Cuidando de idosos dependentes e de seus cuidadores: um desafio para as sociedades

Gerlany Leal Cronemberger Rachel Cassiano de Sousa Sobre os autores

A obra11 Minayo MCS, Silva RM, Brasil CCP, organizadoras. Cuidar da pessoa idosa dependente: desafios para as famílias, o estado e a sociedade. Fortaleza: EdUECE; 2022., inevitavelmente, ao conduzir o leitor a uma profunda reflexão sobre os desafios do envelhecer, as consequências do cuidado do idoso dependente (ID) para os cuidadores; a necessidade de (re)construção de políticas sociais e de saúde contribui para ampliar o conhecimento e assim sanar lacunas científicas importantes.

Contempla as mudanças demográficas oriundas da longevidade e principalmente o repensar sobre o futuro das comunidades como atenta22 Scott AJ. Health policy the longevity society. Lancet Healthy Longev 2021; 2(12):e820-e827., ao mencionar que as sociedades precisam redirecionar o foco de suas ações para uma sociedade longeva.

A publicação, ao reiterar a afirmação de Minayo33 Minayo MCS. Cuidar de quem cuida de idosos dependentes: por uma política necessária e urgente. Cien Saude Colet 2021; 26(1):7-16. de que é urgente que o ID e seu cuidador sejam protegidos efetivamente incita novas ações sociais, públicas e investigações.

Seus preciosos estudos têm leitura recomendada aos familiares, cuidadores, pesquisadores, gestores, profissionais, universitários e, especialmente, a todos aqueles que almejam envelhecer.

Utiliza-se da abordagem qualitativa que dá voz aos idosos e cuidadores para falarem sobre seus sentimentos e vivências e ouvidos atentos para a compreensão de suas necessidades e a da quantitativa que facilita replicar o estudo e compará-lo com outros similares44 Sampiere RH, Collado CF, Lucio MPB. Metodologia de pesquisa. 5ª ed. Porto Alegre: Penso; 2013., enriquecendo a qualidade da publicação.

O medo da velhice pelos idosos não está associado ao avançar da idade, mas à perda de autonomia, ao abandono, à falta de acesso aos cuidados e à sobrecarga que se preocupam em ocasionar à família.

A espera da morte biológica para sanar o sofrimento da morte social da velhice relatada pelo ID, evoca o leitor para o maior engajamento com a empatia intergeracional.

O aumento da sensação de solidão em idosos portugueses institucionalizados relatado na obra durante a pandemia de COVID-19 foi constatado também por Shrira et al.55 Shrira A, Hoffman Y, Bodner E, Palgi Y. COVID-19-Related Loneliness and psychiatric symptoms among older adults: the buffering role of subjective age. Am J Geriatr Psychiatry 2020; 28(11):1200-1204. que acrescenta ainda crises de ansiedade e alterações comportamentais em ID asilados com restrições de visitas durante o período.

Atenta os leitores para a valorização das percepções do ID pelos profissionais e, sabiamente, sugerem o envolvimento dos idosos no seu processo de cuidado. Atitude que possibilita à pessoa idosa se reconhecer com autonomia e parte da sociedade.

A tímida efetivação de políticas públicas destinadas ao apoio e suporte ao ID e seu cuidador por parte dos órgãos governamentais é demonstrada ao longo do livro. As discrepâncias entre as políticas internacionais para o cuidado domiciliar de idosos dependentes também são postas.

A União Europeia, ao publicar o Livro Verde Sobre o Envelhecimento-Promover a Responsabilidade e a Solidariedade entre Gerações, demonstra preocupação em assegurar garantia ao acesso e à qualidade dos cuidados e admite o carecimento de proteção social e econômica para os idosos pobres.

A palavra imobilismo, utilizada na obra, é impecável para descrever as políticas públicas brasileiras, centradas em instituições já existentes que não têm como garantir a atenção domiciliar para as atividades de vida diária. Já o Chile se destaca, na América do Sul, ao propiciar cuidados em casa para idosos com dependência moderada e grave.

Em Portugal, a população idosa supera a de jovens. Apesar da esperança de vida ser maior no gênero feminino, a qualidade de vida é melhor no masculino. Fato que desperta a necessidade de avaliar o bem-estar das mulheres portuguesas. O país dispõe do Programa de Apoio Integral a Idosos que promove a autonomia, mobilidade, acessibilidade aos benefícios e serviços, a solidariedade intergeracional e a prevenção do isolamento do idoso e do Estatuto do cuidador Informal.

O cuidado de idosos dependentes espanhóis, estadunidenses e canadenses é centralizado no cuidador, ou melhor, na cuidadora familiar. Tal condição atenta para desigualdade de gênero no cuidado e maior chance de adoecimento entre mulheres que trabalham, cuidam de idosos e de filhos, simultaneamente.

A economia de US$ 25 bilhões, atualmente identificada no Canadá, ao apoiar os cuidados dos idosos nos familiares, constitui um risco para futuros gastos públicos com a assistência a esses cuidadores, uma vez que o exercício dessa atividade poderá levar ao adoecimento físico, psicológico e social dessas pessoas.

O forte ativismo das associações presentes nos EUA que reivindicam reconhecimentos, direitos e isenção de imposto merece destaque por provocar mobilização social que, geralmente, produz políticas públicas.

A situação da pessoa idosa dependente é discutida e aprofundada sob o olhar de quem cuida. O cuidador de idosos possui um perfil bem definido: mulheres com idade entre 30 e 49 anos, assim também como idosos que cuidam de outros. As seculares determinações sociais de gênero são levadas em consideração para a compreensão da determinação desse perfil.

A função de cuidador de idosos representa uma preocupação em âmbito mundial, uma vez que, apesar do reconhecimento social da importância desse papel, verifica-se uma baixa valorização dessas pessoas, faltando-lhes suporte amplo para o melhor exercício dessa função.

Outro aspecto importante evidenciado no livro relaciona-se com a qualidade de vida e os múltiplos desafios que afetam a vida do cuidador como: fadiga, esforço físico e psicológico diário, privação do sono, falta de lazer e de tempo para o autocuidado, além de sobrecarga com os cuidados domésticos adicionais gerados pelos familiares de idosos. Segundo Pereira e Duque66 Pereira S, Duque E. Cuidar de idosos dependentes: a sobrecarga dos cuidadores familiares. Rev Kairos 2017; 20(1):187-202., prestar assistência ao ID constitui algo fundamental, entretanto, é preciso que a qualidade de vida da pessoa cuidada e do cuidador seja garantida.

Dentre tantas temáticas necessárias ao aprofundamento da discussão sob o olhar de quem cuida, dois fatores chamaram a atenção das leitoras, profissionais de saúde trabalhadoras do SUS, que se debruçaram na leitura fascinante deste livro.

O primeiro deles, o fato de os autores levantarem a necessidade de treinamentos adequados para os cuidadores sobre prevenção de quedas, manejo de medicamentos, dieta e higiene dos idosos dependentes. Essa demanda nos remete à importância de estratégias de educação permanente e orientações voltadas para o cuidador formal e informal.

Fortalecendo esse debate, os autores propõem uma análise sobre as práticas dos profissionais de saúde no cuidado ao idoso na Atenção Primária à Saúde (APS) e os métodos utilizados para este fim, priorizando a atuação das equipes multiprofissionais. De acordo com Magalhães et al.77 Silva RM, Brasil CC, Bezerra I, Fortes ML, Santos MC, Gonçalves J, Jardim MHA. Desafios e possibilidades dos profissionais de saúde no cuidado ao idoso dependente. Cien Saude Colet 2021; 26(1):89-98., a valorização da equipe multidisciplinar no âmbito da gestão do cuidado do idoso tem sido um grande desafio das políticas de saúde pública.

O segundo fator que se apresenta fartamente evidenciado no livro relaciona-se com os desafios enfrentados pelos cuidadores informais no cuidado ao idoso dependente assim como a importância da existência de uma rede de apoio como suporte aos cuidadores. Eis alguns desafios enfrentados: árduas, solitárias e invisíveis limitações financeiras e sociais que cuidadores e familiares possuem para garantir a manutenção da rotina do cuidar do idoso dependente; o desgaste físico e psicológico do cuidador é bem maior quando ele cuida de idosos com demandas cognitivas e comportamentais; quanto maior o grau de dependência do idoso, maior a sobrecarga do cuidador; a carência de apoio de outros membros da família, a falta de orientação para atender as necessidades dos entes queridos e de tempo para si próprios foram reiterados como obstáculos enfrentados pelos cuidadores.

Visando mitigar as circunstâncias pelas quais os cuidadores passam, é necessária a criação e o fortalecimento de uma rede de suporte. O apoio dos serviços de saúde, da assistência social, de familiares, de vizinhos e de amigos são citados pelos autores.

Essa importante contribuição das autoras traz para a discussão o olhar técnico e humano que a sociedade deve lançar sobre os cuidadores de idosos dependentes. Mediante os obstáculos vivenciados pelos cuidadores, faz-se necessário que família, rede de apoio e serviços de saúde criem estratégias de enfrentamento para os desafios mencionados no decorrer da leitura do livro.

Por fim, após profunda imersão na leitura da obra, mencionamos aqui as possíveis lacunas que poderão ser preenchidas em outras construções científicas sobre idosos dependentes, como: prevenção de maus tratos e violência contra o idoso dependente, inclusão digital de idosos e utilização de ferramentas artísticas (dança, música, artes plásticas) na manutenção da saúde do idoso.

Referências

  • 1
    Minayo MCS, Silva RM, Brasil CCP, organizadoras. Cuidar da pessoa idosa dependente: desafios para as famílias, o estado e a sociedade. Fortaleza: EdUECE; 2022.
  • 2
    Scott AJ. Health policy the longevity society. Lancet Healthy Longev 2021; 2(12):e820-e827.
  • 3
    Minayo MCS. Cuidar de quem cuida de idosos dependentes: por uma política necessária e urgente. Cien Saude Colet 2021; 26(1):7-16.
  • 4
    Sampiere RH, Collado CF, Lucio MPB. Metodologia de pesquisa. 5ª ed. Porto Alegre: Penso; 2013.
  • 5
    Shrira A, Hoffman Y, Bodner E, Palgi Y. COVID-19-Related Loneliness and psychiatric symptoms among older adults: the buffering role of subjective age. Am J Geriatr Psychiatry 2020; 28(11):1200-1204.
  • 6
    Pereira S, Duque E. Cuidar de idosos dependentes: a sobrecarga dos cuidadores familiares. Rev Kairos 2017; 20(1):187-202.
  • 7
    Silva RM, Brasil CC, Bezerra I, Fortes ML, Santos MC, Gonçalves J, Jardim MHA. Desafios e possibilidades dos profissionais de saúde no cuidado ao idoso dependente. Cien Saude Colet 2021; 26(1):89-98.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Mar 2023
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