Prevalência e fatores associados a sintomas ansiosos e depressivos em mulheres privadas de liberdade em Juiz de Fora-MG, Brasil

Cosme Rezende Laurindo Isabel Cristina Gonçalves Leite Danielle Teles da Cruz Sobre os autores

Resumo

Sofrimento psíquico e desenvolvimento de transtornos mentais nas prisões são questões de saúde pública reconhecidas mundialmente. Objetivou-se identificar a prevalência destes sintomas e os fatores associados em 99 mulheres com mais de 18 anos de idade, nos regimes provisório, fechado e semiaberto de Juiz de Fora-MG. Trata-se de um estudo transversal, do tipo censo, com dados coletados face a face através de questionário semiestruturado e multidimensional. Os desfechos foram avaliados pelo Patient Health Questionannaire-4 (PHQ-4). Para a análise de associação foi construído um modelo teórico de determinação com três blocos hierarquizados. Foram estimadas razões de prevalência brutas por meio do teste Qui-quadrado e ajustadas entre si dentro de cada bloco (p≤0,20). Para o modelo final de regressão de Poisson com variância robusta foi adotado p≤0,05. A prevalência de sintomas ansiosos e depressivos foi, respectivamente, de 75,8% (IC95% 66,1%-83,8%) e 65,7% (IC95% 55,4%-74,9%). No modelo final, sintomas ansiosos associaram-se à presença de sintomas depressivos. Já sintomas depressivos associaram-se à faixa etária de 20 a 29 anos e à presença de sintomas ansiosos. Verificou-se prevalência dos desfechos em mais da metade das participantes, com destaque para interassociação entre eles.

Palavras-chave:
Prisões; Mulheres; Inquéritos epidemiológicos; Transtornos Mentais

Introdução

A privação de liberdade é a estratégia em voga pela segurança pública para pessoas condenadas por determinados tipos de crime. Trata-se do isolamento de indivíduos considerados como perigosos à sociedade e tem como objetivo o impedimento de novos crimes, com compromisso com a reabilitação social das pessoas privadas de liberdade (PPL)11 Santos ATN. A crise no sistema prisional brasileiro: a ineficiência da ressocialização em decorrência da superlotação. CGCHS 2020; 6(1):11-20..

Porém, o que se observa hoje nos estabelecimentos penais brasileiros, de maneira geral, é a violação aos direitos humanos. As unidades prisionais apresentam superlotação, condições desfavoráveis de habitação, precariedade dos espaços físicos, insalubridade, baixo acesso a ações de saúde, escassez de recursos humanos especializados e práticas de violências e agressões de ordem moral, física e simbólica22 Minayo MCS, Constantino P. Deserdados sociais: condições de vida e saúde dos presos do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2015.

3 Ribeiro MAT, Deus NMSF. Mulheres encarceradas: a saúde atrás das grades. Rev Psi Divers Saude 2017; 6(4):324-339.
-44 Santos MV, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Marchiori GRS, Guerra JVV. Saúde mental de mulheres encarceradas em um presídio do estado do Rio de Janeiro. Texto Contexto Enferm 2017; 26(2):e5980015..

Há, atualmente, cerca de 11 milhões de pessoas em privação de liberdade no mundo, sendo que em 2021, 54% de 223 países com informações contidas no banco da World Prision Brief55 World Prison Brief (WPF). The World Prison Brief Data: occupancy level (based on official capacity) [Internet]. 2021 [cited 2021 nov 26]. Available from: https://www.prisonstudies.org/highest-to-lowest/occupancy-level?field_region_taxonomy_tid=All.
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apresentaram taxa de ocupação superior a 100%. No Brasil, até dezembro de 2020, havia mais de 668 mil pessoas cumprindo pena de privação de liberdade, sendo quase 29 mil mulheres (4,29%)66 Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias: julho - dezembro 2020 [Internet]. 2021 [cited 2021 nov 26]. Available from: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZTU2MzVhNWYtMzBkNi00NzJlLTllOWItZjYwY2ExZjBiMWNmIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9.
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. Segundo os dados de 2017 referentes a população feminina privada de liberdade no país, este ocupava a quarta posição em número absoluto e a terceira com relação à taxa de aprisionamento, com crescimento exorbitante do encarceramento feminino de 656% entre o início dos anos 2000 a 201677 Brasil. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN Mulheres. 2ª ed. Brasília: MJSP/DEPEN; 2018..

Este público é composto majoritariamente por mulheres negras, pobres, com baixa qualificação profissional e desempregadas, provenientes por vezes das periferias das cidades33 Ribeiro MAT, Deus NMSF. Mulheres encarceradas: a saúde atrás das grades. Rev Psi Divers Saude 2017; 6(4):324-339.,88 Araújo PF, Ker LRFS, Kendal C, Rutherford GW, Seal DW, Pires Neto RJ, Pinheiro PNC, Galvão MTG, Araújo LF, Pinheiro FML, Silva AZ. Behind bars: the burden of being a woman in Brazilian prisons. BMC Int Health Hum Rights 2020; 20:28.,99 Santos GC, Simôa TC, Bispo TCF, Martins RD, Santos DSS, Almeida AOLC. Covid-19 nas prisões: efeitos da pandemia sobre a saúde mental de mulheres privadas de liberdade. Rev Baiana Enferm 2020; 34:e38235.. Desde antes do cumprimento de pena, estas já eram atravessadas por iniquidades que impactavam negativamente sua saúde, passível de agravamento durante a passagem pelo sistema prisional, passando por dificuldades de acesso e inclusão na Rede de Atenção à Saúde (RAS)1010 Schultz ALV, Dotta RM, Stock BS, Dias MTG. Limites e desafios para o acesso das mulheres privadas de liberdade e egressas do sistema prisional nas Redes de Atenção à Saúde. Physis 2020; 30(3):e300325. de forma satisfatória33 Ribeiro MAT, Deus NMSF. Mulheres encarceradas: a saúde atrás das grades. Rev Psi Divers Saude 2017; 6(4):324-339.. Assim, o conjunto de elementos apresentados configura-se como mola propulsora para o agravamento de condições de saúde preexistentes, como também para o desencadeamento de novos problemas.

O sofrimento psíquico e o desenvolvimento de transtornos mentais dentro do sistema prisional são questões de saúde pública reconhecidas a nível mundial1111 Fazel S, Hayes AJ, Bartellas K, Clerici M, Trestman R. Mental health of prisoners: prevalence, adverse outcomes, and interventions. Lancet Psychiatry 2016; 3(9):871-881.. Quando em comparação com a população em geral, a população privada de liberdade tem pior qualidade da saúde mental e piores indicadores referentes a presença de transtornos mentais1111 Fazel S, Hayes AJ, Bartellas K, Clerici M, Trestman R. Mental health of prisoners: prevalence, adverse outcomes, and interventions. Lancet Psychiatry 2016; 3(9):871-881.,1212 Baranyi G, Scholl C, Fazel S, Patel V, Priebe S, Mundt AP. Severe mental illness and substance use disorders in prisoners in low-income and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis of prevalence studies. Lancet Glob Health 2019; 7(4):e461-e471.. Dentre os mais prevalentes no público feminino em cumprimento de pena, estão os transtornos ansiosos e os transtornos depressivos33 Ribeiro MAT, Deus NMSF. Mulheres encarceradas: a saúde atrás das grades. Rev Psi Divers Saude 2017; 6(4):324-339.,99 Santos GC, Simôa TC, Bispo TCF, Martins RD, Santos DSS, Almeida AOLC. Covid-19 nas prisões: efeitos da pandemia sobre a saúde mental de mulheres privadas de liberdade. Rev Baiana Enferm 2020; 34:e38235..

Nos ambientes de privação de liberdade a prevalência de depressão pode chegar a ser seis vezes maior que na população em geral em países de baixa e média renda1212 Baranyi G, Scholl C, Fazel S, Patel V, Priebe S, Mundt AP. Severe mental illness and substance use disorders in prisoners in low-income and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis of prevalence studies. Lancet Glob Health 2019; 7(4):e461-e471.. Evidências apontam que o cenário é pior para mulheres em comparação aos homens33 Ribeiro MAT, Deus NMSF. Mulheres encarceradas: a saúde atrás das grades. Rev Psi Divers Saude 2017; 6(4):324-339., demarcando a importância de se apresentar resultados estratificados por gênero. A prevalência de transtornos depressivos em mulheres encarceradas varia de 21% a 59,4%1313 Costa RC, Sassi RAM, Tímbola VS, Lazzari TR, Reis AJ, Gonçalves CT. Prevalence and associated factors with depression and anxiety in prisoners in South of Brazil. Rev Psiquiatr Clin 2020; 47(4):89-94.

14 Green BL, Dass-Brailsford P, Mendoza AH, Mete M, Lynch SM, DeHart DD, Belknap J. Trauma Experiences and Mental Health Among Incarcerated Women. Psychol Trauma 2016; 8(4):455-463.

15 Hernández-Vásquez A, Rojas-Roque C. Diseases and access to treatment by the Peruvian prison population: an analysis according to gender. Rev Esp Sanid Penit 2020; 22(1):9-15.
-1616 Santos MM, Barros CRS, Andreoli SB. Fatores associados à depressão em homens e mulheres presos. Rev Bras Epidemiol 2019; 22:e190051. e a de transtornos ansiosos, de 19,1% a 59,4%1313 Costa RC, Sassi RAM, Tímbola VS, Lazzari TR, Reis AJ, Gonçalves CT. Prevalence and associated factors with depression and anxiety in prisoners in South of Brazil. Rev Psiquiatr Clin 2020; 47(4):89-94.,1515 Hernández-Vásquez A, Rojas-Roque C. Diseases and access to treatment by the Peruvian prison population: an analysis according to gender. Rev Esp Sanid Penit 2020; 22(1):9-15.,1717 Bebbington P, Jakobowitz S, McKenzie N, Killaspy H, Iveson R, Duffield G, Kerr M. Assessing needs for psychiatric treatment in prisoners: 1. Prevalence of disorder. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2017; 52(2):221-229.,1818 Tung T-H, Hsiao Y-Y, Shen S-A, Huang C. The prevalence of mental disorders in Taiwanese prisons: a nationwide population-based study. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2019; 54(3):379-386..

O impacto sobre a saúde mental de mulheres privadas de liberdade pode prejudicar a vida após o cumprimento da pena, com presença de diagnóstico de transtorno mental, início ou recidiva do hábito de uso de drogas e trauma1919 Lynch S, Heath N. Predictors of incarcerated women's postrelease PTSD, depression, and substance-use problems. J Offender Rehabil 2017; 56(3):157-172.,2020 Stanton AE, Kako P, Sawin KJ. Mental Health Issues of Women After Release From Jail and Prison: A Systematic Review. Issues Ment Health Nurs 2016; 37(5):299-331.. Destaca-se que devido à pandemia de COVID-19, o sistema prisional ganha novos contornos referentes ao adoecimento mental, com aumento da demanda de atendimento, sofrimento psíquico devido aos impactos sociais da doença e fragilização dos vínculos familiares99 Santos GC, Simôa TC, Bispo TCF, Martins RD, Santos DSS, Almeida AOLC. Covid-19 nas prisões: efeitos da pandemia sobre a saúde mental de mulheres privadas de liberdade. Rev Baiana Enferm 2020; 34:e38235., potencializando as iniquidades em saúde já existentes88 Araújo PF, Ker LRFS, Kendal C, Rutherford GW, Seal DW, Pires Neto RJ, Pinheiro PNC, Galvão MTG, Araújo LF, Pinheiro FML, Silva AZ. Behind bars: the burden of being a woman in Brazilian prisons. BMC Int Health Hum Rights 2020; 20:28.,2121 Ruiz JLS, Abrantes MM. O sistema prisional brasileiro e a Covid-19: prevenção e desafios. Libertas 2020; 20(2):619-642..

Apesar deste contexto, ainda é escassa a literatura recente, nos últimos cinco anos, que investigue exclusivamente a população feminina privada de liberdade para os transtornos ansiosos ou depressivos1212 Baranyi G, Scholl C, Fazel S, Patel V, Priebe S, Mundt AP. Severe mental illness and substance use disorders in prisoners in low-income and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis of prevalence studies. Lancet Glob Health 2019; 7(4):e461-e471., elencando os fatores associados. Já os estudos mistos com PPL publicados, por vezes, não trazem dados discriminados por gênero. Um estudo de revisão conduzido por Ribeiro e Deus33 Ribeiro MAT, Deus NMSF. Mulheres encarceradas: a saúde atrás das grades. Rev Psi Divers Saude 2017; 6(4):324-339. aponta para diferenças importantes sobre o processo saúde e doença entre mulheres e homens no contexto em questão.

Frente ao exposto, este estudo se faz essencial, pois articula uma potencial lacuna no campo de conhecimento ao uso de um instrumento prático, de baixo custo e confiável para o levantamento da prevalência de sintomas ansiosos e depressivos e fatores associados em mulheres privadas de liberdade em Juiz de Fora-MG.

Métodos

Trata-se de um estudo epidemiológico de delineamento transversal, realizado a partir de um censo realizado com 99 mulheres reclusas, de idade mínima de 18 anos, nos regimes provisório, fechado e semiaberto, do Anexo Feminino Eliane Betti da Penitenciária José Edson Cavalieri, em Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil.

O município de Juiz de Fora é integrante da região da Zona da Mata Mineira, localizada ao sudeste do estado de Minas Gerais. Em 2019, apresentou população estimada de mais de 568 mil habitantes2222 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cidades e Estados: Juiz de Fora [Internet]. 2020 [acessado 2021 nov 26]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/mg/juiz-de-fora.html.
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, sendo que até dezembro do mesmo ano, quase 2.500 pessoas encontravam-se privadas de liberdade (aproximadamente meio porcento da população), sendo 5,4% destas pessoas do sexo feminino66 Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias: julho - dezembro 2020 [Internet]. 2021 [cited 2021 nov 26]. Available from: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZTU2MzVhNWYtMzBkNi00NzJlLTllOWItZjYwY2ExZjBiMWNmIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9.
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A cidade é sede da 4ª Região Integrada de Segurança Pública (RISP) dentre 17 existentes no estado e contempla 86 municípios. Apresenta quatro estabelecimentos penais, sendo uma casa do albergado, um centro de remanejamento do sistema prisional e duas penitenciárias66 Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias: julho - dezembro 2020 [Internet]. 2021 [cited 2021 nov 26]. Available from: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZTU2MzVhNWYtMzBkNi00NzJlLTllOWItZjYwY2ExZjBiMWNmIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9.
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. Destaca-se que o município não realizou adesão à Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP)2323 Brasil. Portaria Interministerial nº 1/MS/MJ, de 2 de janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União; 2014., que reorganiza a assistência às pessoas encarceradas e estabelece cada unidade básica de saúde prisional com ponto de atenção da Rede de Atenção à Saúde. Assim, a atenção básica de saúde nas penitenciárias fica sob responsabilidade de equipe mínima como prevê o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP)2424 Brasil. Portaria Interministerial nº 1.777/MS/MJ, de 9 de setembro de 2003. Aprova o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, constante do Anexo I desta Portaria, destinado a prover a atenção integral à saúde da população prisional confinada em unidades masculinas e femininas, bem como nas psiquiátricas. Diário Oficial da União; 2003..

Os dados são provenientes do inquérito “Condições de vida e de saúde de mulheres privadas de liberdade em Juiz de Fora-MG”, aprovado pela Secretaria de Estado de Administração Prisional (Processo SEI 1450.01.0006361/2019-14), com anuência do diretor geral do estabelecimento penal notificado através do Despacho nº 468/2019/SEAP/SUSEP, e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (CEP-UFJF) (Parecer nº 3.294.253). Sendo assim, foram seguidas todas as diretrizes que envolvem as Resoluções do Conselho Nacional de Saúde nº 466/2012 e 510/2016.

Para a coleta dos dados foi realizada entrevista face a face no período de 26 de setembro de 2019 a 03 de fevereiro de 2020, nas salas de atendimento da unidade prisional, no Núcleo de Assistência à Saúde (NAS) e nas dependências de uma fábrica de trabalho. As participantes foram identificadas por código numérico, mantendo sigilo e oferecendo proteção à confidencialidade das informações. A amostra inicial partiu de uma listagem contendo 134 mulheres. No transcorrer da pesquisa, mais 16 mulheres tornaram-se elegíveis ao completarem 30 dias de reclusão, totalizando 150 mulheres. Ocorreram 51 perdas relacionadas a transferências (4), alvarás (21) e interrupção da coleta de dados devido a pandemia da COVID-19 (26), perfazendo uma amostra final de 99 participantes.

O instrumento de coleta de dados utilizado na pesquisa foi composto por questões semiestruturadas, elaboradas a partir do instrumento utilizado por Minayo e Constantino22 Minayo MCS, Constantino P. Deserdados sociais: condições de vida e saúde dos presos do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2015. na pesquisa “Estudo das condições de saúde e qualidade de vida dos presos e das condições ambientais das unidades prisionais do Estado do Rio de Janeiro” e por escalas padronizadas.

Os desfechos foram avaliados pelo Patient Health Questionannaire-4 (PHQ-4), um instrumento com potencial discriminativo, curto e de fácil aplicação, validado para detecção de sintomas ansiosos e depressivos e de amplo uso em pesquisas científicas2525 Kroenke K, Spitzer RL, Williams JBW, Löwe B. An Ultra-Brief Screening Scale for Anxiety and Depression: The PHQ-4. Psychosomatics 2009; 50(6):613-621.

26 Löwe B, Wahl I, Rose M, Spitzer C, Glaesmer H, Wingenfeld K, Schneider A, Brähler E. A 4-item measure of depression and anxiety: validation and standardization of the Patient Health Questionnaire-4 (PHQ-4) in the general population. J Affect Disord 2010; 122(2):86-95.

27 Stanhope J. Patient Health Questionnaire-4. Occup Med 2016; 66(9):760-761.
-2828 Silva WLF, Paula GL, Gomes LC, Cruz DT. Prevalência de sofrimento psíquico em pessoas idosas: um estudo de base comunitária. Rev Bras Geriatr Gerontol 2020; 23(5):200246.. A aplicação e a interpretação dos achados seguiram as recomendações da literatura2525 Kroenke K, Spitzer RL, Williams JBW, Löwe B. An Ultra-Brief Screening Scale for Anxiety and Depression: The PHQ-4. Psychosomatics 2009; 50(6):613-621.,2626 Löwe B, Wahl I, Rose M, Spitzer C, Glaesmer H, Wingenfeld K, Schneider A, Brähler E. A 4-item measure of depression and anxiety: validation and standardization of the Patient Health Questionnaire-4 (PHQ-4) in the general population. J Affect Disord 2010; 122(2):86-95..

O PHQ-4 é uma escala composta por quatro itens referentes às duas últimas semanas: i) Sentir-se nervosa, ansiosa ou muito tensa; ii) Não ser capaz de impedir ou de controlar as preocupações; iii) Pouco interesse ou pouco prazer em fazer as coisas; iv) Se sentir “para baixo”, deprimida ou sem perspectiva. Cada item possui resposta em escala likert, variando de “nenhuma vez” (escore 0) a quase todos os dias (escore 3). Assim, a escala tem escore total variando de 0 a 12, com recomendação de que escore maior ou igual a 6, considera-se presença de sofrimento psíquico com risco de adoecimento. Outra forma de se interpretar os resultados desta escala é avaliando os escores dos dois primeiros itens e dos dois últimos, variando de 0 a 6. Neste caso, se houver presença de escore maior ou igual a 3, deve-se interpretar, respectivamente, como presença de sintomas ansiosos e presença de sintomas depressivos2525 Kroenke K, Spitzer RL, Williams JBW, Löwe B. An Ultra-Brief Screening Scale for Anxiety and Depression: The PHQ-4. Psychosomatics 2009; 50(6):613-621.,2626 Löwe B, Wahl I, Rose M, Spitzer C, Glaesmer H, Wingenfeld K, Schneider A, Brähler E. A 4-item measure of depression and anxiety: validation and standardization of the Patient Health Questionnaire-4 (PHQ-4) in the general population. J Affect Disord 2010; 122(2):86-95..

As variáveis independentes compuseram um modelo teórico de blocos hierarquizados2929 Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26(1):224-227. que foi construído para a análise dos desfechos investigados. O bloco 1, mais proximal, foi composto pelas variáveis sociodemográficas: idade; cor autodeclarada; gênero; situação conjugal; possuir filhos; escolaridade; renda mensal antes do aprisionamento; e status social subjetivo. O status social subjetivo foi aferido pela Escala de Mac Arthur de Status Social Subjetivo (SSS), que visa avaliar a percepção que um indivíduo tem sobre sua posição social3030 Zell E, Strickhouser JE, Krizan Z. Subjective social status and health: A meta-analysis of community and society ladders. Health Psychol 2018; 37(10):979-987..

O bloco 2 foi composto por variáveis referentes à saúde da mulher privada de liberdade, subdividido em: i) referidas: autopercepção da saúde; presença de morbidade; condições de saúde tratadas; presença de sintomas ansiosos; presença de sintomas depressivos; fumante ativa; uso de álcool; uso de tabaco; uso de maconha; uso de remédio para emagrecer e/ou ficar acordada (ligada) sem receita médica; uso de tranquilizante e/ou ansiolítico e/ou calmante e/ou antidistônico sem receita médica; e ii) assistência à saúde: recebimento de assistência à saúde; relato de consulta com: médico, psicólogo e assistente social; frequência de consulta e satisfação com atendimento prestado por esses profissionais.

Já o bloco 3, mais distal, foi composto pelas variáveis relacionadas ao encarceramento, dividido em quatro subgrupos. O primeiro subgrupo conteve variáveis sobre sociabilidade e lazer: vínculo familiar; recebimento de visita social; recebimento de visita agendada e íntima; atividade de estudo e laboral; participação em celebração religiosa; nível de satisfação com o relacionamento com outras detentas e com as agentes; hábito/costume de: ler, ver tv, praticar esportes, conversar, ficar sozinha, dormir, escrever. O segundo conteve variáveis relacionadas às características penais: tipo de crime cometido para a sentença atual; tempo de encarceramento; sentença recebida; tempo da sentença recebida; regime penal; nível de satisfação com: o tamanho e as condições da cela, com as atividades que desenvolve no presídio, com a alimentação oferecida pela unidade, com o transporte (escolta).

Já o terceiro subgrupo conteve variáveis relacionadas ao preconceito e à violência: tratamento preconceituoso por outras detentas ou pelos funcionários; relato de risco de exposição a agressões; relato de ter sofrido agressão/lesão; tentativa de suicídio. E o quarto subgrupo conteve variáveis sobre as expectativas pós-encarceramento em relação à vida pessoal, familiar, profissional, padrão de vida, condições de trabalho e condições de saúde.

Para a construção do banco de dados, as participantes foram identificadas por código numérico, mantendo sigilo e oferecendo proteção à confidencialidade das informações. Os dados foram organizados e tratados estatisticamente no software IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 15.0 para Windows.

Na análise descritiva foram estimadas as frequências absoluta e relativa, além de prevalência dos desfechos com respectivos intervalos de confiança a 95% (IC95%). Para as variáveis contínuas foram calculadas medidas de tendência central e dispersão. A associação entre as variáveis dependentes e independentes foi avaliada por meio da análise de qui-quadrado (χ2) na análise bivariada. Para análise multivariada foi realizada regressão de Poisson com variância robusta, para verificar as variáveis independentes associadas ao desfecho, controladas por possíveis fatores de confusão (razão de prevalência ajustada e IC95%), tendo como referência o modelo teórico de determinação com 3 blocos hierarquizados. As variáveis foram primeiramente ajustadas entre si dentro de cada bloco, entrando na regressão aquelas que apresentaram valor de p≤0,20, sendo então ajustadas ao nível superior ao seu ao nível de significância de 5%.

Resultados

A prevalência de sintomas ansiosos e depressivos foi, respectivamente, de 75,8% (IC95% 66,1%-83,8%) e 65,7% (IC95% 55,4%-74,9%). A amostra foi composta por 99 mulheres com média de idade de 33,21 anos (DP±9,26), 74,7% se declararam como negras (pretas e pardas), 61,6% estão no estrato de nenhuma escolaridade até ensino fundamental incompleto, a maioria (85,9%) relatou ter filhos, possuía baixa renda mensal antes do encarceramento e pior percepção com relação ao status social subjetivo (81,8%). Entre as condições de saúde tratadas no último ano, foram relatadas: dengue (8,1%), sífilis (6,1%) e HIV/AIDS (2,0%); 70,7% relataram uso de tabaco nos últimos 30 dias em cumprimento da pena, 4,0% maconha, 3,0% álcool e 9,1% o uso de algum medicamento sem prescrição médica. Na Tabela 1 são apresentadas as características sociodemográficas, de saúde e de assistência à saúde.

Tabela 1
Características sociodemográficas, de saúde e de assistência à saúde das 99 mulheres privadas de liberdade por desfechos investigados. Juiz de Fora-MG, 2021.

Das participantes, 19,2% negaram manter vínculo com a família, 60,6% relataram receber algum tipo de visita (social ou agendada), não havendo nenhuma que recebesse visita íntima; 59,6% referiram não trabalhar e 87,9% estudavam durante o período de cumprimento de pena; 75,8% das participantes relataram participar de celebrações religiosas na unidade prisional; 20,2% informaram possuir relação regular ou ruim com outras detentas e 26,3% com as policiais penais. O maior nível de insatisfação quanto às características do encarceramento foi com a alimentação da unidade prisional (88,9%); 52,5% da amostra cometeu crime relacionado ao tráfico de drogas; 70,7% já haviam sido sentenciadas, sendo que 46,5% cumpriam pena no regime fechado (Tabela 2).

Tabela 2
Características relacionadas à sociabilidade, ao lazer e ao encarceramento das 99 mulheres privadas de liberdade por desfechos investigados. Juiz de Fora-MG, 2021.

Todas referiram sofrer algum tipo de preconceito, seja por outras detentas, seja por funcionárias, além de referirem correr algum tipo de risco na unidade prisional. As informações relativas a tratamento preconceituoso, exposições a riscos e relatos de violência estão na Tabela 3.

Tabela 3
Características referentes a tratamento preconceituoso, exposições à riscos e relatos de violência por 99 mulheres privadas de liberdade por desfechos investigados. Juiz de Fora-MG, 2021.

Entre as que possuíam sintomas ansiosos, 52,0%, 42,7% e 41,3%, respectivamente, avaliaram negativamente a expectativa pós-encarceramento em relação ao padrão de vida, às condições de trabalho e à vida profissional. Ainda, 30,7%, 28,0% e 18,7%, respectivamente, avaliaram negativamente a expectativa pós-encarceramento em relação à vida pessoal, às condições de trabalho e à vida profissional. Dentre as que apresentaram sintomas depressivos, 52,3% avaliaram negativamente a expectativa pós-encarceramento em relação ao padrão de vida, 40,0% em relação às condições de trabalho, 35,4% em relação à vida profissional, 30,8% em relação à vida pessoal, 27,7% em relação às condições de saúde e 18,5% em relação à vida familiar.

Na análise bivariada, a presença de sintomas ansiosos esteve associada à autopercepção ruim da saúde, ao número de consultas com médico no último ano menor que dois, à presença de sintomas depressivos, ao não desempenho de atividade laboral e à ausência de satisfação com a escolta/transporte. Além disso, esteve associada a ser vítima de agressão verbal no último ano, ao relato de ter recebido tratamento preconceituoso por funcionárias devido à condição de detenta e por outras detentas devido à condição social (Tabela 4).

Tabela 4
Razões de prevalência brutas, ajustadas dentro dos blocos hierárquicos e ajustadas no modelo final para a presença de sintomas ansiosos em mulheres encarceradas. Juiz de Fora-MG, 2021.

Já a presença de sintomas depressivos, na análise bivariada, esteve associada à faixa etária de 20 a 29 anos, à autopercepção ruim da saúde, à presença de sintomas ansiosos, ao costume de ficar sozinha e à insatisfação com atividades no presídio. Além disso, também esteve associada ao relato de tratamento preconceituoso por funcionárias devido à condição de detenta e por outras detentas devido à condição de detenta, à condição social e ao crime cometido, e a ter sido vítima de agressão verbal no último ano (Tabela 4).

No modelo final da análise multivariada para presença de sintomas ansiosos, apenas a presença de sintomas depressivos esteve associada (6,42; IC95% 1,96-21,06). Já no modelo final da presença de sintomas depressivos, estiveram associadas a faixa etária de 20 a 29 anos (4,85; IC95% 1,48-15,87) e a presença de sintomas ansiosos (12,67; IC95% 3,92-40,98) (Tabela 5).

Tabela 5
Razões de prevalência brutas, ajustadas dentro dos blocos hierárquicos e ajustadas no modelo final para a presença de sintomas depressivos em mulheres encarceradas. Juiz de Fora-MG, 2021.

Discussão

Foram evidenciadas altas prevalências de presença de sintomas ansiosos e presença de sintomas depressivos na população estudada. Pesquisas anteriores encontraram, para a população do sexo feminino, prevalência de ansiedade de 19,1% a 59,4%1313 Costa RC, Sassi RAM, Tímbola VS, Lazzari TR, Reis AJ, Gonçalves CT. Prevalence and associated factors with depression and anxiety in prisoners in South of Brazil. Rev Psiquiatr Clin 2020; 47(4):89-94.,1515 Hernández-Vásquez A, Rojas-Roque C. Diseases and access to treatment by the Peruvian prison population: an analysis according to gender. Rev Esp Sanid Penit 2020; 22(1):9-15.,1818 Tung T-H, Hsiao Y-Y, Shen S-A, Huang C. The prevalence of mental disorders in Taiwanese prisons: a nationwide population-based study. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2019; 54(3):379-386. e prevalência de depressão de 21,0% a 41,3%1313 Costa RC, Sassi RAM, Tímbola VS, Lazzari TR, Reis AJ, Gonçalves CT. Prevalence and associated factors with depression and anxiety in prisoners in South of Brazil. Rev Psiquiatr Clin 2020; 47(4):89-94.

14 Green BL, Dass-Brailsford P, Mendoza AH, Mete M, Lynch SM, DeHart DD, Belknap J. Trauma Experiences and Mental Health Among Incarcerated Women. Psychol Trauma 2016; 8(4):455-463.

15 Hernández-Vásquez A, Rojas-Roque C. Diseases and access to treatment by the Peruvian prison population: an analysis according to gender. Rev Esp Sanid Penit 2020; 22(1):9-15.
-1616 Santos MM, Barros CRS, Andreoli SB. Fatores associados à depressão em homens e mulheres presos. Rev Bras Epidemiol 2019; 22:e190051.. A prevalência de sintomas ansiosos e depressivos indica risco para desenvolvimento de transtorno mental, sendo expressão do sofrimento psíquico vivenciado pelas participantes, podendo estar associado à conjugalidade (separações, agressões, traições, desconforto em relações sexuais), à maternidade (vínculo fragilizado com filhos, aborto), conflitos familiares (abandono por parceira ou parceiro, perda de vínculos familiares)3131 Campos IO, Zanello V. Saúde mental e gênero: o sofrimento psíquico e a invisibilidade das violências. Vivencia 2016; 1(48):105-118..

As altas prevalências de sintomas ansiosos e depressivos no presente estudo podem ser atribuídas ao fato de ter sido utilizado um instrumento de rastreio e não diagnóstico. É possível que as divergências entre os estudos sejam consequentes do uso de diferentes instrumentos de abordagem da ansiedade e da depressão, além de características relacionadas aos próprios estabelecimentos nos quais foram realizadas as coletas de dados, visto que a infraestrutura e o contexto sociocultural estão relacionados com as condições de saúde mental, a partir dos determinantes sociais e econômicos3232 Alves AAM, Rodrigues NFR. Determinantes sociais e económicos da Saúde Mental. Rev Port Saude Publica 2010; 28(2):127-131.,3333 Esteban-Febres S, Enoki-Miñano K, Escudero-Moreira T, La Cunza-Peña M, Quispe-Gutiérrez Y. Factors related to psychopathological symptoms of female inmates of a prison in Lima. Rev Esp Sanid Penit. 2019; 21:11-17..

No modelo final, a presença de sintomas ansiosos e a presença de sintomas depressivos estiveram bidirecionalmente associadas. Apesar de estudos anteriores terem se debruçado sobre os transtornos de ansiedade e depressão, a associação entre esses sintomas não foi verificada1313 Costa RC, Sassi RAM, Tímbola VS, Lazzari TR, Reis AJ, Gonçalves CT. Prevalence and associated factors with depression and anxiety in prisoners in South of Brazil. Rev Psiquiatr Clin 2020; 47(4):89-94.

14 Green BL, Dass-Brailsford P, Mendoza AH, Mete M, Lynch SM, DeHart DD, Belknap J. Trauma Experiences and Mental Health Among Incarcerated Women. Psychol Trauma 2016; 8(4):455-463.

15 Hernández-Vásquez A, Rojas-Roque C. Diseases and access to treatment by the Peruvian prison population: an analysis according to gender. Rev Esp Sanid Penit 2020; 22(1):9-15.

16 Santos MM, Barros CRS, Andreoli SB. Fatores associados à depressão em homens e mulheres presos. Rev Bras Epidemiol 2019; 22:e190051.

17 Bebbington P, Jakobowitz S, McKenzie N, Killaspy H, Iveson R, Duffield G, Kerr M. Assessing needs for psychiatric treatment in prisoners: 1. Prevalence of disorder. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2017; 52(2):221-229.
-1818 Tung T-H, Hsiao Y-Y, Shen S-A, Huang C. The prevalence of mental disorders in Taiwanese prisons: a nationwide population-based study. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2019; 54(3):379-386.. A interassociação encontrada é um indicador importante da multicausalidade desses transtornos e também da necessidade de intervenções que minimizem a complexidade dos quadros a partir do surgimento de qualquer um desses sintomas. Caravaca-Sánchez et al.3434 Caravaca-Sánchez F, Fearn NE, Vidovic KR, Vaughn MG. Female Prisoners in Spain: Adverse Childhood Experiences, Negative Emotional States, and Social Support. Health Soc Work 2019; 44(3):157-166. ao estudarem 174 mulheres privadas de liberdade de duas penitenciárias da Espanha trazem elementos que colaboram para a explicação da associação entre os transtornos, relacionando estados emocionais negativos à presença de ansiedade e de depressão. Assim, afecções negativas do estado emocional, da capacidade de interação positiva e do afeto - possíveis consequências de ambos os transtornos mentais -, podem levar ao desenvolvimento de ambos.

A presença de sintomas depressivos associou-se à faixa etária mais jovem (20 a 29 anos) no modelo final. Há na literatura achados divergentes quanto a relação entre idade e a presença de depressão1414 Green BL, Dass-Brailsford P, Mendoza AH, Mete M, Lynch SM, DeHart DD, Belknap J. Trauma Experiences and Mental Health Among Incarcerated Women. Psychol Trauma 2016; 8(4):455-463.,3333 Esteban-Febres S, Enoki-Miñano K, Escudero-Moreira T, La Cunza-Peña M, Quispe-Gutiérrez Y. Factors related to psychopathological symptoms of female inmates of a prison in Lima. Rev Esp Sanid Penit. 2019; 21:11-17.. Green et al.1414 Green BL, Dass-Brailsford P, Mendoza AH, Mete M, Lynch SM, DeHart DD, Belknap J. Trauma Experiences and Mental Health Among Incarcerated Women. Psychol Trauma 2016; 8(4):455-463. verificaram correlação positiva fraca, contudo, cabe reportar que a maioria das participantes relataram a presença de um ou mais transtornos mentais (67%) e abuso/dependência de álcool (65%) ou outras drogas (69%). Esteban-Febres et al.3333 Esteban-Febres S, Enoki-Miñano K, Escudero-Moreira T, La Cunza-Peña M, Quispe-Gutiérrez Y. Factors related to psychopathological symptoms of female inmates of a prison in Lima. Rev Esp Sanid Penit. 2019; 21:11-17. identificaram correlação negativa fraca entre sintomas depressivos e a faixa etária. As divergências entre os estudos podem ser consequência da presença de outras variáveis que não observadas relacionadas à idade, como o nível dos mecanismos de enfrentamento, que tende a ser desenvolvido com o avançar da idade3333 Esteban-Febres S, Enoki-Miñano K, Escudero-Moreira T, La Cunza-Peña M, Quispe-Gutiérrez Y. Factors related to psychopathological symptoms of female inmates of a prison in Lima. Rev Esp Sanid Penit. 2019; 21:11-17..

Pesquisa realizada pelo IBOPE Conecta no segundo semestre de 2019 com 2 mil brasileiros em diferentes regiões metropolitanas do país (Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Fortaleza) destaca o desconhecimento e a vergonha que o público jovem, principalmente entre 18 a 24 anos, tem em relação a depressão. Isto corrobora para o cenário da não procura por tratamento de forma oportuna3535 IBOPE Conecta. Pesquisa Depressão, suicídio e tabu no Brasil: um novo olhar sobre a Saúde Mental. Pesquisa realizada com a população de internautas da classe ABC e residentes da capital paulista e de diferentes regiões metropolitanas do País (Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre e Brasília). São Paulo: Pfizer; 2019.. Assim, é possível pensar que a associação entre a presença de sintomas depressivos e a faixa etária mais jovem encontrada no presente estudo seja consequente do desconhecimento e vergonha aliados a um quadro prévio que não tenha recebido o tratamento adequado. Segundo Mrejen e Rocha3636 Mrejen M, Rocha R. Como anda a saúde mental no Brasil? Evolução, desigualdades e acesso a tratamentos. Olhar IEPS 2021; 1(3):1-14., de cada dez pessoas brasileiras adultas diagnosticadas com depressão, sete não receberam nenhum tratamento.

Maior ocorrência de sintomas ansiosos foi observada entre as participantes que receberam duas ou menos consultas no último ano. Verifica-se na literatura que o sexo feminino1515 Hernández-Vásquez A, Rojas-Roque C. Diseases and access to treatment by the Peruvian prison population: an analysis according to gender. Rev Esp Sanid Penit 2020; 22(1):9-15.,3636 Mrejen M, Rocha R. Como anda a saúde mental no Brasil? Evolução, desigualdades e acesso a tratamentos. Olhar IEPS 2021; 1(3):1-14., a raça negra e a baixa renda são fatores associados com a desigualdade de acesso ao tratamento para transtornos mentais3636 Mrejen M, Rocha R. Como anda a saúde mental no Brasil? Evolução, desigualdades e acesso a tratamentos. Olhar IEPS 2021; 1(3):1-14., sendo estas as principais características da população estudada, com o agravante das iniquidades existentes dentro do próprio sistema prisional33 Ribeiro MAT, Deus NMSF. Mulheres encarceradas: a saúde atrás das grades. Rev Psi Divers Saude 2017; 6(4):324-339.. Assim, o cenário encontrado pode ser reflexo das desigualdades de acesso e fatores relacionados à própria organização da assistência à saúde no interior do ambiente prisional88 Araújo PF, Ker LRFS, Kendal C, Rutherford GW, Seal DW, Pires Neto RJ, Pinheiro PNC, Galvão MTG, Araújo LF, Pinheiro FML, Silva AZ. Behind bars: the burden of being a woman in Brazilian prisons. BMC Int Health Hum Rights 2020; 20:28.,2121 Ruiz JLS, Abrantes MM. O sistema prisional brasileiro e a Covid-19: prevenção e desafios. Libertas 2020; 20(2):619-642..

Frequência maior de sintomas depressivos e ansiosos foram observadas entre as que referiram autopercepção ruim da saúde. A autopercepção da saúde é uma avaliação individual, resultante das experiências e interpretações próprias. Trata-se de um potente indicador do estado objetivo de saúde de um indivíduo3737 Leite A, Ramires A, Moura A, Souto T, Marôco J. Psychological well-being and health perception: predictors for past, present and future. Arc Clin Psychiatr 2019; 46(3):53-60.. Ross et al.3838 Ross J, Field C, Kaye S, Bowman J. Prevalence and correlates of low self-reported physical health status among prisoners in New South Wales, Australia. Int J Prison Health 2019; 15(2):192-206. encontraram relação entre pior estado de saúde mental com autopercepção ruim da saúde em uma população privada de liberdade mista. Relação semelhante foi observada no estudo de Leite et al.3737 Leite A, Ramires A, Moura A, Souto T, Marôco J. Psychological well-being and health perception: predictors for past, present and future. Arc Clin Psychiatr 2019; 46(3):53-60. para a população em geral, ao analisar as dimensões que compõe o bem-estar psíquico e encontrar associação bidimensional positiva com a autoavaliação boa da própria saúde. Assim, é plausível cogitar uma indissociabilidade entre saúde mental e outras dimensões que perfazem o construto saúde, sendo que para além do caráter subjetivo, este indicador também é resultado de aspectos objetivos, sendo influenciado por fatores biológicos, socioeconômicos e de vínculo com o serviço3737 Leite A, Ramires A, Moura A, Souto T, Marôco J. Psychological well-being and health perception: predictors for past, present and future. Arc Clin Psychiatr 2019; 46(3):53-60..

Cabe destacar que até o ano de 2020 o município no qual foi realizado o estudo não havia feito adesão à PNAISP, instituída pela Portaria Interministerial do Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça (MS/MJ) nº 1/2014, nem possuía equipes habilitadas a ela. Esta política traz como marco em relação ao então vigente PNSSP, instituído pela Portaria Interministerial do MS/MJ nº 1.777/2003, a previsão de que as equipes de Atenção Primária Prisional estejam inseridas e integradas na RAS do município, qualificando a assistência prestada, além de passar a atender à toda a população privada de liberdade, não limitando-se mais às pessoas internas às penitenciárias, presídios e hospitais de custódia e tratamento que já passaram pelo processo de julgamento2323 Brasil. Portaria Interministerial nº 1/MS/MJ, de 2 de janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União; 2014.,2424 Brasil. Portaria Interministerial nº 1.777/MS/MJ, de 9 de setembro de 2003. Aprova o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, constante do Anexo I desta Portaria, destinado a prover a atenção integral à saúde da população prisional confinada em unidades masculinas e femininas, bem como nas psiquiátricas. Diário Oficial da União; 2003.. A assinatura desta política poderia favorecer o acesso a consultas não só médicas, como com demais profissionais de saúde, por meio de melhores condições recursos humanos, financeiros e maior articulação intersetorial3939 Carvalho NGO. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional: Uma análise sobre a evolução normativa. Cad Ibero-Amer Dir Sanit 2017; 6(4):112-129..

Tal como identificado previamente por Araújo et al.88 Araújo PF, Ker LRFS, Kendal C, Rutherford GW, Seal DW, Pires Neto RJ, Pinheiro PNC, Galvão MTG, Araújo LF, Pinheiro FML, Silva AZ. Behind bars: the burden of being a woman in Brazilian prisons. BMC Int Health Hum Rights 2020; 20:28. e Ruiz e Abrantes2121 Ruiz JLS, Abrantes MM. O sistema prisional brasileiro e a Covid-19: prevenção e desafios. Libertas 2020; 20(2):619-642., permanecem ainda iniquidades de acesso inerentes ao sistema prisional, com impacto negativo sobre a qualidade da assistência recebida pela população ali presente, configurando-se como uma barreira de acesso. Além disso, a integração não satisfatória à RAS já foi identificada em outros estudos enquanto fator que impacta negativamente a saúde da população privada de liberdade33 Ribeiro MAT, Deus NMSF. Mulheres encarceradas: a saúde atrás das grades. Rev Psi Divers Saude 2017; 6(4):324-339.,1010 Schultz ALV, Dotta RM, Stock BS, Dias MTG. Limites e desafios para o acesso das mulheres privadas de liberdade e egressas do sistema prisional nas Redes de Atenção à Saúde. Physis 2020; 30(3):e300325., impactando também a saúde mental. Cabe destacar que este cenário se encontra agravado frente à pandemia da COVID-1999 Santos GC, Simôa TC, Bispo TCF, Martins RD, Santos DSS, Almeida AOLC. Covid-19 nas prisões: efeitos da pandemia sobre a saúde mental de mulheres privadas de liberdade. Rev Baiana Enferm 2020; 34:e38235., sendo essencial o conhecimento dos fatores associados à presença de sintomas ansiosos e depressivos com objetivo de construir estratégias preventivas e de promoção à saúde.

Quanto a situações de violência, seja ela física, sexual ou psicológica, estudos prévios já evidenciavam a associação com presença de transtornos ansiosos3434 Caravaca-Sánchez F, Fearn NE, Vidovic KR, Vaughn MG. Female Prisoners in Spain: Adverse Childhood Experiences, Negative Emotional States, and Social Support. Health Soc Work 2019; 44(3):157-166. e depressivos1414 Green BL, Dass-Brailsford P, Mendoza AH, Mete M, Lynch SM, DeHart DD, Belknap J. Trauma Experiences and Mental Health Among Incarcerated Women. Psychol Trauma 2016; 8(4):455-463.

15 Hernández-Vásquez A, Rojas-Roque C. Diseases and access to treatment by the Peruvian prison population: an analysis according to gender. Rev Esp Sanid Penit 2020; 22(1):9-15.

16 Santos MM, Barros CRS, Andreoli SB. Fatores associados à depressão em homens e mulheres presos. Rev Bras Epidemiol 2019; 22:e190051.

17 Bebbington P, Jakobowitz S, McKenzie N, Killaspy H, Iveson R, Duffield G, Kerr M. Assessing needs for psychiatric treatment in prisoners: 1. Prevalence of disorder. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2017; 52(2):221-229.

18 Tung T-H, Hsiao Y-Y, Shen S-A, Huang C. The prevalence of mental disorders in Taiwanese prisons: a nationwide population-based study. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2019; 54(3):379-386.

19 Lynch S, Heath N. Predictors of incarcerated women's postrelease PTSD, depression, and substance-use problems. J Offender Rehabil 2017; 56(3):157-172.

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21 Ruiz JLS, Abrantes MM. O sistema prisional brasileiro e a Covid-19: prevenção e desafios. Libertas 2020; 20(2):619-642.

22 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cidades e Estados: Juiz de Fora [Internet]. 2020 [acessado 2021 nov 26]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/mg/juiz-de-fora.html.
https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estado...

23 Brasil. Portaria Interministerial nº 1/MS/MJ, de 2 de janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União; 2014.

24 Brasil. Portaria Interministerial nº 1.777/MS/MJ, de 9 de setembro de 2003. Aprova o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, constante do Anexo I desta Portaria, destinado a prover a atenção integral à saúde da população prisional confinada em unidades masculinas e femininas, bem como nas psiquiátricas. Diário Oficial da União; 2003.

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27 Stanhope J. Patient Health Questionnaire-4. Occup Med 2016; 66(9):760-761.

28 Silva WLF, Paula GL, Gomes LC, Cruz DT. Prevalência de sofrimento psíquico em pessoas idosas: um estudo de base comunitária. Rev Bras Geriatr Gerontol 2020; 23(5):200246.

29 Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26(1):224-227.

30 Zell E, Strickhouser JE, Krizan Z. Subjective social status and health: A meta-analysis of community and society ladders. Health Psychol 2018; 37(10):979-987.

31 Campos IO, Zanello V. Saúde mental e gênero: o sofrimento psíquico e a invisibilidade das violências. Vivencia 2016; 1(48):105-118.

32 Alves AAM, Rodrigues NFR. Determinantes sociais e económicos da Saúde Mental. Rev Port Saude Publica 2010; 28(2):127-131.

33 Esteban-Febres S, Enoki-Miñano K, Escudero-Moreira T, La Cunza-Peña M, Quispe-Gutiérrez Y. Factors related to psychopathological symptoms of female inmates of a prison in Lima. Rev Esp Sanid Penit. 2019; 21:11-17.
-3434 Caravaca-Sánchez F, Fearn NE, Vidovic KR, Vaughn MG. Female Prisoners in Spain: Adverse Childhood Experiences, Negative Emotional States, and Social Support. Health Soc Work 2019; 44(3):157-166.. Tais achados corroboram para o entendimento de que a saúde mental possui determinantes sociais próprios, capazes de impactar negativamente nos indicadores de saúde e contribuírem para o sofrimento psíquico e possível desenvolvimento de transtornos mentais3232 Alves AAM, Rodrigues NFR. Determinantes sociais e económicos da Saúde Mental. Rev Port Saude Publica 2010; 28(2):127-131., havendo especificidades para o ambiente do sistema prisional44 Santos MV, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Marchiori GRS, Guerra JVV. Saúde mental de mulheres encarceradas em um presídio do estado do Rio de Janeiro. Texto Contexto Enferm 2017; 26(2):e5980015.. Assim, são compreensíveis os resultados encontrados na análise bivariada referentes ao recebimento de tratamentos preconceituosos e relato de ter sido vítima de agressão verbal.

A presença de sintomas ansiosos foi maior entre as que não desempenhavam atividade laboral, resultado encontrado em estudo prévio3333 Esteban-Febres S, Enoki-Miñano K, Escudero-Moreira T, La Cunza-Peña M, Quispe-Gutiérrez Y. Factors related to psychopathological symptoms of female inmates of a prison in Lima. Rev Esp Sanid Penit. 2019; 21:11-17., e entre as que reportaram não satisfação com a escolta/transporte. Já a presença de sintomas depressivos esteve mais presente entre as mulheres que relataram o costume de ficar sozinha e a insatisfação com atividade no presídio. A compreensão desses achados é de suma importância para o reconhecimento da necessidade de atividades cativantes e integradoras e desenvolvimento de estratégias que possibilitem a ocupação do tempo de forma qualificada, bem como condições dignas e satisfatórias no processo de deslocamento das detentas. Tais elementos contribuem para atenuar sentimentos negativos vivenciados por estas mulheres, como solidão, angústia, saudade, preocupação, irritação, medo e isolamento4040 Furtado AE, Oliveira MM, Herreira LF, Silveira KL, Camargo PO, Cunha KF, Weiss CV, Rodriguez MLB. Saúde mental de mulheres em privação de liberdade: a percepção delas. Res Soc Dev 2021; 10(11):e398101119820., que impactam negativamente a saúde mental, ao passo que nos convoca a ter como cerne o entendimento da saúde em seu sentido ampliado.

Os resultados aqui expostos devem ser interpretados dentro do contexto de suas limitações. Tratando-se de um estudo transversal, não é possível estabelecer causa e efeito entre as associações identificadas. Acrescenta-se também que apesar do rigor metodológico adotado para redução de vieses e maior fidedignidade dos achados, o tamanho da amostra pode ter impactado a precisão dos resultados, aumentando a probabilidade de falsos negativos. Contudo, cabe destacar alguns elementos: o estudo oferece uma importante contribuição por revelar a alta prevalência de sintomas ansiosos e depressivos e trata-se de uma pesquisa de caráter inédito para o município e região. Soma-se, a isto, o fato das dificuldades inerentes ao acesso à essa população, sobretudo, durante a pandemia da COVID-19. A adoção de diferentes instrumentos e critérios distintos para rastreio e diagnóstico de ansiedade e depressão dificultam a comparação dos resultados4141 Kolodziejczak O, Sinclair SJ. Barriers and Facilitators to Effective Mental Health Care in Correctional Settings. J Correct Health Care 2018; 24(3):253-263.. Além disso, com a interrupção da coleta de dados devido à pandemia da COVID-19, uma parte dessas mulheres não compuseram a amostra final.

Apesar de os elementos apresentados incidirem sobre a possibilidade de generalização e comparação dos dados com a literatura, isto não reduz a relevância dos achados. Os resultados apresentados detêm potencial de impacto social devido à escassez de estudos recentes, publicados nos últimos cinco anos, que abordem exclusivamente a população feminina privada de liberdade, explorando tantas variáveis quanto as aqui apresentadas. Entende-se, assim, que estes resultados trazem visibilidade às necessidades da população em questão, rompendo com o silenciamento que às tangencia, subsidiando elaboração de ações, estratégias e políticas públicas.

Conclui-se que a população do estudo apresenta altas prevalências de sintomas ansiosos e depressivos. Apesar da redução do número de fatores associados aos desfechos no modelo final, com destaque para a interassociação entre essas, é possível verificar que a presença de tais transtornos dialoga com as condições sociodemográficas, de saúde e de encarceramento.

Frente a discussão aqui trazida, é possível refletir a respeito da importância não só de reformulação, ampliação e qualificação da assistência em saúde prestada, mas também de garantia de ações diretamente relacionadas aos determinantes sociais e econômicos da saúde mental da população em questão. Assim, deve-se investir em estratégias de qualificação do tempo ocioso, intervenções para prevenção das situações de violência e maior articulação inter e intrasetorial para garantir efetividade e continuidade das ações iniciadas no estabelecimento penal e que não deveriam ser perdidas após o cumprimento de pena, com ênfase na promoção à saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2021
  • Aceito
    13 Jun 2022
  • Publicado
    15 Jun 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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