Óbitos, crimes e violências não tipificadas como crimes contra crianças e adolescentes no Maranhão, Brasil, 2014 a 2020

Daniel Portela Aguiar da Silva Marizélia Rodrigues Costa Ribeiro Maria dos Remédios Freitas Carvalho Branco Márcio Thadeu Silva Marques Joelson dos Santos Almeida Jamesson Amaral Gomes Antônio Augusto Moura da Silva Sobre os autores

Resumo

O presente estudo compara tendências temporais de óbitos por violências contra crianças e adolescentes e analisa diferenças em ocorrências tipificadas ou não como crimes. Foram analisados dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade e da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão, Brasil, de 2014-2020. Crianças e adolescentes foram definidos respectivamente como pessoas com 0-11 e 12-17 anos. Tipos de violências foram organizados segundo grupos, subgrupos e tipos penais do Código Penal Brasileiro. Foram contabilizados 1.326 óbitos e 8.187 ocorrências, mais frequentes na adolescência. Subtração de incapazes (p < 0,001), abandono de incapaz (p = 0,045) e estupro de vulnerável (p = 0,003) predominaram na infância. Homicídios (p < 0,001), crimes contra a liberdade individual (p = 0,004), crimes contra a liberdade sexual (p < 0,001) e violência psicológica (p = 0,034) foram mais frequentes na adolescência. Violência doméstica com lesão corporal predominou no sexo feminino (p < 0,001). Lesões corporais graves (p = 0,002), homicídios (p < 0,001) e constrangimento ilegal (p < 0,001) vitimizaram mais adolescentes do sexo masculino. Houve diferenças temporais em óbitos e ocorrências de violências contra crianças e adolescentes, assim como em características de violências tipificadas ou não como crimes.

Palavras-chave:
Adolescente; Criança; Morte; Violência

Introdução

A expressão violência contra crianças e adolescentes engloba fenômenos sociais historicamente determinados que se manifestam de diferentes formas, segundo culturas, raças, condições socioeconômicas e faixas etárias11 World Health Organization (WHO). Global status report on preventing violence against children. Geneva: WHO; 2020.,22 Pinheiro PS. World report on violence against children. New York: United Nations; 2006.. Todo tipo de violência deve ser considerado problema de saúde pública porque coloca em perigo a vida, a saúde, a dignidade e o desenvolvimento humanos11 World Health Organization (WHO). Global status report on preventing violence against children. Geneva: WHO; 2020.

2 Pinheiro PS. World report on violence against children. New York: United Nations; 2006.
-33 Brasil. Ministério dos Direitos Humanos (MDH). Violência contra crianças e adolescentes: análise de cenários e propostas de políticas públicas. Brasília: MDH; 2018.. Estima-se que, em todo o mundo, uma em cada duas pessoas com idades de 2 a 17 anos seja submetida a algum tipo de violência a cada ano11 World Health Organization (WHO). Global status report on preventing violence against children. Geneva: WHO; 2020..

A Organização Mundial da Saúde definiu violência como o uso intencional da força ou poder como ameaça ou ato interpessoal contra um indivíduo ou coletividades, ou ainda de forma autoprovocada, e que possa causar lesão, morte, dano psíquico, alterações no desenvolvimento ou privações11 World Health Organization (WHO). Global status report on preventing violence against children. Geneva: WHO; 2020.. Na esfera dos direitos humanos, um dos eixos que norteiam os órgãos que compõem o Sistema de Segurança Pública brasileiro, a palavra violência expressa qualquer violação de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais33 Brasil. Ministério dos Direitos Humanos (MDH). Violência contra crianças e adolescentes: análise de cenários e propostas de políticas públicas. Brasília: MDH; 2018..

No Brasil, políticas públicas de enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes foram implementadas após a promulgação da Constituição Federal de 1988, em especial atendendo a determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)44 Brasil. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília: MMFDH; 2019.. A notificação compulsória e a obrigatoriedade de encaminhamento de casos suspeitos ou confirmados de violências contra pessoas com idades de até 17 anos ao Conselho Tutelar ou a outros órgãos deram maior visibilidade a essa problemática e melhoraram a vigilância e o enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes no Brasil55 Macedo DM, Foschiera LN, Bordini TCPM, Habigzang LF, Koller SH. Revisão sistemática de estudos sobre registros de violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Cien Saude Colet 2017; 24(2):487-496.,66 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: UNICEF/FBSP; 2021..

Não obstante, além da reconhecida subnotificação de casos, outras barreiras dificultam ainda mais o conhecimento epidemiológico da violência nessas duas fases da vida55 Macedo DM, Foschiera LN, Bordini TCPM, Habigzang LF, Koller SH. Revisão sistemática de estudos sobre registros de violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Cien Saude Colet 2017; 24(2):487-496.

6 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: UNICEF/FBSP; 2021.
-77 Cerqueira D, Ferreira H, Bueno S, Alves PP, Lima RS, Marques D, Silva FAB, Lunelli IC, Rodrigues RI, Lins GOA, Armstrong KC, Lira P, Coelho D, Barros B, Sobral I, Pacheco D, Pimentel A. Atlas da violência 2021. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2021. Evidenciam-se aqui a escassez de estudos que analisaram dados de secretarias estaduais de segurança pública55 Macedo DM, Foschiera LN, Bordini TCPM, Habigzang LF, Koller SH. Revisão sistemática de estudos sobre registros de violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Cien Saude Colet 2017; 24(2):487-496.,88 Gallo, EAG, Menezes AMB, Murray J, Silva LAD, Wehrmeister FC, Gonçalves H, Barros F. Vitimização por crime na infância e adolescência segundo registros oficiais: coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(8):e00072915., a priorização de divulgação de resultados de mortes violentas intencionais e/ou da violência sexual em publicações nacionais mais abrangentes66 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: UNICEF/FBSP; 2021.,77 Cerqueira D, Ferreira H, Bueno S, Alves PP, Lima RS, Marques D, Silva FAB, Lunelli IC, Rodrigues RI, Lins GOA, Armstrong KC, Lira P, Coelho D, Barros B, Sobral I, Pacheco D, Pimentel A. Atlas da violência 2021. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2021, o pouco destaque a especificidades da violência na infância e na adolescência e erros de preenchimentos de boletins de ocorrências das polícias estaduais66 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: UNICEF/FBSP; 2021..

No estado do Maranhão, são raras as investigações epidemiológicas sobre violências contra crianças e adolescentes99 Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC). Boletim Social do Maranhão. IMESC 2020; 2(4):1-46.

10 Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH). Monitoramento da violência no Maranhão. São Luís: SMDH; 2017.

11 Sousa AYA, Pinho EFS, Silva JTN, Meireles ACV, Lago RJM, Silva WN, Moraes FC. Caracterização dos casos de violência sexual contra a mulher notificados no estado do Maranhão no período de 2009 a 2017. BJD 2021;7(1):9925-9941.
-1212 Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Maranhão, Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Pe. Marcos Passerini. Observatório Criança: acompanhando a situação dos direitos da criança e do adolescente no Maranhão de 2006 a 2010. São Luís: CEDCA/CDMP; 2014. e a obtenção de dados da Secretaria de Segurança Pública estadual foi considerada de difícil acesso, justificando o presente estudo1212 Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Maranhão, Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Pe. Marcos Passerini. Observatório Criança: acompanhando a situação dos direitos da criança e do adolescente no Maranhão de 2006 a 2010. São Luís: CEDCA/CDMP; 2014..

Com base nessas considerações, foram levantadas as seguintes hipóteses: a) tendências temporais de óbitos e de ocorrências são diferentes em violências praticadas contra crianças e perpetradas contra adolescentes; b) violências tipificadas ou não como crimes se distribuem diferentemente na infância e na adolescência, havendo distinções segundo sexo. Por conseguinte, foram analisadas diferenças em óbitos de violências e em ocorrências tipificadas ou não como crimes contra crianças e adolescentes no estado do Maranhão no período de 2014 a 2020.

Esta pesquisa avança em relação a outras investigações sobre o assunto66 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: UNICEF/FBSP; 2021.

7 Cerqueira D, Ferreira H, Bueno S, Alves PP, Lima RS, Marques D, Silva FAB, Lunelli IC, Rodrigues RI, Lins GOA, Armstrong KC, Lira P, Coelho D, Barros B, Sobral I, Pacheco D, Pimentel A. Atlas da violência 2021. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2021

8 Gallo, EAG, Menezes AMB, Murray J, Silva LAD, Wehrmeister FC, Gonçalves H, Barros F. Vitimização por crime na infância e adolescência segundo registros oficiais: coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(8):e00072915.

9 Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC). Boletim Social do Maranhão. IMESC 2020; 2(4):1-46.

10 Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH). Monitoramento da violência no Maranhão. São Luís: SMDH; 2017.

11 Sousa AYA, Pinho EFS, Silva JTN, Meireles ACV, Lago RJM, Silva WN, Moraes FC. Caracterização dos casos de violência sexual contra a mulher notificados no estado do Maranhão no período de 2009 a 2017. BJD 2021;7(1):9925-9941.

12 Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Maranhão, Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Pe. Marcos Passerini. Observatório Criança: acompanhando a situação dos direitos da criança e do adolescente no Maranhão de 2006 a 2010. São Luís: CEDCA/CDMP; 2014.

13 Lima AT, Sousa RPR, Clemente SMPS, Viana MAO, Porto E. Perfil epidemiológico da violência contra crianças e adolescentes: uma análise das notificações compulsórias no Estado da Paraíba. Res Soc Dev 2020; 9(10):e1359108421 .

14 Lolli LF, Mesacasa D, Campos FNL, Silva NS, Oliveira VA, Fabiano GR, Dalpoz GQ, Pimentel BV, Freitag IH, Sperandio KCT. Violência praticada contra crianças e adolescentes no estado do Paraná: estudo retrospectivo do quinquênio 2010-2014. Braz J Hea Rev 2020; 3(4):11198-11214.

15 Oliveira NF, Moraes CL, Junger WL, Reichenheim ME. Violência contra crianças e adolescentes em Manaus, Amazonas: estudo descritivo dos casos e análise da completude das fichas de notificação, 2009-2016. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(1):e2018438.

16 Cezar PK, Arpini DM, Goetz ER. Registros de notificação compulsória de violência envolvendo crianças e adolescentes. Psicol Cienc Prof 2017; 37(2):432-445.
-1717 Quadros MN, Kirchner RM, Hildebrandt LM, Leite, MT, Costa MC, Sarzi DM. Situação da violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Enfermería Global 2016; 15(44):174-185. porque analisa diferenças entre tipologias a partir de grupos (títulos), subgrupos (capítulos) e tipos penais do Código Penal Brasileiro (CPB), com estratificação por sexo, evidenciando crimes como abandono de incapaz, subtração de incapazes, estupro de vulnerável e ocorrências não tipificadas como crimes, a exemplo do desaparecimento de crianças e de adolescentes.

Métodos

Foi realizado um estudo epidemiológico transversal com dois tipos de dados de violência contra crianças e adolescentes notificados no estado do Maranhão de 2014 a 2020: a) óbitos notificados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM); b) registros de ocorrências obtidos da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Maranhão (SSP-MA).

Local e população de estudo

O Maranhão, um dos nove estados da região Nordeste do Brasil, tinha população estimada de 6.875.302 habitantes em 2014, ano de início deste estudo. Desse total, 1.288.870, 545.846 e 578.504 tinham, respectivamente, de 0 a 9 anos, 10 a 13 anos e 14 a 17 anos. Em 2020, último ano da investigação, o total estimado de habitantes havia aumentado para 7.114.598, com diminuição do número de pessoas nas faixas etárias de 0 a 9 (1.175.312), 10 a 13 (515.930) e 14 a 17 (550.077) anos1818 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sistema IBGE de Recuperação Automática: projeção da população [Internet]. [acessado 2021 out 10]. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/7358
https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/7358...
.

A população de estudo foi formada por casos de óbitos por violências notificados no SIM e por casos suspeitos ou confirmados de violências contra crianças e adolescentes registrados em boletins de ocorrência (BOs) em delegacias da Polícia Civil. Criança foi definida como a pessoa de 0 a 11 anos de idade, e adolescente como a pessoa de 12 a 17 anos de idade44 Brasil. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília: MMFDH; 2019..

Coleta de dados

De janeiro a abril de 2021, foi realizada a coleta de dados dos bancos do Sistema Integrado de Gestão Operacional (SIGO), referente ao período 2014-2018, e do Sistema Integrado de Gestão do Maranhão (SIGMA) da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão (SSP-MA), para 2019 e 2020. Dados de anos anteriores a 2014 não foram utilizados porque estavam arquivados e não puderam ser recuperados.

Em junho de 2021, os dados de óbitos ocorridos no Maranhão foram coletados do SIM, a partir da homepage do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Esses óbitos são classificados nos grandes grupos lesões autoprovocadas voluntariamente, agressões e intervenções legais e operações de guerra1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Sistema de Informações sobre Mortalidade [Internet]. [acessado 2022 mar 10]. Disponível em: https://dados.gov.br/dataset/sistema-de-informacao-sobre-mortalidade
https://dados.gov.br/dataset/sistema-de-...
,2020 Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Informações de Saúde: mortalidade [Internet]. [acessado 2021 out 10]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/obt10uf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...
.

Os sistemas SIGO e SIGMA

Em 2012, o SIGO foi adotado como sistema padrão operacional da Polícia Civil do estado do Maranhão2121 Maranhão. Delegacia Geral da Polícia Civil (DGPC). Portaria nº 032, de 2 de fevereiro de 2012. Adota a ferramenta de solução tecnológica SIGO (Sistema Integrado de Gestão Operacional) como sistema padrão a ser utilizado para gestão operacional por toda a Polícia Civil do Estado do Maranhão. Diário Oficial do Estado do Maranhão 2012; 7 fev.. Em 27 de junho de 2018, o SIGMA foi indicado como sistema preferencial para confecção de BOs eletrônicos2222 Maranhão. Delegacia Geral da Polícia Civil (DGPC). Portaria nº 430, de 27 de junho de 2018. Regulamenta a utilização de soluções tecnológicas e não tecnológicas como padrões a serem utilizados por toda gestão operacional da Polícia Civil do Estado do Maranhão. Diário Oficial do Estado do Maranhão 2018; 27 jun., sendo o único sistema utilizado em 2019 e 2020.

Policiais encarregados de incluir as informações de BOs nos sistemas da SSP-MA intitulam as ocorrências relacionando a conduta do provável autor à descrição da tipificação penal do Código Penal Brasileiro (CPB) e/ou de leis específicas (ECA e Lei Maria da Penha, entre outras). Quando a conduta não é tipificada no CPB ou em leis específicas por não ser um tipo de crime, os policiais atribuem nomenclatura conforme a natureza da violência2323 Maranhão. Instrução Normativa nº 002, de abril de 2012. Normatiza e disciplina os procedimentos policiais e outros atos da Polícia Civil. Diário Oficial do Estado do Maranhão 2012; 23 mai..

As informações dos BOs inseridas nos Sistemas da SSP-MA são: tipificação, data, hora e local do fato, tipo de local, qualificação (nome completo, apelido) e endereços dos envolvidos. Como informações sobre sexo e vínculo do provável autor com a vítima não constavam no banco de dados do SIGMA, foi necessário coletá-los diretamente de BOs eletrônicos de 2019 e 2020. Esses dados não puderam ser obtidos no SIGO pela impossibilidade de criar nova senha de acesso para esse sistema. Renda familiar, escolaridade e cor da pele da vítima não constavam nos BOs que geraram os bancos do SIGMA.

Variáveis definidas a partir do Código Penal Brasileiro

Como a SSP-MA utiliza as tipificações de violência a partir do CPB, as variáveis sobre tipos de violência foram organizadas em grupos (correspondem aos títulos do CPB), subgrupos (capítulos do CPB) e tipos penais de crimes2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez..

Os grupos e respectivos subgrupos de variáveis foram os que se seguem: a) grupo crimes contra a pessoa (subgrupos lesões corporais, crimes contra a liberdade individual, crimes contra a vida, periclitação da vida e da saúde e crimes contra a honra); b) grupo crimes contra a dignidade sexual (subgrupos crimes sexuais contra vulnerável, crimes contra a liberdade sexual e ultraje público ao pudor); c) grupo ocorrências não tipificadas como crimes (subgrupos desaparecimento de pessoa, suicídio e violência psicológica); d) grupo crimes contra a família (subgrupo crimes contra o pátrio poder, tutela e curatela, com o tipo penal subtração de incapazes); e) grupo crimes contra o patrimônio (subgrupo roubo, com o tipo penal latrocínio)2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez..

O subgrupo lesões corporais reuniu os tipos penais lesão corporal, violência doméstica e outros. Lesão corporal é qualquer ofensa à integridade corporal ou à saúde de alguém. Violência doméstica é quando a lesão corporal é praticada por familiares ou por pessoa que convive ou conviveu com a vítima em ambiente doméstico. Outros reuniu os tipos de lesões corporais que resultaram em perigo de vida ou foram seguidas de morte2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez..

Crimes contra a liberdade individual ocorrem quando há violação da liberdade do indivíduo. Esse subgrupo foi formado pelos tipos penais ameaça, constrangimento ilegal e outros. Ameaça significa intimidar alguém de causar-lhe um mal injusto e grave. Constrangimento ilegal é obrigar alguém, sob violência ou grave ameaça, a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda. A categoria outros englobou os crimes submeter criança ou adolescente a vexame ou a constrangimento e sequestro e cárcere privado de menor de 18 anos2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez..

Periclitação da vida e da saúde é definida como expor a vida ou a saúde de alguém a perigo direto e iminente. Seus tipos penais são maus-tratos, abandono de incapaz e tortura. Maus-tratos é expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância com fins de educação, ensino, tratamento ou custódia, ou porque a privou de alimentos ou de cuidados necessários ou sujeitou-a a trabalho extenuante ou inadequado, ou ainda porque abusou de meios corretivos ou disciplina. Abandono de incapaz ocorre quando alguém abandona uma pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade e se encontra incapaz de se defender dos riscos do abandono. Tortura é o uso de violência com intenso sofrimento físico ou mental2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez..

O tipo penal homicídio, do subgrupo crimes contra a vida, é definido como matar alguém. Do subgrupo crimes contra a honra, injúria é ofender a dignidade de alguém por motivos como raça, cor, etnia, religião e deficiência2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez..

Crimes sexuais contra vulneráveis são práticas sexuais contra menores de 14 anos ou que não tenham o necessário discernimento para a prática do ato ou que não podem oferecer resistência. No tipo penal estupro de vulnerável, a vítima da conjunção carnal ou outro ato libidinoso é menor de 14 anos. A categoria outros reuniu crimes sexuais como divulgar cenas de estupro ou de pornografia e aliciamento/assédio por qualquer meio de comunicação com o fim de praticar ato libidinoso2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez..

O subgrupo crimes contra a liberdade sexual possui os tipos penais estupro e importunação sexual. Importunação sexual é definido como praticar ato libidinoso sem permissão contra alguém2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez..

O subgrupo ultraje público ao pudor é constituído pelo tipo penal ato obsceno, definido como prática de ato obsceno em lugar público, aberto ou exposto ao público2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez..

Violências não tipificadas no CPB foram incluídas no grupo ocorrências não tipificadas como crimes, sendo distribuídas nos subgrupos suicídio, desaparecimento de pessoa e violência psicológica. Desaparecimento de pessoa é quando o indivíduo adota destino ignorado pelos demais membros do seu convívio2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez..

O grupo crimes contra a família é constituído pelo subgrupo crimes contra o pátrio poder, tutela e curatela, contendo o tipo penal subtração de incapazes, definido como subtrair menor de 18 anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda legal2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez..

O grupo crimes contra o patrimônio teve o subgrupo roubo, com o tipo penal latrocínio, definido como roubo seguido de morte2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez..

Outras variáveis

As variáveis referentes à vítima foram idade e sexo (masculino e feminino). A variável idade foi categorizada em dois grupos, criança (0-11 anos) e adolescente (12-17 anos).

Com relação a características do provável autor, foram coletados dados sobre sexo (masculino e feminino), vínculo com o caso, sendo investigados pai e mãe (sim e não) e grupos de autores (familiar, ex/atual namorado(a), conhecido e desconhecido). Violências autoprovocadas, com sigilo judicial e por autor desconhecido não identificado foram excluídas das análises sobre autoria da violência.

As variáveis que investigaram locais de ocorrência foram residência, escola, casa de abrigo/penitenciária/reformatório, via urbana, via rural e internet, os quais foram categorizados em sim e não.

As variáveis do SIM foram ano de ocorrência do óbito e sexo da vítima, abrangendo o período de 2014 a 2020.

Análise dos dados

As análises descritivas e estatísticas foram feitas com o software Stata 15.0. Nas análises temporais são apresentados números de óbitos e de ocorrências de violências contra crianças e adolescentes, por ano e sexo.

Diferenças entre tipologias foram testadas entre grupos, subgrupos de cada grupo e tipos penais em subgrupos, inclusive no momento da estratificação por sexo. Nível de significância de 5% nos testes qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher indicou que havia diferenças entre violências praticadas contra crianças e adolescentes. Se o p-valor era < 0,100 em um grupo, continuava-se a testar diferenças nos subgrupos. O mesmo critério foi utilizado em relação aos subgrupos e tipos penais.

Não foi necessária a submissão deste estudo à avaliação de Comitê de Ética em Pesquisa porque as coletas foram feitas em bases de dados secundários, sem identificação dos envolvidos, em consonância com a Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde2525 Brasil. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Diário Oficial da União 2016; 24 maio.. O SIM é uma base de dados de domínio público1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Sistema de Informações sobre Mortalidade [Internet]. [acessado 2022 mar 10]. Disponível em: https://dados.gov.br/dataset/sistema-de-informacao-sobre-mortalidade
https://dados.gov.br/dataset/sistema-de-...
e as informações obtidas da SSP-MA têm a publicidade como preceito geral e o sigilo como exceção2626 Brasil. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, inciso II do § 3º do art. 37 e § 2º do art. 216 da Constituição Federal. Diário Oficial da União 2011; 18 nov..

Resultados

De 2014 a 2020, foram notificados 1.326 óbitos por violências na faixa etária de 0-17 anos, sendo 116 (8,7%) de crianças e 1.210 (91,3%) de adolescentes. Nesse período, foram registrados 8.187 BOs de violências contra pessoas de 0-17 anos nos Sistemas da SSP-MA, a maioria (77,3%) contra adolescentes.

Óbitos de crianças cresceram e decresceram alternadamente nos sete anos investigados, com maior e menor números de notificações respectivamente em 2014 e 2019 (Figura (1A)). O ano de 2015 foi o com o maior número de óbitos de adolescentes, com quedas anuais de notificações de 2016-2019 e pequeno aumento em 2020 (Figura 1(B)). Predominaram óbitos de crianças e adolescentes do sexo masculino em todos os anos investigados (Figuras 1(A) e 1(B)).

Figura 1
Evolução temporal de óbitos por violências de crianças (A) e adolescentes (B) ocorridos no estado do Maranhão e notificados no Sistema de Informação sobre Mortalidade, Brasil, 2014-2020.

Os números de BOs de violências contra crianças diminuíram de 2014 para 2015 e aumentaram anualmente até 2017, com queda abrupta em 2018 e novos aumentos em 2019 e 2020 (Figura 2(A)). Em relação à violência contra adolescentes, os números cresceram de 2014-2017, diminuíram em 2018 e 2019 e aumentaram em 2020 (Figura 2(B)). Nos sete anos investigados predominaram violências contra adolescentes do sexo feminino (Figuras 2(A) e 2(B)).

Figura 2
Evolução temporal de casos de violências contra crianças (A) e adolescentes (B) registrados na Secretaria de Estado da Segurança Pública do Maranhão, Brasil, 2014-2020.

O grupo crimes contra a pessoa teve o maior número de vítimas, seguido pelos grupos crimes contra a dignidade sexual, ocorrências não tipificadas como crimes, crimes contra a família e crimes contra o patrimônio (Tabela 1).

Tabela 1
Diferenças entre tipologias de violências contra crianças e adolescentes. Secretaria de Estado da Segurança Pública do Maranhão, Brasil, 2014-2020.

Nas análises de diferenças entre grupos de violências, crimes contra a pessoa, crimes contra a dignidade sexual e ocorrências não tipificadas como crime foram mais notificados contra adolescentes e o grupo crimes contra a família (só tem o tipo penal subtração de incapazes) predominou contra crianças (p < 0,001 em todas as análises) (Tabela 1).

Nas análises dos subgrupos, as principais diferenças foram as que se seguem: a) no grupo crimes contra a pessoa, o subgrupo periclitação da vida e da saúde predominou contra crianças (p < 0,001), e os subgrupos crimes contra a liberdade individual (p = 0,004) e crimes contra a vida (só tem o tipo penal homicídio) (p < 0,001) foram mais registrados na adolescência; b) no grupo crimes contra a dignidade sexual, crimes sexuais contra vulnerável (p < 0,001) foram mais frequentes contra crianças e crimes contra a liberdade sexual (p < 0,001) predominaram na adolescência; e c) no grupo ocorrências não tipificadas como crime, violência psicológica (p = 0,034) foi mais registrada na adolescência (Tabela 1).

Abandono de incapaz (p = 0,045) e estupro de vulnerável (p = 0,003), tipos penais, respectivamente, dos subgrupos periclitação da vida e da saúde e crimes sexuais contra vulnerável, foram mais frequentes contra crianças (Tabela 1).

Submeter criança ou adolescente a vexame ou a constrangimento e sequestro e cárcere privado de menor de 18 anos, tipos penais da categoria outros (p = 0,007) do subgrupo crimes contra a liberdade individual (p = 0,004) e importunação sexual (p < 0,001) foram mais frequentes na adolescência (Tabela 1).

Violência doméstica com lesão corporal foi mais frequente em crianças (p < 0,001) e adolescentes (p < 0,001) do sexo feminino. Subtração de incapaz (p = 0,001), lesão corporal dolosa (p = 0,001), injúria (p < 0,001) e ato obsceno (p = 0,021) predominaram contra adolescentes do sexo feminino (Tabela 2).

Tabela 2
Diferenças entre tipologias de violências contra crianças e adolescentes estratificadas por sexo. Secretaria de Estado da Segurança Pública do Maranhão, Brasil, 2014-2020.

Adolescentes do sexo masculino foram vítimas principalmente de lesões corporais que resultaram em perigo de vida ou foram seguidas de morte (p = 0,002), homicídios (< 0,001) e constrangimento ilegal (p < 0,001) (Tabela 2).

Pais (p = 0,001), mães (p < 0,001), familiares (p < 0,001), atual ou ex-namorado (p < 0,001) e desconhecidos (p < 0,001) foram denunciados mais frequentemente por violências contra adolescentes, que ocorreram mais em residências (p < 0,001), vias urbanas (p < 0,001) e na internet (p = 0,001), quando comparadas às violências contra crianças (Tabela 3).

Tabela 3
Características de vítimas, prováveis autores e ocorrências de violências contra crianças e adolescentes registradas na Secretaria de Estado da Segurança Pública do Maranhão, Brasil, 2014-2020.

Discussão

Nos sete anos investigados, óbitos e ocorrências de violências foram mais frequentes contra adolescentes, os quais cresceram de 2014 para 2015, diminuíram em 2018 e 2019 e aumentaram em 2020. Óbitos e ocorrências de violências contra crianças tiveram pequenos aumentos de 2019 para 2020. Subtração de incapazes, abandono de incapaz e estupro de vulnerável predominaram em crianças. Homicídios, crimes contra a liberdade individual (submeter criança ou adolescente a vexame ou a constrangimento, sequestro e cárcere privado de menor de 18 anos), crimes contra a liberdade sexual (estupro e importunação sexual) e violência psicológica foram mais frequentes na adolescência. Houve mais denúncias de violência doméstica com lesão corporal contra crianças e adolescentes do sexo feminino. Subtração de incapazes, lesão corporal dolosa, injúria e ato obsceno predominaram entre adolescentes do sexo feminino. Lesões corporais graves, homicídios e constrangimento ilegal foram mais registrados em adolescentes do sexo masculino. Quando comparadas às crianças, agressões a adolescentes foram mais praticadas em residências, vias públicas e internet. Pais, mães, familiares, atuais ou ex-namorados e desconhecidos foram mais denunciados por violências contra adolescentes.

Como limitações do estudo, apontamos as subnotificações de óbitos e ocorrências de violências, à semelhança de resultados de outras pesquisas33 Brasil. Ministério dos Direitos Humanos (MDH). Violência contra crianças e adolescentes: análise de cenários e propostas de políticas públicas. Brasília: MDH; 2018.,55 Macedo DM, Foschiera LN, Bordini TCPM, Habigzang LF, Koller SH. Revisão sistemática de estudos sobre registros de violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Cien Saude Colet 2017; 24(2):487-496.,88 Gallo, EAG, Menezes AMB, Murray J, Silva LAD, Wehrmeister FC, Gonçalves H, Barros F. Vitimização por crime na infância e adolescência segundo registros oficiais: coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(8):e00072915.,2727 Manso FV, Gonçalves LL, organizadores. Dossiê criança e adolescente 2018 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública; 2018. [acessado 2022 mar 10]. Disponível em: https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digitaloceanspaces.com/sites/3/2019/02/2018_DossieCrincadolescente.pdf, a não disponibilidade dos BOs dos casos registrados no SIGO, a falta ou erro de preenchimento de informações desses documentos no SIGMA e ausências de informações em BOs sobre características socioeconômicas (renda familiar e escolaridade, entre outras) e demográficas (cor da pele, por exemplo) de vítimas e prováveis autores.

Predominâncias de óbitos e de ocorrências de violências na adolescência em relação à infância (ou crianças pelo ECA44 Brasil. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília: MMFDH; 2019.) observadas neste estudo são relatadas globalmente22 Pinheiro PS. World report on violence against children. New York: United Nations; 2006. e em regiões66 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: UNICEF/FBSP; 2021.,99 Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC). Boletim Social do Maranhão. IMESC 2020; 2(4):1-46.,2828 Malta DC, Minayo MCS, Cardoso LSM, Veloso GA, Teixeira RA, Pinto IV, Naghavi, M. Mortalidade de adolescentes e adultos jovens brasileiros entre 1990 e 2019, uma análise do estudo Carga Global de Doença. Cien Saude Colet 2021; 26(9):4069-4086.,2929 Paungartner LM, Moura JQ, Fernandes MTC, Paiva TS. Análise epidemiológica das notificações de violência contra crianças e adolescentes no Brasil de 2009 a 2017. REAS 2020; 12(9):e4241. e estados brasileiros1313 Lima AT, Sousa RPR, Clemente SMPS, Viana MAO, Porto E. Perfil epidemiológico da violência contra crianças e adolescentes: uma análise das notificações compulsórias no Estado da Paraíba. Res Soc Dev 2020; 9(10):e1359108421 .

14 Lolli LF, Mesacasa D, Campos FNL, Silva NS, Oliveira VA, Fabiano GR, Dalpoz GQ, Pimentel BV, Freitag IH, Sperandio KCT. Violência praticada contra crianças e adolescentes no estado do Paraná: estudo retrospectivo do quinquênio 2010-2014. Braz J Hea Rev 2020; 3(4):11198-11214.

15 Oliveira NF, Moraes CL, Junger WL, Reichenheim ME. Violência contra crianças e adolescentes em Manaus, Amazonas: estudo descritivo dos casos e análise da completude das fichas de notificação, 2009-2016. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(1):e2018438.
-1616 Cezar PK, Arpini DM, Goetz ER. Registros de notificação compulsória de violência envolvendo crianças e adolescentes. Psicol Cienc Prof 2017; 37(2):432-445.,2727 Manso FV, Gonçalves LL, organizadores. Dossiê criança e adolescente 2018 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública; 2018. [acessado 2022 mar 10]. Disponível em: https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digitaloceanspaces.com/sites/3/2019/02/2018_DossieCrincadolescente.pdf. Esses achados podem ser explicados porque adolescentes estão inseridos com mais frequência em organizações criminosas e grupos faccionados, consomem álcool e drogas ilícitas, manuseiam armas, desafiam regras estabelecidas e se envolvem em situações de conflitos22 Pinheiro PS. World report on violence against children. New York: United Nations; 2006.,33 Brasil. Ministério dos Direitos Humanos (MDH). Violência contra crianças e adolescentes: análise de cenários e propostas de políticas públicas. Brasília: MDH; 2018.. Da mesma forma, em relação às crianças, eles são mais independentes da decisão familiar de denunciar a violência22 Pinheiro PS. World report on violence against children. New York: United Nations; 2006.,33 Brasil. Ministério dos Direitos Humanos (MDH). Violência contra crianças e adolescentes: análise de cenários e propostas de políticas públicas. Brasília: MDH; 2018.,88 Gallo, EAG, Menezes AMB, Murray J, Silva LAD, Wehrmeister FC, Gonçalves H, Barros F. Vitimização por crime na infância e adolescência segundo registros oficiais: coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(8):e00072915. e menos temerosos das consequências de suas denúncias. Além disso, crianças, quando muito pequenas, não sabem descrever efetivamente as ocorrências22 Pinheiro PS. World report on violence against children. New York: United Nations; 2006.,2727 Manso FV, Gonçalves LL, organizadores. Dossiê criança e adolescente 2018 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública; 2018. [acessado 2022 mar 10]. Disponível em: https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digitaloceanspaces.com/sites/3/2019/02/2018_DossieCrincadolescente.pdf.

O decréscimo de óbitos por violências na adolescência encontrado neste estudo em 2018 e 2019, em especial contra o sexo masculino, também foi observado no Brasil como um todo66 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: UNICEF/FBSP; 2021.. Ele tem sido atribuído à transição demográfica, pela diminuição do número de jovens no Brasil (o que ocorreu no estado do Maranhão1818 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sistema IBGE de Recuperação Automática: projeção da população [Internet]. [acessado 2021 out 10]. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/7358
https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/7358...
), a políticas públicas de segurança estaduais de enfrentamento da violência e ao Estatuto do Desarmamento de 2017, que incluiu o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito no rol dos crimes hediondos77 Cerqueira D, Ferreira H, Bueno S, Alves PP, Lima RS, Marques D, Silva FAB, Lunelli IC, Rodrigues RI, Lins GOA, Armstrong KC, Lira P, Coelho D, Barros B, Sobral I, Pacheco D, Pimentel A. Atlas da violência 2021. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2021. A intensificação de campanhas e mobilizações estimulando denúncias de violências também foi apontada como responsável por esses resultados33 Brasil. Ministério dos Direitos Humanos (MDH). Violência contra crianças e adolescentes: análise de cenários e propostas de políticas públicas. Brasília: MDH; 2018.,77 Cerqueira D, Ferreira H, Bueno S, Alves PP, Lima RS, Marques D, Silva FAB, Lunelli IC, Rodrigues RI, Lins GOA, Armstrong KC, Lira P, Coelho D, Barros B, Sobral I, Pacheco D, Pimentel A. Atlas da violência 2021. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2021.

Além desses fatores, a diminuição do número de mortes intencionais por violência observada no Brasil de 2017 a 2019 tem sido imputada à piora da qualidade dos dados do SIM na identificação da causa básica da morte por violência. Essa deterioração do SIM foi relacionada a aumentos de casos de mortes violentas de causas indeterminadas (MVCI), que cresceram de 6,2% em 2017 para 11,7% em 2019. Sendo assim, é possível atribuir parte da queda do número de óbitos por violência de 2017 a 2019 encontrados no presente estudo ao aumento do MVCI no estado do Maranhão, que teve variação positiva de 9,6% (de 73 para 80 casos) de 2018 para 201977 Cerqueira D, Ferreira H, Bueno S, Alves PP, Lima RS, Marques D, Silva FAB, Lunelli IC, Rodrigues RI, Lins GOA, Armstrong KC, Lira P, Coelho D, Barros B, Sobral I, Pacheco D, Pimentel A. Atlas da violência 2021. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2021.

Os achados de decréscimo robusto de registros de ocorrências de violências contra crianças e adolescentes de 2017 para 2018 provavelmente ocorreu por problemas na mudança do SIGO para o SIGMA, que funcionaram simultaneamente em 20182222 Maranhão. Delegacia Geral da Polícia Civil (DGPC). Portaria nº 430, de 27 de junho de 2018. Regulamenta a utilização de soluções tecnológicas e não tecnológicas como padrões a serem utilizados por toda gestão operacional da Polícia Civil do Estado do Maranhão. Diário Oficial do Estado do Maranhão 2018; 27 jun..

Aumento de violências contra crianças e adolescentes em 2020 mostrados neste estudo também foram observados no estado de São Paulo (Brasil)3030 Oliveira SMT, Galdeano EA, Trindade EMGG, Fernandez RS, Buchaim RL, Buchaim DV, Cunha MR, Passos SD. Epidemiological study of violence against children and its increase during the COVID-19 pandemic. Int J Environ Res Public Health 2022; 18(19): 10061. e em outros países3131 Cappa C, Jijon I. COVID-19 and violence against children: a review of early studies. Child Abuse Neglect 2021; 116(2):105053., sendo relacionados à maior proximidade de agressores com suas vítimas durante o período de distanciamento social em espaços públicos (suspensão de aulas, trabalho remoto e outras restrições)11 World Health Organization (WHO). Global status report on preventing violence against children. Geneva: WHO; 2020.,3030 Oliveira SMT, Galdeano EA, Trindade EMGG, Fernandez RS, Buchaim RL, Buchaim DV, Cunha MR, Passos SD. Epidemiological study of violence against children and its increase during the COVID-19 pandemic. Int J Environ Res Public Health 2022; 18(19): 10061.,3131 Cappa C, Jijon I. COVID-19 and violence against children: a review of early studies. Child Abuse Neglect 2021; 116(2):105053., a situações de estresse (perda de trabalho e renda nas famílias)11 World Health Organization (WHO). Global status report on preventing violence against children. Geneva: WHO; 2020.,3131 Cappa C, Jijon I. COVID-19 and violence against children: a review of early studies. Child Abuse Neglect 2021; 116(2):105053. e a dificuldades no funcionamento de redes de proteção a crianças e adolescentes11 World Health Organization (WHO). Global status report on preventing violence against children. Geneva: WHO; 2020.,3030 Oliveira SMT, Galdeano EA, Trindade EMGG, Fernandez RS, Buchaim RL, Buchaim DV, Cunha MR, Passos SD. Epidemiological study of violence against children and its increase during the COVID-19 pandemic. Int J Environ Res Public Health 2022; 18(19): 10061.,3131 Cappa C, Jijon I. COVID-19 and violence against children: a review of early studies. Child Abuse Neglect 2021; 116(2):105053. na pandemia do SARS-Cov-2.

Quanto aos resultados de diferenças entre tipologias nos cinco grupos de crimes, só o grupo crimes contra a família, com o tipo penal subtração de incapazes, foi mais frequente em crianças de 0-11 anos. Na maioria das denúncias não foi apontado um provável autor para esse tipo de crime. Em dois casos (vítimas com 4 e 5 anos), os denunciados foram os pais das crianças, e em um terceiro caso (vítima de 4 anos), a denunciada foi a vizinha. Na adolescência, subtração de incapazes foi mais frequente contra o sexo feminino e os denunciados conhecidos foram o pai (vítima de 17 anos) e os namorados (vítimas com idades de 12 a 16 anos).

O objetivo do perpetrador no crime de subtração de incapazes é inserir a vítima em uma família diversa daquela em que ela se encontra2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez.. Esse crime penal ocorre quando não há acordos em disputas de poder em separações ou perda de pai, mãe ou outro responsável3232 Brasil. Ministério das Relações Exteriores (MRE). Cartilha sobre disputa de guarda e subtração internacional de menores. Brasília: Ministério das Relações Exteriores; 2021. ou ainda quando a criança ou a(o) adolescente vai residir com outros sujeitos sem o consentimento familiar, como em alguns casos de casamento infantil3333 Cardoso AS, Valério ID, Ramos CI, Machado KP. Casamento infantil no Brasil: uma análise da Pesquisa Nacional de Saúde. Cien Saude Colet 2022; 27(2):417-426..

O maior número de registros de subtração de incapazes na infância em relação à adolescência pode estar associado à menor autonomia da criança na escolha com quem prefere residir, o que gera disputas e violências3232 Brasil. Ministério das Relações Exteriores (MRE). Cartilha sobre disputa de guarda e subtração internacional de menores. Brasília: Ministério das Relações Exteriores; 2021.. Na adolescência, é possível que esse crime tenha predominado no sexo feminino, como consequência da saída da adolescente da residência familiar, sem consentimento, para conviver com um namorado. Não raro, a garota está grávida e esconde da família sua situação3333 Cardoso AS, Valério ID, Ramos CI, Machado KP. Casamento infantil no Brasil: uma análise da Pesquisa Nacional de Saúde. Cien Saude Colet 2022; 27(2):417-426.. No seguimento de adolescentes da coorte de nascimento de 1993 do município de Pelotas (Rio Grande de Sul) não foram encontradas diferenças entre sexos no crime de subtração de incapazes88 Gallo, EAG, Menezes AMB, Murray J, Silva LAD, Wehrmeister FC, Gonçalves H, Barros F. Vitimização por crime na infância e adolescência segundo registros oficiais: coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(8):e00072915..

O abandono de incapaz, um dos três tipos penais do subgrupo periclitação da vida e da saúde, também predominou entre crianças, não havendo distinções entre sexos. Abandono de incapaz é um crime que deve ser analisado segundo a condição de vulnerabilidade social porque pode ser difícil distinguir negligência/abandono da incapacidade de famílias pobres fornecerem o mínimo necessário à criança ou ao adolescente22 Pinheiro PS. World report on violence against children. New York: United Nations; 2006.,3434 Reis ERL, Souza SJP, Migoto MT, Weigert SP. Dificuldades dos profissionais de saúde em identificar e notificar a violência infantil. RGS 2017; 17(Supl. 1):63-70..

Crimes contra a dignidade sexual foram quase duas vezes mais frequentes na adolescência. Nesse grupo de crimes, as vítimas eram predominantemente do sexo feminino, quer na infância ou na adolescência. À semelhança desse achado, resultados de outras investigações mostraram que violência sexual, como fenômeno que reúne várias manifestações, é mais praticada contra adolescentes do sexo feminino22 Pinheiro PS. World report on violence against children. New York: United Nations; 2006.,33 Brasil. Ministério dos Direitos Humanos (MDH). Violência contra crianças e adolescentes: análise de cenários e propostas de políticas públicas. Brasília: MDH; 2018.,88 Gallo, EAG, Menezes AMB, Murray J, Silva LAD, Wehrmeister FC, Gonçalves H, Barros F. Vitimização por crime na infância e adolescência segundo registros oficiais: coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(8):e00072915.,1313 Lima AT, Sousa RPR, Clemente SMPS, Viana MAO, Porto E. Perfil epidemiológico da violência contra crianças e adolescentes: uma análise das notificações compulsórias no Estado da Paraíba. Res Soc Dev 2020; 9(10):e1359108421 .,2727 Manso FV, Gonçalves LL, organizadores. Dossiê criança e adolescente 2018 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública; 2018. [acessado 2022 mar 10]. Disponível em: https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digitaloceanspaces.com/sites/3/2019/02/2018_DossieCrincadolescente.pdf,3535 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Análise epidemiológica da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 2011 a 2017. Boletim Epidemiológico 2018; 49(27):1-17..

No entanto, o tipo penal estupro de vulnerável predominou contra crianças de 0-11 anos em relação a adolescentes de 12 e 13 anos. Houve mais denúncias de estupro de vulnerável de crianças e adolescentes do sexo feminino em relação ao masculino, mas sem significância estatística. O maior número de registros de crianças vítimas desse tipo de crime pode ser explicado pela definição de vulnerável, que engloba crianças com idades de 0-11 anos e apenas adolescentes de 12 e 13 anos44 Brasil. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília: MMFDH; 2019..

A importunação sexual foi mais frequente na adolescência, sem predileção por sexo. Estupro na adolescência, um crime contra pessoas de 14 a 17 anos, foi mais denunciado em vítimas do sexo feminino, mas sem significância estatística em relação ao masculino. Dos crimes sexuais, apenas o tipo penal ato obsceno (grupo crimes contra a dignidade sexual) foi mais frequente no sexo feminino.

Homicídios e lesões corporais que resultaram em perigo de vida ou foram seguidas de morte predominaram em adolescentes do sexo masculino. Esses achados são semelhantes aos encontrados em outros países22 Pinheiro PS. World report on violence against children. New York: United Nations; 2006., no Brasil como um todo66 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: UNICEF/FBSP; 2021. e no estado do Rio de Janeiro2727 Manso FV, Gonçalves LL, organizadores. Dossiê criança e adolescente 2018 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública; 2018. [acessado 2022 mar 10]. Disponível em: https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digitaloceanspaces.com/sites/3/2019/02/2018_DossieCrincadolescente.pdf. São explicados pelo maior envolvimento de adolescentes do sexo masculino com organizações criminosas e grupos faccionados66 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: UNICEF/FBSP; 2021.,77 Cerqueira D, Ferreira H, Bueno S, Alves PP, Lima RS, Marques D, Silva FAB, Lunelli IC, Rodrigues RI, Lins GOA, Armstrong KC, Lira P, Coelho D, Barros B, Sobral I, Pacheco D, Pimentel A. Atlas da violência 2021. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2021. No estado do Rio de Janeiro, em 2017, um quarto dos homicídios de crianças e adolescentes do sexo masculino ocorreu em intervenções policiais2727 Manso FV, Gonçalves LL, organizadores. Dossiê criança e adolescente 2018 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública; 2018. [acessado 2022 mar 10]. Disponível em: https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digitaloceanspaces.com/sites/3/2019/02/2018_DossieCrincadolescente.pdf. Homicídios expressam também desigualdades de raça/cor da pele e socioeconômicas, com mais mortes de adolescentes e jovens negros pobres66 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: UNICEF/FBSP; 2021.,77 Cerqueira D, Ferreira H, Bueno S, Alves PP, Lima RS, Marques D, Silva FAB, Lunelli IC, Rodrigues RI, Lins GOA, Armstrong KC, Lira P, Coelho D, Barros B, Sobral I, Pacheco D, Pimentel A. Atlas da violência 2021. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2021.

Submeter criança ou adolescente a vexame ou a constrangimento e sequestro e cárcere privado de menor de 18 anos, tipos de crimes contra a liberdade individual, foram mais frequentes contra adolescentes, sem distinção de sexo. Resultado semelhante foi encontrado no estudo sobre violência contra adolescentes da coorte de nascimento de 1993 do município de Pelotas88 Gallo, EAG, Menezes AMB, Murray J, Silva LAD, Wehrmeister FC, Gonçalves H, Barros F. Vitimização por crime na infância e adolescência segundo registros oficiais: coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(8):e00072915.. Sequestro e cárcere privado são crimes frequentemente relacionados a relações desiguais de poder entre gêneros e entre gerações22 Pinheiro PS. World report on violence against children. New York: United Nations; 2006..

Constrangimento ilegal foi mais registrado em adolescentes do sexo masculino. Os locais de maior ocorrência desse tipo de crime foram via urbana, residência e escola. Nesse tipo penal de crime, o perpetrador, mediante grave ameaça ou violência física, ou ainda utilizando substâncias que diminuam a resistência da vítima, pratica coação sem qualquer amparo legal para obrigar a vítima a fazer ou deixar de fazer o que determina a lei2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez.. Impedir que o adolescente passe em uma rua ou corredor da escola, sob ameaça, e castigá-lo pela sua orientação sexual são exemplos de constrangimento ilegal (entre pares e repetitivo se chama de bulliyng)3636 Fantecelle GM. Da tipificação penal do bullying: modismo ou crime? Águia 2011; 1:70-85..

Violência psicológica, enquanto ocorrência não tipificada como crime, foi mais registrada contra adolescentes, sem distinções de sexo. No estado do Rio de Janeiro, em 2017, violência psicológica predominou no sexo feminino2727 Manso FV, Gonçalves LL, organizadores. Dossiê criança e adolescente 2018 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública; 2018. [acessado 2022 mar 10]. Disponível em: https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digitaloceanspaces.com/sites/3/2019/02/2018_DossieCrincadolescente.pdf. Ameaças, injúrias e constrangimento são tipos penais do Código Penal Brasileiro que correspondem à definição de violência psicológica da Organização Mundial de Saúde22 Pinheiro PS. World report on violence against children. New York: United Nations; 2006..

Crianças e adolescentes do sexo feminino foram mais vitimizados do que as do sexo masculino por lesões corporais no ambiente doméstico, o que mostra relações desiguais de gênero no ambiente familiar22 Pinheiro PS. World report on violence against children. New York: United Nations; 2006.,2727 Manso FV, Gonçalves LL, organizadores. Dossiê criança e adolescente 2018 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública; 2018. [acessado 2022 mar 10]. Disponível em: https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digitaloceanspaces.com/sites/3/2019/02/2018_DossieCrincadolescente.pdf. Ao contrário desse resultado, adolescentes dos sexos masculino e feminino foram igualmente vitimizados por lesões corporais na coorte de nascimento de Pelotas de 1993, mas os pesquisadores não analisaram tipos penais do subgrupo lesões corporais88 Gallo, EAG, Menezes AMB, Murray J, Silva LAD, Wehrmeister FC, Gonçalves H, Barros F. Vitimização por crime na infância e adolescência segundo registros oficiais: coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(8):e00072915..

O tipo penal injúria foi mais registrado contra adolescentes do sexo feminino. Esse tipo de crime na infância e na adolescência pode ter conotação de raça/cor, etnia, religião, origem e por deficiência2424 Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez., mas as motivações não constavam nos bancos de dados da SSP-MA e só três prováveis autores foram identificados.

Quando comparadas às violências contra crianças, as contra adolescentes predominaram em residências, vias públicas e internet. Pais, mães, familiares, atual e ex-namorado e desconhecidos foram mais denunciados por violências contra adolescentes. Nessa perspectiva, familiares e o ambiente doméstico não garantiram a devida proteção de crianças e, em especial, adolescentes, como determina o ECA44 Brasil. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília: MMFDH; 2019.. Crimes cibernéticos foram aproximadamente dez vezes mais frequentes contra adolescentes pelo acesso mais costumaz dessa faixa etária às redes sociais33 Brasil. Ministério dos Direitos Humanos (MDH). Violência contra crianças e adolescentes: análise de cenários e propostas de políticas públicas. Brasília: MDH; 2018.,66 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: UNICEF/FBSP; 2021..

Os resultados deste estudo revelaram diferenças entre óbitos e ocorrências de violências praticadas contra crianças e adolescentes, evidenciando especificidades de ocorrências tipificadas ou não como crimes nos sexos masculino e feminino a partir de grupos, subgrupos e tipos penais do Código Penal Brasileiro.

Em um país de iniquidades sociais, que se agravaram ainda mais com a pandemia do SARS-Cov-2, é imprescindível que os BOs tenham informações sobre cor da pele, escolaridade e outras características individuais, familiares e sociais das vítimas, de forma a se conhecer e atuar de forma mais eficiente na realidade social.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão, que gentilmente cedeu cópias dos bancos de dados solicitados e possibilitou a consulta a Boletins de Ocorrência.

Referências

  • 1
    World Health Organization (WHO). Global status report on preventing violence against children. Geneva: WHO; 2020.
  • 2
    Pinheiro PS. World report on violence against children. New York: United Nations; 2006.
  • 3
    Brasil. Ministério dos Direitos Humanos (MDH). Violência contra crianças e adolescentes: análise de cenários e propostas de políticas públicas. Brasília: MDH; 2018.
  • 4
    Brasil. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília: MMFDH; 2019.
  • 5
    Macedo DM, Foschiera LN, Bordini TCPM, Habigzang LF, Koller SH. Revisão sistemática de estudos sobre registros de violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Cien Saude Colet 2017; 24(2):487-496.
  • 6
    Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: UNICEF/FBSP; 2021.
  • 7
    Cerqueira D, Ferreira H, Bueno S, Alves PP, Lima RS, Marques D, Silva FAB, Lunelli IC, Rodrigues RI, Lins GOA, Armstrong KC, Lira P, Coelho D, Barros B, Sobral I, Pacheco D, Pimentel A. Atlas da violência 2021. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2021
  • 8
    Gallo, EAG, Menezes AMB, Murray J, Silva LAD, Wehrmeister FC, Gonçalves H, Barros F. Vitimização por crime na infância e adolescência segundo registros oficiais: coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(8):e00072915.
  • 9
    Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC). Boletim Social do Maranhão. IMESC 2020; 2(4):1-46.
  • 10
    Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH). Monitoramento da violência no Maranhão. São Luís: SMDH; 2017.
  • 11
    Sousa AYA, Pinho EFS, Silva JTN, Meireles ACV, Lago RJM, Silva WN, Moraes FC. Caracterização dos casos de violência sexual contra a mulher notificados no estado do Maranhão no período de 2009 a 2017. BJD 2021;7(1):9925-9941.
  • 12
    Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Maranhão, Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Pe. Marcos Passerini. Observatório Criança: acompanhando a situação dos direitos da criança e do adolescente no Maranhão de 2006 a 2010. São Luís: CEDCA/CDMP; 2014.
  • 13
    Lima AT, Sousa RPR, Clemente SMPS, Viana MAO, Porto E. Perfil epidemiológico da violência contra crianças e adolescentes: uma análise das notificações compulsórias no Estado da Paraíba. Res Soc Dev 2020; 9(10):e1359108421 .
  • 14
    Lolli LF, Mesacasa D, Campos FNL, Silva NS, Oliveira VA, Fabiano GR, Dalpoz GQ, Pimentel BV, Freitag IH, Sperandio KCT. Violência praticada contra crianças e adolescentes no estado do Paraná: estudo retrospectivo do quinquênio 2010-2014. Braz J Hea Rev 2020; 3(4):11198-11214.
  • 15
    Oliveira NF, Moraes CL, Junger WL, Reichenheim ME. Violência contra crianças e adolescentes em Manaus, Amazonas: estudo descritivo dos casos e análise da completude das fichas de notificação, 2009-2016. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(1):e2018438.
  • 16
    Cezar PK, Arpini DM, Goetz ER. Registros de notificação compulsória de violência envolvendo crianças e adolescentes. Psicol Cienc Prof 2017; 37(2):432-445.
  • 17
    Quadros MN, Kirchner RM, Hildebrandt LM, Leite, MT, Costa MC, Sarzi DM. Situação da violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Enfermería Global 2016; 15(44):174-185.
  • 18
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sistema IBGE de Recuperação Automática: projeção da população [Internet]. [acessado 2021 out 10]. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/7358
    » https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/7358
  • 19
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Sistema de Informações sobre Mortalidade [Internet]. [acessado 2022 mar 10]. Disponível em: https://dados.gov.br/dataset/sistema-de-informacao-sobre-mortalidade
    » https://dados.gov.br/dataset/sistema-de-informacao-sobre-mortalidade
  • 20
    Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Informações de Saúde: mortalidade [Internet]. [acessado 2021 out 10]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/obt10uf.def
    » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/obt10uf.def
  • 21
    Maranhão. Delegacia Geral da Polícia Civil (DGPC). Portaria nº 032, de 2 de fevereiro de 2012. Adota a ferramenta de solução tecnológica SIGO (Sistema Integrado de Gestão Operacional) como sistema padrão a ser utilizado para gestão operacional por toda a Polícia Civil do Estado do Maranhão. Diário Oficial do Estado do Maranhão 2012; 7 fev.
  • 22
    Maranhão. Delegacia Geral da Polícia Civil (DGPC). Portaria nº 430, de 27 de junho de 2018. Regulamenta a utilização de soluções tecnológicas e não tecnológicas como padrões a serem utilizados por toda gestão operacional da Polícia Civil do Estado do Maranhão. Diário Oficial do Estado do Maranhão 2018; 27 jun.
  • 23
    Maranhão. Instrução Normativa nº 002, de abril de 2012. Normatiza e disciplina os procedimentos policiais e outros atos da Polícia Civil. Diário Oficial do Estado do Maranhão 2012; 23 mai.
  • 24
    Brasil. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União 1940; 31 dez.
  • 25
    Brasil. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Diário Oficial da União 2016; 24 maio.
  • 26
    Brasil. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, inciso II do § 3º do art. 37 e § 2º do art. 216 da Constituição Federal. Diário Oficial da União 2011; 18 nov.
  • 27
    Manso FV, Gonçalves LL, organizadores. Dossiê criança e adolescente 2018 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública; 2018. [acessado 2022 mar 10]. Disponível em: https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digitaloceanspaces.com/sites/3/2019/02/2018_DossieCrincadolescente.pdf
  • 28
    Malta DC, Minayo MCS, Cardoso LSM, Veloso GA, Teixeira RA, Pinto IV, Naghavi, M. Mortalidade de adolescentes e adultos jovens brasileiros entre 1990 e 2019, uma análise do estudo Carga Global de Doença. Cien Saude Colet 2021; 26(9):4069-4086.
  • 29
    Paungartner LM, Moura JQ, Fernandes MTC, Paiva TS. Análise epidemiológica das notificações de violência contra crianças e adolescentes no Brasil de 2009 a 2017. REAS 2020; 12(9):e4241.
  • 30
    Oliveira SMT, Galdeano EA, Trindade EMGG, Fernandez RS, Buchaim RL, Buchaim DV, Cunha MR, Passos SD. Epidemiological study of violence against children and its increase during the COVID-19 pandemic. Int J Environ Res Public Health 2022; 18(19): 10061.
  • 31
    Cappa C, Jijon I. COVID-19 and violence against children: a review of early studies. Child Abuse Neglect 2021; 116(2):105053.
  • 32
    Brasil. Ministério das Relações Exteriores (MRE). Cartilha sobre disputa de guarda e subtração internacional de menores. Brasília: Ministério das Relações Exteriores; 2021.
  • 33
    Cardoso AS, Valério ID, Ramos CI, Machado KP. Casamento infantil no Brasil: uma análise da Pesquisa Nacional de Saúde. Cien Saude Colet 2022; 27(2):417-426.
  • 34
    Reis ERL, Souza SJP, Migoto MT, Weigert SP. Dificuldades dos profissionais de saúde em identificar e notificar a violência infantil. RGS 2017; 17(Supl. 1):63-70.
  • 35
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Análise epidemiológica da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 2011 a 2017. Boletim Epidemiológico 2018; 49(27):1-17.
  • 36
    Fantecelle GM. Da tipificação penal do bullying: modismo ou crime? Águia 2011; 1:70-85.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Fev 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2022
  • Aceito
    11 Jul 2022
  • Publicado
    13 Jul 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br