Associação entre padrão de publicidade e alimento ultraprocessado em pequenos mercados

Carolina Hatsuko Kikuta Batista Fernanda Helena Marrocos Leite Camila Aparecida Borges Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste artigo é caracterizar os apelos publicitários presentes no ambiente alimentar para comercializar alimentos ultraprocessados e analisar o perfil nutricional desses alimentos segundo critérios da OPAS e presença de aditivos alimentares. Estudo transversal, com dados auditados em 20 pequenos supermercados de São Paulo. O protocolo INFORMAS foi utilizado para classificar as mensagens publicitárias. Os alimentos foram classificados segundo a NOVA. O perfil nutricional da OPAS foi utilizado para classificar os alimentos elevados em nutrientes críticos. Os padrões de publicidade foram identificados por análise fatorial. A associação entre os padrões e os grupos de alimentos foi investigada por regressão linear. Mais de 95% dos alimentos ultraprocessados tinham pelo menos um nutriente crítico em excesso. Verificou-se associação positiva entre o padrão nova marca, divertido e vantajoso com salgadinhos, produtos pré-prontos, lácteos e biscoitos, e entre o padrão nova marca e uso sugerido com lácteos. A padronização da publicidade de alimentos nos pequenos comércios varejistas está associada à oferta de salgadinhos, produtos lácteos, alimentos pré-prontos e biscoitos, produtos que excedem em nutrientes críticos.

Palavras-chave:
Publicidade de alimentos; Marketing; Comercialização de produtos; Alimentos industrializados; Estudos transversais

Introdução

O ambiente alimentar se refere ao contexto físico, econômico, político e sociocultural no qual os consumidores se envolvem com o sistema alimentar para tomar suas decisões sobre aquisição, preparação e consumo de alimentos11 The High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition Committee. Nutrition and food systems: a report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security. Rome: High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security; 2017.. Modelos conceituais mais recentes descrevem o ambiente alimentar como um lugar crítico no sistema alimentar para implementar intervenções de apoio a dietas sustentáveis e abordar a sindemia global de obesidade, subnutrição e mudanças climáticas, considerando-se a importância do ambiente alimentar nas escolhas nutricionais22 Downs SM, Ahmed S, Fanzo J, Herforth A. Food environment typology: advancing an expanded definition, framework, and methodological approach for improved characterization of wild, cultivated, and built food environments toward sustainable diets. Foods 2020; 9(4):532.. O ambiente alimentar é complexo e multidimensional e exerce influência sobre os padrões alimentares33 Glanz K, Sallis JF, Saelens BE, Frank LD. Healthy nutrition environments: concepts and measures. Am J Health Promot 2005; 19(5):330-333. . O ambiente pode atuar como fator de risco para obesidade e o alcance de uma alimentação adequada e saudável quando oferece obstáculos como custo, dificuldades de acesso e disponibilidade de alimentos saudáveis, publicidade de produtos ultraprocessados e falta de informação44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2.ed. Brasília: MS; 2014..

O ambiente alimentar do consumidor é o espaço onde os alimentos estão disponíveis de modo que possamos planejar e realizar as compras para o preparo das refeições. Destacam-se nesse ambiente os comércios vajeristas de alimentos, como supermercados, mercados, hortifrutis, sacolões, feiras-livres, restaurantes e bares55 Executive Secretariat of the Interministerial Chamber for Food and Nutrition Security (CAISAN). Mapeamento dos desertos alimentares no Brasil. 2018. [acessado 2021 mai 17]. Disponível em: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/noticias/arquivos/files/Estudo_tecnico_mapeamento_desertos_alimentares.pdf
https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/n...
. No espaço interno desses comércios, fatores como a disponibilidade de alimentos, o preço, o posicionamento nas prateleiras e a publicidade irão influenciar as escolhas, o consumo e os gastos com aquisição de alimentos66 Dannefer R, Williams DA, Baronberg S, Silver L. Healthy bodegas: increasing and promoting healthy foods at corner stores in New York City. Am J Public Health 2012; 102(10):e27-31.,77 Houghtaling B, Serrano EL, Kraak VI, Harden SM, Davis GC, Misyak SA. A systematic review of factors that influence food store owner and manager decision making and ability or willingness to use choice architecture and marketing mix strategies to encourage healthy consumer purchases in the United States, 2005-2017. Int J Behav Nutr Phys Act 2019; 16(1):5..

No Brasil, dados de inquéritos populacionais88 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Household budget survey, 2017-2018: First results. Rio de Janeiro: IBGE; 2019. mostram o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, relacionado com a obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis na população44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2.ed. Brasília: MS; 2014.. Os ultraprocessados possuem elevado teor de açúcares, gorduras e sódio, são pobres em fibras alimentares, vitaminas e minerais, e são constituídos também por uma gama de aditivos alimentares sintéticos. Além disso, contam com publicidade agressiva e estão amplamente distribuídos no ambiente alimentar do consumidor, em especial nos supermercados99 Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac JC, Louzada ML, Rauber F, Khandpur N, Cediel G, Neri D, Martinez-Steele E, Baraldi LG, Jaime PC. Ultra-processed foods: what they are and how to identify them. Public Health Nutr 2019; 22(5):936-941..

No Brasil, um estudo verificou que comprar alimentos em supermercados aumenta a aquisição de ultraprocessados1010 Machado PP, Claro RM, Martins APB, Costa JC, Levy RB. Is food store type associated with the consumption of ultra-processed food and drink products in Brazil? Public Health Nutr 2018; 21(1):201-209.. Além disso, mostrou que esses estabelecimentos são escolhidos com maior frequência pela população para adquirir alimentos. Sabe-se que nos supermercados os consumidores estão expostos a diversas estratégias publicitárias, com os mais variados apelos ao consumidor não só nas embalagens dos produtos, mas na forma de posicioná-los, na divulgação de promoções e marcas, nas políticas de preços, entre outros artifícios1111 Duran AC. Ambiente alimentar urbano em São Paulo, Brasil: avaliação, desigualdades e associação com consumo alimentar [tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2013..

A publicidade de ultraprocessados está entre os fatores que mais influencia a compra e o consumo desses alimentos, principalmente entre crianças e adolescentes1212 Mcginnis JM, Gootman J, Kraak VI, editors. Food marketing to children and youth: Threat or opportunity? Washington: National Academy Press; 2006.. O uso de materiais publicitários nos comércios varejistas, como displays, cartazes e bandeirolas, folders e folhetos com divulgação de promoções e ofertas, presença de ilhas promocionais, levam ao estímulo das compras por impulso e à aquisição de alimentos não saudáveis1313 Wakabayashi J, Alzamora Ruiz J, Guerrero C. La influencia de los objetivos de compra en la efectividad de las acciones de trade marketing dentro de los supermercados. Estudios Gerenciales 2018; 34(146):42-51.. Mensagens publicitárias com alegações de nutrição e saúde aumentam a percepção de saudabilidade dos alimentos, mesmo que a composição nutricional do produto não seja condizente com a alegação1414 Acton RB, Hammond D. Do manufacturer 'nutrient claims' influence the efficacy of mandated front-of-package labels? Public Health Nutr 2018; 21(18):3354-3359..

Segundo a literatura, as estratégias publicitárias presentes nos comércios varejistas de alimentos podem favorecer ou dificultar a aquisição de alimentos saudáveis1515 Lopes ACS, Menezes MC, Araújo ML. O ambiente alimentar e o acesso a frutas e hortaliças: "Uma metrópole em perspectiva". Saude Soc 2017; 26(3):764-773.. O Brasil recém aprovou a nova lei de rotulagem nutricional frontal pela RDC 429 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que avançou na discussão dos aspectos nutricionais nos rótulos de alimentos e bebidas comercializados, no entanto a discussão sobre a publicidade de alimentos tanto na embalagem quanto no ambiente do consumidor ainda é uma lacuna no país. Nesse sentido, são necessários estudos para investigar a relação entre publicidade no ambiente alimentar do consumidor, divulgação e venda de alimentos com excesso de nutrientes críticos, como sal, gordura e açúcar. Essa produção de evidência poderá dar subsídios ao avanço das políticas de rotulagem e de regulação do ambiente alimentar, apoiando o consumidor a fazer escolhas mais saudáveis nesses espaços. Para avançar na criação de ambientes alimentares saudáveis, é fundamental analisar a relação entre as alegações publicitárias e a composição nutricional dos alimentos ofertados no ambiente do consumidor. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é caracterizar os apelos publicitários presentes no ambiente alimentar do consumidor para comercializar alimentos ultraprocessados e analisar o perfil nutricional desses alimentos segundo critérios da Organização Panamericana da Saúde (OPAS) e a presença de aditivos alimentares.

Metodologia

Desenho e amostra do estudo

Trata-se de um estudo observacional de corte transversal com dados de mensagens publicitárias de alimentos e bebidas ultraprocessados coletados no ambiente alimentar do consumidor, em uma amostra de conveniência de mercados de pequeno porte (com presença de até três caixas registradoras)1717 Parente J. Varejo no Brasil: gestão e estratégia. São Paulo: Atlas; 2000. localizados em três cidades da região metropolitana de São Paulo. Um total de 20 mercados foram visitados, sendo dez em Osasco, três em São Paulo e sete em São Bernardo do Campo. Os mercados escolhidos eram próximos ao local de estudo e residência dos pesquisadores e foram identificados pela plataforma digital Google Maps em um buffer de até 2 km de distância, favorecendo o deslocamento dos pesquisadores. Nas cidades de Osasco e São Bernardo do Campo, os mercados identificados ao redor desse buffer se situavam em localidades de baixa renda, e em São Paulo de média e alta renda.

Auditoria do ambiente alimentar do consumidor

Foi realizada uma auditoria interna nos mercados utilizando o instrumento previamente validado AUDITNOVA1818 Borges CA, Scaciota LL, Gomes ATS, Serafim P, Jaime PC. Manual de aplicação de instrumento de auditoria do ambiente alimentar baseado na nova classificação de alimentos do Guia Alimentar (NOVA). São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2018.. Para este estudo, apenas os 18 alimentos ultraprocessados presentes no AUDITNOVA foram observados no interior dos comércios. O instrumento foi adaptado com o objetivo de captar detalhes de informações sobre as estratégias de publicidade ofertadas nos comércios. O pesquisador identificou a presença ou ausência dos 18 tipos de alimentos ultraprocessados e descreveu na íntegra o texto da mensagem publicitária presente na oferta desse alimento (por exemplo: Praticar alegria faz bem!; Agora muito + crocante. Experimente!). Em seguida, as mensagens foram codificadas e agrupadas por similaridade, seguindo um protocolo específico descrito na seção a seguir. Os pesquisadores foram treinados segundo protocolos de coleta de dados de ambiente alimentar previamente desenvolvidos para aplicação do instrumento AUDITNOVA1818 Borges CA, Scaciota LL, Gomes ATS, Serafim P, Jaime PC. Manual de aplicação de instrumento de auditoria do ambiente alimentar baseado na nova classificação de alimentos do Guia Alimentar (NOVA). São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2018. e a coleta ocorreu entre os meses de julho a agosto de 2018.

Construção das variáveis do estudo

As mensagens publicitárias identificadas nos mercados foram categorizadas em nove tipos de alegações publicitárias com base no protocolo/módulo de publicidade desenvolvido pelo International Network for Food and Obesity/Non-communicable Diseases (NCDs) Research, Monitoring and Action Support - INFORMAS1919 Kelly B. INFORMAS Protocol: Food Promotion Module: Food Marketing - Television Protocol. Auckland; The University of Auckland; 2017.. Os protocolos produzidos pelo INFORMAS para o módulo de publicidade têm como objetivo orientar o monitoramento da publicidade de alimentos em diversos países. As categorias de publicidade adaptadas do módulo INFORMAS para este estudo foram: 1. características de base sensorial (sabor, textura, aparência, aroma); 2. desenvolvimento de nova marca; 3. uso sugerido (por exemplo, ótimo para lancheiras); 4. os usuários sugeridos são crianças ou família inteira; 5. afirmações emotivas (diversão, sentimentos, popularidade); 6. puffery (alegando ser vantajoso em relação a outros produtos); 7. conveniência; 8. preço (promoções e brindes); 9. saúde e nutrição. Apenas as mensagens publicitárias para alimentos ultraprocessados foram utilizadas.

Classificação dos grupos de alimentos

Para facilitar a análise e organização dos dados, os ultraprocessados foram agrupados com base nos subgrupos de alimentos ultraprocessados considerados na NOVA classificação de alimentos de Monteiro et al. 201999 Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac JC, Louzada ML, Rauber F, Khandpur N, Cediel G, Neri D, Martinez-Steele E, Baraldi LG, Jaime PC. Ultra-processed foods: what they are and how to identify them. Public Health Nutr 2019; 22(5):936-941.: Doces e guloseimas (sorvetes, gelatinas, chocolates, chicletes e balas), salgadinhos (salgadinhos de milho, pipocas) óleos e gorduras (margarinas), pré-prontos (macarrão instantâneo, sopas, temperos prontos), embutidos (salsichas, salames, mortadelas, presuntos, linguiças), bebidas açucaradas (refrigerantes, sucos em pó, néctar); produtos lácteos (bebidas lácteas, queijo cremoso), panificados (bolos, pães e farofas), biscoito (biscoitos doces, biscoitos salgados, bolachas recheadas), cereais açucarados (cereais matinais, barras de cereal).

Tratamento das informações de composição nutricional

Foram coletadas informações da lista de ingredientes e a composição nutricional (macro e micronutrientes). Consideraram-se ingredientes todos os itens da lista, exceto os aditivos alimentares, que foram analisados em separado. Para a coleta dessas informações, foram consultados os sites das empresas produtoras de alimentos, e quando a informação não estava disponível, a coleta foi realizada in loco pelo pesquisador responsável.

Os aditivos alimentares foram agrupados em emulsificantes, acidulantes e edulcorantes. Consideraram-se emulsificantes a lecitina, os mono e diglicerídeos de ácidos graxos e a maltodextrina2020 Partridge D, Lloyd KA, Rhodes JM, Walker AW, Johnstone AM, Campbell BJ. Food additives: Assessing the impact of exposure to permitted emulsifiers on bowel and metabolic health - introducing the FADiets study. Nutr Bull 2019; 44(4):329-349.; os acidulantes2121 Chazelas E, Deschasaux M, Srour B, Kesse-Guyot E, Julia C, Alles B, Druesne-Pecollo N, Galan P, Hercberg S, Latino-Martel P, Esseddik Y, Szabo F, Slamich P, Gigandet S, Touvier M. Food additives: distribution and co-occurrence in 126,000 food products of the French market. Sci Rep 2020; 10(1):3980. foram os ácidos cítrico, láctico, málico, acético, fumárico, sórbico e fosfórico; os três grupos de edulcorantes: não calóricos artificiais (aspartame, sucralose, sacarina e acessulfame de potássio), não calóricos naturais (estévia) e calóricos (sorbitol, manitol, lactitol e isomalte)1616 Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Modelo de perfil nutricional da Organização Pan-Americana de Saúde. Washington: OPAS; 2016..

Os dados de macro e micronutrientes encontrados na tabela de composição nutricional foram calculados por 100 gramas ou 100 ml (para líquidos) do produto. Como no Brasil ainda não é obrigatório divulgar a quantidade de açúcares livres na tabela de composição nutricional, fez-se uma estimativa desse nutriente seguindo os critérios da OPAS1616 Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Modelo de perfil nutricional da Organização Pan-Americana de Saúde. Washington: OPAS; 2016., que considera as informações sobre a quantidade de açúcares totais declarados nos rótulos dos alimentos. No entanto, no Brasil também não é obrigatório divulgar a quantidade de açúcares totais na tabela de composição nutricional, por conta disso, e por apenas 41% dos produtos avaliados apresentarem a quantidade desse nutriente por 100 g/ml, a quantidade de açúcares livres foi estimada com base na quantidade de carboidratos por 100 g/ml do produto para as seguintes categorias: bebidas açucaradas e produtos lácteos que continham açúcar na lista de ingredientes, calculado com base na definição de açúcares totais estabelecida pelo perfil de nutrientes da Organização Mundial da Saúde-Europa2222 World Health Organization (WHO). Nutrient profile model. Copenhagen: WHO; 2015..

Para identificar se os alimentos ultraprocessados divulgados pela publicidade possuíam um perfil nutricional desequilibrado, utilizou-se o modelo de perfil nutricional da OPAS1616 Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Modelo de perfil nutricional da Organização Pan-Americana de Saúde. Washington: OPAS; 2016. para nutrientes críticos. Nesse estudo, os nutrientes críticos analisados foram: açúcares livres, sódio, gorduras totais, gorduras saturadas e edulcorantes. Não incluímos a análise de gordura trans entre os nutrientes críticos, pois, apesar de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) exigir a inclusão da informação de presença de gordura trans nos rótulos de alimentos desde 2003, um estudo apontou que a legislação ainda é falha para indicar a quantidade desse nutriente no rótulo2323 Ricardo CZ, Peroseni IM, Mais LA, Martins APB, Duran AC. Trans fat labeling information on Brazilian packaged foods. Nutrients 2019;11(9):2130.. Os pontos de corte utilizados para classificar os alimentos como “altos em” algum nutriente crítico foram os mesmos detalhados no Modelo de Perfil Nutricional da OPAS1616 Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Modelo de perfil nutricional da Organização Pan-Americana de Saúde. Washington: OPAS; 2016.. Foram considerados altos em sódio, os produtos que apresentaram ≥ 1 mg de sódio por kcal; altos em açúcares livres os produtos que apresentaram ≥ 10% do valor energético total proveniente de açúcares livres; e altos em gorduras saturadas os produtos que apresentaram ≥ 10% do valor energético total proveniente de gorduras saturadas1616 Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Modelo de perfil nutricional da Organização Pan-Americana de Saúde. Washington: OPAS; 2016..

Análises estatísticas das variáveis

Para verificar se existe um padrão na distribuição das alegações publicitárias segundo grupos de alimentos, foi empreendida uma análise fatorial exploratória. A abordagem exploratória foi escolhida pela ausência de uma compreensão a priori de quais seriam as possíveis combinações de alegações publicitárias esperadas em diferentes grupos de alimentos ultraprocessados. Considerou-se o valor de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) maior que 0,60 para avaliar a adequação da amostra e para checar a aplicabilidade da análise fatorial para as variáveis escolhidas. Para a definição do número de fatores a ser retido na análise fatorial exploratória, foram utilizados como critérios: eigenvalue (autovalor) acima de 1,0 e o gráfico de scree plot (teste de Cattel). Foi realizada a rotação ortogonal dos fatores pelo método varimax, que permite que esses sejam transformados para encontrar uma melhor distribuição de cargas fatoriais, mais fáceis de serem interpretadas. Cargas fatoriais superiores a 0,20 após a rotação foram consideradas representativas de um padrão de alegações publicitárias. Após a extração dos fatores, calcularam-se escores padronizados de cada um deles para cada grupo alimentar avaliado. Quanto maior o escore, maior é a relação com o grupo de alimento.

As variáveis utilizadas neste estudo foram descritas por meio da média e do intervalo de confiança de 95%. A frequência relativa da presença de nutrientes críticos e da presença de aditivos foi calculada segundo grupos de alimentos ultraprocessados. Para avaliar a associação entre cada um dos padrões de alegações publicitárias com os grupos de alimentos estudados, foram empregados modelos de regressão linear, tendo os escores dos padrões como desfecho e os grupos de alimentos como exposição. Um coeficiente de associação > 1,0 foi considerado como forte associação positiva. Todas as análises foram realizadas com uso do software Stata, versão 15.

Todos os proprietários dos comércios foram orientados quanto à participação na pesquisa e os possíveis riscos, tendo assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi submetido e aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa, sob CAAE no 69045917.5.0000.5421.

Resultados

Um total de 202 mensagens publicitárias foram identificadas nos 20 comércios varejistas auditados. Os alimentos ultraprocessados que apresentaram as maiores quantidades de mensagens publicitárias foram bebidas açucaradas (28,2%), panificados e biscoitos (25,8%), embutidos (16,8%) e doces e guloseimas (10,9%).

A Tabela 1 mostra as médias de macro e micronutrientes por 100 g/ml dos grupos de alimentos ultraprocessados ofertados nas propagandas dos comércios varejistas. Em relação à energia, os grupos de salgadinhos, biscoitos e cereais açucarados apresentaram as maiores médias. Os grupos que apresentaram as quantidades mais elevadas de carboidratos foram os de biscoitos, cereais açucarados e salgadinhos. Já os alimentos com maiores quantidades de proteínas foram os embutidos. Os grupos com médias mais elevadas de gorduras totais foram os de salgadinhos e embutidos, enquanto as maiores médias de gorduras saturadas foram identificadas em margarinas e salgadinhos. As médias mais elevadas de açúcar livre estimado estavam presentes nos grupos de doces e guloseimas e cereais açucarados. Os grupos que apresentaram as maiores médias de sódio foram os de pré-prontos e embutidos. Os cereais açucarados tiveram a maior média de fibras alimentares.

Tabela 1
Média de macro e micronutrientes e açúcar livre estimado por 100g/ml segundo grupos de alimentos ultraprocessados que apresentaram alegações de publicidade no ambiente alimentar do consumidor. São Paulo, 2018.

Na análise dos nutrientes críticos, mais de 80% dos doces e guloseimas tinham altos níveis de açúcares livres, além de altos percentuais de gorduras totais e gorduras saturadas (> 50%). Todos os alimentos pré-prontos foram classificados como altos em sódio, e mais de 70% dos biscoitos eram altos em gorduras totais. A maioria dos grupos de alimentos ultraprocessados analisados (> 95%) eram altos em pelo menos um nutriente crítico (Tabela 2).

Tabela 2
Frequência relativa dos nutrientes críticos segundo modelo de perfil de nutrientes da Organização Panamericana da Saúde para os grupos de alimentos ultraprocessados que apresentaram alegações de publicidade no ambiente alimentar do consumidor (n = 202). São Paulo, 2018.

Os alimentos que apresentaram o maior número de ingredientes (excluindo aditivos) em sua composição foram os cereais açucarados (14,9 itens), os embutidos (10,8 itens) e os salgadinhos (10,2 itens), em média. Os alimentos com as maiores médias de aditivos em sua composição foram os produtos lácteos, com 13,3, os embutidos, com 11,3, e os óleos e gorduras e panificados, com aproximadamente 9 aditivos cada. Em relação aos tipos de aditivos, 50% dos produtos lácteos continham emulsificantes e edulcorantes, e 66,6% continham acidulantes; quase 30% dos embutidos continham acidulantes; 85% dos panificados continham emulsificantes e 38,5% continham edulcorantes, e cerca de 30% das bebidas açucaradas continham edulcorantes (Tabela 3).

Tabela 3
Média de ingredientes, aditivos e distribuição absoluta e relativa da presença de aditivos segundo grupos de alimentos ultraprocessados que apresentaram alegações de publicidade no ambiente alimentar do consumidor (n = 202). São Paulo, 2018.

Na análise fatorial foram obtidos quatro fatores interpretados como padrões de alegações de publicidade encontrados no ambiente alimentar do consumidor. O primeiro padrão foi composto por alegações do tipo: desenvolvimento de nova marca, uso sugerido (por exemplo, ótimo para lancheiras), afirmações emotivas (diversão, sentimentos, popularidade) e puffery (alegando ser vantajoso em relação a outros produtos), sendo nomeado como padrão nova marca, divertido e vantajoso. O segundo foi composto por alegações de afirmações emotivas e foi nomeado de padrão divertido e popular. O terceiro foi caracterizado por alegações de saúde e nutrição e foi nomeado de padrão saudável e nutritivo. O quarto padrão foi composto por alegações do tipo desenvolvimento de nova marca e uso sugerido, sendo nomeado de padrão nova marca e uso sugerido (Tabela 4).

Tabela 4
Cargas fatoriais e variância explicada dos principais fatores de apelos publicitários extraídos pela análise fatorial. São Paulo, 2018.

A análise de regressão linear mostrou associação positiva entre o padrão 1 (nova marca, divertido e vantajoso) com os grupos de alimentos salgadinhos, pré-prontos, produtos lácteos e biscoitos; associação também positiva entre o padrão 4 (nova marca e uso sugerido) com o grupo de produtos lácteos; e associação negativa entre o padrão 2 (divertido e popular) com o grupo de embutidos. As associações positivas indicam que esses grupos de alimentos apresentam maior número desses padrões de alegações estudados, ou seja, possuem maior aderência com esses padrões específicos. Não foram verificadas associações estatisticamente significativas entre o padrão 3 (saudável e nutritivo) com os grupos de alimentos estudados (Tabela 5).

Tabela 5
Associação entre os principais padrões retidos segundo os grupos de alimentos que apresentaram alegações de publicidade no ambiente alimentar do consumidor. São Paulo, 2018.

Discussão

O presente trabalho evidenciou a associação entre diferentes tipos de apelos publicitários presentes nos corredores dos pequenos varejos de alimentos localizados na região da grande São Paulo com grupos específicos de ultraprocessados ofertados nesses locais, sendo que os produtos classificados como salgadinhos, pré-prontos, produtos lácteos e biscoitos estiveram associados ao padrão com maior variedade de apelos publicitários (padrão 1 - nova marca, divertido e vantajoso), demonstrando a diversidade de estratégias utilizadas pelos varejos e as indústrias de alimentos na promoção da venda desses produtos. Além disso, observou-se que mais de 95% dos alimentos ofertados nos comércios avaliados apresentavam perfil nutricional desequilibrado, ou seja, excederam os limites definidos pela OPAS para ao menos um nutriente crítico, ressaltando a massiva exposição dos consumidores à oferta de alimentos não saudáveis.

Os comércios estudados compunham uma amostra de conveniência ao redor do local de moradia dos pesquisadores, e para as cidades de Osasco e São Bernardo do Campo, estavam localizados em bairros periféricos e de menor nível socioeconômico. No Brasil, estudo realizado no município de Jundiaí-SP mostrou que nas áreas periféricas, com menores renda e escolaridade, estão as maiores concentrações de pequenos comércios varejistas de alimentos2424 Fortes MF, Borges CA, Miranda WC, Jaime PC. Mapeando as desigualdades socioeconômicas na distribuição do comércio varejista local. Segur Aliment Nutr 2018; 25(3):45-58.. Relatório produzido pela Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) em 2018 mostrou maior prevalência de comércios de alimentos considerados mistos (que comercializam tanto alimentos saudáveis quanto não saudáveis) no país, em comparação com outros tipos de comércio. Nessa classificação de estabelecimento misto proposta pela CAISAN estavam as mercearias, que possuem perfil semelhante aos pequenos varejos estudados55 Executive Secretariat of the Interministerial Chamber for Food and Nutrition Security (CAISAN). Mapeamento dos desertos alimentares no Brasil. 2018. [acessado 2021 mai 17]. Disponível em: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/noticias/arquivos/files/Estudo_tecnico_mapeamento_desertos_alimentares.pdf
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Pesquisa realizada por Machado et al. em 2018, utilizando dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE de 2008/2009, verificou que o padrão de compra caracterizado pelo uso do varejo tradicional (feiras e vendedores ambulantes, pequenos mercados e agricultores, açougues) foi associado a um consumo menor de produtos ultraprocessados, quando comparado ao padrão de compra via supermercados1010 Machado PP, Claro RM, Martins APB, Costa JC, Levy RB. Is food store type associated with the consumption of ultra-processed food and drink products in Brazil? Public Health Nutr 2018; 21(1):201-209.. No entanto, apesar do pequeno comércio estar associado a aquisições de alimentos mais saudáveis, a questão da publicidade dos alimentos não foi avaliada e, segundo os modelos conceituais de ambiente alimentar, exerce forte influência sobre as escolhas e deve ser olhada conjuntamente com a disponibilidade de alimentos, e não de forma isolada22 Downs SM, Ahmed S, Fanzo J, Herforth A. Food environment typology: advancing an expanded definition, framework, and methodological approach for improved characterization of wild, cultivated, and built food environments toward sustainable diets. Foods 2020; 9(4):532.,33 Glanz K, Sallis JF, Saelens BE, Frank LD. Healthy nutrition environments: concepts and measures. Am J Health Promot 2005; 19(5):330-333.. Nossos resultados mostram que os pequenos comércios de alimentos são locais que possuem padrões de alegações publicitárias que priorizam a oferta de produtos com baixo valor nutricional e devem ter as práticas publicitárias avaliadas e monitoradas.

As diversas estratégias de marketing utilizadas no ambiente alimentar do consumidor têm o objetivo de aumentar as vendas dos produtos e acabam influenciando o consumidor no momento da compra66 Dannefer R, Williams DA, Baronberg S, Silver L. Healthy bodegas: increasing and promoting healthy foods at corner stores in New York City. Am J Public Health 2012; 102(10):e27-31.,77 Houghtaling B, Serrano EL, Kraak VI, Harden SM, Davis GC, Misyak SA. A systematic review of factors that influence food store owner and manager decision making and ability or willingness to use choice architecture and marketing mix strategies to encourage healthy consumer purchases in the United States, 2005-2017. Int J Behav Nutr Phys Act 2019; 16(1):5.. Os resultados mostraram que salgadinhos, produtos lácteos, pré-prontos e biscoitos foram os que apresentaram maior diversidade de estratégias publicitárias, como desenvolvimento de nova marca, uso sugerido, afirmações emotivas e vantagem em relação a outros produtos. Além disso, tais alimentos apresentaram altos níveis de nutrientes críticos. Tal fato é preocupante, uma vez que esses produtos têm sido cada vez mais consumidos por crianças2525 Libanio IFF, Correa RS, Monteiro AS, Vallandro JP. Consumo de alimentos ultraprocessados em crianças atendidas pelo serviço de Atenção Básica na região sul do Brasil. Int J Nutrol 2019; 12(1):35-40. e adolescentes2626 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2013.. A publicidade massiva verificada nos mercados, além da oferta aumentada desses produtos, tem contribuído para esse cenário, já que os comportamentos alimentares nessa faixa etária são influenciados44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2.ed. Brasília: MS; 2014. pelas estratégias de publicidade utilizadas na divulgação desses tipos de alimentos em outros meios de comunicação, como o televisivo2727 Leite FHM, Mais LA, Ricardo CZ, Andrade GC, Guimarães JS, Claro RM, Duran ACDFL, Martins APB. Nutritional quality of foods and non-alcoholic beverages advertised on Brazilian free-to-air television: a cross-sectional study. BMC Public Health 2020; 20(1):385..

No Brasil, outro estudo realizado em 20192828 Camargo AM, Farias JP, Mazzonetto AC, Dean M, Fiates GMR. Content of Brazilian supermarket circulars do not reflect national dietary guidelines. Health Promot Int 2019; 35(5):1052-1060., em Florianópolis, avaliou redes de supermercados, com o intuito de investigar a publicidade e a qualidade dos alimentos ofertados - analisando 16 folhetos de promoções de alimentos, on-line e impressos, e um total de 1.786 alimentos anunciados nos mesmos -, mostrando que a proporção média de alimentos ultraprocessados anunciados nos folhetos era significativamente maior do que a de alimentos in natura ou minimamente processados (p < 0,001). Apesar de não termos avaliado as estratégias publicitárias para os alimentos in natura e minimamente processados, sabe-se que, apesar de escassas77 Houghtaling B, Serrano EL, Kraak VI, Harden SM, Davis GC, Misyak SA. A systematic review of factors that influence food store owner and manager decision making and ability or willingness to use choice architecture and marketing mix strategies to encourage healthy consumer purchases in the United States, 2005-2017. Int J Behav Nutr Phys Act 2019; 16(1):5., podem contribuir para aumentar o consumo de alimentos saudáveis em ambientes como mercados e supermercados, em especial os localizados em bairros de baixa renda2929 Foster GD, Karpyn A, Wojtanowski AC, Davis E, Weiss S, Brensinger C, Tierney A, Guo W, Brown J, Spross C, Leuchten D, Burns PJ, Glanz K. Placement and promotion strategies to increase sales of healthier products in supermarkets in low-income, ethnically diverse neighborhoods: a randomized controlled trial. Am J Clin Nutr 2014; 99(6):1359-1368..

Ao analisarmos a composição de ingredientes e aditivos dos alimentos ofertados nas propagandas dos pequenos mercados, os resultados mostram que os produtos lácteos ultraprocessados (ou bebidas lácteas) apresentaram as maiores quantidade de ingredientes e aditivos em sua composição. Estudos apontam que aditivos alimentares estão associados a processos metabólicos inflamatórios e carcinogênicos, podendo levar à alteração da microbiota, à modificação da barreira intestinal e a outras doenças gastroinstestinais2121 Chazelas E, Deschasaux M, Srour B, Kesse-Guyot E, Julia C, Alles B, Druesne-Pecollo N, Galan P, Hercberg S, Latino-Martel P, Esseddik Y, Szabo F, Slamich P, Gigandet S, Touvier M. Food additives: distribution and co-occurrence in 126,000 food products of the French market. Sci Rep 2020; 10(1):3980.,2222 World Health Organization (WHO). Nutrient profile model. Copenhagen: WHO; 2015..

Os produtos lácteos apresentaram maior prevalência de publicidade relativas ao padrão 4 - nova marca e uso sugerido. Na identificação do apelo de uso sugerido foram utilizadas as seguintes palavras-chave: “toda hora”, “qualquer lugar”, “para acordar”, “compartilhar à mesa”, “para levar na lancheira”, ou seja, expressões que sugerem um momento ou lugar ideal para consumo do produto, até mesmo no ambiente escolar, ou que influenciam o comer de maneira impulsiva em qualquer hora e lugar. Essa forma de publicidade que estimula o consumo excessivo pode se refletir no crescimento do consumo desses alimentos entre adolescentes no Brasil. Segundo dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2017-201888 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Household budget survey, 2017-2018: First results. Rio de Janeiro: IBGE; 2019., os adolescentes consomem nove vezes mais bebidas lácteas do que os idosos, os alimentos ultraprocessados fornecem em média 27% do total das calorias diárias consumidas pelos adolescentes, enquanto para a população com 60 anos ou mais, 15,1%.

Como estratégia para a diminuição do consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil, a Anvisa aprovou, em outubro de 20203030 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução de Diretoria Colegiada nº 429, de 8 de outubro de 2020. Rotulagem Nutricional dos Alimentos Embalados. Diário Oficial da União 2020; 9 out., a nova norma sobre rotulagem nutricional frontal. Essa política pública é importante para promover escolhas alimentares mais saudáveis no momento de compra, uma vez que facilitam o entedimento, por parte do consumidor, da composição nutricional dos alimentos, possivelmente diminuindo a intenção de compra de alimentos ultraprocessados, dada sua composição nutricional desfavorável à saúde3131 Khandpur N, de Morais Sato P, Mais LA, Bortoletto Martins AP, Spinillo CG, Garcia MT, Urquizar Rojas CF, Jaime PC. Are front-of-package warning labels more effective at communicating nutrition information than traffic-light labels? A randomized controlled experiment in a Brazilian sample. Nutrients 2018; 10(6):688.. A nova norma possibilita a identificação dos alimentos com altos níveis de nutrientes críticos, utilizando símbolos informativos na frente das embalagens. No entanto, seguindo os protocolos propostos pelo INFORMAS na avaliação do ambiente alimentar, para além da rotulagem de alimentos, o Brasil precisa avançar na regulação da qualidade dos alimentos disponíveis nos comércios varejistas, assim como na regulação das estratégias publicitárias utilizadas nesses ambientes, que neste estudo foram associadas aos grupos de alimentos com perfil nutricional desequilibrado.

Os padrões de apelos publicitários encontrados nesta pesquisa por meio da análise fatorial exploratória mostraram um conjunto de diferentes estratégias utilizadas pelo varejo e pelas indústrias de alimentos para aumentar as vendas de ultraprocessados e estimular o consumo dos produtos. Esse conjunto de estratégias poderá atuar de forma a alterar a percepção do consumidor sobre quão saudável é determinado produto, levando-o a comprar por acreditar que seja melhor para a saúde, vantajoso ou nutricionalmente superior a outros alimentos1414 Acton RB, Hammond D. Do manufacturer 'nutrient claims' influence the efficacy of mandated front-of-package labels? Public Health Nutr 2018; 21(18):3354-3359..

Sendo a publicidade de alimentos ultraprocessados considerada uma das barreiras para a alimentação saudável44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2.ed. Brasília: MS; 2014., os resultados deste estudo poderão auxiliar na maior compreensão do ambiente alimentar do consumidor como promotor dessas barreiras, com destaque para os pequenos comércios, que têm papel fundamental no abastecimento de bairros mais periféricos e com menor nível socioeconomico, estando presentes na maioria dos municípios Brasileiros55 Executive Secretariat of the Interministerial Chamber for Food and Nutrition Security (CAISAN). Mapeamento dos desertos alimentares no Brasil. 2018. [acessado 2021 mai 17]. Disponível em: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/noticias/arquivos/files/Estudo_tecnico_mapeamento_desertos_alimentares.pdf
https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/n...
. Além disso, os resultados mostraram a necessidade de ampliar discussões sobre o monitoramento da disponibilidade de alimentos e da publicidade nos comércios varejistas, por se tratar de um ambiente fundamental para que a população tenha acesso a alimentos. Com a nova lei de rotulagem que entrará em vigor no próximo ano no Brasil e a necessidade de as indústrias estamparem nos rótulos selos de advertências frontais para alimentos com excesso de sódio, gordura e açúcar, essas estratégias de publicidade no ambiente poderão ser exacerbadas, como já acontece em países como o México, com normas de rotulagem nutricional vigente3232 Cruz-Casarrubias C, Tolentino-Mayo L, Nieto C, Théodore FL, Monterrubio-Flores E. Use of advertising strategies to target children in sugar-sweetened beverages packaging in Mexico and the nutritional quality of those beverages. Pediatr Obes 2021;16(2):e12710..

Entre as vantagens do presente estudo está a análise e caracterização de diferentes variáveis do ambiente alimentar do consumidor (presença de alegações publicitárias, perfil nutricional dos alimentos ultraprocessados ofertados e principais ingredientes e aditivos que compõem os produtos) -, enquanto pesquisas anteriores focaram um atributo específico (só avaliando rótulos, preços ou oferta de alimentos). Nesse sentido, este estudo apresenta um panorama mais detalhado acerca do ambiente alimentar a que o consumidor está exposto (principalmente as comunidades localizadas em regiões de menor renda). Entre as limitações está o fato de a amostra não ser representativa de pequenos varejistas de alimentos, tendo sido selecionada por conveniência. No entanto, o avanço da concentração de mercado pelas grandes redes varejistas de alimentos afeta e homogeniza também as práticas de venda e de publicidade dos proprietários dos pequenos comércios de alimentos77 Houghtaling B, Serrano EL, Kraak VI, Harden SM, Davis GC, Misyak SA. A systematic review of factors that influence food store owner and manager decision making and ability or willingness to use choice architecture and marketing mix strategies to encourage healthy consumer purchases in the United States, 2005-2017. Int J Behav Nutr Phys Act 2019; 16(1):5., que podem ser semelhantes em diversas regiões do Brasil.

Como conclusão, foi possível observar que nos corredores e nas prateleiras dos pequenos comércios varejistas da região da grande São Paulo estão presentes diferentes estratégias publicitárias para comercializar alimentos ultraprocessados com perfil nutricional desequilibrado e presença de variados aditivos alimentares. Em especial salgadinhos, alimentos pré-prontos, produtos lácteos e biscoitos apresentaram um padrão de publicidade caracterizado por apelo à nova marca, divertido e vantajoso, e 100% deles tinham pelo menos um nutriente crítico em excesso. Além disso, para o grupo dos lácteos foi verificada uma média de 13 aditivos na lista de ingredientes. Com este estudo foi possível também identificar certos padrões na publicidade utilizados dentro dos pequenos comércios varejistas para comercializar grupos específicos de alimentos ultraprocessados. O uso de alegações publicitárias que vão desde o lançamento de novos produtos até apelos para diversão, emoções, saúde e bem-estar, mostram que é necessário desenvolver a agenda brasileira para políticas e ações regulatórias voltadas para o ambiente alimentar do consumidor no Brasil, já que essas estratégias influenciam as escolhas alimentares nesses ambientes e podem facilitar o consumo de alimentos não-saudáveis.

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  • Financiamento

    À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) - 2016/12766-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jul 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2021
  • Aceito
    16 Fev 2022
  • Publicado
    18 Fev 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br