O impacto da gestão EBSERH na produção dos hospitais universitários do Brasil

The impact of EBSERH management on the production of Brazilian university hospitals

Eduardo Botti Abbade Sobre o autor

Resumo

Este estudo analisa a evolução de resultados relacionados à produção de hospitais universitários (HUs) pertencentes à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), enfatizando resultados alcançados antes e depois da adesão à EBSERH. Foram analisados dados mensais de 16 HUs, obtidos no Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS) e no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), referentes ao número de internações hospitalares, número de profissionais, número de leitos, tempo médio de permanência, taxa média de mortalidade, valor total aprovado de autorizações de internação hospitalar (AIHs) e valor médio da AIH. O estudo utiliza a análise simples de séries temporais interrompidas (STI) para analisar os efeitos da gestão EBSERH nos HUs, avaliando comparativamente o nível e a tendência dos resultados dos HUs antes e após a adesão à gestão da EBSERH. Os hospitais, de modo geral, apresentaram melhores resultados após a adesão à EBSERH, com redução de tempo médio de permanência, aumento do número total de internações, crescimento no efetivo de pessoal e aumento do valor total aprovado pelo SUS. Entre os HUs analisados, os que apresentaram destaque positivo no aprimoramento de performance foram o HU/UFS, HULW/UFPB, o HUOL/UFRN e o HU/UFMA.

Key words:
University hospitals; Hospital administration; Unified Health System; Public health; Health management

Abstract

This study analyzes the evolution of results related to the production of university hospitals (HUs) in Brazil belonging to the Brazilian Hospital Services Company (EBSERH), emphasizing results achieved before and after joining EBSERH. Monthly data of 16 HUs, obtained from the Hospital Information System (SIH/SUS) and from the National Registry of Health Facilities (CNES), were analyzed, referring to the number of hospital admissions, number of professionals, number of beds, average length of stay, average mortality rate, total approved value of Hospitalization Authorizations (AIHs) and average AIH value. The study uses the simple analysis of interrupted time series (ITS) to analyze the effects of EBSERH management on HUs, assessing the level and trend of HU results before and after joining the EBSERH management. Hospitals, in general, had better results after joining the EBSERH, with a reduction in the average length of stay, an increase in the total number of hospitalizations, increase in work force, and an increase in the total amount approved by SUS. Among the analyzed HUs, the ones that showed the greatest performance improvement were HU/UFS, HULW/UFPB, HUOL/UFRN and HU/UFMA.

Key words:
University hospitals; Hospital administration; Unified Health System; Public health; Health management

Introdução

A natureza da organização de saúde e instituições hospitalares é caracterizada pela alta complexidade, uma vez que envolve uma vasta gama de serviços de apoio à assistência em saúde propriamente dita, além de uma diversidade grande de recursos e especialidades profissionais. Para administrar tais recursos com eficiência, é necessária uma gestão capaz de coordenar pessoas, recursos financeiros, tecnológicos e processos administrativos e técnicos necessários para uma gestão qualificada11 Barbosa PR, Gadelha CAG. O papel dos hospitais na dinâmica de inovação em saúde. Rev Saude Publica 2012 46(Supl. 1):68-75.

2 Gonçalves EL. Gestão hospitalar: administrando o hospital moderno. São Paulo: Saraiva; 2006.
-33 Vendemiatti M, Siqueira ES, Filardi F, Binotto E, Simioni FJ. Conflito na gestão hospitalar: o papel da liderança. Cien Saude Colet 2010; 15(Supl. 1):1301-1314.. A profissionalização da gestão estratégica de hospitais frente ao novo contexto de prestação de serviços de saúde é uma demanda necessária44 Ginter PM, Duncan WJ, Swayne LE. Strategic management of health care organizations. New Jersey: John Wiley & Sons; 2018.. É importante conceber que a promoção de uma gestão eficiente em organizações de saúde deve considerar a importância d recursos e capacidades, sendo essencial que hospitais alavanquem seus recursos internos de modo a promover a execução efetiva de iniciativas estratégicas55 Arbab Kash B, Spaulding A, D. Gamm L, E. Johnson C. Healthcare strategic management and the resource based view. J Strategy Manag 2014;7(3):251-264.. Além disso, os desafios inerentes à efetiva implementação da lógica essencial do Sistema Único de Saúde (SUS) permeiam as responsabilidades dos gestores nas esferas federal, estadual e municipal. Além disso, é imprescindível a observância e o cumprimento dos princípios e diretrizes do SUS, bem como exigir que todos os trabalhadores da rede assistencial pública de saúde também os cumpram, de modo a garantir a efetivação do SUS 66 Fenili R, Correa CEG, Barbosa L. Planejamento estratégico em saúde: ferramenta de gestão para o complexo de regulação em saúde. Rev Eletronica Gest e Saude 2017; 8(1):18-36.,77 Kleba ME, Maroso Krauser I, Vendruscolo C. O planejamento estratégico situacional no ensino da gestão em saúde da família. Texto Contexto Enferm 2011; 20(1):184-193..

A gestão dos hospitais universitários (HUs) públicos no Brasil encara desafios de elevada complexidade, que requerem iniciativas pontuais em termos de modernização na gestão estratégica e operacional em saúde. Embora inúmeras ações tenham sido desenvolvidas a partir de meados dos anos 2000, como a formação de comissão interinstitucional em 2003, por meio da Portaria Interministerial MS/MEC/MCT/MPOG nº 562/2003, composta por representantes do governo (ministérios) e da sociedade civil organizada (associações) com o propósito de debater amplamente os problemas que os HUs enfrentavam, a definição desses hospitais como unidades orçamentárias em 2008 (Portaria MPOG nº 04/2008) e a criação do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF), pelo Decreto nº 7.082, em 2010, os HUs ainda enfrentam problemas de ordem estrutural, financeira e de gestão que requerem iniciativas melhor delineadas e articuladas.

Em 2011, por meio da Lei nº 12.550, foi criada a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) - empresa pública de direito privado vinculada ao Ministério da Educação (MEC) - com a finalidade principal de gerenciar os HUs e apoiar as universidades federais no que se refere à gestão de seus hospitais universitários. A EBSERH passa a ser o órgão do MEC responsável pela gestão do REHUF. A rede de HUs do Brasil hoje é formada por 50 hospitais vinculados a 35 universidades federais, sendo que 40 deles, vinculados à 32 universidades federais, possuem contrato com a gestão EBSERH88 Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). [Internet]. 2018. [acessado 2018 Out 10]. Disponível em: http://www.ebserh.gov.br/
http://www.ebserh.gov.br...
.

Sob o argumento da ineficiência da gestão pública e os altos custos dos hospitais universitários federais, a iniciativa da formação da EBSERH foi apontada pelo governo como “única” solução, e ganhou força e adesão junto às universidades federais99 Sodré F, Littike D, Drago LMB, Perim MCM. Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares: um novo modelo de gestão? Serviço Soc Soc 2013; 114:365-380.. No entanto, é necessário atentar para o fato de que, no campo da saúde coletiva e da saúde pública brasileiras, a adoção de modelos de gestão aprimorados e comprovadamente mais eficientes é importante, mas devido à complexidade das organizações de saúde e da gestão em saúde pública, não é possível atribuir o sucesso das organizações de saúde apenas ao modelo de gestão adotado. Em razão do contexto em que tais organizações operam, com notórios problemas de subfinanciamento crônico, obsolescência tecnológica e sucateamento da infraestrutura, apenas a adoção de modelos de gestão mais eficientes pode não ser suficiente para gerar aumentos expressivos no desempenho de tais organizações1010 Lobo MSC, Silva ACM, Lins MPE, Fiszman R. Impacto da reforma de financiamento de hospitais de ensino no Brasil. Rev Saude Publica 2009; 43(3):437-445.. De fato, estudos remetem para a longa crise enfrentada pelos HUs ao longo dos anos, com problemas de financiamento adequado e de opção política de não investimento na força de trabalho concursada1111 Mendes A, Carnut L. Capitalismo contemporâneo em crise e sua forma política: o subfinanciamento e o gerencialismo na saúde pública brasileira. Saude e Soc 2018; 27:1105-1119.,1212 Ocké-Reis CO. Os problemas de gestão do SUS decorrem também da crise crônica de financiamento? Trab Educ e Saude 2008; 6(3):613-622..

Alguns poucos estudos recentes se dedicaram a analisar iniciativas relacionadas à gestão EBSERH, como as pesquisas que descreveram a concepção e a constituição da EBSERH1313 Gomes RMS. A criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH): um estudo de caso. Cad Ibero-Am Direito Sanitário 2016; 5(Supl. 1):26-38., a implementação de sistema de custeio mais eficiente1414 Oliveira DF. A implantação de um sistema de gestão de custos no hospital universitário pela EBSERH: um estudo de caso com utilização do PMBOK. RAHIS 2016; 13(3)., além de estudos que analisam a iniciativa do governo sob um olhar crítico1515 Andreazzi M de FS de. Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares: inconsistências à luz da reforma do Estado. Rev Bras Educ Med 2013; 37(2):275-284.

16 Borges JCP, Barcelos M, Rodrigues MS. Empresarização da saúde pública: o caso da EBSERH. Rev Pensamento Contemp Em Adm 2018; 12(4):75-90.
-1717 Littike D, Sodré F. The art of improvisation: the working process of administrators at a Federal University Hospital. Cien Saude Colet 2015; 20(10):3051-3062.. No entanto, nenhuma pesquisa encontrada se dedicou a analisar as melhorias para as instituições de saúde e a sociedade brasileira obtidas a partir da implementação e consolidação da gestão da EBSERH nos HUs. Este estudo traz evidências de que, de modo geral, os HUs apresentaram significativa melhora nos indicadores de produção hospitalar.

Dada a atual situação dos hospitais públicos universitários do Brasil, e dada a temática de urgência acerca na necessidade de se promover maior eficiência na gestão da saúde pública no país, este estudo teve como objetivo analisar a evolução de indicadores organizacionais e de performance de hospitais que aderiram à rede EBSERH. Com isso, o presente artigo se propõe a apresentar evidências da possível melhoria em termos de gestão e performance dos HUs, conforme os preceitos e objetivos da política pública que criou a EBSERH.

Método

O presente estudo analisa indicadores organizacionais e de produção hospitalar de 16 HUs vinculados à gestão EBSERH, selecionados de acordo com critérios apresentados na Figura 1. Destaca-se que foram priorizados HUs com adesão anterior a 31 de dezembro de 2013, de modo a permitir uma análise consistente dos indicadores observados para os períodos antes e depois da adesão à EBSERH.

Figura 1
Processo de seleção dos HUs do estudo.

A investigação procedeu à análise da evolução de dados hospitalares mensais relativos às seguintes variáveis: (1) N_INT = número de internações hospitalares; (2) N_PROF = número de profissionais (único CPF); (3) T_PERM = tempo médio de permanência das internações hospitalares (em dias); (4) TX_OB = taxa média de óbito nas internações hospitalares (em %); (5) VAL_TOT = valor total aprovado das autorizações de internação hospitalar (AIHs) (em R$); e (6) VAL_MED = valor médio aprovado nas AIHs (em R$). A variável “N_INT” representa a quantidade de AIHs aprovadas no período, desconsiderando as prorrogações (longa permanência), sendo desconsideradas as AIH rejeitadas. A variável “N_PROF” representa o número total de profissionais cadastrados nos estabelecimentos de saúde pesquisados (CNES), salientando-se que o uso do CPF único permite identificar o real número de profissionais atuantes, já que alguns profissionais podem desempenhar mais de uma função ou cargo. A variável “T_PERM” indica a média de permanência (em dias) das internações referentes às AIHs aprovadas. A variável “TX_OB” representa a razão entre a quantidade de óbitos e o número de AIHs aprovadas. A variável “VAL_TOT” indica o valor monetário total de AIHs (em R$) aprovadas no período. E a variável “VAL_MED” representa o valor monetário médio (em R$), obtido da divisão entre o “VAL_TOT” e a quantidade de AIHs aprovadas no período.

Foram obtidos dados mensais referentes às variáveis do estudo para o período de janeiro de 2008 a dezembro de 2018, considerando a data de internação do paciente na unidade hospitalar. Foi realizada a análise simples de séries temporais interrompidas (ITS - interrupted time series), abordagem analítica quase experimental que objetiva avaliar o efeito longitudinal de uma intervenção. Determinada série temporal, que representa observações repetidas de um evento específico coletado ao longo do tempo, é dividida em segmentos, onde o primeiro deles compreende as taxas do evento antes da intervenção, e o segundo as taxas após a intervenção. Com isso, são estimadas estatisticamente as mudanças de nível e inclinação no período pós-intervenção em comparação com o período pré-intervenção. Assim, neste tipo de análise, é estabelecida a tendência subjacente da série temporal, que sofre uma intervenção em dado momento. Dessa forma, compara-se a tendência estimada considerando o cenário hipotético de a intervenção não ter sido realizada (contrafactual) com a tendência dos dados reais em que a intervenção foi implementada1818 Penfold RB, Zhang F. Use of interrupted time series analysis in evaluating health care quality improvements. Acad Pediatr 2013; 13(6):S38-S44.

19 Zhang F, Wagner AK, Ross-Degnan D. Simulation-based power calculation for designing interrupted time series analyses of health policy interventions. J Clin Epidemiol 2011; 64(11):1252-1261.
-2020 Bernal JL, Cummins S, Gasparrini A. Interrupted time series regression for the evaluation of public health interventions: a tutorial. Int J Epidemiol 2017; 46(1):348-355..

Para os fins deste estudo, considerou-se que a intervenção (adesão à EBSERH) ocorreu em janeiro de 2014, uma vez que todos os 16 HUs tiveram seus contratos de adesão assinados no decorrer de 2013. Logo, optou-se por padronizar o momento da intervenção para todos os 16 HUs no início do ano subsequente à assinatura do contrato de adesão. Usualmente, estudos que adotam a análise de séries temporais interrompidas utilizam também a análise ARIMA. No entanto, considerando que o objetivo desta pesquisa não é apresentar um modelo de previsão, mas identificar o possível impacto da adesão à gestão EBSERH nos indicadores analisados, optou-se por adotar o mesmo procedimento de estimação com os mesmos parâmetros para todas as séries temporais analisadas, ou seja, a série conjunta de todos os 16 HUs e as séries individualizadas.

Para operacionalizar a análise de séries temporais interrompidas, utilizou-se as seguintes variáveis: (1) período; (2) intervenção; e (3) interação. O “período” se refere à variável numérica correspondente ao período temporal da observação (mês/ano), indo de 1 (janeiro de 2008) até 132 (dezembro de 2018). A “intervenção” é uma variável dummy, à qual foi atribuído o valor “0” para todos os períodos considerados como anteriores à adesão à gestão da EBSERH (janeiro de 2008 a dezembro de 2013), e o valor “1” para todos os períodos considerados como posteriores à adesão à gestão da EBSERH (janeiro de 2014 a dezembro de 2018). Por fim, para a variável “interação” são atribuídos valores iguais a “0” para todos os períodos anteriores à intervenção, e os mesmos valores da variável “período” para os períodos pós-intervenção. Com isso, procedeu-se à análise das séries temporais pelo método dos mínimos quadrados ordinais para estimar os valores desses três parâmetros e da constante do modelo, conforme demonstrado na equação a seguir [Eq. 1].

Y=constante+βperíodoxPeríodo+βintervençãoxIntervenção+βinteraçãoxInteração

A constante representa o valor em que a reta estimada (considerando o período pré-intervenção) corta o eixo Y. O coeficiente β período indica a inclinação da reta de regressão pré-intervenção. O coeficiente β intervenção representa a diferença entre a constante e o valor em que a reta estimada para o período pós-intervenção corta o eixo Y. Por fim, o valor de β interação representa a mudança na inclinação das retas pré-intervenção e pós-intervenção. Este estudo dedica atenção maior aos valores estimados de β interação , uma vez que tal valor representa a mudança (e sua significância) da tendência pré-intervenção e pós-intervenção, sendo o parâmetro utilizado para avaliar a potencial melhoria obtida nos indicadores analisados após a adesão dos HUs à gestão da EBSERH.

Foram elaborados gráficos para as séries temporais interrompidas gerais dos 16 HUs, com a inclusão da projeção linear, as estimativas dos parâmetros da equação de regressão, o coeficiente de determinação ajustado para a equação de regressão linear (R2 ajustado) e a estatística Durbin-Watson (DW) utilizada para testar a presença de autocorrelação nos resíduos de um modelo de regressão. Para a interpretação da estatística DW, procedeu-se à identificação dos valores críticos ao nível de confiança de 95%, sendo dL = 1,55 e dU = 1,62. Com isso, o estudo adotou as seguintes regras para a interpretação do DW: (1) se 0 ≤ DW < 1,55, rejeita-se a hipótese H0 (dependência); (2) se 1,55 ≤ DW ≤ 1,62, o teste é inconclusivo; (3) se 1,62 < DW < 2,38, não se rejeita a H0 (independência); (4) se 2,38 ≤ DW ≤ 2,45, o teste é inconclusivo; e (5) se 2,45 < DW ≤ 4, rejeita-se a hipótese H0 (dependência). Convém salientar que a H0 postula que os erros não são auto correlacionados2121 Seward LE, Doane DP. Estatística aplicada à administração e economia. Porto Alegre: AMGH Editora; 2014.,2222 Brena DA, Silva JNM, Scnheider PR. Metodologia para verificação das condicionantes da análise de regressão. Floresta 1978; 9(2)..

Também foram estimados os parâmetros das séries temporais interrompidas individualmente para os 16 HUs do estudo, juntamente com seus R2 ajustados e estatísticas DW, de forma a efetuar uma análise comparativa das duas etapas para cada um dos hospitais analisados em relação às variáveis do estudo. Como mencionado, embora os HUs tenham assinado seus contratos de adesão em momentos específicos ao longo de 2013, considerou-se para todos eles que a intervenção ocorreu em janeiro de 2014, de modo a facilitar a condução do estudo. Os dados foram analisados com o auxílio do software aberto GRETL 1.9.7. Cabe destacar que a base de dados deste estudo está armazenada no repositório Mendeley Data, sob o título “Dataset - Dados de Hospitais Universitários EBSERH (jan.2008 - dez.2018)” e são de acesso público2323 Abbade E. Dataset - Dados de Hospitais Universitários EBSERH (jan.2008 - dez.2018). Mendeley Data [Internet]. Mendeley 2021. [acessado 2021 Jan 27]. Disponível em: https://data.mendeley.com/datasets/8w4c24p54w/1
https://data.mendeley.com/datasets/8w4c2...
.

Pesquisas de cunho avaliativo que envolvem a comparação do desempenho de diversos hospitais requerem ajustes e padronização de dados. Como não é esse o escopo do presente estudo, não se realizou tais ajustamentos. No entanto, cabe salientar que investigações adicionais, em maior nível de detalhamento e que venham a comparar os casos estudados, neste caso os HUs, exigiriam esses ajustes.

Resultados

Esta seção começa pela apresentação dos resultados gerais obtidos considerando todos os 16 HUs analisados. A Figura 2 apresenta análise da evolução da: (a) média de permanência; (b) média da taxa de óbitos; e (c) número total de internações dos 16 hospitais selecionados.

Figura 2
Análise de séries temporais interrompidas de [a] média geral mensal de permanência hospitalar (em dias), [b] média da taxa de óbitos (%) e [c] número total de internações (AIHs) dos 16 HUs.

Os resultados mostram que, tanto antes quanto após a adesão à EBSERH, a média de permanência hospitalar (em dias) para todos os 16 HUs apresenta tendência de redução, sendo essa mais acentuada no período posterior à adesão à EBSERH (Figura 2[a]). Antes da adesão, a tendência linear de redução da permanência hospitalar (β período) era de -0,008 dias por mês, e após a adesão a tendência sofreu uma redução significativa (β interação ) de -0,009, passando então para -0,017 dias por mês. A regressão apresenta um coeficiente de determinação elevado e significativo (R2 = 73,71%), e a estatística DW de 1,68 sugere a ausência de autocorrelação nos resíduos.

A média da taxa de óbitos para os 16 HUs apresenta tendência de redução antes e após a adesão à EBSERH, o que pode ser positivo e refletir um melhor desempenho em termos de desfecho. No entanto, a redução é mais acentuada no período que antecede a adesão à EBSERH (Figura 2[b]). Antes da adesão, a tendência linear de redução da média de taxa de óbitos (β período) era de -0,0148% ao mês, e após a adesão a tendência sofreu um ajuste positivo e significativo (β interação ) de 0,0065%, passando para -0,0083% ao mês. A regressão apresenta um coeficiente de determinação elevado e significativo (R2 = 61,98%), e a estatística DW de 1,26 sugere a presença de autocorrelação nos resíduos.

Os resultados também revelaram que, antes da adesão à EBSERH, o total de internações hospitalares mensais registrados nos 16 HUs analisados apresentava leve tendência de redução, e após a adesão o indicador apresentou tendência acentuada e significativa de aumento (Figura 2[c]), o que sugere um potencial incremento na produção dos HUs. Antes da adesão, a tendência linear para o número total mensal das internações hospitalares dos HUs analisados (β período ) era de -6,5553 internações por mês, e após a adesão à EBSERH essa tendência sofreu um aumento significativo (β interação ) de 71,825, passando então para um aumento médio mensal de 65,27 internações a mais por mês. A regressão apresenta um coeficiente de determinação elevado e significativo (R2 = 55,69%), e a estatística DW de 1,75 sugere a ausência de autocorrelação nos resíduos.

Seguindo com a análise, a Figura 3 apresenta a evolução do: (a) número de profissionais; (b) valor total das internações; e (c) valor médio das internações dos 16 HUs.

Figura 3
Análise de séries temporais interrompidas de [a] número total de profissionais (CPF único), [b] valor médio das internações (em R$) e [c] valor total das internações (milhões de R$) dos 16 HUs.

Os resultados apresentados na Figura 3 evidenciam que, embora o número de profissionais estivesse apresentando crescimento antes da adesão à EBSERH, após a adesão verificou-se um aumento expressivo, e com tendência crescente, no número de profissionais atuando em tais instituições (Figura 3[a]). Antes da adesão, a tendência linear no número de profissionais atuando nos 16 HUs analisados (β período) era de, em média, 42,741 profissionais a mais por mês, e após a adesão a tendência sofreu um aumento significativo (β interação ) de 118,115, passando para cerca de 160,85 profissionais a mais por mês em média atuando nos HUs analisados. Tal constatação reflete os resultados de novos concursos e contratações de profissionais promovidas no período de transição pós-assinatura do contrato de gestão com a EBSERH. Tal resultado é altamente positivo para os HUs, tendo em vista o aumento significativo de profissionais atuantes na rede pública de saúde. A regressão apresenta um coeficiente de determinação elevado e significativo (R2 = 98,96%), e a estatística DW de 0,28 que sugere a presença de autocorrelação nos resíduos.

O valor médio mensal das AIHs aprovadas para os 16 HUs apresenta tendência de crescimento acentuado antes da adesão à EBSERH, e após a adesão essa tendência se apresentou estável (Figura 3[b]). Antes da adesão, a tendência linear de crescimento do valor médio das AIHs aprovadas (β período) era de R$ 8,51 a mais por mês, após a adesão a tendência sofreu um ajuste significativo (β interação ) de R$ -7,977, passando para R$ 0,533 a mais por mês. Encarando o valor médio da AIH como uma métrica que indica o custo médio da internação em termos de procedimentos realizados, é razoável sugerir que no período de gestão da EBSERH o custo médio da internação hospitalar em termos de procedimentos realizados e aprovados pelo SUS apresentou estabilização. No entanto, tal estabilização também pode ser reflexo de causas externas, como uma atuação mais criteriosa e eficiente dos órgãos da administração pública (ex.: ministério e secretarias de Saúdeaúde estaduais e municipais) ou ausência de reajuste nos valores dos procedimentos hospitalares repassados pelo SUS. A regressão apresenta um coeficiente de determinação elevado e significativo (R2 = 84,53%), e a estatística DW de 1,24 sugere a presença de autocorrelação nos resíduos.

Os resultados também revelam que o valor total das AIHs aprovadas nos 16 HUs apresenta tendência de crescimento tanto antes quanto após a adesão à EBSERH (Figura 3[c]), o que sugere um potencial crescimento nos valores repassados aos HUs de acordo com seus níveis de produtividade. Tal resultado mostra aumento considerável na performance dos hospitais, sugerindo que os HUs estão apresentando maior faturamento por meio do aumento das aprovações das AIHs, representando potencial melhora em termos de alcance das metas dos contratos de gestão firmados com a administração pública, o que gera uma melhor condição financeira para os hospitais. Antes da adesão, a tendência linear para o valor total das AIHs aprovadas nos HUs analisados (β período) era de R$ 90.792,90 a mais por mês, após a adesão à EBSERH essa tendência sofreu uma alteração positiva e significativa (β interação ) de R$ 36.754,30, passando para um aumento médio mensal de R$ 127.547,20. A regressão apresenta um coeficiente de determinação elevado e significativo (R2 = 83,09%), e a estatística DW de 1,84 sugere a ausência de autocorrelação nos resíduos.

Na Tabela 1 são apresentados os resultados das análises de series temporais interrompidas individualizadas para os 16 HUs estudados em relação a permanência média hospitalar, taxa de óbitos e quantidade de internações mensais.

Tabela 1
Análise de séries temporais interrompidas para permanência média hospitalar, taxa média de mortalidade e número de internações mensais dos 16 HUs.

Alguns HUs apresentaram melhorias mais significativas, enquanto outros apresentaram eventual piora em alguns dos indicadores de performance considerados e apresentados na Tabela 1. Os resultados do valor do β interação , que estima a diferença de tendência entre os períodos anterior e posterior à adesão à EBSERH, sugerem que o HUPES/UFBA, o HC/UFTM, o HU/UFS, o HUGV/UFAM, o HUJM/UFMT, o HULW/UFPB e o HUOL/UFRN foram os que apresentaram alteração de redução mais acentuada e significativa no tempo médio de permanência em suas internações hospitalares.

Os resultados também sugerem que o HUJM/UFMT, o HULW/UFPB e o HU/UFS apresentaram alteração significativa de redução na tendência da taxa média de óbitos após a adesão à EBSERH. Além disso, todos os HUs, à exceção do HUGD/UFGD, do HUGV/UFAM, do HUJM/UFMT e do HUOL/UFRN, apresentaram alteração significativa de aumento na tendência do número de internações mensais após a adesão à EBSERH, com destaque maior para o UFSM/HUSM e o HU/UFMA, que apresentavam tendência significativa de queda na quantidade de internações antes da adesão EBSERH e após a adesão passaram a apresentar tendência crescente.

A Tabela 2 apresenta os resultados das análises de séries temporais interrompidas individualizadas para os 16 HUs estudados em relação a número de profissionais, valor médio mensal das AIHs e valor total mensal das AIHs.

Tabela 2
Análise de séries temporais interrompidas para número de profissionais, valor médio da AIH e valor total de AIHs dos 16 HUs.

Considerando o quantitativo de profissionais, os resultados evidenciam que todos os HUs, com exceção do HC/UFMG e do HUJM/UFMT, apresentaram alteração significativa de aumento na tendência do número de profissionais cadastrados a cada mês nos HUs após a adesão à EBSERH, com destaque para o HC/UFPE, que apresentou variação na tendência de 17,036, passando a exibir tendência de aumento de cerca de 17,5 profissionais a mais por mês.

Considerando o valor médio das AIHs aprovadas nos HUs, os resultados do estudo sugerem que alguns deles apresentaram significativa alteração de redução na tendência de tal valor após a adesão à gestão da EBSERH, como o UFSM/HUSM, o HUWC, o HUJM/UFMT, o HUOL/UFRN e o HC/UFMG. De fato, os quatro primeiros mudaram de uma tendência de crescimento do valor médio das AIHs aprovadas antes da adesão à EBSERH para uma tendência de decréscimo no período após a adesão, uma vez que o valor absoluto do valor negativo do βinteração é superior ao valor absoluto do valor positivo do βperíodo observado nesses HUs. Cabe também destacar que alguns poucos HUs apresentaram reforço na tendência positiva de aumento no valor médio das AIHs aprovadas após a adesão à gestão da EBSERH, como o HUB, o HUPES/UFBA e o HUCAM/UFES.

Por fim, a Tabela 2 ainda apresenta os resultados da análise de séries temporais interrompidas para o valor total das AIHs aprovadas nos HUs analisados, que está diretamente associado ao número de AIHs aprovadas e do valor aprovado para as mesmas, representando o montante financeiro eventualmente repassado aos HUs. Os resultados sugerem que dez dos hospitais apresentaram alteração significativa de aumento no valor total de AIHs aprovadas após a adesão à gestão da EBSERH, quatro tiveram alteração significativa de diminuição no valor total de AIHs aprovadas após a adesão e dois não apresentaram alteração significativa.

Tais resultados sugerem um aumento significativo no valor total aprovado referente às AIHs nos HUs após a adesão à gestão da EBSERH. Destaque para o HU/UFMA, que passou de uma tendência significativa de redução média de R$ 5.968,00 ao mês no período antes da adesão para uma tendência significativa de aumento médio de R$ 8.618,00 ao mês no período após a adesão. Em contrapartida, o HUWC e o HUJM/UFMT passaram de uma tendência significativa de aumento médio de R$ 21.931,50 e R$ 2.822,10 ao mês, respectivamente, no período antes da adesão à gestão da EBSERH para uma tendência significativa de redução média de R$ 2.771,10 e R$ 1.100,24 ao mês, respectivamente, no período após a adesão.

Discussão

Promover uma gestão eficiente e efetiva da saúde pública brasileira é necessário, uma vez que nossos hospitais são considerados pouco eficientes2424 La Forgia GM, Couttolenc BF. Desempenho hospitalar no Brasil. São Paulo: Singular; 2009.. Embora o Brasil seja um dos poucos países do mundo a ter um sistema único de saúde implementado, a gestão na saúde pública no país apresenta deficiências graves e necessita de atenção por parte dos gestores, com ênfase em modelos de gestão mais eficientes e com foco em resultados objetivos. A fim de sanar as ineficiências da gestão pública oriundas de um modelo de gestão defasado e ineficiente, uma nova abordagem de gestão da esfera pública fortemente calcada em princípios de mercado e com lógica empresarial tem ganhado força, sendo denominada de Nova Administração Pública2525 Andion C. Por uma nova interpretação das mudanças de paradigma na administração pública. Cad EBAPEBR 2012; 10(1):1-19.. Uma gestão orientada por resultados, com forte ênfase em uma abordagem empresarial e mercadológica tem se estabelecido no sistema de saúde brasileiro com o propósito de torná-lo mais eficiente e efetivo, com ações pontuais como a contratualização com a administração pública por meio de instrumentos contratuais de gestão que estabelecem metas objetivas de desempenho2626 Carnut L, Narvai PC. Avaliação de desempenho de sistemas de saúde e gerencialismo na gestão pública brasileira. Saude e Soc 2016; 25:290-305..

A proposta de gestão apresentada pela EBSERH para os HUs é encarada como um novo modelo de gestão, centrado fortemente em uma postura gerencial1616 Borges JCP, Barcelos M, Rodrigues MS. Empresarização da saúde pública: o caso da EBSERH. Rev Pensamento Contemp Em Adm 2018; 12(4):75-90.,1717 Littike D, Sodré F. The art of improvisation: the working process of administrators at a Federal University Hospital. Cien Saude Colet 2015; 20(10):3051-3062.. Os resultados deste estudo apontam que o modelo de gestão proposto e implementado pela EBSERH nos HUs analisados gerou melhorias de performance. Entretanto, é necessário realçar que tais ganhos foram mais acentuados em alguns hospitais do que em outros, notadamente naqueles localizados na Região Nordeste do país, possivelmente devido ao seu maior nível de insuficiência de recursos físicos, financeiros e de infraestrutura organizacional. De fato, estudo anterior evidenciou que, após ingressar na rede EBSERH, o Hospital Universitário de Sergipe (HU/UFS) apresentou melhorias de desempenho no que diz respeito à reformulação da divisão de gestão de pessoas e ao aumento de pessoal e à implantação de novos equipamentos na área de tecnologia da informação (TI)2727 Santos NP. Vantagens e desvantagens do modelo organizacional proposto pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH [monografia]. São Cristovão: Universidade Federal de Sergipe; 2017..

As organizações de saúde constantemente buscam iniciativas estratégicas com potencial de gerar melhores resultados com uso mais eficiente de recursos (financeiros, pessoal e imobilizados), aumentando a eficiência operacional e estratégica e orientando suas ações pelo uso da informação2828 Foshay N, Kuziemsky C. Towards an implementation framework for business intelligence in healthcare. Int J Inf Manag 2014; 34(1):20-27.

29 Gastaldi L, Pietrosi A, Lessanibahri S, Paparella M, Scaccianoce A, Provenzale G, Corso M, Gridelli B. Measuring the maturity of business intelligence in healthcare: Supporting the development of a roadmap toward precision medicine within ISMETT hospital. Technol Forecast Soc Change 2018; 128:84-103.
-3030 Gastaldi L, Corso M. Smart healthcare digitalization: using ICT to effectively balance exploration and exploitation within hospitals. Int J Eng Bus Manag 2012; 4(Spec.):4-9.. A estruturação dos hospitais de ensino do país em uma lógica de rede interorganizacional, capaz de promover elevada sinergia interorganizacional, intercâmbio de conhecimento e experiências, planejamento de compras públicas em conjunto, que é uma das premissas preconizadas pela EBSERH, é capaz de elevar drasticamente o nível de eficiência dos HUs.

Embora a avaliação geral seja de melhoria nos indicadores analisados, alguns hospitais apresentaram aumento no tempo médio de permanência hospitalar no período sob a gestão da EBSERH. Ainda que tal evidência sugira uma piora no desempenho geral hospitalar, é necessário buscar esclarecimentos adicionais em relação às causas para tal aumento, uma vez que é possível e razoável supor que tal aumento seja reflexo de uma maior gravidade dos casos internados, que pode ainda ser desencadeado por agravamento da situação e saúde pública ou por novas habilitações de maior complexidade incorporadas aos HUs em questão. De fato, quanto à mudança no quadro populacional em termos de fatores de risco e comorbidades que possam justificar um aumento de gravidade nas internações, estudos sugerem que os fatores de risco à saúde e as DCNTs na população brasileira estão aumentando drasticamente nos últimos anos3131 Carvalho CA, Fonseca PCA, Barbosa JB, Machado SP, Santos AM, Silva AAM. Associação entre fatores de risco cardiovascular e indicadores antropométricos de obesidade em universitários de São Luís, Maranhão, Brasil. Cien Saude Colet 2015; 20:479-490.

32 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Sobre a Vigilância de DCNT [Internet]. 2019. [acessado 2019 Set 7. Disponível em: http://www.saude.gov.br/noticias/43036-sobre-a-vigilancia-de-dcnt
http://www.saude.gov.br/noticias/43036-s...
-3333 Reis CS, Noronha K, Wajnman S. Population aging and hospitalization expenses of SUS: an analysis performed for Brazil between 2000 and 2010. Rev Bras Estud Popul 2016; 33(3):591-612..

Entre os resultados destacados, é possível sugerir que a redução na taxa de óbitos hospitalares atingiu certa estabilização na tendência de queda. Também é importante considerar que a natureza e a gravidade das internações exercem impacto na taxa de óbitos. Além disso, a taxa de óbitos geral pode ser encarada como um indicador menos sensível para captar variações no desempenho hospitalar do que as taxas de óbitos por causas específicas. Além disso, é pertinente destacar que a acentuada queda na taxa de óbito no período anterior à EBSERH pode der resultante de outras intervenções anteriores não analisadas neste estudo, como a constituição dos HUs como unidades orçamentárias em 2008 ou a criação do Programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários e de Ensino do Ministério da Educação no SUS em 20043434 Carmo M, Andrade EIG, Mota JAC. Hospital universitário e gestão do sistema de saúde - uma trajetória positiva de integração. Rev Min Enferm. Revista Mineira de Enfermagem 2007; 11(4):387-394..

É importante, ainda, considerar que os problemas enfrentados pelos HUs antecedem o período contemplado por este estudo, sendo que algumas adversidades, como escassez de pessoal, reposição da força de trabalho por meio de endividamento com fundações de apoio, obsolescência da infraestrutura tecnológica e desativação de leitos HUs, tem raízes mais antigas. De fato, iniciativas realizadas a partir de meados dos anos 2000 possivelmente implicaram avanços na gestão dos HUs, o que ajuda a explicar a tendência de melhora nos indicadores observados antes da implementação da EBSERH.

Além disso, outro ponto importante a ser considerado é a possibilidade de o aumento do quantitativo de pessoal nos HUs, um dos principais propósitos da EBSERH, ter sido uma das causas principais a desencadear o aumento expressivo na produção hospitalar, já que os HUs estavam demasiadamente defasados em termos de força de trabalho3535 Bonacim CAG, Araujo AMP. Gestão de custos aplicada a hospitais universitários públicos: a experiência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Rev Adm Publica 2010; 44(4):903-931.,3636 Sodré F, Littike D, Drago LMB, Perim MCM. Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares: um novo modelo de gestão? Serviço Soc Amp Soc 2013; 114:365-380. (Figura 3[a]).

Abordagens emergentes em gestão em saúde, gestão do cuidado e bem-estar precisam ser cada vez mais orientadas para posturas sustentáveis e com foco em resultados, assim como para o uso mais inteligente do capital social e humano3737 Pencheon D. Sustainable healthcare: the NHS launches a new strategy. The Guardian 2014; 29 Jan. [cited 2019 Set 9]. Available from: https://www.theguardian.com/sustainable-business/blog/nhs-sustainable-healthcare-strategy
https://www.theguardian.com/sustainable-...
. Nesse sentido, considerando o amplo desafio que representa gerenciar de maneira eficiente e adequada instituições de saúde, Lee e Porter (2013) apresentam entre as ações e direcionadores estratégicos necessários para se modernizar a gestão em saúde: (1) organizar em unidades de prática integradas; (2) medir resultados e custos para cada paciente; (3) desenvolver preços agrupados para os ciclos de assistência (estratégia mais direcionada para hospitais privados, apesar de ter potencial de orientar iniciativas de repasse do SUS); (4) integrar sistemas de prestação de cuidados; (5) promover desenvolvimento de excelentes serviços em toda a extensão geográfica/territorial; e (6) construir uma plataforma de tecnologia de informação capacitadora3838 Lee T, Porter M. The strategy that will fix healthcare. Harvard Business Review 2013; Oct. [cited 2019 Set 9]. Available from: https://hbr.org/2013/10/the-strategy-that-will-fix-health-care
https://hbr.org/2013/10/the-strategy-tha...
. De fato, o custo é encarado como variável essencial de ser adequadamente monitorado para que se possa promover uma gestão eficiente em instituições de saúde3939 Kaplan RS, Porter ME. How to solve the cost crisis in health care. Harv Bus Rev 2011; 89(9):46-52..

Considerando o cenário atual da saúde pública no Brasil, a adequada utilização de ferramentas de gestão e sistemas de informações possuem elevado potencial de auxiliar no aprimoramento da tomada de decisão e aumentar a eficiência das organizações públicas de saúde4040 Pereira SR, Paiva PB, Souza PRS, Siqueira G, Pereira AR. Sistemas de Informação para Gestão Hospitalar. J Health Inform 2012; 4(4):170-175.. Além disso, estudo evidenciou que hospitais que possuem maior incidência de adoção de práticas de gestão tendem a apresentar melhores resultados em termos de taxa de ocupação, internações por leito e implementação de certificações de acreditação hospitalar4141 Brito LAL, Malik AM, Brito E, Bulgacov S, Andreassi T. Práticas de gestão em hospitais privados de médio porte em São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2017; 33(3):e00030715..

Entidades hospitalares são organizações de alta complexidade, uma vez que incorporam inúmeros departamentos com elevada especificidade e qualificação e que possuem características distintas que necessitam ser apropriadamente integradas, de modo a promover uma maior adequação e eficiência no atendimento do usuário final4242 Espejo MMSB, Portulhak H, Martins DB. Práticas de controle gerencial em hospitais universitários federais. Gest Reg 2015; 31(92):39-52.. Esta complexidade inerente às instituições hospitalares gera severas dificuldades de gestão, possivelmente maiores do que em outros tipos de organizações4343 Lemos VMF, ROCHA M. A gestão das organizações hospitalares e suas complexidades. VII Congresso Nacional de Excelência em Gestão. 2011.. No caso dos hospitais universitários, essa complexidade pode ser ainda maior, tendo em vista que seus objetivos abrangem, além da assistência à saúde (prestação de serviços), a formação e a pesquisa. Além disso, o papel dos HUs como agentes nucleares de duas políticas de Estado (educação e saúde) faz com que no seu âmbito se manifestem “tensionamentos inerentes à complexidade de articulação de tais políticas4444 Machado SP, Kuchenbecker R. Desafios e perspectivas futuras dos hospitais universitários no Brasil. Cienc Saude Colet 2007; 12(4):871-877..

Apesar dos achados reportados neste estudo, é necessário considerar que as bases de dados dos sistemas de informações pesquisados podem apresentar deficiências quanto à validade e à fidedignidade dos dados, conforme já apontado em estudos anteriores4545 Damé PKV, Pedroso MRO, Marinho CL, Gonçalves VM, Duncan BB, Fisher PD, Romero ALC, Castro TG. Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) em crianças do Rio Grande do Sul, Brasil: cobertura, estado nutricional e confiabilidade dos dados. Cad Saude Publica 2011; 27(11):2155-2165.,4646 Farias LMM, Resendes APC, Magalhães RO, Souza-Santos R, Sabroza PC. Os limites e possibilidades do Sistema de Informação da Esquistossomose (SISPCE) para a vigilância e ações de controle. Cad Saude Publica 2011; 27(10):2055-2062..

Conclusão

O ganho em termos de eficiência e performance dos HUs vinculados à EBSERH mostra que tal iniciativa foi efetiva e indica o elevado potencial de aprimoramento e ganho de eficiência para a saúde pública do país. O estudo também apresenta proposta metodológica, por meio do uso de dados dissemináveis, que permite a avaliação sistemática da performance dos hospitais públicos do país.

Embora os achados reportados tenham potencial de auxiliar na tomada de decisões e no delineamento de iniciativas que aprimorem a gestão da saúde pública do país, o estudo apresenta limitações importantes. Inicialmente, é necessário considerar que os dados analisados podem não ser totalmente fidedignos, uma vez que são dados dissemináveis reportados pelos próprios estabelecimentos de saúde e que frequentemente apresentam falhas sistemáticas. Também é pertinente ressaltar que a performance hospitalar é permeada por alta complexidade, exigindo mais do que a observância de determinados indicadores calculados, muito embora indicadores de performance padronizados sejam essenciais para a avaliação ampla da performance organizacional. Além disso, as análises de tendência realizadas por meio de regressões lineares segmentadas das séries temporais não apresentaram resultados plenamente satisfatórios em termos de ajustamento estatístico. No entanto, considera-se que os resultados ainda sim são válidos e deverão ser abordados em estudos adicionais futuros.

A evidência de redução no tempo médio de permanência hospitalar pode ser devido à priorização de internações de menor gravidade no âmbito dos HUs sob gestão da EBSERH, ou à prática de alta precoce (early hospital discharge) promovida pelas instituições hospitalares, o que muitas vezes implica a conclusão do tratamento em âmbito domiciliar. Logo, é necessário conduzir investigação adicional mais detalhada, que incorpore análise de elementos presentes nos contratos de gestão e que possa elucidar os reais motivos que levaram à redução dos níveis de permanência hospitalar nos HUs investigados. Também seria válido conduzir estudo comparativo com grupo de hospitais semelhantes (grupo de controle) que não estejam sob a gestão da EBSERH, permitindo análise comparativa que leve em consideração os indicadores de performance analisados.

É oportuno sugerir estudos com o propósito de avaliar a efetividade dos modelos de gestão e das práticas gerenciais em organizações de saúde com o propósito de obter maior eficiência. Também é pertinente sugerir estudos focados em analisar aspectos mais específicos da gestão hospitalar pública, como a análise do alinhamento entre a produção hospitalar frente aos contratos de gestão, analisando: aprovações e glosas de AIHs e procedimentos hospitalares; a análise da produção acadêmico-científica em HUs relacionando produção com elementos da aprendizagem organizacional e inovação; e estudos longitudinais com enfoque econômico-financeiro que objetivem avaliar a melhoria em termos de eficiência econômica.

Referências

  • 1
    Barbosa PR, Gadelha CAG. O papel dos hospitais na dinâmica de inovação em saúde. Rev Saude Publica 2012 46(Supl. 1):68-75.
  • 2
    Gonçalves EL. Gestão hospitalar: administrando o hospital moderno. São Paulo: Saraiva; 2006.
  • 3
    Vendemiatti M, Siqueira ES, Filardi F, Binotto E, Simioni FJ. Conflito na gestão hospitalar: o papel da liderança. Cien Saude Colet 2010; 15(Supl. 1):1301-1314.
  • 4
    Ginter PM, Duncan WJ, Swayne LE. Strategic management of health care organizations. New Jersey: John Wiley & Sons; 2018.
  • 5
    Arbab Kash B, Spaulding A, D. Gamm L, E. Johnson C. Healthcare strategic management and the resource based view. J Strategy Manag 2014;7(3):251-264.
  • 6
    Fenili R, Correa CEG, Barbosa L. Planejamento estratégico em saúde: ferramenta de gestão para o complexo de regulação em saúde. Rev Eletronica Gest e Saude 2017; 8(1):18-36.
  • 7
    Kleba ME, Maroso Krauser I, Vendruscolo C. O planejamento estratégico situacional no ensino da gestão em saúde da família. Texto Contexto Enferm 2011; 20(1):184-193.
  • 8
    Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). [Internet]. 2018. [acessado 2018 Out 10]. Disponível em: http://www.ebserh.gov.br/
    » http://www.ebserh.gov.br
  • 9
    Sodré F, Littike D, Drago LMB, Perim MCM. Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares: um novo modelo de gestão? Serviço Soc Soc 2013; 114:365-380.
  • 10
    Lobo MSC, Silva ACM, Lins MPE, Fiszman R. Impacto da reforma de financiamento de hospitais de ensino no Brasil. Rev Saude Publica 2009; 43(3):437-445.
  • 11
    Mendes A, Carnut L. Capitalismo contemporâneo em crise e sua forma política: o subfinanciamento e o gerencialismo na saúde pública brasileira. Saude e Soc 2018; 27:1105-1119.
  • 12
    Ocké-Reis CO. Os problemas de gestão do SUS decorrem também da crise crônica de financiamento? Trab Educ e Saude 2008; 6(3):613-622.
  • 13
    Gomes RMS. A criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH): um estudo de caso. Cad Ibero-Am Direito Sanitário 2016; 5(Supl. 1):26-38.
  • 14
    Oliveira DF. A implantação de um sistema de gestão de custos no hospital universitário pela EBSERH: um estudo de caso com utilização do PMBOK. RAHIS 2016; 13(3).
  • 15
    Andreazzi M de FS de. Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares: inconsistências à luz da reforma do Estado. Rev Bras Educ Med 2013; 37(2):275-284.
  • 16
    Borges JCP, Barcelos M, Rodrigues MS. Empresarização da saúde pública: o caso da EBSERH. Rev Pensamento Contemp Em Adm 2018; 12(4):75-90.
  • 17
    Littike D, Sodré F. The art of improvisation: the working process of administrators at a Federal University Hospital. Cien Saude Colet 2015; 20(10):3051-3062.
  • 18
    Penfold RB, Zhang F. Use of interrupted time series analysis in evaluating health care quality improvements. Acad Pediatr 2013; 13(6):S38-S44.
  • 19
    Zhang F, Wagner AK, Ross-Degnan D. Simulation-based power calculation for designing interrupted time series analyses of health policy interventions. J Clin Epidemiol 2011; 64(11):1252-1261.
  • 20
    Bernal JL, Cummins S, Gasparrini A. Interrupted time series regression for the evaluation of public health interventions: a tutorial. Int J Epidemiol 2017; 46(1):348-355.
  • 21
    Seward LE, Doane DP. Estatística aplicada à administração e economia. Porto Alegre: AMGH Editora; 2014.
  • 22
    Brena DA, Silva JNM, Scnheider PR. Metodologia para verificação das condicionantes da análise de regressão. Floresta 1978; 9(2).
  • 23
    Abbade E. Dataset - Dados de Hospitais Universitários EBSERH (jan.2008 - dez.2018). Mendeley Data [Internet]. Mendeley 2021. [acessado 2021 Jan 27]. Disponível em: https://data.mendeley.com/datasets/8w4c24p54w/1
    » https://data.mendeley.com/datasets/8w4c24p54w/1
  • 24
    La Forgia GM, Couttolenc BF. Desempenho hospitalar no Brasil. São Paulo: Singular; 2009.
  • 25
    Andion C. Por uma nova interpretação das mudanças de paradigma na administração pública. Cad EBAPEBR 2012; 10(1):1-19.
  • 26
    Carnut L, Narvai PC. Avaliação de desempenho de sistemas de saúde e gerencialismo na gestão pública brasileira. Saude e Soc 2016; 25:290-305.
  • 27
    Santos NP. Vantagens e desvantagens do modelo organizacional proposto pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH [monografia]. São Cristovão: Universidade Federal de Sergipe; 2017.
  • 28
    Foshay N, Kuziemsky C. Towards an implementation framework for business intelligence in healthcare. Int J Inf Manag 2014; 34(1):20-27.
  • 29
    Gastaldi L, Pietrosi A, Lessanibahri S, Paparella M, Scaccianoce A, Provenzale G, Corso M, Gridelli B. Measuring the maturity of business intelligence in healthcare: Supporting the development of a roadmap toward precision medicine within ISMETT hospital. Technol Forecast Soc Change 2018; 128:84-103.
  • 30
    Gastaldi L, Corso M. Smart healthcare digitalization: using ICT to effectively balance exploration and exploitation within hospitals. Int J Eng Bus Manag 2012; 4(Spec.):4-9.
  • 31
    Carvalho CA, Fonseca PCA, Barbosa JB, Machado SP, Santos AM, Silva AAM. Associação entre fatores de risco cardiovascular e indicadores antropométricos de obesidade em universitários de São Luís, Maranhão, Brasil. Cien Saude Colet 2015; 20:479-490.
  • 32
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Sobre a Vigilância de DCNT [Internet]. 2019. [acessado 2019 Set 7. Disponível em: http://www.saude.gov.br/noticias/43036-sobre-a-vigilancia-de-dcnt
    » http://www.saude.gov.br/noticias/43036-sobre-a-vigilancia-de-dcnt
  • 33
    Reis CS, Noronha K, Wajnman S. Population aging and hospitalization expenses of SUS: an analysis performed for Brazil between 2000 and 2010. Rev Bras Estud Popul 2016; 33(3):591-612.
  • 34
    Carmo M, Andrade EIG, Mota JAC. Hospital universitário e gestão do sistema de saúde - uma trajetória positiva de integração. Rev Min Enferm. Revista Mineira de Enfermagem 2007; 11(4):387-394.
  • 35
    Bonacim CAG, Araujo AMP. Gestão de custos aplicada a hospitais universitários públicos: a experiência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Rev Adm Publica 2010; 44(4):903-931.
  • 36
    Sodré F, Littike D, Drago LMB, Perim MCM. Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares: um novo modelo de gestão? Serviço Soc Amp Soc 2013; 114:365-380.
  • 37
    Pencheon D. Sustainable healthcare: the NHS launches a new strategy. The Guardian 2014; 29 Jan. [cited 2019 Set 9]. Available from: https://www.theguardian.com/sustainable-business/blog/nhs-sustainable-healthcare-strategy
    » https://www.theguardian.com/sustainable-business/blog/nhs-sustainable-healthcare-strategy
  • 38
    Lee T, Porter M. The strategy that will fix healthcare. Harvard Business Review 2013; Oct. [cited 2019 Set 9]. Available from: https://hbr.org/2013/10/the-strategy-that-will-fix-health-care
    » https://hbr.org/2013/10/the-strategy-that-will-fix-health-care
  • 39
    Kaplan RS, Porter ME. How to solve the cost crisis in health care. Harv Bus Rev 2011; 89(9):46-52.
  • 40
    Pereira SR, Paiva PB, Souza PRS, Siqueira G, Pereira AR. Sistemas de Informação para Gestão Hospitalar. J Health Inform 2012; 4(4):170-175.
  • 41
    Brito LAL, Malik AM, Brito E, Bulgacov S, Andreassi T. Práticas de gestão em hospitais privados de médio porte em São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2017; 33(3):e00030715.
  • 42
    Espejo MMSB, Portulhak H, Martins DB. Práticas de controle gerencial em hospitais universitários federais. Gest Reg 2015; 31(92):39-52.
  • 43
    Lemos VMF, ROCHA M. A gestão das organizações hospitalares e suas complexidades. VII Congresso Nacional de Excelência em Gestão. 2011.
  • 44
    Machado SP, Kuchenbecker R. Desafios e perspectivas futuras dos hospitais universitários no Brasil. Cienc Saude Colet 2007; 12(4):871-877.
  • 45
    Damé PKV, Pedroso MRO, Marinho CL, Gonçalves VM, Duncan BB, Fisher PD, Romero ALC, Castro TG. Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) em crianças do Rio Grande do Sul, Brasil: cobertura, estado nutricional e confiabilidade dos dados. Cad Saude Publica 2011; 27(11):2155-2165.
  • 46
    Farias LMM, Resendes APC, Magalhães RO, Souza-Santos R, Sabroza PC. Os limites e possibilidades do Sistema de Informação da Esquistossomose (SISPCE) para a vigilância e ações de controle. Cad Saude Publica 2011; 27(10):2055-2062.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2020
  • Aceito
    26 Jan 2021
  • Publicado
    28 Jan 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br