; homens, mulheres, travestis e mulheres transexuais); trabalhadora do sexo (sim ou não); uso do preservativo em sexo anal receptivo com parceiros fixos (sempre; nunca usa/uso irregular); uso do preservativo em sexo anal receptivo com parceiros casuais (sempre; nunca usa/uso irregular); uso de droga ilícita (sim ou não).

Dados sobre utilização de hormônios foram coletados a partir das questões: “Você já fez uso de hormônio?”; “Quais hormônios você fez uso?”; “Que idade você tinha quando fez uso de hormônio pela primeira vez?”; “Onde você conseguiu hormônios?”; “Você já sentiu efeitos negativos pelo uso de hormônio?”; “Você fez uso de hormônios nos últimos três meses?”; “Já recebeu informações sobre o uso de hormônios alguma vez?”; “Onde obteve hormônio?”.

Análise dos dados

A análise dos dados levou em consideração o desenho complexo de amostragem do recrutamento por RDS, ou seja, a dependência entre as observações resultantes das cadeias de recrutamento, e as probabilidades desiguais de seleção2222 Szwarcwald CL, Souza Júnior PRB, Damacena GN, Barbosa Junior A, Kendall C. Analysis of data collected by RDS among sex workers in 10 Brazilian cities, 2009: estimation of the prevalence of HIV, variance, and design effect. J Acquir Immune Defic Syndr 2011; 57(Suppl. 3):129-135.. A amostra foi ponderada pelo estimador RDS-II2323 Salganik MJ, Heckathorn DD. Sampling and estimation in hidden populations using respondent-driven sampling. Sociol Methodol 2004; 34:193-239.. O programa RDS Analyst foi usado para calcular os pesos baseados nos estimadores RDS, e o programa STATA 14 (StataCorp, College 192 Station, TX, USA) para análise dos dados, utilizando-se a rotina de análise de amostras complexas (survey)2424 Heckathorn DD. Respondent-Driven Sampling: A New Approach to the Study of Hidden Populations. Soc Probl 1997; 44(2):174-99.. Realizou-se análise descritiva do perfil das TrMT e de variáveis de uso de hormônio e afirmação de gênero. E análise bivariada entre as variáveis do estudo e uso de hormônios. Considerou-se significância estatística no nível descritivo do valor de p ≤ 0,05. A maioria das TrMT usava hormônios; dessa forma, não se atingiu um N amostral suficiente para análise multivariada.

Aspectos éticos

O estudo PopTrans foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, atendendo a todas as exigências definidas na resolução 466/2012 do CNS. Portanto, foram respeitadas a autonomia e a dignidade das participantes, assegurando sua vontade de permanecer ou não na pesquisa, além da garantia de que todos os danos previsíveis seriam evitados. As participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ou o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, quando menores de 18 anos.

Resultados

Foram recrutadas 127 TrMT, na sua maioria jovens (57% tinham menos que 25 anos), solteiras (63,5%) e de cor autodeclarada negra (51%). Em relação à escolaridade, 73,2% relataram mais de oito anos de estudo. Quanto à renda, 55,4% informaram ter vencimentos mensais maiores do que R$ 1.000,00. No que diz respeito às variáveis sociocomportamentais, 64% relataram fazer uso de drogas ilícitas, 77% eram trabalhadoras sexuais e 83% indicaram ter sofrido algum tipo de discriminação por ser travesti ou mulher transexual (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas e comportamentais de TrMT e de uso de hormônios, Salvador-BA.

A maioria das TrMT referiu o uso de hormônios (94,8%); dessas (n = 118), 59,6% iniciaram o uso com menos de 18 anos de idade; 68,9% haviam utilizado hormônio nos últimos três meses. Dessas últimas (n = 80), 68,1% estavam fazendo uso de hormônio não prescrito de uma a sete vezes na semana, e 31,9% estavam utilizando hormônio pelo menos três vezes ao mês. Em relação à obtenção de hormônios, 93,9% informaram ter adquirido nas farmácias e sem prescrição médica. Outras formas de aquisição: receber hormônios de uma pessoa amiga (38,1%), por intermédio de um(a) colega de trabalho (7,5%), de “bombadeiras” (6,2%) - esse termo normalmente se refere a travestis mais velhas e experientes que adquiriram a prática de injetar silicone ou aplicar hormônios99 Souza MHT, Signorelli MC, Coviello DM, Pereira PPG. Itinerários terapêuticos de travestis da região central do Rio Grande do Sul, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(7):2277-2286.-, pelo SUS (10,5%) e pela internet (6,2%); 6,4% nunca haviam recebido orientações sobre o uso de hormônios (Tabela 1).

A Figura 1 mostra o intervalo interquartil da idade de início de uso de hormônios por identidade de gênero. As mulheres transexuais utilizaram hormônio um pouco mais cedo, aos dez anos de idade, enquanto as travestis iniciaram aos 11 anos de idade. A mediana da idade foi de 16 anos para travestis e 17 para mulheres transexuais. O uso de hormônios foi iniciado, para 75% da amostra ,aos 19 anos de idade.

Figura 1
Intervalo interquartil da idade de início de uso de hormônios não prescritos por TrMT em Salvador-BA, 2016.

As TrMT declararam utilizar diferentes tipos de formas farmacêuticas de hormônios. Apenas 8,5% relataram uso de apenas um tipo de forma farmacêutica, seja esta oral, transdérmica, percutânea, injetável intramuscular ou nasal. E a grande maioria (82,2%) usou mais de uma forma farmacêutica combinada (Tabela 2).

Tabela 2
Formas farmacêuticas de uso de hormônios entre TrMT em Salvador-BA.

Na análise bivariada (Tabela 3), observa-se que as participantes que se identificaram como mulher transexual tiveram maior chance de usar o hormônio do que as que se identificaram como travesti (OR = 3,78; IC 95%: 1,06-13,40). A chance de usar o hormônio também foi maior entre aquelas de 15 a 24 anos (OR = 1,37; IC 95%: 0,36-5,27), de menor renda (OR = 1,57; IC 95%: 0,43-5,64) e que realizaram trabalho sexual (OR = 1,32; IC 95%: 0,34-5,06), porém essas associações não atingiram níveis de significância estatística. As TrMT que se autodeclararam pretas ou pardas (OR = 0,48; IC 95%: 0,13-1,70) tiveram menor chance de usar o hormônio, em comparação com as brancas, mas essa associação não teve significância estatística. Em relação à escolaridade, aquelas com mais de oitos anos de estudos (OR = 0,22; IC 95%: 0,06-0,80) tiveram menor chance de usar o hormônio em comparação com as TrMT com menor escolaridade. Porém essas associações não atingiram significância estatística no nível de um valor de p ≤ 0,05.

Tabela 3
Análise bivariada do uso de hormônio segundo fatores sociodemográficos e comportamentais entre TrMT, Salvador-BA.

A chance de uso de hormônio foi maior entre aquelas que usaram silicone líquido industrial (SLI) (OR = 1,27; IC 95%: 0,35-4,53), e entre aquelas que relataram estar satisfeitas com o corpo (OR = 1,15; IC 95%: 0,31-4,31). As participantes que estavam confortáveis com o pênis (OR = 0,45; IC 95%: 0,10-2,03) e as que sentiam prazer com o pênis (OR = 0,63; IC 95%: 0,16-2,46), por sua vez, apresentaram menor chance de uso. As TrMT que declararam ter relações sexuais tanto com homens quanto com mulheres e travestis apresentaram maior chance de usar hormônio (OR = 2,67; IC 95%: 0,64-11,10). As TrMT que não usavam sempre o preservativo com parceiros fixos tiveram maior chance de uso de hormônio (OR = 3,06; IC 95%: 0,72 - 12,94), diferentemente daquelas com parceiros casuais (OR = 0,59; IC 95%: 0,16 - 2,14). Quanto à sorologia, observou-se que as participantes HIV positivas tinham maior chance de usar hormônio (OR = 2,48; IC 95%: 0,47-12,85). Porém essas associações não atingiram significância estatística no nível de um valor de p ≤ 0,05.

Discussão

Este estudo mostra que o uso de hormônios não prescritos foi utilizado pela maioria das TrMT. A utilização de hormônios e o implante de silicone, seja industrial ou não, são as substâncias mais usadas para a produção do corpo feminino. É a mudança na biologia corporal que produz os efeitos mais significativos com relação à construção das travestilidades e transexualidades2525 Longaray DA, Ribeiro PRC. Travestis e transexuais: corpos (trans)formados e produção da feminilidade. Estud Fem 2016; 24(3):761-784.,2626 Silva LAV, Lopes M. Corpos híbridos e transexualidade: para além da dicotomia de gênero. In: Coelho MTAD, Sampaio LLP, organizadores. Transexualidades: um olhar multidisciplinar. Salvador: EDUFBA; 2014, p. 25-39.. Dessa forma, no processo de afirmação de gênero entre as TrMT, o corpo passa a ser o “receptáculo” de hormônios e de substâncias ilícitas para que se consiga atingir um corpo feminino desejado1616 Arán M, Murta D. Do diagnóstico de transtorno de identidade de gênero às redescrições da experiência da transexualidade: uma reflexão sobre gênero, tecnologia e saúde. Physis 2009; 19(1):15-41.,1717 Pelúcio L. "Toda quebrada na plástica": corporalidade e construção de gênero entre travestis paulistas. Rev Antropol Soc 2005; 6:97-112.,1919 Petry AR. Mulheres transexuais e o processo transexualizador : experiências de sujeição, padecimento e prazer na adequação do corpo. Rev Gaucha Enferm 2015; 36(2):70-75.,2727 Martins TA, Kerr LRFS, Macena RHM, Mota RS, Carneiro KL, Gondim RC, Kendall C. Travestis, an unexplored population at risk of HIV in a large metropolis of northeast Brazil: a respondent-driven sampling survey. AIDS Care Psychol Socio-medical Asp AIDS/HIV 2012; 25(5):37-41.

28 Wallace PM. Finding self: A qualitative study of transgender, transitioning, and adulterated silicone. Health Educ J 2010; 69(4):439-446.

29 Wilson E, Rapues J, Jin H, Raymond HF. The use and correlates of illicit silicone or "fillers" in a population-based sample of transwomen, San Francisco, 2013. J Sex Med 2015; 11(7):1717-1724.
-3030 Reback CJ, Clark K, Holloway IW, Fletcher JB. Health disparities, risk behaviors and healthcare utilization among transgender women in Los Angeles County: a comparison from 1998-1999 to 2015-2016. AIDS Behav 2018; 22(8):2524-2533..

Além disso, como salientado em estudo realizado em Brasília em 2017 com 201 TrMT, a automedicação com hormônios foi explicada por barreiras no acesso aos serviços de saúde, falta de insumos no âmbito da saúde pública e também pelo despreparo dos profissionais sobre a prescrição desses medicamentos para mulheres trans3131 Krüger A, Sperandei S, Bermudez XPCD, Merchán-Hamann E. Characteristics of hormone use by travestis and transgender women of the Brazilian federal district. Rev Bras Epidemiol 2019; 22(Suppl. 1):1-13.. Outros estudos também identificam que as barreiras e o estigma em serviços de saúde podem provocar a automedicação de hormônios entre TrMT, bem como a interferência da baixa condição socioeconômica no acesso a profissionais especializados e a crença de que uma maior quantidade de hormônio provocará uma mudança mais rápida no corpo11 Magno L, Dourado I, Silva LAV. Stigma and resistance among travestis and transsexual women in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saude Publica 2018; 34(5):e00135917.,3030 Reback CJ, Clark K, Holloway IW, Fletcher JB. Health disparities, risk behaviors and healthcare utilization among transgender women in Los Angeles County: a comparison from 1998-1999 to 2015-2016. AIDS Behav 2018; 22(8):2524-2533.,3232 De Haan G, Santos GM, Arayasirikul S, Raymond HF. Non-prescribed hormone use and barriers to care for transgender women in San Francisco. LGBT Health 2015; 2(4):313-323.. Em Salvador, local onde foi realizada esta pesquisa, até o ano de 2019, apenas dois centros de referência ambulatorial realizavam atividades para o processo transexualizador (de redesignação sexual).

No presente estudo, observou-se que as mulheres transexuais e as travestis relataram ter iniciado o uso não prescrito de hormônios com a idade mínima de 10 e 12 anos, respectivamente. E uma alta proporção (59,6%) iniciou com menos de 18 anos. Estudo que analisou dados de 616 TrMT residentes em sete municípios de São Paulo em 2014-2015 reportou que o uso de hormônios não prescritos também começou, por 60,8% das participantes, antes da idade mínima (18 anos) para início do processo transexualizador no SUS3333 Maschião LF, Bastos FI, Wilson E, McFarland W, Turner C, Pestana T, Veras MA. Nonprescribed sex hormone use among trans women: the complex interplay of public policies, social context, and discrimination. Transgend Health 2020; 5(4):205-215.. Esses dados podem ser explicados pela facilidade de acesso ao estradiol e à progesterona em farmácias brasileiras, já que 93,9% informaram ter adquirido os hormônios em farmácias e sem uso de receita médica. Por outro lado, esse achado difere dos encontrados em outros países, onde a compra de hormônios é proibida sem prescrição por profissional da saúde. A literatura revela que, em outras nações, as TrMT adquirem hormônios via internet, devido ao não acesso a serviços de saúde ou ao alto custo3232 De Haan G, Santos GM, Arayasirikul S, Raymond HF. Non-prescribed hormone use and barriers to care for transgender women in San Francisco. LGBT Health 2015; 2(4):313-323.,3434 Mepham N, Bouman WP, Arcelus J. People with Gender dysphoria who self-prescribe cross-sex. J Sex Med 2014; 11(12):2995-3001..

No Brasil, os protocolos de atendimento clínico para o processo transexualizador foram instituídas em agosto de 2008 pela Portaria 1.707/20083535 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 1.707, de 18 de agosto de 2008 [Internet]. MS; 2008 Aug. [cited 2020 May 17]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/prt1707_18_08_2008.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
, que por sua vez levou em consideração a Resolução do Conselho Federal de Medicina 1.652/20023636 Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Resolução CFM no 1.652, de 6 de novembro de 2002. São Paulo: Cremesp; 2002., que abordava a cirurgia de transgenitalização. A Portaria 1.707/2008 foi revogada pela Portaria 2.803/20131313 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria no 2.803, de 19 de novembro de 2013. Diário Oficial da União 2013; 20 nov., que redefiniu e ampliou o processo transexualizador no SUS. Em paralelo, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT)22 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais [Internet]. Brasília; 2013. [acessado 2018 Nov 19]. Available from: www.saude.gov.br/editora
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foi reafirmada em suas diretrizes e objetivos, tendo como uma de suas responsabilidades a elaboração de protocolos clínicos acerca do uso de hormônios, em terapia cruzada, e de implante de prótese de silicone para travestis e transexuais1919 Petry AR. Mulheres transexuais e o processo transexualizador : experiências de sujeição, padecimento e prazer na adequação do corpo. Rev Gaucha Enferm 2015; 36(2):70-75.,3737 Santos ART. A experiência da hormonioterapia das transexuais em Maceió/AL. Latitude 2013; 7(1):129-147.. Conforme a Portaria 2803/20131313 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria no 2.803, de 19 de novembro de 2013. Diário Oficial da União 2013; 20 nov., o tratamento hormonal só pode se iniciar no serviço público a partir dos 18 anos de idade. Entretanto, os protocolos de início de hormonização para TrMT podem ser diferentes de acordo com as legislações dos diversos países, levando-se em consideração o grau de autonomia das pessoas em entender os riscos e benefícios dessa hormonização1818 Unger CA. Hormone therapy for transgender patients. Transl Androl Urol 2016; 5(6):877-884.,3838 Corman V, Legros J. Le traitement hormonal des patients transsexuels et ses conséquences métaboliques. Ann d'Endocrinologie 2018; 68(2007):258-264.,3939 Gooren LJ, Wierckx K, Giltay EJ. Cardiovascular disease in transsexual persons treated with cross-sex hormones: reversal of the traditional sex difference in cardiovascular disease pattern. Eur J Endocrinol 2014; 170(6):809-819.. O assentimento livre e informado pode ser válido para uso de hormônios em adolescentes de 16 anos, na maioria dos contextos, contrariamente ao que determina, no Brasil, a Portaria 2803/2013, que afirma que o consentimento deve ser a partir dos 18 anos3333 Maschião LF, Bastos FI, Wilson E, McFarland W, Turner C, Pestana T, Veras MA. Nonprescribed sex hormone use among trans women: the complex interplay of public policies, social context, and discrimination. Transgend Health 2020; 5(4):205-215.,4040 Hembree WC, Cohen-Kettenis PT, Gooren L, Hannema SE, Meyer WJ, Murad MH, Rosenthal SM, Safer JD, Tangpricha V, T'Sjoen GG. Endocrine treatment of gender-dysphoric/gender-incongruent persons: An endocrine society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab 2017;102(11):3869-3903..

Na análise realizada, as TrMT mais jovens, entre 15 e 24 anos, as de menor renda e as que mencionaram trabalho sexual foram as que tiveram maiores chances de fazer uso de hormônios não prescritos. No que diz respeito ao uso de hormônios em idade mais tenra, estudos revelam que as pessoas trans que não iniciaram o tratamento hormonal relataram níveis mais elevados de angústia social, ansiedade e depressão do que aquelas em tratamento hormonal cruzado. Tais estudos evidenciaram que o desconforto gerado pela disforia de gênero pode ser reduzido, e a ansiedade minimizada, quando se inicia a hormonização mais cedo3232 De Haan G, Santos GM, Arayasirikul S, Raymond HF. Non-prescribed hormone use and barriers to care for transgender women in San Francisco. LGBT Health 2015; 2(4):313-323.,4141 Gómez-Gil E, Zubiaurre-Elorza L, Esteva I, Guillamon A, Godás T, Cruz Almaraz M, Halperin I, Salamero M. Hormone-treated transsexuals report less social distress , anxiety and depression. Psychoneuroendocrinology 2012; 37:662-670.,4242 Hembree WC, Cohen-Kettenis P, Delemarre-van de Waal HA, Gooren LJ, Meyer WJ 3rd, Spack NP, Tangpricha V, Montori VM; Endocrine Society. Endocrine treatment of transsexual persons: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab 2009; 94(9):3132-3154..

Apenas em 2019 o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução nº 2.265, que dispõe sobre o cuidado específico com pessoas em incongruência de gênero, entrando em vigor em janeiro de 2020, e foi publicada no Diário Oficial da União em 9 de janeiro de 20204343 Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução no 2.265, de 20 de setembro de 2019. Diário Oficial da União 2020; 21 set.. O documento traz, em seu conteúdo, maior flexibilidade para hormonização em pessoas trans menores de 18 anos e para o bloqueio puberal. O bloqueio puberal é a interrupção da produção de hormônios sexuais, impedindo o desenvolvimento de caracteres sexuais secundários, do sexo biológico, pelo uso de análogos de hormônio liberador de gonadotrofinas - GnRH. Essa resolução indica também que é no início da puberdade que se intensifica uma relação complexa estabelecida entre a criança ou adolescente púbere e seu corpo não congruente com sua identidade de gênero, podendo levar a sofrimento psíquico intenso e a condutas corporais relacionadas a tentativas de esconder os caracteres sexuais biológicos, visando o reconhecimento e aceitação social, o que muitas vezes provoca agravos à saúde. Diz ainda que o bloqueio puberal e o uso de hormônios se darão por meio de médicos(as) endocrinologistas, ginecologistas ou urologistas, todos com conhecimento científico específico, e que isso só ocorrerá com a vigência de psiquiatra responsável. A resolução afirma que o acompanhamento adequado nessa fase de desenvolvimento pode prevenir cirurgias corretivas no futuro e o surgimento de morbidades, tais como anorexia nervosa, fobia social, depressão, comportamento suicida, uso abusivo de drogas e transtornos de conduta relacionados à vivência corporal4343 Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução no 2.265, de 20 de setembro de 2019. Diário Oficial da União 2020; 21 set..

Vale ressaltar alguns aspectos para a iniciação do uso de hormônios: recomenda-se3939 Gooren LJ, Wierckx K, Giltay EJ. Cardiovascular disease in transsexual persons treated with cross-sex hormones: reversal of the traditional sex difference in cardiovascular disease pattern. Eur J Endocrinol 2014; 170(6):809-819. que os/as adolescentes que preencham os critérios de elegibilidade e prontidão para a cirurgia de transgenitalização sejam submetidos(as) inicialmente a tratamento para suprimir o desenvolvimento puberal; que a supressão dos hormônios da puberdade comece quando as meninas e os meninos comecem a exibir as primeiras alterações físicas da puberdade (confirmadas pelos níveis pubertários de estradiol e testosterona, respectivamente); que o desenvolvimento puberal, do sexo oposto desejado, se inicie por volta dos 16 anos; e adiar a cirurgia do processo transexualizador para quando a pessoa tiver ao menos 18 anos4242 Hembree WC, Cohen-Kettenis P, Delemarre-van de Waal HA, Gooren LJ, Meyer WJ 3rd, Spack NP, Tangpricha V, Montori VM; Endocrine Society. Endocrine treatment of transsexual persons: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab 2009; 94(9):3132-3154..

A ocupação pelo trabalho sexual é uma das primeiras possibilidades de atividade laborativa, visto que a maioria das TrMT sai muito cedo do núcleo familiar e da escola devido ao preconceito e à discriminação. Isso pode determinar a necessidade de construção do corpo de forma mais rápida, para que seja aceita no meio competitivo das trabalhadoras do sexo3333 Maschião LF, Bastos FI, Wilson E, McFarland W, Turner C, Pestana T, Veras MA. Nonprescribed sex hormone use among trans women: the complex interplay of public policies, social context, and discrimination. Transgend Health 2020; 5(4):205-215.,4444 Oliveira JW de, Rosato CM, Nascimento AMR, Granja E. "Sabe a minha identidade? Nada a ver com genital": vivências travestis no cárcere. Psicol Ciênc Prof 2018; 38(spe2):159-174.. Para Silva e Lopes2626 Silva LAV, Lopes M. Corpos híbridos e transexualidade: para além da dicotomia de gênero. In: Coelho MTAD, Sampaio LLP, organizadores. Transexualidades: um olhar multidisciplinar. Salvador: EDUFBA; 2014, p. 25-39., o processo de transformações corporais das TrMT não se dá de maneira independente ou alheia às mudanças de referências e valores corporais na contemporaneidade. Considerando esses valores e as angústias e tensões vividas em seu cotidiano, as TrMT buscam chegar a um modelo ideal de uma feminilidade que pareça o mais “natural” possível.

Em nosso estudo, as TrMT que fizeram uso do SLI e aquelas que se sentiam satisfeitas com seus corpos mostraram maiores chances de uso de hormônio. O uso exclusivo de hormônios muitas vezes não possibilita a obtenção de um corpo exuberante. Assim, as TrMT esculpem seus corpos com SLI para que essa transformação seja mais rápida e ela se sintam cada vez mais em um corpo feminino, não importando o risco de tais procedimentos2525 Longaray DA, Ribeiro PRC. Travestis e transexuais: corpos (trans)formados e produção da feminilidade. Estud Fem 2016; 24(3):761-784.,3737 Santos ART. A experiência da hormonioterapia das transexuais em Maceió/AL. Latitude 2013; 7(1):129-147.. Do mesmo modo, o uso do SLI valoriza o corpo das TrMT, contribuindo para a “passabilidade” como mulher. Ter um corpo mais próximo ao corpo feminino possibilita receber mais no trabalho sexual, ser mais atraente para os homens e ter uma maior aceitabilidade social4545 Pollock L, Silva-santisteban A, Sevelius J, Salazar X. 'You should build yourself up as a whole product': transgender female identity in Lima, Peru. Glob Public Health 2016; 11(7-8):981-993..

A associação da utilização de hormônio entre aquelas TrMT que se “sentem confortáveis com o pênis” e têm “prazer com o pênis” se mostrou menor, o que pode ser explicado pela diminuição da libido e a disfunção erétil em consequência da hormonização1212 Deutsch MB. Guidelines for the Primary and Gender-Affirming Care of Transgender and Gender Nonbinary People. San Francisco: UCSF Gender Affirming Health Program; 2016.,1818 Unger CA. Hormone therapy for transgender patients. Transl Androl Urol 2016; 5(6):877-884.,3838 Corman V, Legros J. Le traitement hormonal des patients transsexuels et ses conséquences métaboliques. Ann d'Endocrinologie 2018; 68(2007):258-264.,4242 Hembree WC, Cohen-Kettenis P, Delemarre-van de Waal HA, Gooren LJ, Meyer WJ 3rd, Spack NP, Tangpricha V, Montori VM; Endocrine Society. Endocrine treatment of transsexual persons: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab 2009; 94(9):3132-3154.,4646 Deutsch MB, Bhakri V, Kubicek K. Effects of cross-sex hormone treatment on transgender women and men. HHS Public Access 2016; 125(3):605-610..

As TrMT com sorologia positiva para o HIV tiveram chance maior de uso de hormônios. Estudo RDS com uma amostra de 250 mulheres transexuais em duas províncias na China relacionou a infecção por HIV ao não uso de hormônios, diferentemente de nosso estudo. A explicação proposta pelos autores foi: as mulheres transexuais que não desejavam os efeitos feminizadores dos hormônios ou não podiam pagar por ele eram vistas como transgressoras das normas de gênero pelas comunidades trans e cisgênero, tornando-se mais vulneráveis, e portanto com maior risco, à infecção por HIV. Outro ponto tratado no estudo é que as mulheres trans que praticam mais sexo não fazem uso de hormônios para não terem a libido diminuída, o que aumenta o risco de infecções sexualmente transmissíveis4747 Yan H, Xiao W, Chen Y, Chen Y, Lin J, Yan Z, Wilson E, McFarland W. High HIV prevalence and associated risk factors among transgender women in China: a cross-sectional survey. J Int AIDS Soc 2019; 22(11):e25417..

A forma de uso, o tipo e a quantidade de hormônios podem trazer sérios riscos à saúde das TrMT, segundo os protocolos do Center of Excellence for Transgender Health, da Universidade da Califórnia em São Francisco1212 Deutsch MB. Guidelines for the Primary and Gender-Affirming Care of Transgender and Gender Nonbinary People. San Francisco: UCSF Gender Affirming Health Program; 2016.. A utilização de hormônios conjugados, à base da urina de equinos, não é recomendado no processo de hormonização, pois tal substância (etinilestradiol) aumenta a possibilidade de trombogenicidade e de riscos cardiovasculares1818 Unger CA. Hormone therapy for transgender patients. Transl Androl Urol 2016; 5(6):877-884.. Tanto o Center of Excellence for Transgender Health quanto a Société Française d’Etudes et de Prise em Charge de la Transidentité4848 Société Française d'Etudes et de prise en Charge de la Transidentité (SoFECT) [Internet]. SoFECT; 2020. [cited 2018 Nov 21]. Available from: http://www.sofect.fr/
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defendem que os hormônios “bioidênticos” - 17-beta estradiol (hormônio quimicamente idêntico ao produzido pelo ovário humano) - devem ser os mais comumente empregados no processo de feminização de TrMT. Esses podem atingir a corrente sanguínea por meio transdérmico (em forma de adesivos), comprimido oral ou sublingual ou via injeção de um éster conjugado (valerato de estradiol ou cipionato de estradiol)1212 Deutsch MB. Guidelines for the Primary and Gender-Affirming Care of Transgender and Gender Nonbinary People. San Francisco: UCSF Gender Affirming Health Program; 2016.. Os géis ou sprays transdérmicos podem ser utilizados nesse processo. Diferentemente do que ocorre em mulheres cis, a junção da progesterona e do estradiol para tratamento de feminização pode ser aconselhado para TrMT.

Neste estudo, as várias formas farmacêuticas foram usadas de maneira combinada e com uso prolongado (Tabela 2) sem acompanhamento de profissional de saúde. Segundo Unger1818 Unger CA. Hormone therapy for transgender patients. Transl Androl Urol 2016; 5(6):877-884. e Deutsch1212 Deutsch MB. Guidelines for the Primary and Gender-Affirming Care of Transgender and Gender Nonbinary People. San Francisco: UCSF Gender Affirming Health Program; 2016., a hormonização em mulheres transexuais deve seguir doses com base na via de administração. Tais protocolos foram definidos considerando o uso de hormônios a longo prazo para essa população. Os tipos de hormônios e as formas de administração são importantes, e devem levar em consideração estado de saúde, hábitos de vida e faixa etária. Conforme os dados da Tabela 3, pode-se observar que as TrMT fizeram uso de hormônios de forma indiscriminada e, possivelmente, com concentrações não recomendadas pelos protocolos aqui visitados. A frequência de uso do perlutan encontrada nesta pesquisa foi mais elevada quando comparada aos outros hormônios, corroborando o dado de uso ilícito do perlutan por mulheres transgênero nos EUA3232 De Haan G, Santos GM, Arayasirikul S, Raymond HF. Non-prescribed hormone use and barriers to care for transgender women in San Francisco. LGBT Health 2015; 2(4):313-323..

Em pesquisa no site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária4949 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) [Internet]. Anvisa; 2020 [cited 2020 May 17]. Available from: http://portal.anvisa.gov.br/
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, é possível encontrar mais de 20 documentos publicados sobre o etinilestradiol, alguns deles sobre seus impactos na saúde de usuárias. A própria agência reguladora faz um alerta que qualquer hormônio deverá ser vendido em farmácias e com prescrições médicas. O uso não prescrito ou não supervisionado de altas doses hormonais de etinilestradiol, via oral, em TrMT tem sido associado à trombose venosa profunda e ao aumento da mortalidade cardiovascular3333 Maschião LF, Bastos FI, Wilson E, McFarland W, Turner C, Pestana T, Veras MA. Nonprescribed sex hormone use among trans women: the complex interplay of public policies, social context, and discrimination. Transgend Health 2020; 5(4):205-215.,3939 Gooren LJ, Wierckx K, Giltay EJ. Cardiovascular disease in transsexual persons treated with cross-sex hormones: reversal of the traditional sex difference in cardiovascular disease pattern. Eur J Endocrinol 2014; 170(6):809-819..

Limitações do estudo

O estudo RDS possui limitações, uma vez que as estimativas são representativas da rede social recrutada pelas participantes. Assim, nossas estimativas não podem ser extrapoladas para a população de TrMT da cidade de Salvador. Outro ponto a ser tratado é que a amostra, por ser pequena, diminuiu o poder de associação estatisticamente significativa a um valor de p de 5%. A população estudada é considerada oculta, o que determina dificuldade de acesso, mesmo tendo recrutadoras e pares com as mesmas características. Apesar das limitações, nosso estudo traz novas possibilidades para discutir políticas públicas voltadas à saúde de populações de TrMT e novos caminhos para pesquisas futuras.

Considerações finais

Em se tratando do uso de hormônios por TrMT no Brasil, evidencia-se um processo de automedicação e facilidade na aquisição desses produtos. É importante salientar a necessidade de mais acesso e maior resolutividade nos serviços públicos para atendimento da população de pessoas transgênero.

O direito de acesso às tecnologias hormonais se dá nas resoluções e portarias aqui referidas. Entretanto, ainda existe um engessamento para o uso de hormônios, pois a legislação determina que se atinja a maior idade para se iniciar o processo de hormonização do corpo. Nossa pesquisa evidenciou que a maior parte das TrMT que participou desse trabalho (67%) tinha entre 10 e 18 anos de idade quando fez uso de hormônios pela primeira vez, sendo que 22% se encontravam na faixa etária de 10 a 14 anos. Dessa maneira, acreditamos que novas ações a respeito da supressão ou retardo da puberdade são importantes para uma melhor forma de lidar com o processo das travestilidades e transexualidades, considerando que conflitos e tensões em relação ao gênero podem estar presentes na puberdade, período do aparecimento dos caracteres sexuais secundários.

É importante destacar aspectos da cidadania, dos direitos e da dignidade humana no processo de acolhimento e cuidado à saúde das pessoas trans, considerando suas necessidades de modificação corporal e o uso de hormônios para seu autorreconhecimento. É preciso questionar também a culpabilização das pessoas trans pelos processos de adoecimento e considerar o problema como uma questão de saúde pública e coletiva. Para tanto, sugerimos uma melhor capacitação dos(as) profissionais da atenção básica para o referenciamento desse público-alvo. Apesar das tentativas de avanços, no âmbito jurídico médico-legal ainda temos a patologização das dissidências de gênero, conforme ressalvado pela Resolução nº 2.265/2020 do Conselho Federal de Medicina, citada neste artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Fev 2022

Histórico

  • Recebido
    08 Jul 2020
  • Aceito
    09 Dez 2020
  • Publicado
    11 Dez 2020
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