Efeito da incontinência urinária na autopercepção negativa da saúde e depressão em idosos: uma coorte de base populacional

Marciane Kessler Pâmela Moraes Volz Janaína Duarte Bender Bruno Pereira Nunes Karla Pereira Machado Mirelle de Oliveira Saes Mariangela Uhlmann Soares Luiz Augusto Facchini Elaine Thumé Sobre os autores

Resumo

Objetivou-se medir a prevalência de autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos em idosos segundo a presença de incontinência urinária, após nove anos de acompanhamento. Trata-se de um estudo de coorte prospectivo de base populacional intitulado Saúde do Idoso Gaúcho de Bagé, no Rio Grande do Sul. Foram entrevistados 1.593 idosos no estudo de linha de base (2008) e 735 entre setembro de 2016 e agosto de 2017. A exposição “incontinência urinária (IU)” foi avaliada no estudo de linha de base e os desfechos “autopercepção negativa da saúde” e “sintomas depressivos” em 2016/17. A razão de odds e o intervalo de confiança de 95% foram calculados com regressão logística bruta e ajustada para variáveis demográficas, sociais, comportamentais e de condições de saúde. A prevalência de IU foi 20,7% em 2008 e 24,5% em 2016/17; a incidência foi de 19,8%, sendo 23,8% entre as mulheres e 14,6% entre os homens (p = 0,009). Idosos com IU no estudo de linha de base apresentaram chances 4,0 (IC95%:1,8-8,8) e 3,4 (IC95%:1,8-6,2) vezes maior de desenvolver autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos, respectivamente, após nove anos de acompanhamento, comparados àqueles sem IU. Os resultados evidenciam maior chance de problemas mentais entre idosos com IU.

Palavras-chave:
Idosos; Incontinência urinária; Autoavaliação; Depressão; Estudos longitudinais

Introdução

A Associação Internacional de Uroginecologia (IUGA) e a International Continence Society (ICS) definem a incontinência urinária (IU) como qualquer queixa de perda involuntária de urina11 Abrams P, Cardozo L, Fall M, Griffiths D, Rosier P, Ulmsten U, Van Kerrebroeck P, Victor A, Wein A, Standardisation Sub-Committee of the International Continence Society. The standardisation of terminology in lower urinary tract function: report from the standardisation sub-committee of the International Continence Society. Urology 2003; 61(1):37-49.. A IU é considerada uma das principais síndromes geriátricas22 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Cadernos de Atenção Básica no 19; Brasília: MS; 2006.,33 Moraes E, Marino M, Santos R. Principais síndromes geriátricas. Rev Med Minas Gerais 2010; 20(1):54-66., com tendência crescente entre os idosos, principalmente nos mais velhos e entre as mulheres44 Liu C, Andrews GR. Prevalence and incidence of urinary incontinence in the elderly: a longitudinal study in South Australia. Chin Med J (Engl) 2002; 115(1):119-122.

5 Tamanini JTN, Lebrão ML, Duarte YO, Santos JLF, Laurenti R. Analysis of the prevalence of and factors associated with urinary incontinence among elderly people in the Municipality of São Paulo, Brazil: SABE Study (Health, Wellbeing and Aging). Cad Saude Publica 2009; 25(8):1756-1762.
-66 Marques LP, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, d'Orsi E. Demographic, health conditions, and lifestyle factors associated with urinary incontinence in elderly from Florianópolis, Santa Catarina, Brazil. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(3):595:606..

A maior parte da literatura tem mostrado que a ocorrência de IU pode variar de 20% a 45%77 Carvalho MP, Andrade FP, Peres W, Martinelli P, Simch F, Orcy RB, Seleme MR. O impacto da incontinência urinária e seus fatores associados em idosas. Rev Bras Geriatr e Gerontol 2014;17(4):721-730.

8 Asemota O, Eldemire-Shearer D, Waldron NK, Standard-Goldson A. Prevalence of self-reported urinary incontinence in community-dwelling older adults of westmoreland, Jamaica. MEDICC Rev 2016; 18(1-2):41.

9 Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Medeiros SM, Lima CA, Costa FM, Caldeira AP. Prevalência e fatores associados à incontinência urinária em idosos não institucionalizados. Cad Saude Colet 2017;25(3):268-277.

10 Kessler M, Facchini LA, Soares MU, Nunes BP, França SM, Thumé E. Prevalence of urinary incontinence among the elderly and relationship with physical and mental health indicators. Rev Bras Geriatr e Gerontol 2018; 21(4):397-407.

11 Milsom I, Gyhagen M. The prevalence of urinary incontinence. Climacteric 2019; 22(3):217-222.
-1212 Tamanini JTN, Pallone LV, Sartori MGF, Girão MJBC, Dos Santos JLF, de Oliveira Duarte YA, van Kerrebroeck PEVA. A populational-based survey on the prevalence, incidence, and risk factors of urinary incontinence in older adults-results from the "SABE STUDY". Neurourol Urodyn 2018; 37(1):466-477.. Essa variabilidade decorre da seleção da amostra (idade, sexo e local de moradia dos indivíduos - instituições de longa permanência ou comunidade)1313 Silva A, Almeida C, Aguiar H, Neves M, Teles M. Prevalência e impacto da incontinência urinária na qualidade de vida da mulher. Rev Port Med Geral e Fam. 2013; 29(6):364-376.,1414 Silay K, Akinci S, Ulas A, Yalcin A, Silay YS, Akinci MB, Dilek I, Yalcin B. Occult urinary incontinence in elderly women and its association with geriatric condition. Eur Rev Med Pharmacol Sci 2016; 20(3):447-451., instrumento utilizado (autorrelato ou diagnóstico clínico), falta de uniformização nas definições55 Tamanini JTN, Lebrão ML, Duarte YO, Santos JLF, Laurenti R. Analysis of the prevalence of and factors associated with urinary incontinence among elderly people in the Municipality of São Paulo, Brazil: SABE Study (Health, Wellbeing and Aging). Cad Saude Publica 2009; 25(8):1756-1762. e diferenças culturais (percepção da IU pelo entrevistado)1515 Park J, Son Hong GR. Association of functional ability and benign prostatic hyperplasia with urinary incontinence in older Korean men. Int Neurourol J 2016; 20(2):137-142..

Entre os fatores associados à IU, destacam-se as condições sociais, como: ausência de ou baixa escolaridade66 Marques LP, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, d'Orsi E. Demographic, health conditions, and lifestyle factors associated with urinary incontinence in elderly from Florianópolis, Santa Catarina, Brazil. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(3):595:606.; fatores comportamentais, como ser insuficientemente ativo66 Marques LP, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, d'Orsi E. Demographic, health conditions, and lifestyle factors associated with urinary incontinence in elderly from Florianópolis, Santa Catarina, Brazil. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(3):595:606.; e condições crônicas, como hipertensão arterial88 Asemota O, Eldemire-Shearer D, Waldron NK, Standard-Goldson A. Prevalence of self-reported urinary incontinence in community-dwelling older adults of westmoreland, Jamaica. MEDICC Rev 2016; 18(1-2):41., diabetes mellitus55 Tamanini JTN, Lebrão ML, Duarte YO, Santos JLF, Laurenti R. Analysis of the prevalence of and factors associated with urinary incontinence among elderly people in the Municipality of São Paulo, Brazil: SABE Study (Health, Wellbeing and Aging). Cad Saude Publica 2009; 25(8):1756-1762.,88 Asemota O, Eldemire-Shearer D, Waldron NK, Standard-Goldson A. Prevalence of self-reported urinary incontinence in community-dwelling older adults of westmoreland, Jamaica. MEDICC Rev 2016; 18(1-2):41., obesidade55 Tamanini JTN, Lebrão ML, Duarte YO, Santos JLF, Laurenti R. Analysis of the prevalence of and factors associated with urinary incontinence among elderly people in the Municipality of São Paulo, Brazil: SABE Study (Health, Wellbeing and Aging). Cad Saude Publica 2009; 25(8):1756-1762., doenças cerebrocardiovasculares e respiratórias55 Tamanini JTN, Lebrão ML, Duarte YO, Santos JLF, Laurenti R. Analysis of the prevalence of and factors associated with urinary incontinence among elderly people in the Municipality of São Paulo, Brazil: SABE Study (Health, Wellbeing and Aging). Cad Saude Publica 2009; 25(8):1756-1762.,66 Marques LP, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, d'Orsi E. Demographic, health conditions, and lifestyle factors associated with urinary incontinence in elderly from Florianópolis, Santa Catarina, Brazil. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(3):595:606.,1616 Sohn K, Lee CK, Shin J, Lee J. Association between female urinary incontinence and geriatric health problems: results from Korean longitudinal study of ageing (2006). Korean J Fam Med 2018; 39(1):10-14., bem como artrose/reumatismo99 Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Medeiros SM, Lima CA, Costa FM, Caldeira AP. Prevalência e fatores associados à incontinência urinária em idosos não institucionalizados. Cad Saude Colet 2017;25(3):268-277., histórico de quedas99 Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Medeiros SM, Lima CA, Costa FM, Caldeira AP. Prevalência e fatores associados à incontinência urinária em idosos não institucionalizados. Cad Saude Colet 2017;25(3):268-277., limitação ou incapacidade funcional55 Tamanini JTN, Lebrão ML, Duarte YO, Santos JLF, Laurenti R. Analysis of the prevalence of and factors associated with urinary incontinence among elderly people in the Municipality of São Paulo, Brazil: SABE Study (Health, Wellbeing and Aging). Cad Saude Publica 2009; 25(8):1756-1762.,66 Marques LP, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, d'Orsi E. Demographic, health conditions, and lifestyle factors associated with urinary incontinence in elderly from Florianópolis, Santa Catarina, Brazil. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(3):595:606.,1010 Kessler M, Facchini LA, Soares MU, Nunes BP, França SM, Thumé E. Prevalence of urinary incontinence among the elderly and relationship with physical and mental health indicators. Rev Bras Geriatr e Gerontol 2018; 21(4):397-407., déficit cognitivo1010 Kessler M, Facchini LA, Soares MU, Nunes BP, França SM, Thumé E. Prevalence of urinary incontinence among the elderly and relationship with physical and mental health indicators. Rev Bras Geriatr e Gerontol 2018; 21(4):397-407., fragilidade99 Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Medeiros SM, Lima CA, Costa FM, Caldeira AP. Prevalência e fatores associados à incontinência urinária em idosos não institucionalizados. Cad Saude Colet 2017;25(3):268-277. e polifarmácia66 Marques LP, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, d'Orsi E. Demographic, health conditions, and lifestyle factors associated with urinary incontinence in elderly from Florianópolis, Santa Catarina, Brazil. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(3):595:606..

A IU apresenta repercussões negativas nos aspectos físicos e, especialmente, psicossociais dos idosos1010 Kessler M, Facchini LA, Soares MU, Nunes BP, França SM, Thumé E. Prevalence of urinary incontinence among the elderly and relationship with physical and mental health indicators. Rev Bras Geriatr e Gerontol 2018; 21(4):397-407., uma vez que ocasiona mudanças na rotina, distanciamento e isolamento social devido ao constrangimento e redução da autoestima1717 Honório MO, Santos SMA. Incontinência urinária e envelhecimento: impacto no cotidiano e na qualidade de vida. Rev Bras Enferm 2009;62(1):51-56.,1818 Tamanini JTN, Santos JLF, Lebrão ML, Duarte YAO, Laurenti R. Association between urinary incontinence in elderly patients and caregiver burden in the city of Sao Paulo/Brazil: Health, Wellbeing, and Ageing Study. Neurourol Urodyn 2011; 30(7):1281-1285.. Estudos nacionais e internacionais evidenciaram prevalências significativamente maiores de depressão1010 Kessler M, Facchini LA, Soares MU, Nunes BP, França SM, Thumé E. Prevalence of urinary incontinence among the elderly and relationship with physical and mental health indicators. Rev Bras Geriatr e Gerontol 2018; 21(4):397-407.,1919 Lim YM, Lee SR, Choi EJ, Jeong K, Chung HW. Urinary incontinence is strongly associated with depression in middle-aged and older Korean women: data from the Korean longitudinal study of ageing. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 2018; 220:69-73.

20 Nygaard I, Turvey C, Burns TL, Crischilles E, Wallace R. Urinary incontinence and depression in middle-aged United States women. Obstet Gynecol 2003;101(1):149-156.

21 Vigod SN, Stewart DE. Major depression in female urinary incontinence. Psychosomatics 2006; 47(2):147-151.

22 Felde G, Bjelland I, Hunskaar S. Anxiety and depression associated with incontinence in middle-aged women: a large Norwegian cross-sectional study. Int Urogynecol J 2012; 23(3):299-306.

23 Townsend MK, Minassian VA, Okereke OI, Resnick NM, Grodstein F. Urinary incontinence and prevalence of high depressive symptoms in older black versus white women. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 2014; 25(6):823-829.
-2424 Stickley A, Santini ZI, Koyanagi A. Urinary incontinence, mental health and loneliness among community-dwelling older adults in Ireland. BMC Urol 2017;17(1):29. e autopercepção negativa de saúde1010 Kessler M, Facchini LA, Soares MU, Nunes BP, França SM, Thumé E. Prevalence of urinary incontinence among the elderly and relationship with physical and mental health indicators. Rev Bras Geriatr e Gerontol 2018; 21(4):397-407.,2525 Cardoso JDC, Azevedo RC S, Reiners AAO, Louzadad CV, Espinosae MM. Poor self-rated health and associated factors among elderly urban residents. Rev Gauch Enferm 2014; 35(4):35-41. entre indivíduos com IU, comparados àqueles sem incontinência. Contudo, a maioria dos estudos sobre a temática abordam delineamentos transversais, o que pode apresentar uma associação bidirecional que dificulta a definição das causas que levam à IU. Além disso, há escassez de estudos longitudinais de base populacional sobre IU em idosos brasileiros1212 Tamanini JTN, Pallone LV, Sartori MGF, Girão MJBC, Dos Santos JLF, de Oliveira Duarte YA, van Kerrebroeck PEVA. A populational-based survey on the prevalence, incidence, and risk factors of urinary incontinence in older adults-results from the "SABE STUDY". Neurourol Urodyn 2018; 37(1):466-477., ainda mais com enfoque nos desfechos autopercepção negativa da saúde e depressão em idosos brasileiros com IU.

Considerando as lacunas a respeito da temática proposta e as repercussões negativas da IU na saúde dos idosos, este estudo tem como objetivo medir a prevalência de autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos em idosos segundo a presença de incontinência urinária, após nove anos de acompanhamento.

Método

O estudo de coorte prospectivo de base populacional intitulado Saúde do Idoso Gaúcho de Bagé (SIGa-Bagé) foi realizado com idosos do município de Bagé, localizado na fronteira do estado do Rio Grande do Sul (RS) com o Uruguai, entre julho de 2008 e setembro de 2016/ agosto de 2017.

O SIGa-Bagé foi implementado a partir de um estudo transversal conduzido de julho a novembro de 2008 (linha de base), em que foram entrevistados idosos de 60 anos ou mais, residentes em domicílios particulares na área urbana do município coberta pelos serviços de atenção primária. Residiam no município aproximadamente 122.461 habitantes, dos quais 14.792 (12,0%) eram idosos. Da população total, 82% residiam na zona urbana.

O tamanho da amostra foi calculado para os desfechos “necessidade de assistência domiciliar” e “assistência domiciliar recebida”2626 Thumé E, Facchini LA, Wyshak G, Campbell P. The utilization of home care by the elderly in Brazil's primary health care system. Am J Public Health 2011;101(5):868-874.,2727 Thumé E, Kessler M, Machado KP, Nunes BP, Volz PM, Wachs LS, Soares MU, Saes MO, Duro SM, Dilélio AS, Facchini LA. Cohort study of ageing from Bagé (SIGa-Bagé), Brazil: profile and methodology. BMC Public Health 2021; 21(1):1089.. Foi estipulada uma amostra mínima de 1.530 indivíduos e foram encontrados 1.713, selecionados por amostragem aleatória simples considerando áreas e microáreas dos serviços de atenção primária. Aceitaram participar do estudo 1.593 idosos. Informações detalhadas sobre amostra e amostragem podem ser encontradas em Thumé et al.2626 Thumé E, Facchini LA, Wyshak G, Campbell P. The utilization of home care by the elderly in Brazil's primary health care system. Am J Public Health 2011;101(5):868-874.,2727 Thumé E, Kessler M, Machado KP, Nunes BP, Volz PM, Wachs LS, Soares MU, Saes MO, Duro SM, Dilélio AS, Facchini LA. Cohort study of ageing from Bagé (SIGa-Bagé), Brazil: profile and methodology. BMC Public Health 2021; 21(1):1089..

No período de julho de 2008 a agosto de 2017, foram identificados 638 óbitos, destes, 579 (36.3%) confirmados no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM). Em 2016/2017 foram reentrevistados 757 (47,5%) idosos, ocorrendo 22 perdas durante a transferência de dados (n = 735). Entre os 1.593 idosos entrevistados em 2008, 198 não foram acompanhados pelos seguintes motivos: 81 recusaram, 57 não foram localizados, 7 estavam institucionalizados e 53 não moravam mais na cidade de Bagé2727 Thumé E, Kessler M, Machado KP, Nunes BP, Volz PM, Wachs LS, Soares MU, Saes MO, Duro SM, Dilélio AS, Facchini LA. Cohort study of ageing from Bagé (SIGa-Bagé), Brazil: profile and methodology. BMC Public Health 2021; 21(1):1089.,2828 Kessler M, Thumé E, Marmot M, Macinko J, Facchini LA, Nedel FB, Wachs LS, Volz PM, de Oliveira C. Family Health Strategy, primary health care, and social inequalities in mortality among older adults in Bagé, Southern Brazil. Am J Public Health 2021; 111(5):927-936..

Ambas as coletas de dados foram empreendidas por entrevistadores devidamente capacitados, após realização de um estudo piloto, com a utilização de um questionário estruturado com questões pré-codificadas, respondidas pelo próprio idoso em domicílio. Em caso de incapacidade, era aplicado ao cuidador. Em 2008, utilizou-se questionário impresso seguido por dupla digitação, e em 2016/2017, utilizou-se o PDA (personal digital assistant), com a transferência de dados coletados para o computador.

A prevalência e incidência de Incontinência Urinária foi investigada por meio da pergunta: O(A) sr(a). tem problema de perder um pouco de urina e se molhar acidentalmente (não dá tempo de chegar ao banheiro, ou quando está dormindo; ou quando tosse ou espirra, ou faz força)? (sim/não), com 1.592 idosos respondentes em 2008 e 730 em 2016/2017. Utilizando a IU como fator de exposição no estudo de linha de base (2008), foram avaliados os seguintes desfechos após nove anos de acompanhamento: prevalência de autopercepção negativa da saúde (ruim e péssimo), investigada por meio da pergunta: “Como o(a) sr(a). considera sua saúde?” (711 respondentes em 2016/2017); e prevalência de sintomas depressivos, avaliada com a Escala de Depressão Geriátrica (Geriatric Depression Scale)2929 Almeida OP, Almeida SA. Short versions of the geriatric depression scale: a study of their validity for the diagnosis of a major depressive episode according to ICD-10 and DSM-IV. Int J Geriatr Psychiatry 1999; 14(10):858-865. e com respostas dicotômicas (sim/não) (622 respondentes em 2016/2017). Considerou-se a presença de sintomas depressivos quando a resposta foi positiva para seis das 15 perguntas da escala. Destaca-se que os desfechos são autoavaliados, portanto as perguntas foram aplicadas aos idosos que possuíam condições cognitivas para responder, por isso o número de respondentes foi menor que do que n = 735.

As covariáveis utilizadas foram: sexo (masculino; feminino); idade em anos (contínua); escolaridade em anos (nenhum; 1 a 7 anos; 8 a 20 anos); inatividade física (não; sim), com os participantes sendo classificados como fisicamente inativos se não caminharam nem praticaram atividades de intensidade moderada ou vigorosa por pelo menos dez minutos ao menos uma vez por semana; tabagismo atual (não; sim); obesidade (não; sim), conforme definição da Organização Mundial da Saúde (≥ 30)3030 World Health Organization (WHO). Obesity [internet]. 2020. [cited 2020 Dec 14]. Available from: https://www.who.int/health-topics/obesity#tab=tab_1
https://www.who.int/health-topics/obesit...
(OMS, 2020); diagnóstico médico de diabetes, hipertensão e reumatismo/artrite (não; sim); incapacidade funcional (não; sim), quando havia presença de incapacidade para as atividades básicas da vida diária (ABVD) ou para as atividades instrumentais da vida diária (AIVD), avaliada pela escala de Katz e Lawton; e déficit cognitivo (não; sim), avaliado com o exame mini mental22 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Cadernos de Atenção Básica no 19; Brasília: MS; 2006..

A análise dos dados foi realizada no programa estatístico Stata, versão 14.0. Foi feita análise descritiva e utilizado o teste qui-quadrado para comparação de proporções. Foram realizadas análises longitudinais com o objetivo de verificar a incidência de IU total e por sexo, e a prevalência de autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos, após nove anos de acompanhamento entre os idosos com IU no estudo de linha de base (2008).

Para verificar a associação entre autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos com IU, foi realizada regressão logística bruta e ajustada: Modelo 1 = sexo e idade e Modelo 2 = Modelo 1 + fatores sociais, comportamentais e condições de saúde (escolaridade, inatividade física, tabagismo, obesidade, diabetes, hipertensão, reumatismo/artrite, incapacidade funcional e déficit cognitivo). Para essa análise, foram excluídos os indivíduos com dados faltantes para qualquer covariável utilizada (n = 281). Assim, a amostra para a análise de regressão incluiu 1.312 participantes em 2008, e 625 e 552 participantes em 2016/2017 para os desfechos autopercepção negativa e sintomas depressivos, respectivamente. Os resultados foram apresentados como razão de odds (RO), e seus respectivos intervalos de confiança (IC) de 95%. Associações com valor p < 0,05 foram consideradas estatisticamente significativas.

A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pelotas, CAAE 31497314.0.0000.5317, sob nº 678.664, seguindo os preceitos da Resolução nº 196/1996 e 466/2012. Os participantes foram informados quanto aos objetivos da pesquisa e solicitados a ler e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Entre os idosos respondentes no ano de 2008, 62,8% eram do sexo feminino, com idade média de 71,2 (IC95%: 70,8-71,6); em 2016/2017, a amostra foi composta por 65,3% de idosos do sexo feminino, com idade média de 77,1 anos (IC95%: 76.6-77.6).

No estudo de linha de base (2008), a prevalência de IU foi 20,7%, e no acompanhamento (2016/17) foi de 24,5%, sendo sempre maior entre os idosos do sexo feminino (p < 0,001). A incidência de IU no período em estudo foi de 19,8% (n = 120), e também foi significativamente maior entre as mulheres (23,2%, p-valor = 0,009) (Tabela 1). Entre os idosos que eram incontinentes no estudo de linha de base de 2008 (n = 330; 20,0%), 125 foram acompanhados em 2016/2017, e destes, 52,0% deixaram de ter IU em após nove anos de acompanhamento e 48,0% continuaram com a condição de saúde.

Tabela 1
Ocorrência de incontinência urinária por sexo, no estudo de linha de base e no acompanhamento. SIGa-Bagé, 2017.

Ao longo dos nove anos de acompanhamento, a quantidade de óbitos foi maior entre os idosos com IU no estudo de linha de base (46,4%), se comparado àqueles sem incontinência (33,7%) (p < 0,001), conforme a Figura 1. Em 2016/2017, obteve-se 711 e 622 respondentes para os desfechos autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos, respectivamente (Figura 1). Quando analisado separadamente por exposição, obteve-se 590 e 522 respondentes para autopercepção negativa e sintomas depressivos, respectivamente, entre os idosos sem IU; e 121 e 100 respondentes para autopercepção negativa e sintomas depressivos, respectivamente, entre os idosos incontinentes (Figura 1).

Figura 1
População com e sem IU em 2008 e diagnosticados com autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos após nove anos de acompanhamento. SIGa-Bagé, 2017.

O Gráfico 1 mostra a prevalência de autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos após nove anos de acompanhamento (2016/17) entre idosos com e sem IU no estudo de linha de base (2008) (p < 0,001 para ambos). Ambos os desfechos apresentaram maior prevalência após nove anos de acompanhamento entre os idosos incontinentes no estudo de linha de base.

Gráfico 1
Prevalência de autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos entre idosos com e sem incontinência urinária em 2008. SIGa-Bagé, 2017 (n = 1.592).

A Tabela 2 mostra a RO e o IC95% para autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos após nove anos de acompanhamento em idosos com IU no estudo de linha de base. As estimativas mudaram pouco após o ajuste para todas as covariáveis. Portanto, para fins de brevidade, resumimos os resultados apenas para o Modelo 2. Após ajuste final, os idosos com IU apresentaram chances 4,02 e 3,35 vezes maior de desenvolver autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos, respectivamente, após nove anos de acompanhamento, comparados aos idosos sem IU no estudo de linha de base (p < 0,001 para ambos) (Tabela 2).

Tabela 2
Razão de odds (RO) e intervalo de confiança (IC) 95% para autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos após nove anos de acompanhamento em idosos com incontinência urinária no estudo de linha de base. SIGa-Bagé, 2017.

Discussão

A prevalência e incidência de IU foi significativamente maior entre as mulheres. As análises longitudinais demonstraram que idosos com IU no estudo de linha de base apresentaram maior prevalência e maior chance de desenvolver autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos, após nove anos de acompanhamento. Em nosso conhecimento, este é o primeiro estudo brasileiro longitudinal e de base populacional que aborda a relação entre autopercepção da saúde, saúde mental e IU na população idosa.

A prevalência de IU aumentou entre os anos de 2008 e 2016/2017, o que era esperado, pois a idade média da população aumentou e não houve reposição da amostra no estudo de acompanhamento. Essas prevalências corroboram achados de outros estudos de base populacional realizados com idosos brasileiros55 Tamanini JTN, Lebrão ML, Duarte YO, Santos JLF, Laurenti R. Analysis of the prevalence of and factors associated with urinary incontinence among elderly people in the Municipality of São Paulo, Brazil: SABE Study (Health, Wellbeing and Aging). Cad Saude Publica 2009; 25(8):1756-1762.,66 Marques LP, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, d'Orsi E. Demographic, health conditions, and lifestyle factors associated with urinary incontinence in elderly from Florianópolis, Santa Catarina, Brazil. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(3):595:606..

Após nove anos de acompanhamento, 80,3% dos idosos não foram identificados com IU e 52,3% apresentaram remissão do problema, esse resultado demonstra que esta condição pode ser prevenida ou até mesmo revertida por meio de ações preventivas e de reabilitação. Estudo realizado por Walters3131 Walters MD. Urinary incontinence in women comes and goes, and reasons remain elusive. BJOG An Int J Obstet Gynaecol 2015; 122(6):824. verificou que a remissão substantiva da IU por mulheres dificilmente ocorre apenas com mudanças no estilo de vida (sem outro tratamento comportamental, médico ou cirúrgico). Cabe destacar que Bagé foi um dos primeiros municípios com mais de 100 mil habitantes do RS a implementar a Estratégia de Saúde da Família (ESF), com rápida expansão no território municipal2626 Thumé E, Facchini LA, Wyshak G, Campbell P. The utilization of home care by the elderly in Brazil's primary health care system. Am J Public Health 2011;101(5):868-874.,2828 Kessler M, Thumé E, Marmot M, Macinko J, Facchini LA, Nedel FB, Wachs LS, Volz PM, de Oliveira C. Family Health Strategy, primary health care, and social inequalities in mortality among older adults in Bagé, Southern Brazil. Am J Public Health 2021; 111(5):927-936., além de ser referência na área de atenção à saúde do idoso, com uma Secretaria de Assistência Social, Habitação e Direitos do Idoso que atuava em conjunto com o Centro do Idoso, viabilizando a prática de atividade física e a promoção do autocuidado, o que pode ter tido efeito positivo na condição de saúde.

A incidência de IU entre os idosos foi de 19,8%, sendo 14,6% entre os homens e 23,2% entre as mulheres. Nosso achado é semelhante aos de estudos da literatura. Pesquisa brasileira realizada com idosos identificou taxa de incidência de IU de 25,6% e 39,3% (×1.000 pessoas-anos) para homens e mulheres, respectivamente, após quatro anos de acompanhamento1212 Tamanini JTN, Pallone LV, Sartori MGF, Girão MJBC, Dos Santos JLF, de Oliveira Duarte YA, van Kerrebroeck PEVA. A populational-based survey on the prevalence, incidence, and risk factors of urinary incontinence in older adults-results from the "SABE STUDY". Neurourol Urodyn 2018; 37(1):466-477.. Em estudo realizado nos EUA com mulheres de 50 a 74 anos, a incidência cumulativa de IU foi de 37,2% após dez anos de acompanhamento3232 Erekson EA, Cong X, Townsend MK, Ciarleglio MM. Ten-year prevalence and incidence of urinary incontinence in older women: a longitudinal analysis of the Health and Retirement Study. J Am Geriatr Soc 2016; 64(6):1274-1280.. Outra pesquisa dos EUA identificou incidência de IU de 29% para as mulheres e 24% para os homens após três anos de acompanhamento3333 Goode PS, Burgio KL, Redden DT, Markland A, Richter HE, Sawyer P, Allman RM. Population-based study of incidence and predicators of urinary incontinence in African American and white older adults. JU 2008; 179(4):1449-1454..

Em todas as análises, a ocorrência de IU foi maior entre as mulheres, corroborando achados da literatura nacional e internacional55 Tamanini JTN, Lebrão ML, Duarte YO, Santos JLF, Laurenti R. Analysis of the prevalence of and factors associated with urinary incontinence among elderly people in the Municipality of São Paulo, Brazil: SABE Study (Health, Wellbeing and Aging). Cad Saude Publica 2009; 25(8):1756-1762.,66 Marques LP, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, d'Orsi E. Demographic, health conditions, and lifestyle factors associated with urinary incontinence in elderly from Florianópolis, Santa Catarina, Brazil. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(3):595:606.,3434 Wu JM, Matthews CA, Vaughan CP, Markland AD. Urinary, fecal, and dual incontinence in older U.S. adults. J Am Geriatr Soc 2015; 63(5):947-953.. A associação do sexo feminino com a ocorrência de IU pode estar relacionada às diferenças no comprimento da uretra entre homens e mulheres, à anatomia do assoalho pélvico, aos efeitos da gestação e do parto sobre os mecanismos da IU e às alterações hormonais55 Tamanini JTN, Lebrão ML, Duarte YO, Santos JLF, Laurenti R. Analysis of the prevalence of and factors associated with urinary incontinence among elderly people in the Municipality of São Paulo, Brazil: SABE Study (Health, Wellbeing and Aging). Cad Saude Publica 2009; 25(8):1756-1762..

As análises longitudinais demonstraram ainda uma maior incidência de autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos entre os idosos com IU no estudo de linha de base, comparados àqueles sem incontinência. As análises de regressão confirmaram essa associação: idosos com IU em 2008 apresentaram chances 3,3 e 2,7 vezes maior, respectivamente, de apresentar autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos, após nove anos de acompanhamento (2016/2017), mesmo depois do ajuste final. Esses resultados revelam a necessidade e a importância da avaliação e do acompanhamento de sentimentos e fatores psicossociais em idosos que referem IU, bem como a adoção de ações de reabilitação.

Uma análise transversal do estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (SABE) de São Paulo (SP) mostrou que a prevalência de IU foi de 22,5% para os idosos com 75 anos ou mais que autorreferiram a saúde como excelente ou boa, e 41,5% entre os idosos que autorreferiam a saúde como regular ou ruim55 Tamanini JTN, Lebrão ML, Duarte YO, Santos JLF, Laurenti R. Analysis of the prevalence of and factors associated with urinary incontinence among elderly people in the Municipality of São Paulo, Brazil: SABE Study (Health, Wellbeing and Aging). Cad Saude Publica 2009; 25(8):1756-1762.. Outro estudo transversal de base populacional realizado em Cuiabá (MT) identificou que a autoavaliação da saúde péssima e ruim foi 1,33 maior entre os idosos incontinentes, em comparação com aqueles sem IU2525 Cardoso JDC, Azevedo RC S, Reiners AAO, Louzadad CV, Espinosae MM. Poor self-rated health and associated factors among elderly urban residents. Rev Gauch Enferm 2014; 35(4):35-41..

Os achados da associação entre IU e depressão corroboram resultados de estudos transversais de base populacional brasileiros1010 Kessler M, Facchini LA, Soares MU, Nunes BP, França SM, Thumé E. Prevalence of urinary incontinence among the elderly and relationship with physical and mental health indicators. Rev Bras Geriatr e Gerontol 2018; 21(4):397-407.,3535 Guimarães L de A, Brito TA, Pithon KR, Jesus CS, Souto CS, Souza SJN, Santos TS. Sintomas depressivos e fatores associados em idosos residentes em instituição de longa permanência. Cien Saude Colet 2019;24(9):275-282. e internacionais1919 Lim YM, Lee SR, Choi EJ, Jeong K, Chung HW. Urinary incontinence is strongly associated with depression in middle-aged and older Korean women: data from the Korean longitudinal study of ageing. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 2018; 220:69-73.

20 Nygaard I, Turvey C, Burns TL, Crischilles E, Wallace R. Urinary incontinence and depression in middle-aged United States women. Obstet Gynecol 2003;101(1):149-156.

21 Vigod SN, Stewart DE. Major depression in female urinary incontinence. Psychosomatics 2006; 47(2):147-151.

22 Felde G, Bjelland I, Hunskaar S. Anxiety and depression associated with incontinence in middle-aged women: a large Norwegian cross-sectional study. Int Urogynecol J 2012; 23(3):299-306.

23 Townsend MK, Minassian VA, Okereke OI, Resnick NM, Grodstein F. Urinary incontinence and prevalence of high depressive symptoms in older black versus white women. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 2014; 25(6):823-829.
-2424 Stickley A, Santini ZI, Koyanagi A. Urinary incontinence, mental health and loneliness among community-dwelling older adults in Ireland. BMC Urol 2017;17(1):29.. Pesquisa realizada com idosas na Noruega observou que as mulheres com IU apresentaram em torno de 1,60 maior chance de desenvolver transtorno depressivo e ansiedade, comparadas às mulheres sem IU, mesmo após ajustes2222 Felde G, Bjelland I, Hunskaar S. Anxiety and depression associated with incontinence in middle-aged women: a large Norwegian cross-sectional study. Int Urogynecol J 2012; 23(3):299-306.. Nos EUA, mulheres idosas com incontinência grave e moderada apresentaram, respectivamente, 1,82 e 1,41 maior chance de ter depressão2020 Nygaard I, Turvey C, Burns TL, Crischilles E, Wallace R. Urinary incontinence and depression in middle-aged United States women. Obstet Gynecol 2003;101(1):149-156.. No mesmo país, pesquisa identificou que o aumento da frequência e da gravidade de IU esteve associada à maior prevalência de sintomas depressivos em mulheres negras e brancas2323 Townsend MK, Minassian VA, Okereke OI, Resnick NM, Grodstein F. Urinary incontinence and prevalence of high depressive symptoms in older black versus white women. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 2014; 25(6):823-829.. Estudo realizado na Irlanda evidenciou que a IU esteve associada à solidão, mas essa associação foi explicada por problemas de saúde mental, em particular a presença de depressão2424 Stickley A, Santini ZI, Koyanagi A. Urinary incontinence, mental health and loneliness among community-dwelling older adults in Ireland. BMC Urol 2017;17(1):29.. Em pesquisa Coreana também realizada com mulheres, os escores de depressão pioraram com o agravamento dos sintomas de IU nos idosos1919 Lim YM, Lee SR, Choi EJ, Jeong K, Chung HW. Urinary incontinence is strongly associated with depression in middle-aged and older Korean women: data from the Korean longitudinal study of ageing. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 2018; 220:69-73..

Esses resultados demonstram que a incontinência interfere significativamente na forma como os idosos percebem sua saúde e no desenvolvimento de sintomas depressivos. No entanto, são escassos os estudos e as análises longitudinais, o que dificulta comparações.

A IU pode causar situações constrangedoras e estressantes que têm impacto negativo na autoestima e na qualidade de vida55 Tamanini JTN, Lebrão ML, Duarte YO, Santos JLF, Laurenti R. Analysis of the prevalence of and factors associated with urinary incontinence among elderly people in the Municipality of São Paulo, Brazil: SABE Study (Health, Wellbeing and Aging). Cad Saude Publica 2009; 25(8):1756-1762.. É possível afirmar que idosos incontinentes evitam atividades sociais por terem vergonha de sua condição, e assim causam mudanças no estilo de vida, com a redução nas redes e relações sociais, o que pode ter impacto negativo na saúde mental, contribuindo para o desenvolvimento de depressão2020 Nygaard I, Turvey C, Burns TL, Crischilles E, Wallace R. Urinary incontinence and depression in middle-aged United States women. Obstet Gynecol 2003;101(1):149-156.. Essas condições reforçam a estigmatização social pela doença, e muitas vezes não são reconhecidas pelos profissionais de saúde2222 Felde G, Bjelland I, Hunskaar S. Anxiety and depression associated with incontinence in middle-aged women: a large Norwegian cross-sectional study. Int Urogynecol J 2012; 23(3):299-306..

A avaliação criteriosa da prevalência e da incidência de IU na população idosa e seu impacto na percepção da saúde e da saúde mental é o destaque deste estudo. Os resultados encontrados são representativos da população idosa moradora da zona urbana de Bagé e destacam a necessidade de ações voltadas à prevenção e ao diagnóstico precoce da IU, minimizando dessa forma o desenvolvimento de autopercepção negativa da saúde, de sintomas depressivos, o agravamento da condição de saúde e assim evitando a mortalidade prematura. Por ser um estudo longitudinal, foi possível identificar que a presença da IU determinou a ocorrência da autopercepção negativa da saúde e de sintomas depressivos entre os idosos.

Uma das limitações da pesquisa foi o intervalo de oito a nove anos entre as duas medidas, e a consequente taxa de não respondentes (40% de óbitos, 14% de perdas e recusas), o que reduziu o poder estatístico das análises e afetou a capacidade de identificar outras possíveis associações significativas. Além disso, apesar de ser um procedimento válido e utilizado em diversos estudos, a IU foi aferida por uma pergunta-chave e não utilizou instrumentos validados para rastrear o problema. Destaca-se ainda que a maioria dos estudos publicados que abordam a IU e problemas mentais decorrentes foram realizados com mulheres. Considera-se a necessidade de ampliar e aprofundar as pesquisas sobre percepções, sentimentos e problemas mentais decorrentes de IU entre os idosos do sexo masculino. No entanto, isso não foi possível neste estudo, considerando as limitações relacionadas ao tamanho da amostra, o que inviabilizou estratificações.

Concluindo, os resultados mostram que a IU determina a ocorrência da autopercepção negativa da saúde e de sintomas depressivos entre os idosos na comunidade. Esses resultados reforçam a importância do cuidado ampliado ao idoso, com avaliação abrangente e qualificada da saúde desses indivíduos, possibilitando a detecção precoce, o tratamento e a reabilitação para IU como medida protetiva para piores desfechos, com destaque para autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos. Outros estudos longitudinais de base populacional são necessários para caracterizar com precisão os fatores de risco da IU e seu impacto na saúde mental entre os idosos vivendo na comunidade.

Agradecimentos

À equipe de pesquisadores do estudo Saúde do Idoso Gaúcho de Bagé (SIGa-Bagé) da Universidade Federal de Pelotas, à Universidade da Região da Campanha, pela disponibilidade e auxílio durante a coleta de dados na cidade de Bagé, e aos idosos participantes dos estudos. O SIGa-Bagé foi financiado por docentes e discentes pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas, bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Referências

  • 1
    Abrams P, Cardozo L, Fall M, Griffiths D, Rosier P, Ulmsten U, Van Kerrebroeck P, Victor A, Wein A, Standardisation Sub-Committee of the International Continence Society. The standardisation of terminology in lower urinary tract function: report from the standardisation sub-committee of the International Continence Society. Urology 2003; 61(1):37-49.
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Cadernos de Atenção Básica no 19; Brasília: MS; 2006.
  • 3
    Moraes E, Marino M, Santos R. Principais síndromes geriátricas. Rev Med Minas Gerais 2010; 20(1):54-66.
  • 4
    Liu C, Andrews GR. Prevalence and incidence of urinary incontinence in the elderly: a longitudinal study in South Australia. Chin Med J (Engl) 2002; 115(1):119-122.
  • 5
    Tamanini JTN, Lebrão ML, Duarte YO, Santos JLF, Laurenti R. Analysis of the prevalence of and factors associated with urinary incontinence among elderly people in the Municipality of São Paulo, Brazil: SABE Study (Health, Wellbeing and Aging). Cad Saude Publica 2009; 25(8):1756-1762.
  • 6
    Marques LP, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, d'Orsi E. Demographic, health conditions, and lifestyle factors associated with urinary incontinence in elderly from Florianópolis, Santa Catarina, Brazil. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(3):595:606.
  • 7
    Carvalho MP, Andrade FP, Peres W, Martinelli P, Simch F, Orcy RB, Seleme MR. O impacto da incontinência urinária e seus fatores associados em idosas. Rev Bras Geriatr e Gerontol 2014;17(4):721-730.
  • 8
    Asemota O, Eldemire-Shearer D, Waldron NK, Standard-Goldson A. Prevalence of self-reported urinary incontinence in community-dwelling older adults of westmoreland, Jamaica. MEDICC Rev 2016; 18(1-2):41.
  • 9
    Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Medeiros SM, Lima CA, Costa FM, Caldeira AP. Prevalência e fatores associados à incontinência urinária em idosos não institucionalizados. Cad Saude Colet 2017;25(3):268-277.
  • 10
    Kessler M, Facchini LA, Soares MU, Nunes BP, França SM, Thumé E. Prevalence of urinary incontinence among the elderly and relationship with physical and mental health indicators. Rev Bras Geriatr e Gerontol 2018; 21(4):397-407.
  • 11
    Milsom I, Gyhagen M. The prevalence of urinary incontinence. Climacteric 2019; 22(3):217-222.
  • 12
    Tamanini JTN, Pallone LV, Sartori MGF, Girão MJBC, Dos Santos JLF, de Oliveira Duarte YA, van Kerrebroeck PEVA. A populational-based survey on the prevalence, incidence, and risk factors of urinary incontinence in older adults-results from the "SABE STUDY". Neurourol Urodyn 2018; 37(1):466-477.
  • 13
    Silva A, Almeida C, Aguiar H, Neves M, Teles M. Prevalência e impacto da incontinência urinária na qualidade de vida da mulher. Rev Port Med Geral e Fam. 2013; 29(6):364-376.
  • 14
    Silay K, Akinci S, Ulas A, Yalcin A, Silay YS, Akinci MB, Dilek I, Yalcin B. Occult urinary incontinence in elderly women and its association with geriatric condition. Eur Rev Med Pharmacol Sci 2016; 20(3):447-451.
  • 15
    Park J, Son Hong GR. Association of functional ability and benign prostatic hyperplasia with urinary incontinence in older Korean men. Int Neurourol J 2016; 20(2):137-142.
  • 16
    Sohn K, Lee CK, Shin J, Lee J. Association between female urinary incontinence and geriatric health problems: results from Korean longitudinal study of ageing (2006). Korean J Fam Med 2018; 39(1):10-14.
  • 17
    Honório MO, Santos SMA. Incontinência urinária e envelhecimento: impacto no cotidiano e na qualidade de vida. Rev Bras Enferm 2009;62(1):51-56.
  • 18
    Tamanini JTN, Santos JLF, Lebrão ML, Duarte YAO, Laurenti R. Association between urinary incontinence in elderly patients and caregiver burden in the city of Sao Paulo/Brazil: Health, Wellbeing, and Ageing Study. Neurourol Urodyn 2011; 30(7):1281-1285.
  • 19
    Lim YM, Lee SR, Choi EJ, Jeong K, Chung HW. Urinary incontinence is strongly associated with depression in middle-aged and older Korean women: data from the Korean longitudinal study of ageing. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 2018; 220:69-73.
  • 20
    Nygaard I, Turvey C, Burns TL, Crischilles E, Wallace R. Urinary incontinence and depression in middle-aged United States women. Obstet Gynecol 2003;101(1):149-156.
  • 21
    Vigod SN, Stewart DE. Major depression in female urinary incontinence. Psychosomatics 2006; 47(2):147-151.
  • 22
    Felde G, Bjelland I, Hunskaar S. Anxiety and depression associated with incontinence in middle-aged women: a large Norwegian cross-sectional study. Int Urogynecol J 2012; 23(3):299-306.
  • 23
    Townsend MK, Minassian VA, Okereke OI, Resnick NM, Grodstein F. Urinary incontinence and prevalence of high depressive symptoms in older black versus white women. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 2014; 25(6):823-829.
  • 24
    Stickley A, Santini ZI, Koyanagi A. Urinary incontinence, mental health and loneliness among community-dwelling older adults in Ireland. BMC Urol 2017;17(1):29.
  • 25
    Cardoso JDC, Azevedo RC S, Reiners AAO, Louzadad CV, Espinosae MM. Poor self-rated health and associated factors among elderly urban residents. Rev Gauch Enferm 2014; 35(4):35-41.
  • 26
    Thumé E, Facchini LA, Wyshak G, Campbell P. The utilization of home care by the elderly in Brazil's primary health care system. Am J Public Health 2011;101(5):868-874.
  • 27
    Thumé E, Kessler M, Machado KP, Nunes BP, Volz PM, Wachs LS, Soares MU, Saes MO, Duro SM, Dilélio AS, Facchini LA. Cohort study of ageing from Bagé (SIGa-Bagé), Brazil: profile and methodology. BMC Public Health 2021; 21(1):1089.
  • 28
    Kessler M, Thumé E, Marmot M, Macinko J, Facchini LA, Nedel FB, Wachs LS, Volz PM, de Oliveira C. Family Health Strategy, primary health care, and social inequalities in mortality among older adults in Bagé, Southern Brazil. Am J Public Health 2021; 111(5):927-936.
  • 29
    Almeida OP, Almeida SA. Short versions of the geriatric depression scale: a study of their validity for the diagnosis of a major depressive episode according to ICD-10 and DSM-IV. Int J Geriatr Psychiatry 1999; 14(10):858-865.
  • 30
    World Health Organization (WHO). Obesity [internet]. 2020. [cited 2020 Dec 14]. Available from: https://www.who.int/health-topics/obesity#tab=tab_1
    » https://www.who.int/health-topics/obesity#tab=tab_1
  • 31
    Walters MD. Urinary incontinence in women comes and goes, and reasons remain elusive. BJOG An Int J Obstet Gynaecol 2015; 122(6):824.
  • 32
    Erekson EA, Cong X, Townsend MK, Ciarleglio MM. Ten-year prevalence and incidence of urinary incontinence in older women: a longitudinal analysis of the Health and Retirement Study. J Am Geriatr Soc 2016; 64(6):1274-1280.
  • 33
    Goode PS, Burgio KL, Redden DT, Markland A, Richter HE, Sawyer P, Allman RM. Population-based study of incidence and predicators of urinary incontinence in African American and white older adults. JU 2008; 179(4):1449-1454.
  • 34
    Wu JM, Matthews CA, Vaughan CP, Markland AD. Urinary, fecal, and dual incontinence in older U.S. adults. J Am Geriatr Soc 2015; 63(5):947-953.
  • 35
    Guimarães L de A, Brito TA, Pithon KR, Jesus CS, Souto CS, Souza SJN, Santos TS. Sintomas depressivos e fatores associados em idosos residentes em instituição de longa permanência. Cien Saude Colet 2019;24(9):275-282.

  • Errata

    Ciência & Saúde Coletiva
    volume 27, número 6 - 2022
    No artigo Efeito da incontinência urinária na autopercepção negativa da saúde e depressão em idosos: uma coorte de base populacional, DOI: 10.1590/1413-81232022276.10462021
    p. 2262,
    a Figura 1 correta é:
    Figura 1
    População com e sem IU em 2008 e diagnosticados com autopercepção negativa da saúde e sintomas depressivos após nove anos de acompanhamento. SIGa-Bagé, 2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2021
  • Aceito
    16 Ago 2021
  • Publicado
    18 Ago 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br