Avaliação do programa comportamental em diabetes mellitus tipo 2: ensaio clínico randomizado

Evaluation of the behavioral program in type 2 diabetes mellitus: a randomized clinical trial

Laura Barbosa Nunes Jéssica Caroline dos Santos Ilka Afonso Reis Heloísa de Carvalho Torres Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste artigo é avaliar o efeito do programa comportamental educação em grupo e intervenção telefônica na modificação das atitudes psicológicas, melhora do empoderamento e das práticas de autocuidado visando à melhora do controle clínico em diabetes mellitus tipo 2. Trata-se de um ensaio clínico com cluster randomizado, realizado em 199 pessoas com diabetes. Para realizar as comparações intragrupos (tempos final e inicial) e entre grupos quanto aos valores das variáveis atitudes psicológicas, empoderamento, autocuidado e medidas da hemoglobina glicada, foi utilizada a abordagem das Generalizing Estimating Equations (GEE). Em todas as análises, utilizou-se um nível de significância de 5% e intervalos de 95% de confiança. Quando comparado ao GC, o GI apresentou uma redução significativa nos valores médios de hemoglobina glicada (IC95%: -1,49 a - 0,45), aumento estatisticamente significativo na modificação dos escores de atitudes psicológicas (IC95%: 9,70 a 15,40), na escala do empoderamento (IC95%: 0,81 a 2,72) e na adesão às práticas de autocuidado (IC95%: 1,44 a 2,10) ao final do estudo. O programa comportamental se mostrou capaz de modificar as atitudes psicológicas, melhorar o empoderamento, as práticas de autocuidado e o controle clínico.

Key words:
Type 2 diabetes mellitus; Attitudes; Self-care; Empowerment; Clinical trial

Abstract

The scope of this article was to evaluate the effect of the behavioral group education program and telephone intervention in modifying psychological attitudes, enhancing empowerment, and self-care practices aimed at improving clinical control in type 2 diabetes mellitus. It involved a randomized cluster clinical trial, carried out with 199 people with diabetes. In order to perform intragroup comparisons (final and initial phases) and between groups with respect to the indices of the psychological attitude, empowerment, self-care and glycated hemoglobin level variables, the Generalizing Estimating Equation (GEE) approach was used. In all analyses, a 5% significance level and 95% confidence interval were used. When compared to the CG, the IG showed a significant reduction in the mean values of glycated hemoglobin (95%CI: -1.49 to -0.45), a statistically significant increase in the change in psychological attitude scores (95%CI: 9.70 to 15.40), on the empowerment scale (95%CI: 0.81 to 2.72) and adherence to self-care practices (95%CI: 1.44 to 2.10) at the end of the study. The behavioral program proved to be capable of modifying psychological attitudes, improving empowerment, self-care practices and clinical control.

Key words:
Type 2 diabetes mellitus; Attitudes; Self-care; Empowerment; Clinical trial

Introdução

O Diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é uma condição crônica de causa multifatorial, associada, principalmente, ao estilo de vida pouco saudável, como a inatividade física e a alimentação inadequada, além das questões econômicas, culturais e sociais como o envelhecimento populacional e urbanização11 Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020. São Paulo: Clannad Editora Científica; 2020.,22 Pamungkas RA, Chamroonsawasdi K. Self-management based coaching program to improve diabetes mellitus self-management practice and metabolic markers among uncontrolled type 2 diabetes mellitus in Indonesia: A quasi-experimental study. Diabetes Metab Syndr 2020; 14(1):53-61.. O Brasil é o quinto país em número de casos, com 16,8 milhões de pessoas diagnosticadas na faixa etária entre 20 e 79 anos, com projeções para 26 milhões de casos em 204533 International Diabetes Federation (IDF). IDF Diabetes Atlas 2019. 9a ed. Brussels: International Diabetes Federation; 2019..

Diante do aumento progressivo do DM2, os programas comportamentais vêm sendo repensados de forma a considerar o sujeito com DM2 como protagonista do cuidado44 Mamaghani HA, Tabrizi FJ, Seyedrasooli A, Sarbakhsh P, Gargari RB, Zamanzadeh V, Zanboori V. Effect of Empowerment Program with and without Telenursing on Self-efficacy and Glycosylated Hemoglobin Index of Patients with Type-2 Diabetes: A Randomized Clinical Trial. J Caring Sci 2021; 10(1):22-28.,55 Lima GCBB, Guimarães AMDN, Silva JRS, Otero LM, Gois CFL. Educação em saúde e dispositivos metodológicos aplicados na assistência ao Diabetes Mellitus. Saude Debate 2019; 43(120):150-158.. Esses programas devem ser desenvolvidos de forma preventiva e com abordagem diretiva, pautada na comunicação e na construção de alicerces para o autocuidado desta condição66 Torres HC, Pace AE, Chaves FF, Velasquez-Melendez G, Reis IA. Avaliação dos efeitos de um programa educativo em diabetes: ensaio clínico randomizado. Rev Saude Publica 2018; 52:8.,77 Sanaeinasab H, Saffari M, Yazdanparast D, Karimi Zarchi A, Al-Zaben F, Koenig HG, Pakpour AH. Effects of a health education program to promote healthy lifestyle and glycemic control in patients with type 2 diabetes: A randomized controlled trial. Prim Care Diabetes 2021; 15(2):275-282..

Os programas comportamentais em DM2 podem combinar diferentes estratégias metodológicas, como a educação em grupo e a intervenção telefônica, a fim de contribuir para controle da condição crônica. A educação em grupo caracteriza-se como um espaço de troca de experiências entre as pessoas com a mesma condição crônica88 Kellow NJ, Palermo C, Choi TST. Not Scared of Sugar(tm): Outcomes of a structured type 2 diabetes group education program for Chinese Australians. Health Soc Care Community 2020; 28(6):2273-2281.,99 Thanh HTK, Tien TM. Effect of Group Patient Education on Glycemic Control Among People Living with Type 2 Diabetes in Vietnam: A Randomized Controlled Single-Center Trial. Diabetes Ther 2021; 12(5):1503-1521.. Observa-se a contribuição na identificação de problemas e sentimentos, compreensão das limitações, enfrentamento dos problemas, aumento da confiança e autonomia para tomada de decisões informadas, visando à adoção de comportamentos saudáveis e aquisição de atitudes para o autocuidado1010 Ting CY, Adruce SAZ, Lim CJ, Jabar AHAA, Ting RSK, Ting H, Osman NA, Ngau E, Talin BA, Muhammad M, Loo SC, Lim SE, Hassali MA. Effectiveness of a pharmacist-led structured group-based intervention in improving medication adherence and glycaemic control among type 2 diabetes mellitus patients: A randomized controlled trial. Res Social Adm Pharm 2021; 17(2):344-355..

A intervenção telefônica contempla o uso das tecnologias avançadas e inovadoras a fim de monitorar e gerenciar pessoas com DM2 a distância e com frequência necessária, o que pode melhorar a adesão ao autocuidado e hemoglobina glicada (HbA1C)44 Mamaghani HA, Tabrizi FJ, Seyedrasooli A, Sarbakhsh P, Gargari RB, Zamanzadeh V, Zanboori V. Effect of Empowerment Program with and without Telenursing on Self-efficacy and Glycosylated Hemoglobin Index of Patients with Type-2 Diabetes: A Randomized Clinical Trial. J Caring Sci 2021; 10(1):22-28.,1111 Nelson LA, Spieker A, Greevy R, LeStourgeon LM, Wallston K, Mayberry LS. User engagement among diverse adults in a 12-month text message-delivered diabetes support intervention: Results from a randomized controlled trial. JMIR MHealth UHealth 2020; 8(7):e17534.,1212 Groot J, Wu D, Flynn D, Robertson D, Grant G, Sun J. Efficacy of telemedicine on glycaemic control in patients with type 2 diabetes: A meta-analysis. World J Diabetes 2021; 12(2):170-197.. Essa onipresença oferece um potencial para atingir pessoas com baixo nível socioeconômico e diferentes etnias, além de abordar as barreiras modificáveis pelo autocuidado em DM21313 Jackson LV, Carpenter DM, Postlethwaite DA, Castro LC, Kim E, Herrera RA. Evaluating the Impact of Mobile Phone Technology on Health Outcomes for Latinos with Type 2 Diabetes. J Racial Ethn Health Disparities 2021; 8:532-536..

Nesse contexto, autores afirmam que o programa comportamental composto por estratégias metodológicas comportamentais, tais como a educação em grupo e a intervenção telefônica, pautados na abordagem do empoderamento, no diálogo reflexivo no que se refere aos aspectos comportamental, atitudinais e clínicos têm apresentado resultados positivos no tocante às atitudes psicológicas e mudança de comportamento associadas à prática de atividade física e alimentação saudável, a fim de otimizar, não apenas os desfechos clínicos, mas também, os atitudinais1414 Cortez DN, Macedo MML, Souza DAS, Dantos JC, Afonso GS, Reis IA, Torres HC. Evaluating the effectiveness of an empowerment program for self-care in type 2 diabetes: A cluster randomized trial. BMC Public Health 2017; 17:41.

15 Teixeira CRS, Zanetti ML, Almeida FB, Almeida FA. The re-aim model from the perspective of telephone-based educational programs on diabetes. Texto Contexto Enferm 2019; 28:e20170264.
-1616 Finbråten HS, Guttersrud O, Nordström G, Pettersen KS, Trollvik A, Wilde-Larsson B. Explaining variance in health literacy among people with type 2 diabetes: The association between health literacy and health behaviour and empowerment. BMC Public Health 2020; 20:161..

Atitudes psicológicas, presentes no cotidiano da pessoa com DM2, podem ser entendidas como a predisposição à adoção de ações que podem interferir na condição de saúde, positiva ou negativamente e afetam diretamente a capacidade da pessoa, com diabetes, a lidar com o autocuidado1717 Skinner TC, Joensen L, Parkin T. Twenty-five years of diabetes distress research. Diabetic Med 2020; 37(3):393-400.,1818 Hurst CP, Rakkapao N, Hay K. Impact of diabetes self-management, diabetes management self-efficacy and diabetes knowledge on glycemic control in people with Type 2 Diabetes (T2D): A multi-center study in Thailand. PLoS One 2020; 15(12):e0244692.. O empoderamento das práticas de autocuidado, associado à alimentação saudável e à prática de atividade física, possibilita a construção do plano de metas alcançáveis e o enfrentamento das barreiras de autocuidado44 Mamaghani HA, Tabrizi FJ, Seyedrasooli A, Sarbakhsh P, Gargari RB, Zamanzadeh V, Zanboori V. Effect of Empowerment Program with and without Telenursing on Self-efficacy and Glycosylated Hemoglobin Index of Patients with Type-2 Diabetes: A Randomized Clinical Trial. J Caring Sci 2021; 10(1):22-28..

Diante desse contexto, o Programa Comportamental - educação em grupo e intervenção telefônica (PCEGIT) em diabetes tipo 2, foi implementado em Unidades Básicas de Saúde do município de Belo Horizonte-MG, em parceria com a Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (EEUFMG). O presente estudo tem como objetivo avaliar o efeito desse programa comportamental nas atitudes psicológicas, no nível de empoderamento e na adesão às práticas de autocuidado visando à melhora do controle clínico em DM2.

Método

Trata-se de um ensaio clínico randomizado por clusters, no qual cada unidade foi considerada um cluster. Participaram 199 pessoas com diabetes tipo 2, cadastradas em seis Unidades Básicas de Saúde (UBS) da regional leste do município de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, no período de abril de 2019 a abril de 2020. Os critérios de inclusão foram: ter idade entre 30 e 80 anos (Faixa etária em que o DM2 é mais prevalente), ter disponibilidade para comparecer pelo menos a dois encontros em cada ciclo presencial ao longo do estudo, ter compreensão na escuta telefônica, referir capacidade visual, auditiva e locomotora, possuir contato telefônico (celular ou fixo) para monitoramento das estratégias metodológicas comportamentais e estar disposto(a) a manter contato com a equipe de pesquisa via telefone. Os critérios de exclusão foram: ter incapacidade auditiva observada no primeiro encontro, não conseguir contato telefônico, após três tentativas de ligações de contato, sem êxito e ter complicações crônicas do DM2 (definidas como retinopatias avançadas, amputação de membros e pé diabético vigente).

O tamanho da amostra do estudo foi baseado nos cálculos do projeto maior, o qual objetivou desenvolver um protótipo conceitual e metodológico para avaliar a efetividade das intervenções comportamentais orientadas para adesão as práticas de autocuidado e empoderamento da pessoa com diabetes. Após a aleatorização, ressalta-se que cem pessoas com DM2 fizeram parte de outras estratégias metodológicas pertencentes ao grupo intervenção de outro estudo. Entretanto, estabeleceram-se, para este estudo, três unidades para compor o grupo intervenção e mais três para compor o grupo controle. Assim, o estudo se iniciou com 199 pessoas, sendo pertencentes 108 para o grupo intervenção e 91 pertencentes ao grupo controle.

Os instrumentos utilizados neste estudo incluíram o perfil sociodemográfico (sexo, idade, estado civil, ocupação, escolaridade, cor, renda, tempo diagnóstico) e antropométrico (peso, altura, IMC, circunferência de cintura), por meio de formulário composto por blocos temáticos coletado no momento da sensibilização no ciclo 1 (etapa inicial). O sangue foi coletado para medir HbA1c (%) em um único laboratório tanto no período inicial quanto no final do estudo. Para este estudo, considerou-se indicativo de controle glicêmico a diferença dos valores glicêmicos entre o antes e o depois da aplicação do programa.

Para coleta de dados foram utilizados três instrumentos desenvolvidos para pessoas com DM2 e validados para o Brasil: o de atitudes psicológicas (ATT-19), o de empoderamento para o autocuidado em diabetes mellitus (DES-SF) e o de adesão às práticas de autocuidado para o diabetes mellitus (ESM)1919 Torres HC, Virgínia AH, Schall VT. Validation of Diabetes Mellitus Knowledge (DKN-A) and Attitude (ATT-19) Questionnaires. Rev Saude Publica 2005; 39(6):906-911.

20 Chaves FF, Reis IA, Pagano AS, Torres HC. Translation, cross-cultural adaptation and validation of the Diabetes Empowerment Scale - Short Form. Rev Saude Publica 2017; 51:16.
-2121 Torres HC, Franco LJ, Stradioton MA, Hortale VA, Schall VT. Evaluation of group and individual strategies in a diabetes education program. Rev Saude Publica 2009; 43:2..

As coletas de dados foram realizadas por duas enfermeiras pesquisadoras vinculadas ao estudo via ligação telefônica. As ligações tiveram duração média de 20 minutos, sendo realizadas em dias alternados nos turnos manhã, tarde e noite. As respostas foram registradas na ferramenta on-line eSurv. O ATT-19, ESM e o DES-SF foram aplicados em dois momentos: no início (Ti) e ao final do estudo (Tf).

Descrição do Programa Comportamental - educação em grupo e intervenção telefônica (PCEGIT)

No grupo intervenção, utilizou-se o PCEGIT que ocorreu, de forma simultânea, durante um período de 12 meses distribuídos em tempo inicial (Ti) com testes pré-educação, tempo 0 (T0) com o ciclo 1, tempo três meses (T3) com o ciclo 2, tempo seis meses (T6) com o ciclo 3, tempo final (Tf) com os testes pós-educação, tempo doze meses (T12) com o resultado dos exames e finalização da pesquisa. Cada ciclo teve duração de um mês, com intervalo de três meses entre os ciclos. Foram realizados de nove a quatorze contatos, com cada pessoa, ao longo dos 12 meses, totalizando de 10 a 14 horas de contatos distribuídas em quatro ciclos do grupo intervenção; três encontros presenciais, no primeiro e terceiro ciclo, intervenção telefônica no segundo ciclo com aplicação do protocolo COMPASSO2222 Fernandes BSM, Reis IA, Pagano AS, Cecilio SG, Torres HC. Construção, validação e adequação cultural do protocolo COMPASSO: Adesão ao autocuidado em diabetes. Acta Paul Enferm 2016; 29(4):421-429., e um encontro no quarto ciclo. Cada encontro teve duração média de duas horas e contou com a participação, em média, de dez a quinze pessoas.

As duas estratégias metodológicas foram baseadas no Protocolo de Mudança de Comportamento (PMC), cujas finalidade foi explorar o problema, identificar sentimentos, definir metas, elaborar e avaliar o plano de cuidados2323 Chaves FA, Cecilio SG, Reis IA, Pagano AS, Torres HC. Tradução e adaptação cultural do Behavior Change Protocol para as práticas educativas em Diabetes Mellitus. Rev Lat Am Enfermagem 2019; 27:e3164.. Além do protocolo COMPASSO, via ligação telefônica, para acompanhar e monitorar a pessoa, de modo que ela pudesse assumir a responsabilidade de incorporar, em suas atividades diárias, as orientações percebidas2222 Fernandes BSM, Reis IA, Pagano AS, Cecilio SG, Torres HC. Construção, validação e adequação cultural do protocolo COMPASSO: Adesão ao autocuidado em diabetes. Acta Paul Enferm 2016; 29(4):421-429..

Inicialmente, ocorreu um momento de sensibilização no primeiro encontro do ciclo 1, que serviu como base para os demais ciclos, pois envolveu não somente a apresentação, mas também a discussão das estratégias comportamentais (educação em grupo e intervenção telefônica), identificando as reais necessidades das pessoas e desenvolvendo alicerce para o empoderamento por meio da autonomia e o autocontrole relacionados à condição. A finalidade foi proporcionar às pessoas com DM2 o acesso à informação por meio da combinação das diferentes formas de comunicação. Cada estratégia será descrita a seguir.

Educação em grupo

Os encontros em grupos foram realizados nas UBS nos horários agendados previamente com as gerentes, e em horários conforme a disponibilidade das pessoas devido trabalho ou outra ocupação. Antes do início dos encontros, todas as pessoas com DM2 das Unidades de Saúde do GI foram convidadas, via ligação telefônica, a participarem dos grupos. Essa estratégia contou com a participação de dez a quinze pessoas com diabetes, três encontros no primeiro e terceiro ciclo, com intervalo de sete dias entre cada encontro com duração média de duas horas, totalizando 12 horas.

No segundo encontro referente ao ciclo 1 foram explorados os problemas para o controle da condição, com as seguintes perguntas: “Qual é a sua maior dificuldade para controlar o diabetes? Fale mais sobre essa dificuldade no seu dia a dia. Dê exemplo(s) de uma situação que ocorreu com você por causa dessa dificuldade”. No terceiro encontro foi realizada a identificação dos sentimentos por meio das perguntas: “Como se sente com essa situação de ter de cuidar da sua saúde (cuidar e controlar a doença)? Você sente [inserir os sentimentos expostos pela pessoa] por quê?”. A finalidade dessas duas questões foi valorizar os aspectos emocionais para conduzir as pessoas à raiz do problema, além de auxiliar no desenvolvimento de estratégias que contribuem para adoção de atitudes positivas diante do autocuidado2323 Chaves FA, Cecilio SG, Reis IA, Pagano AS, Torres HC. Tradução e adaptação cultural do Behavior Change Protocol para as práticas educativas em Diabetes Mellitus. Rev Lat Am Enfermagem 2019; 27:e3164.,2424 Nunes LB, Santos JC, Reis IA, Torres HC. Attitudes toward self-care in type 2 diabetes mellitus in primary care. Acta Paul Enferm 2021; 34:eAPE001765.. As temáticas foram trabalhadas por meio de dinâmicas lúdicas e interativas. Por conseguinte, no ciclo 3 foram realizados três encontros.

No primeiro encontro, foi efetuada a definição das metas baseadas nas histórias de vida de cada participante, abordando os problemas que vivenciaram e os sentimentos. As metas foram construídas individualmente junto com a enfermeira e o participante, utilizando a abordagem dialógica e levando em consideração o contexto de vida de cada participante.

Quanto ao segundo encontro, desenvolveu-se a elaboração e avaliação do plano de cuidados, de modo que a pessoa pudesse definir as principais ações e estratégias necessárias ao cumprimento da meta, bem como excluiu as ações que não tinham a intenção de fazer e, priorizar as ações que são passíveis de serem realizadas. No terceiro encontro ocorreu a avaliação do plano de cuidados, a respeito da evolução de cada participante no cumprimento das metas, além de estimulá-los ao seguimento das metas. E, caso não alcançasse a meta proposta, era possível alterá-la, de modo a alcançá-la. A estratégia a seguir auxiliou no acompanhamento e monitoramento para empoderamento das práticas de autocuidado.

Intervenção telefônica

Ocorreu com a aplicação do Protocolo COMPASSO via ligação telefônica, no segundo ciclo, com duração média de 20 minutos e enfoque nos domínios: sentimentos e barreiras; insatisfação e prontidão para mudanças; rede de apoio; disposição para elaborar um plano de metas; principais complicações do diabetes; seguimento do plano alimentar saudável; prática de atividade física e administração de medicação.

A intervenção telefônica também foi uma alternativa viável para alcançar as pessoas com diabetes que não conseguiram participar dos encontros presenciais no primeiro e terceiro ciclo, sendo possível realizar a orientação, definição de metas e elaboração do plano de cuidados para conquista da(s)meta(s) (Meu Plano Inteligente), via ligação telefônica.

Grupo Controle

Nos tempos inicial (Ti) e final (Tf) deste estudo, foram aplicados, ao grupo controle, via ligação telefônica, os instrumentos que avaliam as variáveis comportamentais, atitude, empoderamento e autocuidado, assim como as variáveis clínicas, Hba1c e medidas antropométricas.

As pessoas com DM2 do grupo controle participaram das atividades educativas desenvolvidas na rotina das respectivas UBS e mantiveram o acompanhamento convencional por meio do atendimento clínico. O monitoramento telefônico foi realizado por meio de duas ligações telefônicas com duração média de 15 minutos e intervalo de 3 meses em cada ligação. Aplicou-se o protocolo COMPASSO para informação sobre as práticas de autocuidado e encaminhamento para o profissional de saúde, de acordo com as necessidades apresentadas, além da entrega de cartilhas educativas.

Análise dos dados

Os dados foram organizados em planilha do MSExcel 2013. Realizou-se a análise descritiva por meio do cálculo de frequências para as variáveis categóricas e medidas de tendência central (média e mediana) e de dispersão (DP: desvio-padrão) para as variáveis quantitativas.

Para realizar as comparações intragrupos (tempos final e inicial) e entre grupos quanto aos valores de Hb1Ac e dos escores de atitudes psicológicas (ATT-19), de empoderamento (DES-SF) e de adesão às práticas de autocuidado (ESM), foi utilizada a abordagem das Generalizing Estimating Equations (GEE)2525 Zeger SL, Liang K-Y. Longitudinal data analysis for discrete and continuous outcomes. Biometrics 1986; 42(1):121-130.. O modelo GEE ajustado aos dados contou com os indicadores de grupo (GC e GI) e de tempo (Ti e Tf) e um termo de interação entre eles, que permite comparar a evolução temporal da resposta entre os grupos. Para todas as quatro variáveis estudadas, foi utilizada a família gaussiana com função de ligação identidade. Para levar em conta a dependência temporal entre as observações de um mesmo indivíduo, foi utilizada a estrutura autorregressiva de primeira ordem (AR1). Em todos os testes estatísticos, foi utilizado o nível de 5% de significância e todos os intervalos foram construídos utilizando um nível de 95% de confiança. Ressalta-se que intervalos de confiança para diferenças entre médias que não incluem o valor zero sugerem evidências de diferenças entre médias populacionais (similar a p<0,05). As análises estatísticas foram realizadas no ambiente R com o apoio dos pacotes gee e geepack.

Aspectos éticos

Este estudo obteve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, sob o parecer: CAAE nº 78699517.9.0000.5149, e está listado no registro brasileiro de ensaios clínicos (ReBEC) como RBR-5d26k2.

Resultados

Seguindo as orientações do CONSORT2626 Schulz KF, Altman DG, Moher D. CONSORT 2010 Statement: Updated guidelines for reporting parallel group randomised trial. BMJ 2010; 68:834-840., a Figura 1 apresenta um diagrama de fluxo do progresso dos clusters e das pessoas ao longo das fases do ensaio randomizado. Para o GI, foram alocadas, aleatoriamente por meio de código desenvolvido no ambiente R (função sample), 3 UBS: programa comportamental composto por estratégias metodológicas de educação em grupo e intervenção telefônica, com um total de 108 pessoas. Por sua vez, o GC foi composto por 91 pessoas de 3 UBS. No entanto, em função de perdas, um total de 179 usuários participaram da análise deste estudo: 98 do GI e 81 do GC.

Figura 1
Diagrama do progresso de clusters e indivíduos nas fases do ensaio randomizado.

No que diz respeito ao perfil sociodemográfico das pessoas com DM2, verificou-se que a média de idade do grupo estudado foi de 63 anos; a maioria foi do sexo feminino, 68,3%; 68,1% eram casados; 42,7% estudaram até o Ensino Fundamental; 52,8% declaram-se pardos ou amarelos; 39,8 % eram aposentados e 69,6% possuíam renda familiar mensal entre 1 e 2 salários-mínimos. O resumo das características sociodemográficas dos grupos de estudo está apresentado na Tabela 1.

Tabela 1
Descrição das variáveis sociodemográficas e antropométricas das pessoas com diabetes mellitus tipo 2, participantes dos grupos controle e intervenção, na Atenção Primária do município de Belo Horizonte-MG, Brasil, 2021.

Com relação aos parâmetros clínicos, observou-se que, entre as pessoas do GI, houve uma redução significativa nos valores médios de HbA1c (IC95%: -1,49 a -0,45). Entre os indivíduos do GC, após o término do estudo, houve diferença estatística entre os valores médios de HbA1c (Tabela 2).

Tabela 2
Resultados das Generalizing Estimation Equations (GEE) para comparação intra e intergrupos da Hb1Ac e dos escores de atitudes psicológicas (ATT-19), de empoderamento para o autocuidado em diabetes mellitus (DES-SF) e de adesão às práticas de autocuidado para o diabetes mellitus (ESM) entre a linha de base (Ti) e tempo final (Tf), das pessoas com diabetes mellitus tipo 2, participantes dos grupos controle e intervenção, na Atenção Primária do município de Belo Horizonte-MG, Brasil, 2021.

No que tange à modificação dos escores de atitudes psicológicas (ATT-19), foi detectada redução significativa no escore do GC (IC95%: -7,92 a -1,78), enquanto, no GI, houve aumento estatisticamente significativo (IC95%: 9,70 a 15,40; Tabela 2).

Quanto à escala do empoderamento (DES), houve aumento no escore médio após a intervenção no GI (IC95%: 0,81 a 2,72) e redução no escore médio no GC (IC95%: -2,18 a 0,90), porém ambos sem significância estatística (Tabela 2).

Por fim, quanto à adesão às práticas de autocuidado (ESM), obtiveram-se resultados estatisticamente significativos na comparação dos períodos pré e pós-intervenção no GI, evidenciando aumento dos escores neste grupo (IC95%: 1,44 a 2,10). No GC, não foram detectadas diferenças estatísticas no escore médio entre os tempos inicial e final (Tabela 2).

Para todas as quatro variáveis estudadas, a evolução das medidas entre os tempos inicial e o final foram consideradas diferentes entre os grupos (Tabela 2, última coluna).

Discussão

O Programa Comportamental - educação em grupo e intervenção telefônica (PCEGIT), favoreceu a modificação das atitudes psicológicas, manutenção do nível de empoderamento para as práticas de autocuidado e o controle glicêmico após doze meses de acompanhamento.

Quanto às características sociodemográficas dos participantes deste estudo, assemelham-se às de estudos realizados com pessoas com DM2, a exemplo da predominância do sexo feminino, idade superior a 60 anos, casados, baixo nível de escolaridade, aposentados, baixa renda e tempo diagnóstico acima de 10 anos2727 Borba AKOT, Arruda IKG, Marques APO, Leal MCC, Diniz AS, Linhares FMP. Intervenção educativa problematizadora para promoção de hábitos saudáveis em idosos com diabetes: ensaio clínico randomizado. Rev Bras Enferm 2020; 73(Supl. 3):e20190719.

28 Niguse H, Belay G, Fisseha G, Desale T, Gebremedhn G. Self-care related knowledge, attitude, practice and associated factors among patients with diabetes in Ayder Comprehensive Specialized Hospital, North Ethiopia. BMC Res Notes 2019; 12(1):34.

29 Masri DE, Koscielniak N, Piatt G, DiZazzo-Miller R, Arnetz J, Jaber LA. Barriers and facilitators to perceived diabetes self-management in Arab American patients with diabetes. Primary Care Diabetes 2020; 14(3):232-238.
-3030 Becker J, Emmert-Fees KMF, Greiner GG, Rathmann W, Thorand B, Peters A, Karl FM, Laxy M, Schwettmann L. Associations between self-management behavior and sociodemographic and disease-related characteristics in elderly people with type 2 diabetes - New results from the population-based KORA studies in Germany. Prim Care Diabetes 2020; 14(5):508-514..

Em relação a escala do empoderamento, os resultados mostraram melhora significativa entres as pessoas do GI, enquanto no GC os níveis diminuíram, mas sem apresentar redução significativa, o que representa o efeito do empoderamento sobre a compreensão acerca da importância da participação na realização dos cuidados necessários para o manejo da condição3131 Zheng F, Liu S, Liu Y, Deng L. Effects of an Outpatient Diabetes Self-Management Education on Patients with Type 2 Diabetes in China: A Randomized Controlled Tria. J Diabetes Res 2019; 2019:1073131.. Entende-se que a melhora do nível de empoderamento das pessoas com DM2 e participantes do programa, deve-se provavelmente devido ao apoio contínuo do programa composto pela educação em grupo e intervenção telefônica.

Em consonância com esse resultado, ensaio clínico randomizado de 156 pessoas com DM2, participantes do programa de empoderamento, mostrou a intervenção telefônica como uma ferramenta tecnológica eficaz na melhora dos níveis de empoderamento com ênfase nos pontos fortes das pessoas com DM2 na resolução de seus próprios problemas44 Mamaghani HA, Tabrizi FJ, Seyedrasooli A, Sarbakhsh P, Gargari RB, Zamanzadeh V, Zanboori V. Effect of Empowerment Program with and without Telenursing on Self-efficacy and Glycosylated Hemoglobin Index of Patients with Type-2 Diabetes: A Randomized Clinical Trial. J Caring Sci 2021; 10(1):22-28..

Nessa perspectiva, o PCEGIT pode facilitar o processo de autocuidado em pessoas com condições crônicas e o controle dos níveis de glicose no sangue. Os modelos dos programas pautados nos aspectos psicossociais, comportamentais e clínicos auxiliam as pessoas com DM2 a tomarem decisões informadas sobre sua condição, melhorando sua autoeficácia por meio da mudança de comportamento. Além disso, participar de grupos educativos com pessoas bem-sucedidas no controle do diabetes pode desempenhar um papel importante no incentivo e motivação dos pacientes para o desenvolvimento da autoeficácia77 Sanaeinasab H, Saffari M, Yazdanparast D, Karimi Zarchi A, Al-Zaben F, Koenig HG, Pakpour AH. Effects of a health education program to promote healthy lifestyle and glycemic control in patients with type 2 diabetes: A randomized controlled trial. Prim Care Diabetes 2021; 15(2):275-282.,99 Thanh HTK, Tien TM. Effect of Group Patient Education on Glycemic Control Among People Living with Type 2 Diabetes in Vietnam: A Randomized Controlled Single-Center Trial. Diabetes Ther 2021; 12(5):1503-1521.. Contudo, associar sessões presenciais com acompanhamento via intervenção telefônica pode resultar no aumento da autoeficácia das pessoas com DM2 e redução dos níveis glicêmicos, favorecendo o controle da condição44 Mamaghani HA, Tabrizi FJ, Seyedrasooli A, Sarbakhsh P, Gargari RB, Zamanzadeh V, Zanboori V. Effect of Empowerment Program with and without Telenursing on Self-efficacy and Glycosylated Hemoglobin Index of Patients with Type-2 Diabetes: A Randomized Clinical Trial. J Caring Sci 2021; 10(1):22-28..

Quanto às atitudes psicológicas e o nível do empoderamento, o GI, com a aplicação do programa comportamental, apresentou, entre o Ti e o Tf, aumento dos valores médios dos escores da escala de atitude psicológica (ATT-19) e da escala de empoderamento (DES), o que representa resultados significativos nos aspectos psicossociais e manutenção da confiança das pessoas com DM2 em tomar decisões e agir para a gestão de sua condição, respectivamente. O GC, por sua vez, apresentou evidências significativas de diminuição da pontuação da escala de atitude ao final do estudo (IC95%: -7,92 a -1,78), e não apresentou alteração na escala de empoderamento. Este resultado nos permite inferir que a modificação das atitudes psicológicas promovida no GI está relacionada à implementação do PCEGIT.

De forma semelhante, ensaio clínico randomizado com 357 pessoas com DM2, na Jordânia, avaliou o impacto da educação em grupo após a intervenção educacional, o qual apontou que os escores de atitudes melhoraram significativamente pós-intervenção (p<0,001), o que refletiu na intenção das pessoas em praticar atividade física e possuir alimentação saudável3232 Alsous MM, Odeh M, Abdel Jalil M. Effect of an educational intervention on public knowledge, attitudes, and intended practices towards diabetes mellitus: A quasi-experimental study. Int J Clin Pract 2020; 74(9):e13565..

Ademais, os resultados do presente estudo sugerem que a melhora do empoderamento ao longo dos dozes meses de acompanhamento favoreceu a modificação das atitudes, o que, consequentemente, propicia o rompimento das barreiras emocionais decorrente da percepção da melhora da saúde e da aquisição de habilidades de autocuidado, fazendo com que a pessoa com diabetes mellitus tipo 2 enxergue novas possibilidades diante da vida, proporcionando o desenvolvimento de atitudes positivas acompanhadas dos comportamentos de autocuidado, e consequente controle da glicose3333 Gabre M, Sundström BW, Olausson S. 'A little good with the bad': Newly diagnosed type 2 diabetes patients' perspectives on self-care: A phenomenological approach. Nordic J Nurs Res 2019; 39(1):20-28.,3434 Waller K, Furber S, Bauman A, Allman-Farinelli M, van den Dolder P, Hayes A, Facci F, Franco L, Webb A, Moses R, Colagiuri S. DTEXT - text messaging intervention to improve outcomes of people with type 2 diabetes: protocol for randomised controlled trial and cost-effectiveness analysis. BMC Public Health 2019; 19(1):262.. Além disso, a obtenção do controle da glicose pode reforçar a confiança da pessoa em atingir seus objetivos, enquanto a falha no controle pode diminuir a crença na capacidade de controlar sua própria condição1818 Hurst CP, Rakkapao N, Hay K. Impact of diabetes self-management, diabetes management self-efficacy and diabetes knowledge on glycemic control in people with Type 2 Diabetes (T2D): A multi-center study in Thailand. PLoS One 2020; 15(12):e0244692.. Daí a necessidade de intervenções contínuas sobre o diabetes, de modo que a pessoa esteja constantemente empoderada para poder desenvolver atitudes positivas frente à condição crônica.

Nesse contexto, os programas para DM2, quando baseados nas emoções e na cognição, trabalhadas em grupo e de forma individual via intervenção telefônica, podem resultar em mudanças comportamentais, gerando benefícios psicológicos e físicos2424 Nunes LB, Santos JC, Reis IA, Torres HC. Attitudes toward self-care in type 2 diabetes mellitus in primary care. Acta Paul Enferm 2021; 34:eAPE001765.,3535 Chew BH, Vos RC, Shariff Ghazali S, Shamsuddin NH, Fernandez A, Mukhtar F, Ismail M, Mohd Ahad A, Sundram NN, Ali SZ, Rutten GE. The effectiveness of a value-based EMOtion-cognition-Focused educatIonal programme to reduce diabetes-related distress in Malay adults with Type 2 diabetes (VEMOFIT): Study protocol for a cluster randomised controlled trial. BMC Endocr Disord 2017; 17(1):32.. Além disso, contribui para a melhoria dos níveis de empoderamento em DM2 e corresponsabilização para as práticas de autocuidado44 Mamaghani HA, Tabrizi FJ, Seyedrasooli A, Sarbakhsh P, Gargari RB, Zamanzadeh V, Zanboori V. Effect of Empowerment Program with and without Telenursing on Self-efficacy and Glycosylated Hemoglobin Index of Patients with Type-2 Diabetes: A Randomized Clinical Trial. J Caring Sci 2021; 10(1):22-28.,1111 Nelson LA, Spieker A, Greevy R, LeStourgeon LM, Wallston K, Mayberry LS. User engagement among diverse adults in a 12-month text message-delivered diabetes support intervention: Results from a randomized controlled trial. JMIR MHealth UHealth 2020; 8(7):e17534.,3636 Aquino JA, Baldoni NR, Flôr CR, Sanches C, Di Lorenzo Oliveira C, Alves GCS, Fabbro ALD, Baldoni AO. Effectiveness of individual strategies for the empowerment of patients with diabetes mellitus: A systematic review with meta-analysis. Prim Care Diabetes 2017; 12(2):97-110.. Neste estudo, percebeu-se que o programa comportamental, mediante a educação em grupo, oportunizou a exploração das emoções envolvidas no conviver com o diabetes, por meio dos passos do Protocolo de Mudança de Comportamento, que foram objeto de discussão das pessoas com DM2. Assim, a valorização dos aspectos atitudinais e o reconhecimento das emoções no GI permitiram ao profissional de saúde a adoção de orientações individualizadas e direcionadas, especialmente durante as ligações de acompanhamento, via intervenção telefônica, respeitando o contexto de vida das pessoas e proporcionando a tomada de decisões assertivas sobre sua saúde, condizente com a abordagem do empoderamento.

Com relação à adesão as práticas de autocuidado, os escores médios de pontuação aumentaram entre o Ti e Tf no GI, após a aplicação do programa comportamental, indicando uma melhora nas práticas de autocuidado. Diferentemente do GI, o GC não apresentou mudança significativa no escore. Os resultados deste estudo corroboram com os de um ensaio clínico randomizado, realizado no Irã, no qual os autores observaram que as pessoas com DM2, que participaram das estratégias metodológicas por meio da educação em grupo e intervenção telefônica, obtiveram melhores escores em relação ao autocuidado, quando comparados aos participantes que receberam o tratamento convencional3737 Ahrari F, Mohaqiq Z, Moodi M, Bijari B. The Effect of Self-Care Training on Blood Sugar Control, HbA1C Level, and Life Quality of Diabetic Patients in Birjand, East of Iran: A Randomized Clinical Trial Study. Adv Prev Med 2021; 2021:8846798.. Além disso, uma metanálise com 43 ensaios clínicos encontrou resultados semelhantes ao deste estudo, posto que a estratégia metodológica comportamental intervenção telefônica promove não somente a melhoria nas práticas de autocuidado, mas da saúde como um todo, devido à melhora da comunicação e compreensão do estado emocional1212 Groot J, Wu D, Flynn D, Robertson D, Grant G, Sun J. Efficacy of telemedicine on glycaemic control in patients with type 2 diabetes: A meta-analysis. World J Diabetes 2021; 12(2):170-197..

Ensaio clínico, realizado com 249 pessoas na Alemanha, utilizou esse tipo de tecnologia móvel e apontou resultados significativos quanto às práticas de autocuidado e redução do nível de HbA1c quando comparada à educação em grupo (-0,68% vs. 0,12%), após seis meses3838 Döbler A, Belnap BH, Pollmann H, Farin E, Raspe H, Mittag O. Telephone-delivered lifestyle support with action planning and motivational interviewing techniques to improve rehabilitation outcomes. Rehabil Psychol 2018; 63(2):170-181., resultado semelhante foi encontrado em um ensaio clínico brasileiro3939 Pereira PF, Santos JCD, Cortez DN, Reis IA, Torres HC. Evaluation of group education strategies and telephone intervention for type 2 diabetes. Rev Esc Enferm USP 2021; 55:e03746..

Em relação às variáveis clínicas, observou-se que os valores médios de HbA1c diminuíram significativamente entre o Ti e Tf no GI, e aumentaram significativamente no GC, fortalecendo o efeito positivo do PCEGIT na redução dessa variável, visto que é um indicador importante para o monitoramento do diabetes11 Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020. São Paulo: Clannad Editora Científica; 2020..

Em consonância com esses resultados, ensaio clínico, realizado em Gana, com pessoas com DM2, avaliou a viabilidade da intervenção telefônica no controle glicêmico e apontou que a hemoglobina glicada reduziu em -1,51 (p=0,004; IC de 95%, -2,51 a -0,51) no GI, bem como observou melhora das práticas de autocuidado4040 Asante E, Bam V, Diji AK, Lomotey AY, Owusu Boateng A, Sarfo-Kantanka O, Oparebea Ansah E, Adjei D. Pilot Mobile Phone Intervention in Promoting Type 2 Diabetes Management in an Urban Area in Ghana: A Randomized Controlled Trial. Diabetes Educ 2020; 46(5):455-464.. Outro ensaio clínico recente, realizado com 142 pessoas com DM2 na Malásia, utilizou a educação em grupo e apontou uma redução significativamente maior na HbA1c no grupo intervenção em comparação com o grupo controle em um, três, seis e doze meses pós-intervenção (p<0,001)1010 Ting CY, Adruce SAZ, Lim CJ, Jabar AHAA, Ting RSK, Ting H, Osman NA, Ngau E, Talin BA, Muhammad M, Loo SC, Lim SE, Hassali MA. Effectiveness of a pharmacist-led structured group-based intervention in improving medication adherence and glycaemic control among type 2 diabetes mellitus patients: A randomized controlled trial. Res Social Adm Pharm 2021; 17(2):344-355., enquanto no Brasil, ensaio clínico mostrou resultado semelhante1414 Cortez DN, Macedo MML, Souza DAS, Dantos JC, Afonso GS, Reis IA, Torres HC. Evaluating the effectiveness of an empowerment program for self-care in type 2 diabetes: A cluster randomized trial. BMC Public Health 2017; 17:41..

Vale ressaltar que a comparação das diferenças pareadas entre Ti e Tf e entre os dois grupos (GI e GC) também mostrou queda significativa. Verificou-se que o grupo controle que recebeu o acompanhamento tradicional oferecido pelas UBS apresentou estabilidade na variável hemoglobina glicada, autocuidado e empoderamento. Todavia, não demonstrou melhora na variável atitudes, inclusive com piora significativa da mesma, reforçando os resultados favoráveis do PCEGIT e a ideia de que os programas comportamentais devem ser contínuos.

Dentre as limitações do estudo, tem-se a não delimitação das estratégias comportamentais, educação em grupo e intervenção telefônica por cluster, ou seja, as pessoas com DM2 do GI adotaram a combinação das estratégias. Portanto, a delimitação de cada estratégia comportamental por cluster é recomendada para estudos futuros, de modo que seja possível comparar as duas estratégias para verificar os efeitos de cada uma individualmente. Outra limitação foi a dificuldade no agendamento para disponibilização dos espaços nas UBS, absenteísmo por parte das pessoas com DM2 no dia dos encontros grupais. E, por fim, devido à pandemia COVID-19, os dados antropométricos do Tf não foram coletados, o que torna inviável avaliá-los.

Conclusão

O Programa Comportamental - educação em grupo e intervenção telefônica (PCEGIT) mostrou-se capaz de modificar as atitudes psicológicas, melhorar o nível de empoderamento, adesão às práticas de autocuidado e o controle clínico em DM2.

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  • Financiamento

    Este estudo foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio da concessão da bolsa de doutorado a LB Nunes, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Processos 303250/2019-4 e 432824/2016-2 e pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) - Processo APQ-03865-16.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2021
  • Aceito
    12 Set 2022
  • Publicado
    14 Set 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br