De que morrem as crianças de 5 a 14 anos no estado do Rio de Janeiro? Análise do período 2000-2019

Cynthia Boschi-Pinto Helen Grace da Rocha Curvello Sandra Costa Fonseca Pauline Lorena Kale Helia Kawa Júlia Correia Cardoso Guimarães Sobre os autores

Resumo

Objetivou-se investigar a magnitude e a tendência da mortalidade de crianças de 5 a 14 anos por causas, no estado do Rio de Janeiro, de 2000 a 2019. Estudo ecológico de tendência temporal utilizando dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Calcularam-se taxas de mortalidade por 100 mil crianças, por capítulos, grupos e categorias (CID-10). Estimou-se a série temporal por regressão joinpoint. As taxas de mortalidade de 10 a 14 anos foram superiores às da faixa de 5 a 9 anos. As cinco principais causas foram as mesmas de 5 a 14 anos, com diferente ordem de importância. As duas principais foram causas externas e neoplasias (31% e 15% para 5 a 9 anos; 45% e 11% para 10 a 14 anos). De 5 a 9 anos, a tendência da mortalidade teve declínio anual (8%) entre 2011 e 2015. De 10 a 14 anos, o declínio anual foi 1,3%, de 2000 a 2019. A mortalidade por causas externas decresceu em ambas as faixas, menos para a categoria “Agressão por arma de fogo” (meninos,10-14 anos) e “Afogamento” (meninos, 5-9 anos). A mortalidade por neoplasias ficou estável para todos. Doenças infecciosas e respiratórias decresceram de forma diferenciada entre os grupos. A maioria das causas de morte é evitável ou tratável, apontando necessidade de investimentos em saúde e intersetoriais.

Palavras-chave:
Causas de morte; Crianças; Mortalidade por faixa etária; Série temporal

Introdução

Até recentemente, a mortalidade das crianças na faixa etária de 5 a 14 anos não recebia a mesma atenção daquela entre menores de 5 anos de idade, apesar dos estimados um milhão de óbitos anuais nesse grupo11 Hill K, Zimmerman L, Jamison DT. Mortality risks in children aged 5-14 years in low-income and middle-income countries: a systematic empirical analysis. Lancet Glob Health 2015; 3(10):e609-e616.. Nos últimos anos, observou-se que suas taxas de mortalidade não haviam diminuído de forma tão intensa quanto as dos menores de 5 anos e houve o reconhecimento de que tal descuido implicava importante lacuna no conhecimento da saúde da criança11 Hill K, Zimmerman L, Jamison DT. Mortality risks in children aged 5-14 years in low-income and middle-income countries: a systematic empirical analysis. Lancet Glob Health 2015; 3(10):e609-e616.

2 Masquelier B, Hug L, Sharrow D, You D, Hogan D, Hill K, Liu J, Pedersen J, Alkema L; United Nations Inter-Agency Group for Child Mortality Estimation. Global, regional, and national mortality trends in older children and young adolescents (5-14 years) from 1990 to 2016: an analysis of empirical data. Lancet Glob Health 2018; 6(10):e1087e1099.
-33 United Nations Children's Fund (UNICEF), World Health Organization (WHO), World Bank Group, United Nations. Levels & Trends in Child Mortality: Report 2020. New York: UNICEF; 2020.. Entre os anos 2000 e 2016, a redução relativa de óbitos em crianças de 1 a 11 meses, de 1 a 4 anos, de 5 a 9 anos e 10 a 14 anos foi, respectivamente: 50%, 59%, 40% e 13% globalmente44 Strong KL, Pedersen J, White Johansson E, Cao B, Diaz T, Guthold R, You D, Requejo J, Liu L. Patterns, and trends in causes of child and adolescent mortality 2000-2016: setting the scene for child health redesign. BMJ Glob Health 2021; 6(3):e004760..

As causas de óbito são distintas ou de diferentes magnitudes nas diversas faixas etárias e entre regiões geográficas, de acordo com nível socioeconômico e cenário político44 Strong KL, Pedersen J, White Johansson E, Cao B, Diaz T, Guthold R, You D, Requejo J, Liu L. Patterns, and trends in causes of child and adolescent mortality 2000-2016: setting the scene for child health redesign. BMJ Glob Health 2021; 6(3):e004760.. Em 2016, globalmente, as principais causas de morte entre as crianças de 1 a 4 anos foram as infecções respiratórias baixas, a diarreia, a malária, lesões e afogamentos. Entre aquelas de 5 a 9 anos, as cinco principais causas foram as diarreias, as infeções respiratórias baixas, lesões, acidentes de trânsito e malária. Na faixa de 10 a 14 anos, as principais causas foram as lesões, acidentes de trânsito, HIV/AIDS, afogamentos e infecções respiratórias baixas. Essa descrição é influenciada principalmente pelos perfis epidemiológicos de África e Ásia, regiões com maiores números de óbitos e onde as principais causas de morte são as infecções44 Strong KL, Pedersen J, White Johansson E, Cao B, Diaz T, Guthold R, You D, Requejo J, Liu L. Patterns, and trends in causes of child and adolescent mortality 2000-2016: setting the scene for child health redesign. BMJ Glob Health 2021; 6(3):e004760.. Na América Latina, acidentes de trânsito predominaram no grupo de 5 a 9 anos, seguidos de afogamentos, violência interpessoal, violência coletiva/intervenção legal e infecções respiratórias. Na faixa de 10 a 14 anos, violência interpessoal, anomalias congênitas, infecções respiratórias baixas, afogamentos e acidentes de trânsito disputaram as primeiras classificações44 Strong KL, Pedersen J, White Johansson E, Cao B, Diaz T, Guthold R, You D, Requejo J, Liu L. Patterns, and trends in causes of child and adolescent mortality 2000-2016: setting the scene for child health redesign. BMJ Glob Health 2021; 6(3):e004760..

No Brasil, são poucos os estudos dedicados a estes grupos etários. O Inter-Agency Group for Child Mortality Estimation das Nações Unidas (UN-IGME) estimou uma redução de 50% nas taxas de mortalidade no grupo de 5 a 14 anos no período de 1990 a 2019, que passaram de quatro para dois por 1.000 crianças no país, o que representa 7 mil mortes anuais33 United Nations Children's Fund (UNICEF), World Health Organization (WHO), World Bank Group, United Nations. Levels & Trends in Child Mortality: Report 2020. New York: UNICEF; 2020.. Segundo análise do Ministério da Saúde (MS)55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Principais causas específicas de mortalidade no Brasil. In:Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2015/2016: uma análise da situação de saúde e da epidemia pelo vírus Zika e por outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Brasília: MS; 2017. p. 73., em 2006, os acidentes terrestres ficaram na primeira colocação para ambos os sexos, seguidos por afogamentos. Na sequência, para os meninos, vieram as agressões e neoplasias linfáticas, e para as meninas, pneumonias e neoplasias linfáticas. Em 2014, as duas primeiras posições foram ocupadas por acidentes terrestres e agressões (homicídios) em ambos os sexos; as demais causas se mantiveram as mesmas entre as meninas. Para os meninos, seguiram-se neoplasias e pneumonias55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Principais causas específicas de mortalidade no Brasil. In:Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2015/2016: uma análise da situação de saúde e da epidemia pelo vírus Zika e por outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Brasília: MS; 2017. p. 73.. Outra publicação do MS mostrou queda da mortalidade por causas evitáveis em ambos os grupos (5 a 9 e 10 a 14 anos) e sexos de 2010 a 201766 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Análise da mortalidade por causas evitáveis no Brasil, 2010 a 2017. In: Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2019: uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização. Brasília: MS; 2019. p. 102..

Fadel et al.77 Fadel SA, Boschi-Pinto C, Yu S, Reynales-Shigematsu LM, Menon GR, Newcombe L, Strong KL, Wang Q, Jha P. Trends in cause-specific mortality among children aged 5-14 years from 2005 to 2016 in India, China, Brazil, and Mexico: an analysis of nationally representative mortality studies. Lancet 2019; 393(10176):1119-1127. mostraram que as causas externas predominaram entre os meninos e foram a segunda causa de morte entre meninas no Brasil em 2016. As doenças não transmissíveis constituíram a primeira causa entre as meninas77 Fadel SA, Boschi-Pinto C, Yu S, Reynales-Shigematsu LM, Menon GR, Newcombe L, Strong KL, Wang Q, Jha P. Trends in cause-specific mortality among children aged 5-14 years from 2005 to 2016 in India, China, Brazil, and Mexico: an analysis of nationally representative mortality studies. Lancet 2019; 393(10176):1119-1127..

Para preencher a lacuna crucial da escassez de conhecimento sobre a mortalidade nas crianças mais velhas, e considerando a importância do conhecimento das causas de morte para subsidiar ações preventivas e a paucidade de estudos sobre esta faixa etária, o objetivo deste trabalho foi investigar a magnitude e a tendência temporal da mortalidade nos grupos de 5 a 9 e de 10 a 14 anos, segundo sexo e principais causas no estado do Rio de Janeiro de 2000 a 2019.

Métodos

Foi realizado um estudo ecológico de tendência temporal da mortalidade e suas principais causas em crianças de 5 a 14 anos residentes no estado do Rio de Janeiro (RJ), segundo faixa etária (5-9 e 10-14 anos) e sexo, no período de 2000 a 2019.

Os dados de mortalidade são oriundos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), disponibilizados pela Secretaria de Saúde do RJ88 Estado do Rio de Janeiro. Secretaria Estadual de Saúde. Informações de Saúde. Sistema de Informações sobre Mortalidade [Internet]. [acessado 2021 maio 5]. Disponível em: http://sistemas.saude.rj.gov.br/tabnet/deftohtm.exe?sim/obito.def
http://sistemas.saude.rj.gov.br/tabnet/d...
. Os dados de população são provenientes dos dados censitários (2000 e 2010) e de estimativas para os anos posteriores realizadas pela Rede Interagencial de Informações de Saúde (Ripsa), também disponibilizados pela Secretaria de Estado de Saúde do RJ99 Estado do Rio de Janeiro. Secretaria Estadual de Saúde. Informações de Saúde. População estimada residente [Internet]. [acessado 2021 maio 5]. Disponível em: http://sistemas.saude.rj.gov.br/tabnetbd/dhx.exe? populacao/pop_populacao_estimada.def
http://sistemas.saude.rj.gov.br/tabnetbd...
. A partir desses dados, foram calculadas a mortalidade proporcional por causas e as taxas de mortalidade por 100.000 crianças, por capítulos, grupos e categorias da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª revisão (CID-10). A análise da tendência das taxas de mortalidade por causa, sexo e faixa etária, entre 2000 e 2019, foi realizada por meio do método de regressão joinpoint, que identifica mudanças da tendência (pontos de inflexão) e ajusta, em escala logarítmica, tendências lineares1010 National Cancer Institute Division of Cancer Control and Population Sciences. Joinpoint regression program, version 4.7.0.0; 2019 [Internet]. [cited 2019 set 15]. Available from: https://surveillance.cancer.gov/joinpoint/
https://surveillance.cancer.gov/joinpoin...
. Foram estimados a variação percentual anual (VPA) e os respectivos intervalos de confiança de 95%. Os modelos foram avaliados com e sem termo de autocorrelação. O teste estatístico de ajuste utilizado foi o método de permutação de Monte Carlo.

Para viabilizar as análises desagregadas em grupos e categorias, as causas incluídas na análise de tendência foram aquelas com pelo menos 100 óbitos no período. Considerando que no período de 20 anos, ocorreram eventos geradores de mortalidade excessiva, como intempéries e epidemias, eventuais pontos com valores atípicos (outliers) foram identificados e investigados. Análises de tendência foram realizadas com e sem o valor atípico (substituído pela média dos coeficientes de mortalidade em t-1 e t+1). Nesses casos, ambas as tendências foram apresentadas nos resultados.

Este estudo é parte da pesquisa “Causas de óbito em crianças de 5 a 14 anos de idade em países da Europa, América Latina e Ásia”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, parecer número 3.250.608 de 08 de abril de 2019.

Resultados

Nas duas últimas décadas, ocorreram 14.707 óbitos em crianças de 5 a 14 anos no estado do RJ: 8.935 (61%) entre crianças do sexo masculino e 8.495 (58%) entre as com 10 a 14 anos de idade. As taxas de mortalidade na faixa etária de 10 a 14 anos foram superiores às da faixa de 5 a 9 anos no período analisado (Tabela 1).

Tabela 1
Mortalidade - números absolutos (taxas totais por 100.000) segundo grupo etário (5 a 9 anos e 10 a 14 anos), capítulos e principais categorias da CID-10, estado do Rio de Janeiro, 2000 a 2019.

As cinco principais causas de morte, por capítulo da CID-10, foram as mesmas nos dois grupos etários, apesar de não seguirem a mesma ordem de importância. As duas principais causas de morte em ambos os grupos etários foram as causas externas e as neoplasias, representando, respectivamente, 31% e 15% no grupo de 5 a 9 anos, e 45% e 11% no de 10 a 14 anos. Entre as crianças de 5 a 9 anos, as outras três causas foram as doenças infecto-parasitárias, do aparelho respiratório e do sistema nervoso; cada uma com cerca de 10%. Nas de 10 a 14 anos, a sequência foi: doenças do sistema nervoso (9%), do aparelho respiratório e infecto-parasitárias, cada uma com aproximadamente 6%. As causas mal definidas foram registradas em 6% dos óbitos em cada faixa etária (Figura 1).

Figura 1
Distribuição proporcional de causas de morte, por capítulo da CID-10, estado do RJ, 2000-2019, segundo faixa etária.

As taxas de mortalidade por causas externas entre os adolescentes jovens foram aproximadamente o dobro daquelas das crianças de 5 a 9 anos no período, sendo maiores no sexo masculino em ambos os grupos etários (Tabela 1). Entre as causas externas, a categoria com maior mortalidade na faixa de 5 a 9 anos foi “Pedestre traumatizado em acidentes não especificados”, ou seja, atropelamento sem especificação do veículo, em ambos os sexos. Nas crianças do sexo masculino, a segunda causa foi “Afogamento e submersão não especificados”; nas do sexo feminino, a segunda causa foi “Acidente com um veículo a motor não especificado”. No grupo de 10 a 14 anos, a principal causa externa foi “Agressão por arma de fogo não especificada”, representando praticamente ¼ dos óbitos deste capítulo, seguida de atropelamento e afogamento. O padrão foi semelhante entre os sexos, exceto para a terceira colocação, que, no sexo feminino, foi acidente veicular (dados não apresentados na tabela). Cerca de 75% dos óbitos por causas externas nessa faixa etária ocorreram no sexo masculino (Tabela 1).

Em relação às neoplasias, a magnitude foi semelhante nos dois grupos etários, com taxa total de mortalidade no período próxima de 4 por 100.000. A “Neoplasia maligna do encéfalo” foi a causa mais frequente em ambas as faixas etárias, seguida de “Leucemia linfoide” e “Leucemia mieloide”, que somadas suplantaram a neoplasia do encéfalo (Tabela 1).

As doenças infecciosas e parasitárias apresentaram taxa total de 2,8 por 100.000 entre as crianças de 5 e 9 anos e de 2,1/100.000 para as de 10-14 anos. Em ambas as faixas etárias e sexos, a categoria “Outras septicemias” foi a mais frequente, seguida por “Infecção meningocócica” na de 5 a 9 anos, e de doença pelo HIV na de 10-14 anos (Tabela 1).

Entre as mortes causadas pelas doenças do aparelho respiratório, as taxas totais foram, respectivamente, 2,5 e 2,2 por 100.000 nos grupos etários de 5 a 9 e 10 a 14 anos. A categoria “Pneumonia por microrganismo não especificado” foi preponderante, sendo responsável por 55% dos óbitos deste capítulo e tendo levado 616 crianças de 5 a 14 anos a óbito nas duas últimas décadas.

As doenças do sistema nervoso constituíram a quinta causa de morte no grupo etário de 5 a 9 anos (taxa de 2,5/100.000) e a terceira no grupo mais velho (taxa de 3,0/100.000). Entre essas, as principais categorias foram: paralisia cerebral e outros transtornos do encéfalo. As duas categorias tiveram baixos números absolutos de mortes anuais, que variaram entre 6 e 25 óbitos (dados não apresentados).

No grupo de 5 a 9 anos, houve oscilações na tendência temporal das taxas de mortalidade total, com um declínio anual importante (8%) entre 2011 e 2015. No sexo masculino, ocorreu um declínio anual de 1,2% entre 2000 e 2012 e de 8,4% de 2012 a 2015. Nas crianças do sexo feminino houve estabilidade (Tabela 2). A tendência da mortalidade por causas externas em ambos os sexos evidenciou variações, com dois períodos de declínio (2000-2008 e 2011-2015), alternados com períodos de estabilidade. No sexo masculino, a tendência foi de queda durante todo o período. Para o sexo feminino, a estabilidade predominou. Houve um aumento expressivo das mortes em 2011, reflexo da alta observada na categoria “Vítimas de tempestade cataclísmica”. A substituição do valor atípico observado em 2011 pela média não resultou em diferenças importantes (Tabela 2). As neoplasias permaneceram estáveis durante todo o período em todas as categorias (Tabela 2).

Tabela 2
Tendências das taxas de mortalidade (por 100.000) segundo sexo e principais causas (capítulos da CID-10), na faixa etária de 5 a 9 anos de idade, no estado do Rio de Janeiro no período 2000-2019.

Valor atípico elevado foi observado em 2008 para as doenças infecciosas e parasitárias. Análise mais detalhada evidenciou que a categoria responsável por tal aumento foi “Febre hemorrágica do dengue”. Registrou-se declínio das taxas para o total de crianças e para o sexo masculino em todo o período e estabilidade para o sexo feminino. A análise de tendência com substituição dos valores atípicos evidenciou declínio constante no período em todos os grupos estudados, sendo mais intenso entre os meninos (Tabela 2).

As doenças do sistema respiratório denotaram declínio da mortalidade total, mas não quando desagregada por sexo. As taxas de mortalidade para as doenças do sistema nervoso se mantiveram estáveis. Houve queda do registro de causas mal definidas no período (Tabela 2).

No grupo de 10 a 14 anos, evidenciou-se um declínio constante da mortalidade total e para ambos os sexos entre 2000 e 2019 (Tabela 3). Declínio anual de aproximadamente 3% foi observado para as causas externas durante todo o período analisado em todas as categorias. Não houve diferenças entre os resultados originais e aqueles sem valores atípicos (Tabela 3). Entre as principais categorias de causas, observou-se padrão de estabilidade para mortes por disparo de arma de fogo no sexo masculino. Categorias com decréscimo nos meninos foram atropelamento e afogamento; nas meninas, disparo com arma de fogo e atropelamento (Tabela 4).

Tabela 3
Tendências das taxas de mortalidade (por 100.000) segundo sexo e principais causas (capítulos da CID-10), na faixa etária de 10 a 14 anos de idade, no estado do Rio de Janeiro no período 2000-2019.
Tabela 4
Tendências das taxas de mortalidade (por 100.000) das categorias mais frequentes de causas externas segundo faixa etária e sexo, no estado do Rio de Janeiro no período 2000-2019.

Houve estabilidade da mortalidade por neoplasias no grupo etário total e em ambos os sexos, assim como para as doenças do sistema nervoso em todo o período (Tabela 3). As doenças do sistema respiratório se mantiveram estáveis entre crianças do sexo masculino e feminino, mas para o total de crianças houve tendência de queda anual discreta e constante de 1,2% durante as duas décadas observadas (Tabela 3).

As taxas de mortalidade por doenças infecciosas evidenciaram aumento na primeira metade do período analisado e queda na segunda. De forma semelhante ao ocorrido entre as crianças de 5-9 anos, foram observados valores atípicos em 2008, também relacionados à “Febre hemorrágica do dengue”. Ao suavizar esses pontos, a análise de tendência evidenciou estabilidade, exceto para o sexo masculino, por um curto período de três anos (2016-2019), quando ocorreu declínio (Tabela 3). As causas mal definidas decaíram no período, com exceção do período de 2014 a 2019, para o sexo masculino, quando ficaram estacionárias.

Não foi detectada autocorrelação significante dos erros em nenhum dos modelos de regressão joinpoint das séries históricas.

Discussão

Uma redução de 35% no número de óbitos entre crianças de 5 a 14 anos foi observada nas últimas duas décadas no estado do RJ. A magnitude de tal redução é próxima das estimativas de 36% e 38%, calculadas para o mundo e a América Latina, respectivamente, para o período 2000-20181111 United Nations Children's Fund (UNICEF), World Health Organization (WHO), World Bank Group, United Nations. Levels & trends in child mortality: report 2019. New York: UNICEF; 2019.. A distribuição desses óbitos entre os dois grupos etários é variável, segundo o desenvolvimento dos países. No estado do RJ, 58% dos óbitos ocorreram na faixa de 10 a 14 anos, perfil mais próximo ao de países desenvolvidos1111 United Nations Children's Fund (UNICEF), World Health Organization (WHO), World Bank Group, United Nations. Levels & trends in child mortality: report 2019. New York: UNICEF; 2019..

Quanto à distribuição proporcional das causas de morte, o estado do RJ teve padrão bem semelhante ao relatado para a América Latina44 Strong KL, Pedersen J, White Johansson E, Cao B, Diaz T, Guthold R, You D, Requejo J, Liu L. Patterns, and trends in causes of child and adolescent mortality 2000-2016: setting the scene for child health redesign. BMJ Glob Health 2021; 6(3):e004760. e para o Brasil55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Principais causas específicas de mortalidade no Brasil. In:Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2015/2016: uma análise da situação de saúde e da epidemia pelo vírus Zika e por outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Brasília: MS; 2017. p. 73.

6 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Análise da mortalidade por causas evitáveis no Brasil, 2010 a 2017. In: Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2019: uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização. Brasília: MS; 2019. p. 102.
-77 Fadel SA, Boschi-Pinto C, Yu S, Reynales-Shigematsu LM, Menon GR, Newcombe L, Strong KL, Wang Q, Jha P. Trends in cause-specific mortality among children aged 5-14 years from 2005 to 2016 in India, China, Brazil, and Mexico: an analysis of nationally representative mortality studies. Lancet 2019; 393(10176):1119-1127.. A maioria das mortes ocorreu por causas externas, que se mantiveram na primeira colocação em todo o período analisado, embora tenham diminuído ao longo do tempo, exceto entre as meninas de 5 a 9 anos. As taxas de mortalidade para a maioria das causas se mostraram mais elevadas no sexo masculino, como ocorre no Brasil, mas não em outros países, como Índia e China77 Fadel SA, Boschi-Pinto C, Yu S, Reynales-Shigematsu LM, Menon GR, Newcombe L, Strong KL, Wang Q, Jha P. Trends in cause-specific mortality among children aged 5-14 years from 2005 to 2016 in India, China, Brazil, and Mexico: an analysis of nationally representative mortality studies. Lancet 2019; 393(10176):1119-1127..

Na faixa de 5 a 9 anos, acidentes com pedestres foram a principal categoria entre as causas externas. Como em outras situações de risco, há diferenças de gênero no comportamento de pedestres, mesmo crianças1212 Wang H, Schwebel DC, Tan D, Shi L, Miao L. Gender differences in children's pedestrian behaviors: developmental effects. J Safety Res 2018; 67(1):127-133.. Crianças do sexo masculino tiveram taxas mais elevadas que as do feminino; em ambos as taxas decresceram. Como a categoria mais frequente é a que não especifica as condições do acidente, é difícil destacar quais intervenções foram bem-sucedidas na diminuição dos óbitos. Os atropelamentos em geral são relacionados ao deslocamento para a escola, à densidade populacional, à velocidade do tráfego, à presença de guardas de trânsito e ao acompanhamento das crianças por pais ou cuidadores1313 O'Donovan S, van den Huevel C, Baldock M, Byard RW. Factors involved in the assessment of paediatric traffic injuries and deaths. Med Sci Law 2018; 58(4):210-215.. Existe um consenso de que crianças menores de 10 anos precisam de supervisão na travessia de ruas, até desenvolverem completamente essa competência1414 Barton BK, Huston J. The roles of child, parent, and environmental factors in pedestrian supervision. Int J Inj Contr Saf Promot 2012; 19(2):153-162.,1515 National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA). Prevent pedestrian crashes: parents and caregivers of elementary school children [Internet]. [cited 2021 jul 15]. Available from: https://www.nhtsa.gov/sites/nhtsa.gov/files/811027.pdf
https://www.nhtsa.gov/sites/nhtsa.gov/fi...
. Por outro lado, leis regulatórias de segurança no trânsito podem ser eficazes na redução da mortalidade por acidentes de trânsito1616 World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Genebra: WHO; 2008., principalmente no que diz respeito ao controle da velocidade e à proibição de dirigir após consumo de álcool (“Lei Seca”), e podem ter contribuído para explicar, ao menos em parte, o declínio na mortalidade, sobretudo nessa faixa etária.

O afogamento, que mostrou taxas estacionárias entre os meninos no estado do RJ, recebeu foco recentemente da OMS, por ser uma causa de morte frequente e por estar associado à falta de supervisão de adultos e de medidas de proteção1717 Meddings DR, Scarr JP, Larson K, Vaughan J, Krug EG. Drowning prevention: turning the tide on a leading killer. Lancet Public Health 2021; 6(9):e692-e695.,1818 Tyler MD, Richards DB, Reske-Nielsen C, Saghafi O, Morse EA, Carey R, Jacquet GA. The epidemiology of drowning in low- and middle-income countries: a systematic review. BMC Public Health 2017; 17(1):413.. Uma medida preventiva com boa relação custo-benefício é a ampliação da oferta de educação infantil (creches ou escolas), garantindo ambientes seguros enquanto os pais trabalham. O ensino obrigatório de natação para crianças seria outra medida preventiva, mas de difícil alcance e realização1717 Meddings DR, Scarr JP, Larson K, Vaughan J, Krug EG. Drowning prevention: turning the tide on a leading killer. Lancet Public Health 2021; 6(9):e692-e695.. Medidas ampliadas para diminuir mortes por acidentes de trânsito e afogamentos devem estar definidas em um Plano Nacional, de forma multissetorial e envolvendo pais e familiares.

O grupo etário de 10 a 14 anos apresentou taxas de mortalidade por causas externas maiores do que o grupo de 5 a 9 anos, predominantemente ligadas à violência. As agressões por disparos de arma de fogo constituíram a principal categoria de causa de morte, e não apresentaram decréscimo significativo entre os meninos, corroborando o “retrato das adolescências feridas” no país1919 Pinto IV, Ribeiro AP, Santos APD, Bevilacqua P, Lachtim SAF, Pereira VOM, Malta DC. Adolescências feridas: retrato das violências com arma de fogo notificadas no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2020; 23(1):e200002.. O projeto da Secretaria Estadual de Segurança do estado do RJ de implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) em comunidades contribuiu para uma diminuição considerável dos índices de violência letal2020 Cano I, Borges D, Ribeiro E, organizadores. Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro. São Paulo/Rio de Janeiro: Fórum Brasileiro de Segurança Pública/Laboratório de Análise da Violência; 2012.. No entanto, não observamos sincronicidade temporal entre a implementação de tal programa, a partir de 2009, e as taxas de mortalidade nos meninos de 10 a 14 anos, mais afetados por esse tipo de violência. Não houve evidência de declínio nos anos seguintes à implantação do projeto e tampouco foi evidenciado aumento em anos mais recentes, como seria o esperado, após a falência do projeto e o retorno e intensificação de tiroteios. O comportamento dos homicídios tem sido discutido no estado do Rio2121 Cardoso FL, Cecchetto FR, Corrêa JS, de Souza TO. Homicídios no Rio de Janeiro, Brasil: uma análise da violência letal. Cien Saude Colet 2016; 21(4):1277-1288.,2222 Maia IAR, Marinho A. Uma nota sobre o impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) no município do Rio de Janeiro com o uso de controle sintético. Rev Bras de Econ 2021; 75(1):15-28. e parece ter havido queda, em consequência da implementação tanto das UPP como de outras medidas de segurança pública, mas as análises são para a população geral. Talvez a faixa etária de 10 a 14 anos não tenha resposta tão sensível a programas dessa natureza quanto as faixas etárias mais velhas, a partir dos 15 anos de idade.

A substituição da taxa de mortalidade por causas externas pela média das taxas de 2009 a 2011 para ambas as idades, em 2011, não impactou expressivamente a tendência observada, embora o ponto de junção em 2008 tenha desaparecido. O pico ocorrido em 2011 deveu-se ao número elevado de óbitos classificados como vítimas de tempestade cataclísmica (CID-10: X37). Carmo e Anzawa2323 Carmo RL, Anazawa TM. Mortalidade por desastres no Brasil: o que mostram os dados. Cien Saude Colet 2014; 19(9):3669-3681. contabilizaram um total de 858 óbitos nessa categoria da CID-10 no estado, número extremamente elevado quando comparado à média de cinco óbitos por ano no período de 1996-2010, e atribuíram tal aumento ao mega desastre da Região Serrana em decorrência de eventos climáticos.

As neoplasias constituíram a segunda causa de morte entre as crianças de 5 a 14 anos, refletindo o perfil brasileiro, no qual o câncer em crianças, adolescentes e adultos jovens é a segunda causa de morte geral e a primeira causa de morte por doença2424 Saraiva DDCA, Santos SDS, Monteiro GTR. Tendência de mortalidade por leucemias em crianças e adolescentes nas capitais dos estados brasileiros: 1980-2015. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(3):e2017310.. Estudo comparativo entre quatro países em desenvolvimento (Brasil, China, Índia e México) mostrou que as neoplasias estavam entre as três principais causas de óbito nas crianças de 5 a 14 anos de idade no Brasil, China e México77 Fadel SA, Boschi-Pinto C, Yu S, Reynales-Shigematsu LM, Menon GR, Newcombe L, Strong KL, Wang Q, Jha P. Trends in cause-specific mortality among children aged 5-14 years from 2005 to 2016 in India, China, Brazil, and Mexico: an analysis of nationally representative mortality studies. Lancet 2019; 393(10176):1119-1127.. Nosso resultado está em conformidade com o descrito na literatura, em que as leucemias e os tumores cerebrais são os tipos mais comuns de câncer pediátrico2424 Saraiva DDCA, Santos SDS, Monteiro GTR. Tendência de mortalidade por leucemias em crianças e adolescentes nas capitais dos estados brasileiros: 1980-2015. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(3):e2017310.

25 Gupta S, Howard SC, Hunger SP, Antillon FG, Metzger ML, Israels T, Harif M, Rodriguez-Galindo C. Treating childhood cancer in low- and middle-income countries. In: Gelband H, Jha P, Sankaranarayanan R, Horton S, editores. Cancer: disease control priorities. Washington (DC): The International Bank for Reconstruction and Development/The World Bank; 2015. p. 121-146.

26 GBD 2017 Childhood Cancer Collaborators. The global burden of childhood and adolescent cancer in 2017: an analysis of the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet Onco 2019; 20(9):1211-1225.

27 Malvezzi M, Santucci C, Alicandro G, Carioli G, Boffetta P, Ribeiro KB, Levi F, La Vecchia C, Negri E, Bertuccio P. Childhood cancer mortality trends in the Americas and Australasia: an update to 2017. Cancer 2021; 127(18):3445-3456.
-2828 Torres-Roman JS, Valcarcel B, Guerra-Canchari P, Santos CAD, Barbosa IR, La Vecchia C, McGlynn KA, de Souza DLB. Leukemia mortality in children from Latin America: trends and predictions to 2030. BMC Pediatr 2020; 20(1):511.. As neoplasias pediátricas, em geral, não são evitáveis ou identificáveis por meio de rastreamento. No entanto, podem ser curadas em sua maioria e seu tratamento é custo-efetivo em qualquer cenário2929 Lam CG, Howard SC, Bouffet E, Pritchard-Jones K. Science, and health for all children with cancer. Science 2019; 363(6432):1182-1186.,3030 World Health Organization (WHO). Global Initiative for Childhood Cancer: an Overview. Genebra: WHO; 2020.. A morbimortalidade por câncer na infância reflete desigualdades profundas, segundo grau de desenvolvimento dos países2626 GBD 2017 Childhood Cancer Collaborators. The global burden of childhood and adolescent cancer in 2017: an analysis of the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet Onco 2019; 20(9):1211-1225.,2727 Malvezzi M, Santucci C, Alicandro G, Carioli G, Boffetta P, Ribeiro KB, Levi F, La Vecchia C, Negri E, Bertuccio P. Childhood cancer mortality trends in the Americas and Australasia: an update to 2017. Cancer 2021; 127(18):3445-3456.. Em países desenvolvidos, com melhor acesso a serviços e tratamento, mais de 80% das neoplasias pediátricas têm cura. Em países de baixa e média renda, essa proporção se situa entre 15% e 45%2929 Lam CG, Howard SC, Bouffet E, Pritchard-Jones K. Science, and health for all children with cancer. Science 2019; 363(6432):1182-1186.. Também é discrepante a tendência temporal da mortalidade: queda anual de 2% a 3% em países como Japão e Austrália, enquanto na América Latina há estabilidade nas taxas ou sua queda é ínfima2727 Malvezzi M, Santucci C, Alicandro G, Carioli G, Boffetta P, Ribeiro KB, Levi F, La Vecchia C, Negri E, Bertuccio P. Childhood cancer mortality trends in the Americas and Australasia: an update to 2017. Cancer 2021; 127(18):3445-3456..

No estado do RJ houve estabilidade nas taxas de mortalidade por neoplasias entre 2000 e 2019, sugerindo baixa efetividade das intervenções, seja no acesso ou na qualidade dos cuidados terapêuticos. Diagnóstico precoce e acesso a tratamento de qualidade são fatores que impactam diretamente as chances de cura. Portanto, para reduzir a mortalidade por câncer pediátrico no estado, são necessários amplo acesso ao tratamento, adoção de protocolos modernos de quimioterapia, medidas de suporte para toxicidade do tratamento e avanços nas técnicas de radioterapia e diagnósticas2929 Lam CG, Howard SC, Bouffet E, Pritchard-Jones K. Science, and health for all children with cancer. Science 2019; 363(6432):1182-1186.,3030 World Health Organization (WHO). Global Initiative for Childhood Cancer: an Overview. Genebra: WHO; 2020.. Essas medidas dependem de políticas públicas e descentralização de serviços especializados no tratamento e internação em oncologia pediátrica3131 Algayer LP, Febras LLT, Scheid BS, Signori JF, Jantsch LB. Tendência Temporal de Internações por Diagnóstico Oncológico em Crianças e Adolescentes. Rev Bras Cancerol 2020; 66(4):e-141010.. Outro aspecto importante diz respeito aos sistemas de informação sobre câncer. Até 2019, segundo o Fórum de Oncologia Pediátrica do RJ, ainda não havia sido implantado o Registro de Câncer de Base Populacional na capital do estado3232 Instituto Desiderata. Fórum de Oncologia Pediátrica do Rio de Janeiro. Carta de Recomendações 2019-2021 [Internet]. [acessado 2021 out 5]. Disponível em: http://foprio.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2020/02/FOP5_Carta_De_Recomendacoes.pdf.
http://foprio.org.br/wordpress/wp-conten...
. Sistemas de informação constituem fator importante para a melhora contínua da qualidade da atenção e para informar decisões e políticas públicas.

No Brasil, de 2000 a 2010, foi observada uma redução de mortes por doenças infecciosas e parasitárias em crianças e adultos jovens, resultando em ganhos na expectativa de vida3333 Corrêa ERP, Miranda-Ribeiro, A. Ganhos em expectativa de vida ao nascer no Brasil nos anos 2000: impacto das variações da mortalidade por idade e causas de morte. Cien Saude Colet 2017; 22(3):1005-1015.. O perfil de mortalidade no estado do RJ, com as doenças infecciosas e parasitárias sendo responsáveis por 10% das mortes de crianças de 5 a 9 anos e por 6% das mortes de crianças entre 10 e 14 anos de idade, está próximo ao perfil das regiões mais desenvolvidas do mundo. Destacaram-se infecções meningocócicas entre as crianças de 5 a 9 anos e a doença causada pelo HIV entre aquelas de 10 a 14 anos. Foi observado aumento exacerbado das taxas de mortalidade no ano de 2008, causado pela febre hemorrágica devida ao vírus da dengue, principalmente no grupo etário de 5 a 9 anos e no sexo masculino. As mudanças de direção da tendência da mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias observadas desapareceram ao substituir o valor atípico de 2008 pela média tricentrada dos coeficientes de mortalidade, e esta passou a ser estacionária. No estudo de Malhão et al.3434 Malhão TA, Resende CM, Gamerman D, Medronho RA. Um modelo bayesiano para investigação de sobremortalidade durante epidemia de dengue na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil, 2007-2008. Cad Saude Publica 2013; 29(10):2057-2070., além do excesso de mortalidade por dengue em menores de 15 anos de idade residentes da Região Metropolitana do RJ, há uma sobremortalidade por doenças infecciosas que fazem parte do seu diagnóstico diferencial.

As doenças e infecções respiratórias baixas têm grande impacto na saúde das populações e estão entre as principais causas de morte em todo o mundo3535 Forum of International Respiratory Societies (FIRS). The global impact of respiratory disease - second edition. Sheffield, European Respiratory Society, 2017 [Internet]. [cited 2021 set 5]. Available from: https://www.who.int/gard/publications/The_Global_Impact_of_Respiratory_Disease.pdf. No estado do RJ, a pneumonia por microorganismo não especificado matou 616 crianças entre 5 e 14 anos nas últimas décadas, sendo responsável por 55% dos óbitos no grupo de doenças do aparelho respiratório. A imunização é essencial para o controle de grande parte das infecções respiratórias. O desenvolvimento e implementação das vacinas contra o Streptococcus pneumoniae (pneumococo) e o Haemophilus influenza B constituem importantes instrumentos na prevenção da pneumonia, assim como a vacina contra a influenza é altamente efetiva em sua prevenção3535 Forum of International Respiratory Societies (FIRS). The global impact of respiratory disease - second edition. Sheffield, European Respiratory Society, 2017 [Internet]. [cited 2021 set 5]. Available from: https://www.who.int/gard/publications/The_Global_Impact_of_Respiratory_Disease.pdf. Tais vacinas fazem parte do Programa Nacional de Imunização e estão disponíveis no Sistema Único de Saúde. No entanto, um declínio na cobertura vacinal vem sendo observado a partir de 2018 no país3636 Silveira MF, Tonial CT, Goretti K Maranhão A, Teixeira AMS, Hallal PC, Menezes AMB, Horta BL, Hartwig FP, Barros AJD, Victora CG. Missed childhood immunizations during the COVID-19 pandemic in Brazil: Analyses of routine statistics and of a national household survey. Vaccine 2021; 39(25):3404-3409.. Em nosso estudo, esse grupo de causas ocupou a quarta e quinta posições entre as causas de morte nas crianças de 5-9 e 10-14 anos, respectivamente. Houve estabilidade nas taxas de mortalidade ao longo do tempo tanto no sexo masculino quanto no sexo feminino. Já para o total de óbitos, a tendência foi de declínio. Em 2009 foi observado um aumento dos óbitos, provavelmente devido à pandemia da gripe A (H1N1) que afetou o Brasil3737 Bellei N, Melchior TB. H1N1: pandemia e perspectiva atual. J Bras Patol Med Lab 2011; 47(6):611-617.. Devido aos baixos números de óbito, especialmente quando desagregados, as análises de tendências são instáveis e sua interpretação é limitada. Não obstante, será importante acompanhar tanto a tendência da mortalidade por SRAG quanto o impacto direto e indireto da COVID-19 na mortalidade nos próximos anos visando a célere implementação de medidas de prevenção e controle.

As doenças do sistema nervoso constituíram a quinta causa de morte no grupo etário de 5 a 9 anos e a terceira no grupo mais velho. Estudo realizado em crianças e adolescentes no Rio Grande do Sul, no período 2000-2014, identificou as doenças do sistema nervoso como a terceira causa de morte nos dois grupos etários e em ambos os sexos3838 Agranonik M, Furstenau CR, Bandeira MD. Aspectos da mortalidade de crianças e adolescentes por causas externas no RS, em 2000-14. Indic Econ FEE 2017; 44(4):53-64.. Em nosso estudo, as “paralisias cerebrais” constituíram a segunda principal categoria de causas de mortalidade nesse grupo entre as crianças de 5 a 9 anos e a primeira nas crianças de 10 a 14 anos, sugerindo uma migração, provavelmente devida aos avanços de cuidados terapêuticos que levaram à diminuição da mortalidade perinatal, resultando em um aumento da sobrevida dessas crianças3939 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de atenção à pessoa com paralisia cerebral. Brasília: MS; 2014.. Houve estabilidade da mortalidade por essas causas nos dois grupos etários durante o período estudado; no entanto, os pequenos números de óbito limitam a análise das tendências e sua interpretação.

O conhecimento e a compreensão da distribuição e da tendência das principais causas de óbito são indispensáveis para que gestores de saúde planejem ações e políticas públicas que visem a melhorar as condições de saúde da população. Além disso, permitem que lacunas e prioridades sejam identificadas e intervenções elaboradas de maneira multisetorial tanto pelas autoridades em saúde como em outros setores, como segurança, cultura e educação públicas.

A grande maioria das causas de mortalidade no grupo etário de 5 a 14 anos de idade é evitável ou tratável. Leis de segurança mais abrangentes, que abordem fatores de risco comportamentais como direção e álcool, controle de velocidade, uso de cinto de segurança, identificação precoce, tratamentos atualizados e de qualidade para as principais neoplasias infanto juvenis, além de vacinação e tratamento antimicrobiano adequado e universal para combater as doenças infecciosas e parasitárias, poderão reduzir as mortes dessas crianças de forma abrangente, igualitária e acelerada. A redução da mortalidade por causas mal definidas observada no período pode contribuir para o melhor direcionamento de medidas de prevenção. Adicionalmente, é necessário qualificar também a certificação de causas básicas de óbito com diagnósticos indefinidos ou incompletos, pouco úteis em saúde pública4040 GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet 2016; 388(10053):1459-1544..

Referências

  • 1
    Hill K, Zimmerman L, Jamison DT. Mortality risks in children aged 5-14 years in low-income and middle-income countries: a systematic empirical analysis. Lancet Glob Health 2015; 3(10):e609-e616.
  • 2
    Masquelier B, Hug L, Sharrow D, You D, Hogan D, Hill K, Liu J, Pedersen J, Alkema L; United Nations Inter-Agency Group for Child Mortality Estimation. Global, regional, and national mortality trends in older children and young adolescents (5-14 years) from 1990 to 2016: an analysis of empirical data. Lancet Glob Health 2018; 6(10):e1087e1099.
  • 3
    United Nations Children's Fund (UNICEF), World Health Organization (WHO), World Bank Group, United Nations. Levels & Trends in Child Mortality: Report 2020. New York: UNICEF; 2020.
  • 4
    Strong KL, Pedersen J, White Johansson E, Cao B, Diaz T, Guthold R, You D, Requejo J, Liu L. Patterns, and trends in causes of child and adolescent mortality 2000-2016: setting the scene for child health redesign. BMJ Glob Health 2021; 6(3):e004760.
  • 5
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Principais causas específicas de mortalidade no Brasil. In:Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2015/2016: uma análise da situação de saúde e da epidemia pelo vírus Zika e por outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Brasília: MS; 2017. p. 73.
  • 6
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Análise da mortalidade por causas evitáveis no Brasil, 2010 a 2017. In: Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2019: uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização. Brasília: MS; 2019. p. 102.
  • 7
    Fadel SA, Boschi-Pinto C, Yu S, Reynales-Shigematsu LM, Menon GR, Newcombe L, Strong KL, Wang Q, Jha P. Trends in cause-specific mortality among children aged 5-14 years from 2005 to 2016 in India, China, Brazil, and Mexico: an analysis of nationally representative mortality studies. Lancet 2019; 393(10176):1119-1127.
  • 8
    Estado do Rio de Janeiro. Secretaria Estadual de Saúde. Informações de Saúde. Sistema de Informações sobre Mortalidade [Internet]. [acessado 2021 maio 5]. Disponível em: http://sistemas.saude.rj.gov.br/tabnet/deftohtm.exe?sim/obito.def
    » http://sistemas.saude.rj.gov.br/tabnet/deftohtm.exe?sim/obito.def
  • 9
    Estado do Rio de Janeiro. Secretaria Estadual de Saúde. Informações de Saúde. População estimada residente [Internet]. [acessado 2021 maio 5]. Disponível em: http://sistemas.saude.rj.gov.br/tabnetbd/dhx.exe? populacao/pop_populacao_estimada.def
    » http://sistemas.saude.rj.gov.br/tabnetbd/dhx.exe? populacao/pop_populacao_estimada.def
  • 10
    National Cancer Institute Division of Cancer Control and Population Sciences. Joinpoint regression program, version 4.7.0.0; 2019 [Internet]. [cited 2019 set 15]. Available from: https://surveillance.cancer.gov/joinpoint/
    » https://surveillance.cancer.gov/joinpoint
  • 11
    United Nations Children's Fund (UNICEF), World Health Organization (WHO), World Bank Group, United Nations. Levels & trends in child mortality: report 2019. New York: UNICEF; 2019.
  • 12
    Wang H, Schwebel DC, Tan D, Shi L, Miao L. Gender differences in children's pedestrian behaviors: developmental effects. J Safety Res 2018; 67(1):127-133.
  • 13
    O'Donovan S, van den Huevel C, Baldock M, Byard RW. Factors involved in the assessment of paediatric traffic injuries and deaths. Med Sci Law 2018; 58(4):210-215.
  • 14
    Barton BK, Huston J. The roles of child, parent, and environmental factors in pedestrian supervision. Int J Inj Contr Saf Promot 2012; 19(2):153-162.
  • 15
    National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA). Prevent pedestrian crashes: parents and caregivers of elementary school children [Internet]. [cited 2021 jul 15]. Available from: https://www.nhtsa.gov/sites/nhtsa.gov/files/811027.pdf
    » https://www.nhtsa.gov/sites/nhtsa.gov/files/811027.pdf
  • 16
    World Health Organization (WHO). World report on child injury prevention. Genebra: WHO; 2008.
  • 17
    Meddings DR, Scarr JP, Larson K, Vaughan J, Krug EG. Drowning prevention: turning the tide on a leading killer. Lancet Public Health 2021; 6(9):e692-e695.
  • 18
    Tyler MD, Richards DB, Reske-Nielsen C, Saghafi O, Morse EA, Carey R, Jacquet GA. The epidemiology of drowning in low- and middle-income countries: a systematic review. BMC Public Health 2017; 17(1):413.
  • 19
    Pinto IV, Ribeiro AP, Santos APD, Bevilacqua P, Lachtim SAF, Pereira VOM, Malta DC. Adolescências feridas: retrato das violências com arma de fogo notificadas no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2020; 23(1):e200002.
  • 20
    Cano I, Borges D, Ribeiro E, organizadores. Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro. São Paulo/Rio de Janeiro: Fórum Brasileiro de Segurança Pública/Laboratório de Análise da Violência; 2012.
  • 21
    Cardoso FL, Cecchetto FR, Corrêa JS, de Souza TO. Homicídios no Rio de Janeiro, Brasil: uma análise da violência letal. Cien Saude Colet 2016; 21(4):1277-1288.
  • 22
    Maia IAR, Marinho A. Uma nota sobre o impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) no município do Rio de Janeiro com o uso de controle sintético. Rev Bras de Econ 2021; 75(1):15-28.
  • 23
    Carmo RL, Anazawa TM. Mortalidade por desastres no Brasil: o que mostram os dados. Cien Saude Colet 2014; 19(9):3669-3681.
  • 24
    Saraiva DDCA, Santos SDS, Monteiro GTR. Tendência de mortalidade por leucemias em crianças e adolescentes nas capitais dos estados brasileiros: 1980-2015. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(3):e2017310.
  • 25
    Gupta S, Howard SC, Hunger SP, Antillon FG, Metzger ML, Israels T, Harif M, Rodriguez-Galindo C. Treating childhood cancer in low- and middle-income countries. In: Gelband H, Jha P, Sankaranarayanan R, Horton S, editores. Cancer: disease control priorities. Washington (DC): The International Bank for Reconstruction and Development/The World Bank; 2015. p. 121-146.
  • 26
    GBD 2017 Childhood Cancer Collaborators. The global burden of childhood and adolescent cancer in 2017: an analysis of the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet Onco 2019; 20(9):1211-1225.
  • 27
    Malvezzi M, Santucci C, Alicandro G, Carioli G, Boffetta P, Ribeiro KB, Levi F, La Vecchia C, Negri E, Bertuccio P. Childhood cancer mortality trends in the Americas and Australasia: an update to 2017. Cancer 2021; 127(18):3445-3456.
  • 28
    Torres-Roman JS, Valcarcel B, Guerra-Canchari P, Santos CAD, Barbosa IR, La Vecchia C, McGlynn KA, de Souza DLB. Leukemia mortality in children from Latin America: trends and predictions to 2030. BMC Pediatr 2020; 20(1):511.
  • 29
    Lam CG, Howard SC, Bouffet E, Pritchard-Jones K. Science, and health for all children with cancer. Science 2019; 363(6432):1182-1186.
  • 30
    World Health Organization (WHO). Global Initiative for Childhood Cancer: an Overview. Genebra: WHO; 2020.
  • 31
    Algayer LP, Febras LLT, Scheid BS, Signori JF, Jantsch LB. Tendência Temporal de Internações por Diagnóstico Oncológico em Crianças e Adolescentes. Rev Bras Cancerol 2020; 66(4):e-141010.
  • 32
    Instituto Desiderata. Fórum de Oncologia Pediátrica do Rio de Janeiro. Carta de Recomendações 2019-2021 [Internet]. [acessado 2021 out 5]. Disponível em: http://foprio.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2020/02/FOP5_Carta_De_Recomendacoes.pdf
    » http://foprio.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2020/02/FOP5_Carta_De_Recomendacoes.pdf
  • 33
    Corrêa ERP, Miranda-Ribeiro, A. Ganhos em expectativa de vida ao nascer no Brasil nos anos 2000: impacto das variações da mortalidade por idade e causas de morte. Cien Saude Colet 2017; 22(3):1005-1015.
  • 34
    Malhão TA, Resende CM, Gamerman D, Medronho RA. Um modelo bayesiano para investigação de sobremortalidade durante epidemia de dengue na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil, 2007-2008. Cad Saude Publica 2013; 29(10):2057-2070.
  • 35
    Forum of International Respiratory Societies (FIRS). The global impact of respiratory disease - second edition. Sheffield, European Respiratory Society, 2017 [Internet]. [cited 2021 set 5]. Available from: https://www.who.int/gard/publications/The_Global_Impact_of_Respiratory_Disease.pdf
  • 36
    Silveira MF, Tonial CT, Goretti K Maranhão A, Teixeira AMS, Hallal PC, Menezes AMB, Horta BL, Hartwig FP, Barros AJD, Victora CG. Missed childhood immunizations during the COVID-19 pandemic in Brazil: Analyses of routine statistics and of a national household survey. Vaccine 2021; 39(25):3404-3409.
  • 37
    Bellei N, Melchior TB. H1N1: pandemia e perspectiva atual. J Bras Patol Med Lab 2011; 47(6):611-617.
  • 38
    Agranonik M, Furstenau CR, Bandeira MD. Aspectos da mortalidade de crianças e adolescentes por causas externas no RS, em 2000-14. Indic Econ FEE 2017; 44(4):53-64.
  • 39
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de atenção à pessoa com paralisia cerebral. Brasília: MS; 2014.
  • 40
    GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet 2016; 388(10053):1459-1544.

  • Financiamento

    JCC Guimarães é bolsista do CNPQ - bolsa de Iniciação Científica - PIBIC-UFF (Processo 121012/2021-2).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Fev 2023

Histórico

  • Recebido
    29 Dez 2021
  • Aceito
    12 Ago 2022
  • Publicado
    14 Ago 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br