Fatores ocupacionais e atividade física em professores da educação básica da rede pública: uma coorte prospectiva

Occupational factors and physical activity among public school teachers: a prospective cohort study

Douglas Fernando Dias Arthur Eumann Mesas Alberto Durán González Selma Maffei de Andrade Mathias Roberto Loch Sobre os autores

Resumo

Analisou-se a associação entre mudanças autorreferidas nas condições de trabalho e a incidência de níveis recomendados de atividade física no tempo livre (AFTL) em professores da educação básica da rede pública. Trata-se de uma coorte prospectiva em que 298 professores da educação básica da rede pública de Londrina, Paraná, foram seguidos por 24 meses. A incidência de níveis recomendados de AFTL (≥150 minutos/semana) foi o desfecho do estudo. A análise incluiu modelos de regressão de Poisson ajustados, sempre tendo como grupo referência aqueles que tinham a pior condição de trabalho na linha de base e assim permaneceram no seguimento. A incidência de níveis recomendados de AFTL foi de 23,2%, sendo maior naqueles que se mantiveram com bom equilíbrio entre vida pessoal e profissional (RR=3,50; IC95%=1,26-9,72), passaram a ficar frequentemente desgastados no trabalho (RR=2,47; IC95%=1,10-5,56), passaram a ficar raramente desgastados no trabalho (RR=2,42; IC95%=1,09-5,36), mantiveram-se raramente desgastados no trabalho (RR=2,78; IC95%=1,30-5,95), passaram a raramente trabalhar demais (RR=2,69; IC95%=1,24-5,87) e mantiveram-se raramente trabalhando demais (RR=3,25; IC=1,46-7,26). Estes resultados indicam a importância da melhoria das condições de trabalho na promoção da AFTL.

Key words:
Motor activity; Occupational health; Teachers

Abstract

The association between self-reported changes in working conditions and the incidence of recommended levels of leisure-time physical activity (LTPA) among middle and high school teachers of the public school network was analyzed. It is a prospective cohort in which 298 teachers from the public middle and high school network in Londrina, State of Paraná, were monitored for 24 months. The incidence of recommended LTPA levels (≥150 minutes/week) was the study outcome. The analysis included adjusted Poisson regression models, using those who had the worst working conditions in the baseline, and remained unchanged in the follow-up, as a reference group. The incidence of recommended levels of LTPA was 23.2%, being higher among those who maintained a good balance between their personal and professional lives (RR=3.50; 95%CI=1.26-9.72), frequently became exhausted at work (RR=2.47; 95%CI=1.10-5.56), infrequently became exhausted at work (RR=2.42; 95%CI=1.09-5.36), rarely became exhausted at work (RR=2.78; 95%CI=1.30-5.95), rarely began to work too hard (RR=2.69; 95%CI=1.24-5.87) and those who rarely needed to work too much (RR=3.25; 95%CI=1.46-7.26). These results indicate the importance of improving working conditions in the promotion of AFTL.

Key words:
Motor activity; Occupational health; Teachers

Introdução

A histórica desvalorização da profissão de professor no Brasil parece ter ganhado dimensão e complexidade ainda maior com as recentes mudanças sociais e políticas que aumentaram significativamente a importante e necessária massificação do ensino sem, contudo, garantir condições adequadas para o pleno exercício da função docente diante dessas novas exigências11 Santos WA. Uma reflexão necessária sobre a profissão docente no Brasil, a partir dos cinco tipos de desvalorização do professor. Rev Filos 2015; 6(11):349-358.. Nesse novo cenário, as condições/organização/cargas de trabalho continuaram sendo motivo de queixa de professores. Adicionalmente, observa-se um fenômeno relativamente novo que é a desvalorização social da profissão de professor, que tem como um de seus reflexos a queda no número de cursos de licenciatura observada nos últimos anos no Brasil, o que contrasta com o crescimento observado nos cursos de bacharelado e tecnológicos22 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Resumo Técnico do Censo da Educação Superior 2017. Brasília: INEP; 2019..

Diante desse panorama, a relação trabalho e lazer é algo a ser discutido no campo da saúde especialmente quando se considera que a precarização do processo de trabalho docente tende também a resultar em um lazer mais precário33 Silvestre BM, Franco Amaral SC. Precários no trabalho e no lazer: um estudo sobre os professores da rede estadual paulista. Mov 2019; 25:e25014.. Silvestre e Amaral33 Silvestre BM, Franco Amaral SC. Precários no trabalho e no lazer: um estudo sobre os professores da rede estadual paulista. Mov 2019; 25:e25014. estudaram as manifestações do fenômeno lazer entre trabalhadores docentes e verificaram que parte do tempo de lazer de professores é permeado pela profissão e que as vivências de lazer apresentam elementos de precariedade. Assim, surge o seguinte questionamento: a atividade física praticada durante o tempo livre (lazer) também seria um fenômeno que poderia ser precarizado em função do processo de trabalho docente? Vale lembrar que, segundo o novo Guia de Atividade Física para a população brasileira44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia de Atividade Física para a População Brasileira. Brasília: MS; 2021., a atividade física pode ser compreendida como um comportamento que envolve os movimentos voluntários do corpo, com gasto de energia acima do nível de repouso, promovendo interações sociais e com o ambiente, podendo acontecer no tempo livre (lazer), no deslocamento, no trabalho ou estudo e nas tarefas domésticas. No Brasil, um recente estudo observou uma tendência crescente na prática de atividade física no tempo livre para ambos os sexos e decrescente no domíno das tarefas domésticas para as mulheres55 Ide PH, Martins MSA, Segri NJ. Trends in different domains of physical activity in Brazilian adults: data from the Vigitel survey, 2006-2016. Cad Saude Publica 2020; 36(8):1-12.. Outro aspecto a ser considerado sobre atividade física é que o domínio do tempo livre é o mais comumente investigado sobretudo por se tratar do domínio em que o indivíduo tem o maior potencial de escolha e, no caso específico do presente estudo, é o domínio que diretamente diz respeito à relação trabalho e lazer.

Nessa perspectiva, hipotetiza-se que o processo de trabalho caracterizado pelo excesso de trabalho, necessidade de realizar atividades relacionadas ao trabalho em casa, desequilíbrio entre vida pessoal e profissional, elevado desgaste físico e mental, entre outros, pode reduzir o tempo livre que o docente poderia destinar à prática de atividade física no tempo livre (AFTL) e cansar física e mentalmente o professor. Falta de tempo e cansaço são importantes barreiras à prática de AFTL em trabalhadores66 Silva SG, Silva MC, Nahas MV, Viana SL. Fatores associados à inatividade física no lazer e principais barreiras na percepção de trabalhadores da indústria do sul do Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(2):249-259.. No entanto, apesar de um número considerável de trabalhos ter analisado a associação entre fatores ocupacionais e diferentes indicadores de saúde em professores da educação básica no Brasil (i.e., voz, distúrbios psicológicos, dor crônica etc.), poucos exploraram a relação trabalho e AFTL77 Dias DF. Atividade física no tempo livre e fatores ocupacionais em professores da educação básica da rede pública [tese]. Londrina: Universidade Estadual de Londrina; 2017.. No conjunto, esses trabalhos indicam que o estudo da relação trabalho e AFTL encontra-se em um estágio inicial, uma vez que não há evidências suficientes de que fatores ocupacionais estão relacionados à prática de AFTL dessa população, especialmente em função da falta de consistência nos achados (poucos fatores ocupacionais testados), ausência de investigações com delineamento longitudinal (todos os estudos são transversais)88 Dias DF, Loch MR, González AD, Andrade SM, Mesas AE. Insufficient free-time physical activity and occupational factors in Brazilian public school teachers. Rev Saude Publica 2017; 51:68.

9 Both J, Nascimento JV, Borgatto AF. Estilo de vida dos professores de Educação Física ao longo da carreira docente no estado de Santa Catarina. Rev Bras Atividade Física Saúde 2007; 12(3):54-64.

10 Both J, Nascimento JV, Sonoo CN, Lemos CAF, Borgatto AF. Condições de vida do trabalhador docente: Associação entre estilo de vida e qualidade de vida no trabalho de professores de Educação Física. Motricidade 2010; 6(3):39-51.

11 Moreira HR, Nascimento JV, Sonoo CN, Both J. Qualidade de vida do trabalhador docente em Educação Física do estado do Paraná, Brasil. Rev Bras Cineantropometria e Desempenho Hum 2010; 12(6):435-442.

12 Moreira HDR, Nascimento JV, Sonoo CN, Both J. Qualidade de vida no trabalho e perfil do estilo de vida individual de professores de Educação Física ao longo da carreira docente. Motriz 2010; 16(4):900-12.

13 Canabarro LK, Neutzling MB, Rombaldi AJ. Nível de atividade física no lazer dos professores de Educação Física do ensino básico. Rev Bras Atividade Física Saúde 2011; 16(1):1-11.

14 Both J, Nascimento JV, Sonoo CN, Lemos CAF, Borgatto AF. Bem-estar do trabalhador docente em educação física ao longo da carreira. Rev da Educ Fis 2013; 24(2):233-246.
-1515 Vasconcelos-Rocha S, Squarcini CF, Paixão-Cardoso J, Oliveira-Farias G. Características ocupacionais e estilo de vida de professores em um município do nordeste Brasileiro. Rev Salud Publica 2016; 18(2):214-225., limitada validade externa (seis pesquisas foram realizadas apenas com professores de educação física)99 Both J, Nascimento JV, Borgatto AF. Estilo de vida dos professores de Educação Física ao longo da carreira docente no estado de Santa Catarina. Rev Bras Atividade Física Saúde 2007; 12(3):54-64.

10 Both J, Nascimento JV, Sonoo CN, Lemos CAF, Borgatto AF. Condições de vida do trabalhador docente: Associação entre estilo de vida e qualidade de vida no trabalho de professores de Educação Física. Motricidade 2010; 6(3):39-51.

11 Moreira HR, Nascimento JV, Sonoo CN, Both J. Qualidade de vida do trabalhador docente em Educação Física do estado do Paraná, Brasil. Rev Bras Cineantropometria e Desempenho Hum 2010; 12(6):435-442.

12 Moreira HDR, Nascimento JV, Sonoo CN, Both J. Qualidade de vida no trabalho e perfil do estilo de vida individual de professores de Educação Física ao longo da carreira docente. Motriz 2010; 16(4):900-12.

13 Canabarro LK, Neutzling MB, Rombaldi AJ. Nível de atividade física no lazer dos professores de Educação Física do ensino básico. Rev Bras Atividade Física Saúde 2011; 16(1):1-11.
-1414 Both J, Nascimento JV, Sonoo CN, Lemos CAF, Borgatto AF. Bem-estar do trabalhador docente em educação física ao longo da carreira. Rev da Educ Fis 2013; 24(2):233-246. e falta de controle de variáveis de confundimento (quatro trabalhos realizaram apenas análises bivariadas)99 Both J, Nascimento JV, Borgatto AF. Estilo de vida dos professores de Educação Física ao longo da carreira docente no estado de Santa Catarina. Rev Bras Atividade Física Saúde 2007; 12(3):54-64.

10 Both J, Nascimento JV, Sonoo CN, Lemos CAF, Borgatto AF. Condições de vida do trabalhador docente: Associação entre estilo de vida e qualidade de vida no trabalho de professores de Educação Física. Motricidade 2010; 6(3):39-51.

11 Moreira HR, Nascimento JV, Sonoo CN, Both J. Qualidade de vida do trabalhador docente em Educação Física do estado do Paraná, Brasil. Rev Bras Cineantropometria e Desempenho Hum 2010; 12(6):435-442.
-1212 Moreira HDR, Nascimento JV, Sonoo CN, Both J. Qualidade de vida no trabalho e perfil do estilo de vida individual de professores de Educação Física ao longo da carreira docente. Motriz 2010; 16(4):900-12.. Ademais, esses estudos também apontaram que uma importante parcela de professores não pratica AFTL suficiente para manter uma boa saúde88 Dias DF, Loch MR, González AD, Andrade SM, Mesas AE. Insufficient free-time physical activity and occupational factors in Brazilian public school teachers. Rev Saude Publica 2017; 51:68.

9 Both J, Nascimento JV, Borgatto AF. Estilo de vida dos professores de Educação Física ao longo da carreira docente no estado de Santa Catarina. Rev Bras Atividade Física Saúde 2007; 12(3):54-64.

10 Both J, Nascimento JV, Sonoo CN, Lemos CAF, Borgatto AF. Condições de vida do trabalhador docente: Associação entre estilo de vida e qualidade de vida no trabalho de professores de Educação Física. Motricidade 2010; 6(3):39-51.

11 Moreira HR, Nascimento JV, Sonoo CN, Both J. Qualidade de vida do trabalhador docente em Educação Física do estado do Paraná, Brasil. Rev Bras Cineantropometria e Desempenho Hum 2010; 12(6):435-442.

12 Moreira HDR, Nascimento JV, Sonoo CN, Both J. Qualidade de vida no trabalho e perfil do estilo de vida individual de professores de Educação Física ao longo da carreira docente. Motriz 2010; 16(4):900-12.

13 Canabarro LK, Neutzling MB, Rombaldi AJ. Nível de atividade física no lazer dos professores de Educação Física do ensino básico. Rev Bras Atividade Física Saúde 2011; 16(1):1-11.

14 Both J, Nascimento JV, Sonoo CN, Lemos CAF, Borgatto AF. Bem-estar do trabalhador docente em educação física ao longo da carreira. Rev da Educ Fis 2013; 24(2):233-246.
-1515 Vasconcelos-Rocha S, Squarcini CF, Paixão-Cardoso J, Oliveira-Farias G. Características ocupacionais e estilo de vida de professores em um município do nordeste Brasileiro. Rev Salud Publica 2016; 18(2):214-225.. Portanto, conhecer melhor os fatores ocupacionais associados a esse comportamento relacionado à saúde poderá contribuir tanto para o avanço na compreensão do objeto de estudo quanto para subsidiar intervenções que visam aumentar o nível de AFTL nessa população.

Dado este contexto, o objetivo deste estudo foi analisar a associação entre mudanças autorreferidas nas condições de trabalho e incidência de níveis recomendados de AFTL após 24 meses em professores da educação básica da rede pública.

Métodos

Delineamento

Este estudo epidemiológico observacional do tipo coorte prospectiva faz parte de um projeto de pesquisa intitulado Saúde, Estilo de Vida e Trabalho de Professores da Rede Pública do Paraná (PRÓ-MESTRE), desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina, que teve como objetivo geral analisar o estado de saúde e o estilo de vida dos professores da rede estadual de ensino e relacioná-los com aspectos do trabalho.

Amostra

A linha de base foi realizada de agosto de 2012 a junho de 2013 e foram convidados para o estudo todos os docentes que trabalhavam em sala de aula nos níveis fundamental e médio de Londrina, Paraná, nas 20 escolas públicas estaduais com maior número de professores. Dos 1.126 indivíduos que compunham a população do estudo, 63 (5,6%) recusaram-se a participar da pesquisa, 65 (5,8%) estavam de licença e 20 (1,8%) não foram encontrados após cinco tentativas (Figura 1). Dos 978 entrevistados na linha de base (taxa de resposta da linha de base = 86,9%), 273 praticavam níveis recomendados de AFTL (≥150 minutos/semana) e, consequentemente, foram excluídos deste estudo em função de o objetivo estar relacionado à incidência da prática. Assim, a amostra elegível para o seguimento foi composta por 705 professores (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do processo de amostragem.

O seguimento consistiu em, passados 24 meses da linha de base, avaliar novamente todos os 705 professores elegíveis para o seguimento. A coleta de dados iniciou em agosto de 2014 e estava prevista para terminar em junho de 2015. No entanto, por conta da greve dos professores do estado do Paraná, ocorrida no primeiro semestre de 2015, a coleta foi permanentemente interrompida em abril, antes que a totalidade de professores participantes da linha de base pudesse ser contatada. Assim, entre os 705 professores elegíveis para o seguimento, 321 (45,5%) não foram contatados em decorrência da greve, 17 (2,4%) recusaram e 69 (9,8%) já não atuavam como professores da educação básica da rede pública de ensino pelos seguintes motivos: 7 (1,0%) trabalhavam fora do setor da educação; 7 (1,0%) encontravam-se desempregados; 6 (0,9%) continuavam a lecionar na educação básica, mas apenas em escolas privadas; 10 (1,4%) atuavam como professores em outros níveis de ensino que não a educação básica; 11 (1,6%) desempenhavam exclusivamente atividades adminstrativas na escola; 20 (2,8%) estavam de licença; 7 (1,0%) relataram estar readaptados de função; e 1 (0,1%) professor encontrava-se aposentado. Dessa forma, a amostra final para este estudo foi composta por 298 professores (taxa de resposta no seguimento de 42,3%) (Figura 1).

Coleta de dados

Tanto na linha de base quanto no seguimento, os dados foram obtidos mediante entrevistas pessoais pré-agendadas realizadas por entrevistadores previamente treinados. As entrevistas duraram aproximadamente 45 minutos e foram seguidas do preenchimento de questionário com duração aproximada de 15 minutos88 Dias DF, Loch MR, González AD, Andrade SM, Mesas AE. Insufficient free-time physical activity and occupational factors in Brazilian public school teachers. Rev Saude Publica 2017; 51:68.. Exatamente os mesmos instrumentos foram utilizados para coletar os dados nos dois momentos.

Variáveis de estudo

Desfecho

A AFTL foi a principal variável deste estudo prospectivo e, para sua estimativa, os participantes primeiramente responderam se em uma semana típica realizavam algum tipo de AFTL. Em caso afirmativo, eles descreveram quais eram as atividades, a frequência semanal e a duração em minutos de cada uma delas. Após a coleta dos dados, as atividades físicas mencionadas pelos professores foram classificadas de acordo com a sua intensidade em Equivalente Metabólico da Tarefa (MET), em leve (<3 MET), moderada (de 3 a 6 MET) ou vigorosa (>6 MET). O parâmetro utilizado para estabelecer o MET foi baseado na versão em língua portuguesa do Compêndio de Atividades Físicas1616 Farinatti PTV. Apresentação de uma Versão em Português do Compêndio de Atividades Físicas : uma contribuição aos pesquisadores e profissionais em Fisiologia do Exercício. Rev Bras Fisiol do Exerc 2003; 2:177-208.. Na sequência, foi calculado o tempo semanal em minutos despendido na AFTL. Nessa etapa, conforme recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)1717 Organização Mundial da Saúde (OMS). WHO Guidelines on Physical Activity and Sedentary Behaviour. Genebra: OMS; 2020., foram consideradas apenas as atividades de intensidade moderada e vigorosa - o tempo gasto em atividades vigorosas foi multiplicado por dois. Finalmente, após identificar o tempo semanal em minutos de prática de AFTL de cada professor, esse valor foi utilizado para criar a incidência de níveis recomendados de AFTL, ou seja, novos casos de professores que, da linha de base para o seguimento, passaram a cumprir a recomendação de 150 min/sem de AFTL.

Fatores ocupacionais

As oito questões usadas para avaliar as condições de trabalho foram adaptadas dos instrumentos de Alves1818 Alves MGM, Chor D, Faerstein E, Lopes CS, Werneck GL. Short version of the "job stress scale": A Portuguese-language adaptation. Rev Saude Publica 2004; 38(2):164-171. e Nahas1919 Nahas MV, Rabacow FM, Pereira SV, Borgatto AF. Reprodutibilidade de uma escala para avaliar a percepção dos trabalhadores quanto ao ambiente e às condições de trabalho. Rev Bras Saude Ocup 2009; 34(120):179-183. e se referem à indicadores que tem sido comumente usados na literatura para avaliar condições de trabalho88 Dias DF, Loch MR, González AD, Andrade SM, Mesas AE. Insufficient free-time physical activity and occupational factors in Brazilian public school teachers. Rev Saude Publica 2017; 51:68.,1010 Both J, Nascimento JV, Sonoo CN, Lemos CAF, Borgatto AF. Condições de vida do trabalhador docente: Associação entre estilo de vida e qualidade de vida no trabalho de professores de Educação Física. Motricidade 2010; 6(3):39-51.,1111 Moreira HR, Nascimento JV, Sonoo CN, Both J. Qualidade de vida do trabalhador docente em Educação Física do estado do Paraná, Brasil. Rev Bras Cineantropometria e Desempenho Hum 2010; 12(6):435-442.. Com base nas opções de resposta desses fatores ocupacionais foram adotados pontos de corte específicos com o objetivo de diferenciar professores com melhores condições de trabalho daqueles com piores (Quadro 1). Levando em conta tais informações foram elaboradas quatro categorias de análise para cada uma das oito variáveis ocupacionais: 1) professores cuja condição de trabalho manteve-se ruim em ambas as coletas; 2) professores cuja condição de trabalho piorou da linha de base para o seguimento; 3) professores cuja condição de trabalho melhorou da linha de base para o seguimento; e 4) professores cuja condição de trabalho manteve-se boa em ambas as coletas.

Quadro 1
Exposições ocupacionais e respectivas categorias utilizadas para as análises.

Variáveis de caracterização da amostra e de ajuste

As seguintes variáveis foram coletadas para caracterização da amostra e realização das análises ajustadas: a) sexo (masculino; feminino); b) faixa etária cujo critério foi definido arbitrariamente em intervalos de 10 anos (até 30 anos; de 31 a 40 anos; de 41 a 50 anos; 51 anos ou mais); c) Mudança na renda mensal familiar (diminuíram a renda; aumentaram a renda; mantiveram-se com a mesma renda); e d) Mudança da carga horária semanal - CH (diminuíram a CH; aumentaram a CH; mantiveram-se com a mesma CH).

Tabulação e análise dos dados

Os formulários foram duplamente digitados usando o programa EpiInfo versão 3.5.2 para Windows e, posteriormente, foram comparados os dois arquivos de dados e corrigidos os erros detectados. Para a análise descritiva foi empregada média, desvio-padrão e distribuição de frequência absoluta e relativa, ao passo que para a análise bivariada foi utilizado o teste de qui-quadrado. Os riscos relativos brutos e ajustados de incidência de AFTL segundo os diferentes tipos de fatores ocupacionais foram obtidos mediante regressão de Poisson com variância robusta utilizando nível de significância de 5%.

A seleção das variáveis de ajuste seguiu critério matemático e epidemiológico. Ou seja, a variável deveria estar associada (p<0,20) tanto ao desfecho quanto aos fatores ocupacionais (critério matemático) e/ou ser reconhecida pela literatura como fator associado ao desfecho (critério epidemiológico).

O teste de bondade de ajuste foi empregado e a hipótese nula foi aceita para todas as oito exposições ocupacionais tanto no modelo bruto quanto no ajustado.

A análise dos resíduos foi realizada para identificar os outliers (dois desvios padrão) a serem excluídos, de tal modo que foram desconsiderados oito casos nos modelos ajustados. Não foi identificada multicolinearidade entre as variáveis independentes.

As análises dos dados foram conduzidas no programa IBM SPSS Statistics versão 19 para Windows.

Questões éticas

A linha de base (CAAE: 01817412.9.0000.5231) e o seguimento (CAAE: 33857114.4.0000.5231) foram aprovados pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Estadual de Londrina e todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas e ocupacionais de entrevistados (no seguimento) e perdas. A maior parte da amostra foi composta por mulheres (67,4%), com média de idade de 44,0 anos (desvio-padrão de 9,42 anos), renda mensal familiar inferior a R$5.001,00 (57,7%) e com carga horária semanal de 21 a 40 horas (65,4%). Não foi encontrada diferença estatísticamente significativa entre entrevistados no seguimento e perdas (p>0,05), exceto para variável tipo de contrato onde foi observada maior proproção de professores com contrato temporário entre as perdas (61,2%) em relação aos entrevistados no seguimento (72,5%).

Tabela 1
Características sociodemográficas e ocupacionais de professores da rede pública de ensino que participaram (entrevistados) e não participaram (perdas) do seguimento. Dados da linha de base. Londrina, 2012-2013.

A Tabela 2 apresenta a incidência de níveis recomendados de AFTL estratificada por fatores sociodemográficos e ocupacionais. A incidência de professores que, da linha de base para o seguimento, passaram a praticar AFTL equivalente a 150 minutos por semana foi de 23,2% (IC95%=18,4%-27,8%). Em relação ao sexo, esse desfecho foi maior entre os homens (32,0% vs. 18,9%; p=0,012) e entre aqueles com menor faixa etária.

Tabela 2
Incidência de níveis recomendados de atividade física no tempo livre (≥150min/sem), segundo fatores sociodemográficos e ocupacionais em professores, Londrina, 2012-2014.

No que diz respeito ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional, a proporção de professores que começaram a praticar AFTL em níveis recomendados foi maior entre os que se mantiveram com bom equilíbrio percebido após 24 meses (28,7%). Para a variável “frequência na qual sente que o trabalho desgasta”, a incidência de níveis recomendados de AFTL foi maior entre os que se mantiveram raramente desgastados (30,5%). Já para a variável frequência na qual sente que está trabalhando demais, a incidência foi superior entre os que melhoraram essa condição da linha de base para o seguimento, ou seja, passaram a raramente trabalhar demais (31,9%).

A Tabela 3 apresenta o risco relativo (RR) e intervalo de confiança de 95% (IC95%), bruto e ajustado, da incidência de níveis recomendados de AFTL segundo fatores ocupacionais. Após ajuste para variáveis de confundimento, observou-se que aqueles que se mantiveram com bom equilíbrio entre vida pessoal e profissional tiveram maior incidência (RR=3,50; IC=1,26-9,72) do que aqueles que se mantiveram com pior equilíbrio. Em relação à variável “frequência na qual sente que o trabalho desgasta”, aqueles que passaram a ficar frequentemente desgastados (RR=2,47; IC=1,10-5,56), aqueles que passaram a ficar raramente desgastados (RR=2,42; IC=1,09-5,35) e os que se mantiveram raramente desgastados (RR=2,78; IC=1,30-5,95) tiveram maior incidência do que os que se mantiveram frequentemente desgastados. Quanto à variável “frequência na qual sente que está trabalhando demais”, observou-se maior incidência entre os que passaram a raramente trabalhar demais (RR=2,69; IC=1,24-5,87) e entre os que se mantiveram raramente trabalhando demais (RR=3,25; IC=1,46-7,26) quando comparados aos que se mantiveram frequentemente trabalhando demais. Não foi observada nenhuma associação estatisticamente significativa entre o desfecho do estudo e as variáveis: “frequência com que considera ter tempo suficiente para cumprir todas as tarefas do trabalho”, “percepção de que o tempo em que permanece em pé afeta o trabalho”, “frequência com que se sente esgotado ao fim da jornada de trabalho”, “frequência com que se sente cansado por trabalhar com pessoas todos os dias” e “frequência com se sente esgotado ao se levantar após uma noite de sono para enfrentar um dia de trabalho”.

Tabela 3
Risco Relativo (RR) e intervalo de confiança de 95% (IC95%) bruto e ajustado de incidência de níveis recomendados de atividade física no tempo livre (≥150min/sem), segundo fatores ocupacionais. Londrina, 2012-2014.

Discussão

Este estudo epidemiológico observacional do tipo coorte prospectiva verificou que a proporção de professores da educação básica da rede pública que após 24 meses de seguimento começaram a praticar AFTL em níveis recomendados foi de 23,2%, sendo esse desfecho superior entre os que se mantiveram: a) com melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional; b) raramente desgastados no trabalho; e c) raramente trabalhando demais. Também se verificou maior incidência de níveis recomendados de AFTL entre os que passaram a raramente trabalhar demais, entre os que passaram a ficar frequentemente desgastados e entre os que passaram a ficar raramente desgastados. Tais achados indicam que algumas características do trabalho de professor da educação básica podem afetar a prática de AFTL em níveis recomendados.

Uma busca na literatura apontou que todos os trabalhos que investigaram a relação trabalho e AFTL em professores do Brasil utilizaram delineamento transversal88 Dias DF, Loch MR, González AD, Andrade SM, Mesas AE. Insufficient free-time physical activity and occupational factors in Brazilian public school teachers. Rev Saude Publica 2017; 51:68.

9 Both J, Nascimento JV, Borgatto AF. Estilo de vida dos professores de Educação Física ao longo da carreira docente no estado de Santa Catarina. Rev Bras Atividade Física Saúde 2007; 12(3):54-64.

10 Both J, Nascimento JV, Sonoo CN, Lemos CAF, Borgatto AF. Condições de vida do trabalhador docente: Associação entre estilo de vida e qualidade de vida no trabalho de professores de Educação Física. Motricidade 2010; 6(3):39-51.

11 Moreira HR, Nascimento JV, Sonoo CN, Both J. Qualidade de vida do trabalhador docente em Educação Física do estado do Paraná, Brasil. Rev Bras Cineantropometria e Desempenho Hum 2010; 12(6):435-442.

12 Moreira HDR, Nascimento JV, Sonoo CN, Both J. Qualidade de vida no trabalho e perfil do estilo de vida individual de professores de Educação Física ao longo da carreira docente. Motriz 2010; 16(4):900-12.

13 Canabarro LK, Neutzling MB, Rombaldi AJ. Nível de atividade física no lazer dos professores de Educação Física do ensino básico. Rev Bras Atividade Física Saúde 2011; 16(1):1-11.

14 Both J, Nascimento JV, Sonoo CN, Lemos CAF, Borgatto AF. Bem-estar do trabalhador docente em educação física ao longo da carreira. Rev da Educ Fis 2013; 24(2):233-246.
-1515 Vasconcelos-Rocha S, Squarcini CF, Paixão-Cardoso J, Oliveira-Farias G. Características ocupacionais e estilo de vida de professores em um município do nordeste Brasileiro. Rev Salud Publica 2016; 18(2):214-225.. Assim, este parece ser o primeiro estudo que identificou a incidência de níveis recomendados de AFTL (23,2%) em professores do brasileiros. Se por um lado isso reforça a originalidade desta pesquisa, por outro dificulta a comparação com literatura. Nesse sentido, optou-se comparar a incidência identificada neste estudo com a observada em pesquisas realizadas com a população geral da mesma região do país (Sul). Estudo de base populacional com pessoas de 40 anos ou mais de idade conduzido em Cambé - PR (municipio vizinho de Londrina) encontrou uma incidência de 17,9% de AFTL após quatro anos de seguimento2020 Tessaro VCZ, Silva AMR, Loch MR. Stages of change for leisure time physical activity in Brazilian adults: Longitudinal study. Cien Saude Colet 2021; 26(8):2969-2980.. Ou seja, 17,9% (110 sujeitos) saíram dos estágios pré-contemplativos para os estágios de prática de AFTL. Ainda que ponderações devam ser realizadas em relação às distintas caracterísitcas populacionais e metodológicas dos estudos, ambas pesquisas foram conduzidas com pessoas de faixa etária semelhante e da mesma região geográfica e identificaram similarar incidência de AFTL.

A análise ajustada demonstrou que a incidência de níveis recomendados de AFTL foi superior entre aqueles que mantiveram melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional. A melhor avaliação desse mesmo fator ocupacional também associou-se com maior AFTL em estudo transversal com essa mesma população88 Dias DF, Loch MR, González AD, Andrade SM, Mesas AE. Insufficient free-time physical activity and occupational factors in Brazilian public school teachers. Rev Saude Publica 2017; 51:68.. Além disso, em outros estudos que utilizaram o mesmo banco de dados, mas explorando outros desfechos de saúde, esse fator também esteve associado a melhor qualidade do sono2121 Meier DAP. Qualidade do sono entre professores e fatores associados [tese]. Londrina: Universidade Estadual de Londrina; 2016. e menor demanda psicológica2222 Birolim MM. Análise da estrutura dimensional do demand control support questionnaire e fatores ocupacionais associados às demandas psicológicas, ao controle e ao trabalho de alta exigência em professores do ensino básico de Londrina (PR) [tese]. Londrina: Universidade Estadual de Londrina; 2015., indicando que equilíbrio entre vida pessoal e profissional pode ser um importante preditor de desfechos em saúde na população de professores da educação básica. É provável que o pior equilíbrio entre vida pessoal e profissional reflita menor tempo livre disponível, bem como maior desgaste pelo excesso de trabalho. Ambas as característas são reconhecidas como dificultadores da prática de AFTL na população de trabalhadores66 Silva SG, Silva MC, Nahas MV, Viana SL. Fatores associados à inatividade física no lazer e principais barreiras na percepção de trabalhadores da indústria do sul do Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(2):249-259.. Futuros estudos podem aprofundar essa questão buscando identificar o caminho pelo qual esse desequilíbrio afeta a prática de AFTL. Por exemplo, pode-se buscar compreender o papel que certas variáveis (necessidade de realizar atividades relacionadas ao trabalho em casa, tempo gasto no deslocamente entre escolas, etc.) exercem nessa relação entre trabalho e AFTL.

Como destacado no trabalho clássico de Laurell e Noriega2323 Laurell AC, Noriega M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec; 1989. sobre saúde no contexto do trabalho operário, o processo de trabalho produz cargas de trabalho - psíquicas, físicas, físiológicas, etc. - que podem tornar-se fonte de tensão e levar ao desgaste do trabalhador. Atualmente há evidências de que o desgaste ocupacional manifesta-se de diferentes formas e repercute negativamente sobre a saúde de diferentes categorias profissionais2424 Secco IAO, Robazzi MLCC, Souza FEA, Shimizu DS. Cargas psíquicas de trabalho e desgaste dos trabalhadores de enfermagem de hospital de ensino do Paraná, Brasil. Rev Eletrônica Saúde Ment Álcool e Drog 2010; 6(1):1.,2525 Almeida MCS, Baptista PCP, Silva A. Cargas de trabalho e processo de desgaste em Agentes Comunitários de Saúde. Rev da Esc Enferm 2016; 50(1):95-103.. Os resultados deste estudo corroboram a literatura e apontam novos elementos ao apresentar evidências de que, para além da saúde física e mental, o desgaste também pode afetar negativamente comportamentos e hábitos relacionados à saúde, tal como a prática de AFTL em níveis recomendados para a saúde. Verificou-se que professores que se mantiveram com baixa frequência de desgaste, ou que deixaram de trabalhar demais, apresentaram maior incidência de níveis recomendados de AFTL em relação aos que se mantiveram frequentemente desgastados após 24 meses. Uma possível explicação para esse resultado é que o desgaste acarretado pela sobrecarga de trabalho está relacionado à fadiga e ao cansaço, fatores esses que, conforme destacado anteriormente, foram apontados como barreiras importantes à prática de AFTL em trabalhadores66 Silva SG, Silva MC, Nahas MV, Viana SL. Fatores associados à inatividade física no lazer e principais barreiras na percepção de trabalhadores da indústria do sul do Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(2):249-259.. Em contrapartida, os resultados do presente estudo também apontaram que professores que passaram a ficar frequentemente desgastados apresentaram maior incidência de AFTL quando comparados àqueles em “pior” condição, ou seja, os que se mantiveram frequentemente desgastados. Os resultados de uma revisão sistemática sobre estratégias de enfrentamento do estresse em professores indicaram que o engajamento em atividade física foi umas das estratégias preferidas para superar os sentimentos relacionados ao estresse2626 Hiteshwari J, Sanghvi AN, Verma M. Stress coping strategies for teachers of Gujarat: An assessment and review. ZENITH Int J Bus Econ Manag Res 2018; 8(2):73-80.. Assim, não se pode descartar a hipótese de que aqueles que passaram a ficar cansados no trabalho buscaram a atividade física justamente como estratégia para melhor lidar com o estresse e o cansaço ocupacional.

O excesso de trabalho pode ser entendido como uma condição em que o trabalhador aumenta o número de horas laborais além das habituais, por vontade própria ou por determinação de terceiros2727 Robazzi MLCC, Mauro MYC, Secco IAO, Dalri RCMB, Freitas FCT, Terra FS, Silveira RCP. Alterações na saúde decorrentes do excesso de trabalho entre trabalhadores da área de saúde. Rev Enferm 2012; 20(4):526-532.. Essa condição pode aumentar a fadiga, reduzir o tempo livre e, consequentemente, repercutir negativamente sobre a saúde mental e física2727 Robazzi MLCC, Mauro MYC, Secco IAO, Dalri RCMB, Freitas FCT, Terra FS, Silveira RCP. Alterações na saúde decorrentes do excesso de trabalho entre trabalhadores da área de saúde. Rev Enferm 2012; 20(4):526-532., bem como aumentar o risco de atividade física abaixo de níveis recomendados2828 Kirk MA, Rhodes RE. Occupation correlates of adults' participation in leisure-time physical activity: A systematic review. Am J Prev Med 2011; 40(4):476-485.. Os achados do presente estudo estão de acordo com a literatura88 Dias DF, Loch MR, González AD, Andrade SM, Mesas AE. Insufficient free-time physical activity and occupational factors in Brazilian public school teachers. Rev Saude Publica 2017; 51:68., uma vez que a incidência de níveis recomendados de AFTL foi superior tanto no grupo que se manteve “raramente trabalhando demais” quanto no que, da linha de base para o seguimento, passou a “raramente trabalhar demais”. Esse resultado pode ter relação com o cansaço e com a redução do tempo livre acarretada pelo excesso de trabalho. Assim como no caso do equilíbrio entre vida pessoal e profissional, a relação excesso de trabalho e atividade física é um tema que merece aprofundamento em estudos futuros, especialmente no contexto brasileiro. Vale lembrar que uma pesquisa conduzida em 34 países apontou que no Brasil há, em média, maior número de alunos por sala de aula e menor quantidade de docentes com contrato permanente2929 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). TALIS 2013 Results: An International Perspective on Teaching and Learning. Paris: OECD Publishing; 2014..

Para os três fatores ocupacionais que estatísticamente se associaram com incidência de níveis recomendados de AFTL (equilíbrio entre vida pessoal e profissional; desgaste no trabalho; e excesso de trabalho), os dados indicaram que condições/organização/cargas de trabalho mais adequadas aumentam a probabilidade de que professores atinjam 150 minutos semanais de AFTL.

Professores com vínculo temporário, de um modo geral, desempenham a mesma função que os docentes com vínculo permanente. No entanto, têm menor remuneração e direitos trabalhistas limitados3030 Brasil. Tribunal de Contas da União (TCU). Ensino Médio no Brasil. Brasília: TCU; 2014.. Os dados deste estudo parecem retratar essa realidade, ao indicar que a proporção de professores com contrato temporário foi significativamente superior entre aqueles que já não atuavam na educação básica do ensino público após 24 meses de seguimento. Embora trate-se de um resultado esperado em função da reconhecida falta de estabilidade desse tipo de contrato precarizado, vale lembrar que o vínculo temporário tem efeitos negativos tanto na saúde de professores3131 Sanwald A, Theurl E. Atypical employment and health: a meta-analysis. Work Pap Econ Stat 2014; 1-33. quanto na qualidade geral da educação, uma vez que este tipo de vínculo está associado à menor instabilidade das equipes, absenteísmo, desistência da profissão, entre outros3232 Gatti BA, Barretto ESS, André MEDA. Políticas docentes no Brasil: um estado da arte. Brasília: UNESCO; 2011.. Em termos de políticas públicas, os achados deste estudo sobre o vínculo de trabalho, reforçam a necessidade de valorizar a profissão de professor e, consequentemente, a educação pública, mediante a realização de concurso público para a contratação de docentes permanentes especialmente quando se considera que a proporção de professores com contrato permanente no Brasil está abaixo da média em relação aos 34 países que compõe a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico2929 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). TALIS 2013 Results: An International Perspective on Teaching and Learning. Paris: OECD Publishing; 2014..

Algumas considerações metodológicas devem ser destacadas. A primeira delas é que para a construção da variável AFTL optou-se por desconsiderar as atividades leves (<3 MET) haja vista que a OMS recomenda que, para obter benefícios para a saúde, adultos devem praticar 150 minutos semanais de atividades físicas moderadas ou 75 minutos semanais de atividades físicas vigorosas ou uma equivalente combinação de atividades de intensidade moderada e vigorosa1717 Organização Mundial da Saúde (OMS). WHO Guidelines on Physical Activity and Sedentary Behaviour. Genebra: OMS; 2020.. A opção de incluir somente atividades de intensidade moderada e vigorosa tem a vantagem de facilitar a comparação entre estudos. Contudo, não se deve perder de vista que para determinados desfechos de saúde a qualidade pode ser mais importante que a quantidade ou intensidade. Nessa linha, a própria OMS vem flexibilizando sua recomendação ao indicar que praticar atividade física, ainda que abaixo dos níveis recomendados, é melhor do que nada1717 Organização Mundial da Saúde (OMS). WHO Guidelines on Physical Activity and Sedentary Behaviour. Genebra: OMS; 2020.. Ressalta-se também que tanto a AFTL quanto os fatores ocupacionais foram avaliados por meio de instrumento não validado, mas que foi bem compreendido pelos professores durante o estudo piloto realizado na linha de base.

A segunda consideração metodológica é a de que a elevada taxa de perdas no seguimento (57,7%), especialmente em decorrência da greve dos professores do estado do Paraná no primeiro semestre de 2015, pode ter limitado a validade externa do estudo sobretudo quando se considera que a perda específica pela greve (45,5%) restringiu a participação de professores de sete das 20 escolas selecionadas na linha de base. Essa ponderação é importante porque as condições de trabalho das sete escolas não investigadas podem ser diferentes em relação às 13 analisadas. Por outro lado, deve-se considerar que esse viés pode ter sido minimizado pelo fato de que que um número significativo de professores na linha de base relatou trabalhar em mais de uma escola (n=562). De tal modo que, na amostra final do seguimento (n=298) participaram professores de 17 das 20 escolas ainda que apenas professores de apenas 13 das 20 escolas tenham sido convidados. Ainda com relação às perdas, os entrevistados no seguimento apresentaram características sociodemográficas e ocupacionais semelhantes às observadas na linha de base, reduzindo o impacto dos possíveis vieses relacionados à composição da amostra. A exceção foi a variável tipo de contrato onde observou-se maior frequência de temporários entre aqueles que já não atuavam na educação básica de escolas públicas após 24 meses de seguimento quando comparados aos entrevistados no seguimento. Conforme já foi discutido no presente estudo, essa diferença pode ser considerada esperada em função da instabilidade do vínculo temporário.

A terceira consideração metodológica é que a seleção das escolas com maior número de professores seguiu um critério de conveniência no sentido de viabilizar a coleta de dados e, por isso, garante a representatividade apenas das escolas de maior porte do município cujas características de trabalho podem diferir das de menor porte. Pondera-se, todavia, que a amostragem atingiu 70% dos professores elegíveis do sistema.

Por fim, a última consideração metodológica é a de que, levando em conta a busca realizada na literatura, este parece ser o primeiro estudo de coorte prospectiva que analisou a relação trabalho e AFTL em professores da educação básica do Brasil. Assim, a relevância e originalidade do tema, em conjunto com o delineamento longitudinal adotado, podem ser considerados pontos positivos deste trabalho. Adicionalmente, ter investigado a relação trabalho docente e AFTL no contexto brasileiro é outro ponto que merece destaque quando se considera que certas condições ocupacionais da profissão de professor no país, tal como desvalorização dos profissionais da educação, número de profissionais com contrato temporário acima da média mundial, etc., são um reflexo da própria evolução histórica da educação no Brasil.

Além destas questões metodológicas, é necessário se ressaltar que este estudo não teve como objetivo realizar uma análise mais aprofundada sobre o tempo de lazer dos professores, se limitando a analisar a AFTL, que, evidentemente, acontece no tempo de lazer. Assim, faz-se necessário que seja destacada a complexidade da temática, uma vez que envolve a análise da relação entre duas dimensões da vida humana que tem sido bastante resignificadas nas últimas décadas, especificamente o trabalho e o lazer. Sobre esta temática, sugere-se a leitura de textos que buscam uma melhor compreensão da relação entre trabalho e lazer (em um sentido mais ampliado que o adotado neste estudo). A título de exemplo, vale citar o ensaio de Domingues e Rechia3333 Domingues T, Rechia S. Trabalho e Lazer: Oposição ou Composição? LICERE 2016; 19(3):363-382. que buscaram problematizar as inter-relações existentes entre trabalho, tempo, educação e lazer, e o estudo de Silvestre e Amaral33 Silvestre BM, Franco Amaral SC. Precários no trabalho e no lazer: um estudo sobre os professores da rede estadual paulista. Mov 2019; 25:e25014., que investigou professores atuantes na rede básica de ensino de Campinas, São Paulo, e observou que parte do tempo e espaço de lazer dos professores é permeada pelo trabalho e que condições mais precárias de trabalho tendiam a influenciar em um lazer também mais precarizado.

Conclui-se que a maior incidência de níveis recomendados de AFTL associou-se, independente de fatores sociodemográficos e da carga horária semanal, à manutenção de: melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional; menor desgaste ocupacional; e menor excesso de trabalho. Além disso, observou-se uma maior frequência de professores com vínculo temporário de trabalho entre aqueles que após 24 de seguimento deixaram de atuar na educação básica da rede pública de ensino.

Esses achados respaldam a hipótese de que fatores ocupacionais podem influenciar a incidência de níveis recomendados de AFTL em professores da educação básica de escolas públicas no Brasil. Recomenda-se que ações de promoção da AFTL reconheçam fatores ocupacionais como possíveis determinantes da atividade física em professores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2020
  • Aceito
    23 Mar 2021
  • Publicado
    25 Mar 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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