National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine. Airport Roles in Reducing Transmission of Communicable Diseases. Washington, DC: The National Academies Press; 2019.

Maria Luíza Barreto Cazumbá Lucas Alexandre Marzano João Pedro Thimoteo Batista Claudia Cristina de Aguiar Pereira Carla Jorge Machado Sobre os autores
2019

Os impactos de viagens aéreas na evolução do surto de SARS-CoV-2 para uma pandemia são evidentes. Estima-se que 54,8% de todos os casos importados da doença tenham sido trazidos para o Brasil por viajantes infectados da Itália, 9,3% da China e 8,3% da França. Também é estimado que os 27,6% restantes tenham vindo, em sua maior parte, de Suíça, Coreia do Sul, Espanha, Alemanha e Estados Unidos sendo que a rota Itália-São Paulo abrangeu quase um quarto dos viajantes por via aérea infectados por SARS-CoV-211 Candido DS, Watts A, Abade L, Kraemer MUG, Pybus OG, Croda J, Oliveira W, Khan K, Sabino EC, Faria NR. Routes for COVID-19 importation in Brazil. J Travel Med 2020; 27(3):taaa042..

Planos para contingenciamento de viagens aéreas constituem um debate delicado. A ONU desaconselhou restrições de viagem, pois tal decisão interromperia uma gama de atividades importantes, como entrega de medicamentos e suprimentos de laboratório, além de darem uma falsa sensação de segurança aos países que adotassem essa prática22 Devi S. Travel restrictions hampering COVID-19 response. The Lancet 2020; 395 (10233):1331-1332. Assim, é importante ponderar o custo-benefício de medidas de restrição de viagens aéreas, considerando as especificidades de cada país.

A situação da pandemia de COVID-19 é diferente dos surtos anteriores de SARS que ocorreram na China em 2003, devido ao maior volume de viagens aéreas internacionais na atualidade33 Haider N, Yavlinsky A, Kock R. Passengers' destinations from China: low risk of Novel Coronavirus (2019-nCoV) transmission into Africa and South America. Epidemiol Infect 2020; 148:e41.. Em 2003, a transmissão foi relativamente baixa na África e na América do Sul. Com base no volume de tráfego aéreo atual, possíveis medidas para minimizar a rápida propagação da infecção, evitando o pico epidêmico, seriam: fechamento de algumas rotas, vigilância dos trabalhadores de saúde e estabelecimento de portais sanitários de entrada.

A pandemia de COVID-19, declarada como tal pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em março de 202044 World Health Organization (WHO). WHO announces COVID-19 outbreak a pandemic. 2020. [cited 2020 Ago 13]. Available from: http://www.euro.who.int/en/health-topics/health-emergencies/coronavirus-covid-19/news/news/2020/3/who-announces-covid-19-outbreak-a-pandemic
http://www.euro.who.int/en/health-topics...
, também tem influenciado a implementação de medidas de saúde em aeroportos. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)55 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Nota técnica nº 101/2020/SEI/GIMTV/GGPAF/DIRE5/ANVISA. Processo nº 25351.910780/2020-09 Atualiza as medidas sanitárias a serem adotadas em aeroportos e aeronaves, para enfrentamento ao novo coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19) [documento na Internet]. 2020. [acessado 2020 Ago 18]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/219201/4340788/Nota+T%C3%A9cnica+Aeroporto.pdf/a327c6c4-16d2-45be-98fb-344f51efacaf
http://portal.anvisa.gov.br/documents/21...
, em 19 de maio de 2021, atualizou o protocolo sanitário até então adotado pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) no país, instituindo medidas de saúde mais rígidas.

Nesse contexto, interessados em políticas públicas de saúde e profissionais da vigilância em saúde podem se beneficiar da leitura do e-book Airport Roles in Reducing Transmission of Communicable Diseases, publicado em 2019 pela The National Academies Press (NAP), portanto antes da pandemia de COVID-19, mas que contribui de maneira ampla para as discussões de saúde pública atuais. A obra sumariza pontos importantes levantados na conferência do Transportation Research Board (TRB), evento ocorrido em 2018 nos Estados Unidos, motivado por preocupações do Airport Cooperative Research Program Oversight Committee (AOC) advindas do surto de ebola na África entre 2014 e 2016 e suas possíveis implicações para o transporte aéreo.

O evento abordou quatro subtópicos: gerenciamento de riscos, partes interessadas, comunicações e infraestrutura. As discussões se concentraram nos papeis dos aeroportos em mitigar a transmissão de doenças contagiosas, enfocando novas estratégias e melhores práticas. Os anais da conferência foram submetidos à revisão por especialistas e compilados para a publicação do e-book.

Como explicitado nos parágrafos introdutórios, abordar um tema amplo, como o papel dos aeroportos na redução da transmissão de doenças contagiosas, é desafiador. Perpassa modos de transmissão de diferentes doenças, questões legais nacionais e internacionais e ações de enfrentamento.

A obra é dividida em prefácio, três capítulos subsequentes e três apêndices. Estes últimos compreendem o programa da conferência, palestrantes convidados e os demais presentes, além de fontes utilizadas nas apresentações.

O primeiro capítulo - “Challenge - airports and communicable disease transmission” - introduz o panorama da aviação civil estadunidense e mundial no contexto do enfrentamento de doenças transmissíveis. Expondo dados e fatos, o texto reforça que há muitos desafios na tentativa de prevenir a propagação de doenças transmissíveis em aeroportos, mas reafirma a capacidade das instituições nacionais em responder aos desafios.

O segundo capítulo - “Discussions - what we learned” - discute os quatro subtópicos principais identificados pelo comitê planejador. Capítulo destoante dos demais quanto ao tamanho, concentra praticamente todas as discussões do evento em dez páginas. Aborda uma temática comum das palestras do evento: implementação de medidas por aeroportos que podem mitigar a propagação de doenças transmissíveis. Quanto aos tópicos, especificamente, o primeiro, “Risk management”, enfatiza a importância do desenvolvimento dos chamados planos de resposta a doenças transmissíveis em três aspectos: desenvolvimento, testagem e revisão. Em relação aos planos de resposta, muitas discussões se espelharam no surto do vírus ebola (2014-2016)66 Centers for Disease Control and Prevention (CDC). History of Ebola Virus Disease [Internet]. [cited 2020 Ago 26]. Disponível em: https://www.cdc.gov/vhf/ebola/history/summaries.html
https://www.cdc.gov/vhf/ebola/history/su...
, para o qual os Centers for Disease Control (CDC) apresentaram resposta multifacetada, embasada na triagem de potenciais casos e limitação de voos para áreas de risco. É reforçado o papel das companhias aéreas na organização dos planos de resposta, paralelamente ao dos aeroportos. O segundo tópico, “Stakeholders”, expõe que organizações e indivíduos, contribuem para a redução da transmissão por ações individuais e coletivas que efetivam planos de resposta. Aborda, ainda, responsabilidades jurídicas e oportunidades para colaboração. Quanto ao tópico “Communications”, é subdividido em três itens: comunicação para os viajantes e público em geral, para trabalhadores dos aeroportos e para imprensa e redes sociais. Estratégias de comunicação são úteis no funcionamento interno e externo do aeroporto, auxiliando na contenção do pânico e da disseminação de notícias falsas, garantindo mensagem clara sobre riscos e medidas para a prevenção do contágio viral. Por fim, o tópico “Infrastructure” se dedica à infraestrutura dos aeroportos para atuar na contenção de doenças em meio à epidemia, pontuando locais específicos de triagem e locais para avaliação e isolamento de possíveis passageiros infectados, além de enfatizar a importância dos serviços de limpeza.

O terceiro e último capítulo - “Looking forward” - identifica pontos de interesse para futuras pesquisas que envolvem o papel dos aeroportos na redução de transmissão de doenças contagiosas. Os aspectos indicados serviriam como um guia com os principais acordos e conclusões formulados no evento. Apesar de serem pontos pertinentes, os tópicos elencados poderiam ser dispostos com maior organização e objetividade.

De maneira geral, o e-book cumpre o papel de transcrição da conferência de forma clara, explorando os quatro tópicos principais, direcionados a um público-alvo de especialistas da área. Os direcionamentos e métodos sugeridos para redução da transmissão, entretanto, podem ser entendidos claramente mesmo por não especialistas, tornando o texto bastante acessível em alguns pontos, sobretudo no tópico referente à comunicação.

Como limitações de caráter mais expositivo do que explicativo, a obra é pragmática e não se estende na explicação de termos epidemiológicos utilizados, como pandemia ou período de incubação. Além disso, o extenso uso de acrônimos ao longo do texto diminui a fluidez da leitura, tornando-se necessário retornar diversas vezes ao sumário inicial de acrônimos, principalmente para aqueles não familiarizados com os termos. Ainda assim, as discussões buscam fornecer embasamento científico para a elaboração de estratégias de enfrentamento que diminuam a transmissão de doenças contagiosas em aeroportos, um tema de grande notoriedade, principalmente no contexto atual. Apesar de algumas dificuldades que possam ser encontradas na leitura, a qualidade e utilidade do texto se sobressaem, o que o torna referência para o desenvolvimento de futuras medidas de saúde pública voltadas para aeroportos no Brasil e no mundo.

Finalmente, tendo em vista que muitos dos debates do evento tiveram como embasamento o surto de ebola de 2014-201666 Centers for Disease Control and Prevention (CDC). History of Ebola Virus Disease [Internet]. [cited 2020 Ago 26]. Disponível em: https://www.cdc.gov/vhf/ebola/history/summaries.html
https://www.cdc.gov/vhf/ebola/history/su...
, é possível relacioná-lo com a atual de pandemia de SARS-CoV-2 deflagrada em 202077 World Health Organization (WHO). WHO Timeline - Covid-19 [Internet]. 2020. [cited Ano Mês Dia]. Available from: https://www.who.int/news-room/detail/27-04-2020-who-timeline---covid-19.
https://www.who.int/news-room/detail/27-...
e reafirmar o quanto o tema continua contemporâneo. Eventos como o sumarizado pelo e-book, portanto, são de suma importância e tendem a ter cada vez mais ênfase em um mundo globalizado e conectado de maneira instantânea. Assim, é evidente a necessidade de que temáticas como esta do e-book sejam aprofundadas pelos vários países, bem como por consensos multilaterais, no contexto da SARS-CoV-2 ou de futuras epidemias ou pandemias.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Fev 2022
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